Obra de Beatriz Loner é exaltada na Feira do Livro de Porto Alegre

No último dia 17 de novembro, durante a 63ª Feira do Livro de Porto Alegre, a obra da Professora Beatriz Ana Loner foi relembrada e exaltada por pesquisadores da área de História do Trabalho, Etnias, Abolição e temas correlatos.

Em uma organização dos GT’s da ANPUH “Mundos do Trabalho” e “Emancipações e Pós-Abolição”, no Santander Cultural, as Professoras e Pesquisadoras Lorena Almeida Gill, Fernanda Oliveira da Silva e Silvia Petersen relembraram a trajetória de Beatriz, comemorando a reedição do livro “Construção de Classe: Operários de Pelotas e Rio Grande”.

Abaixo é possível acompanhar a fala da Profa. Silvia, que bem sintetizou o caráter de reconhecimento e de importância do trabalho de Beatriz Loner para a historiografia brasileira.

 

HOMENAGEM À PROFESSORA BEATRIZ ANA LONER

Agradeço, -e considero uma distinção- , o convite para participar dessa homenagem a Profa. Beatriz Loner por ocasião do lançamento da segunda edição de seu livro “Construção de classe. Operarios de Pelotas e Rio Grande (1888-1930)

Pensei em começar destacando o conteúdo do Currículo Lattes da Beatriz, mas logo desisti: sua formação e atuação profissional é tão ampla e diversificada, seus trabalhos como professora, orientadora, pesquisadora, autora de livros, capítulos, artigos, trabalhos apresentados, participante em bancas, assessorias, organizações de eventos, etc. são tão numerosos que apenas nomea-los ultrapassaria o tempo que disponho para essa fala.

Por isso, me limitarei apresentar uns poucos exemplos do seu sólido perfil profissional e creio que poderia resumir dizendo que Beatriz é uma professora e pesquisadora no sentido mais completo e digno dessas palavras e que é uma incansável e entusiasta lutadora. Incansável porque não desiste dos combates que enfrenta na vida profissional e pessoal, por duros que sejam e entusiasta porque coloca uma enorme força interior, uma dedicação intensa naquilo que se propõe.

Entre as iniciativas das quais a Beatriz foi promotora, quero mencionar seu papel na fundação do GT Mundos do Trabalho da ANPUH, que muito vem contribuindo para reunir pesquisadores, dinamizando as discussões e a produção de trabalhos desse tema. Já em 2002, Beatriz coordenou esse GT Nacional e com outros colegas, promoveu em Pelotas a Primeira Jornada de História do Trabalho, com o título ”O trabalho de pesquisa na pesquisa do trabalho” e como resultado da foi criado o Núcleo do RGS deste GT da ANPUH.

Deste então, bi-anualmente o GT tem promovido jornadas regionais, nas quais a Beatriz sempre teve uma atuação destacada, seja nas atividades de promoção do evento, seja participando na apresentação e discussão de trabalhos, já então abordando os temas da escravidão e pós-escravidão no RGS. Nesse sentido, as VIII Jornadas do GT Mundos do Trabalho do RS foram realizadas em 2015 na Unisinos, com o título Histórias do trabalho escravo, liberto e livre”.

Também participa do GT Emancipações e Pós-abolição que, como o nome indica, volta-se principalmente para o estudo a participação do negro nos mundos do trabalho.

Beatriz foi fundadora, em 1990, do Núcleo de Documentação Histórica da UFPel, o qual tem estimulado a preservação das fontes históricas e a produção acadêmica tanto no que se refere ao treinamento dos estudantes para a pesquisa, como no desenvolvimento da produção historiográfica do Departamento de História. Não é demais lembrar que o Núcleo publica, desde 1994, a “História em Revista” na qual Beatriz tem participação ora no conselho editorial, ora com artigos e resenhas.

Ainda destaco o seu conhecido envolvimento em favor da História, do historiador e das fontes históricas. Vou mencionar apenas uma delas, que foi a defesa destemida do patrimônio da Biblioteca Pelotense, quando a direção da mesma optou pelo descarte de livros e jornais: a conservação foi considerada desnecessária e os materiais descartados acabaram à venda “sebos” locais, embora seu valor fosse inestimável para o conhecimento histórico. Beatriz foi a timoneira nessa defesa, mobilizando imprensa, apoios variados e enfrentando, como se pode imaginar, muitos  problemas que poderia ter evitado.

Da mesma forma também se colocou na defesa das causas democráticas, seja no âmbito da política, seja no âmbito da vida acadêmica, mesmo nos anos mais repressivos da ditadura.

Enfim, não tenho dúvidas de que a história profissional e pessoal da Beatriz é fortemente responsável pelo prestígio que o Curso de História da UFPel possui no meio acadêmico, pelas amizades que construiu com muitos alunos e colegas e pela boa formação de seus alunos, o que fica demonstrado, por exemplo, pelo sucesso que eles tem nos cursos de pós-graduação.

Finalmente, quero falar de seu livro “Construção de classe. Operários de Pelotas e Rio Grande (1888-1930)”. Em uma época tão sombria como a que vivemos, -incluído ai o conhecimento histórico-, na qual a riqueza da experiência humana tem sido fragmentada em tantos trabalhos insignificantes, a reedição deste  livro presta uma contribuição impar para o conhecimento histórico. Concebido para analisar, a partir de diferentes ângulos, a formação da classe operária em Pelotas e Rio Grande, foram necessários muitos anos de minuciosa pesquisa, inclusive a redação de sua tese de doutorado, para tentar dar conta da complexidade que esse processo implica.

Para esse trabalho, Beatriz localizou inúmeras fontes históricas desconhecidas, extraviadas ou desarticuladas entre si, mas com riqueza informativa que lhe que permitiu não só reunir e analisar estes pedaços de história deixados em atas de associações às vezes fugazes, jornais intermitentes e documentos da política oficial e dos socialistas, anarquistas e comunistas, como trazer à luz aspectos da formação da classe em Pelotas e Rio Grande que eram desconhecidos.

Por outra parte, trabalhar com um material tão amplo e ao mesmo tempo com tantas lacunas, realizar esta verdadeira tecelagem de fios tão diferentes, romper com a aparência do que a leitura direta das fontes parece revelar e não descuidar das referências teóricas a partir das quais a análise se desenvolve, exige do historiador uma longa trajetória de estudo de um tema, para que possa reconhecer a importância de um fragmento, estabelecer prioridades e hierarquias e articular com propriedade explicativa as partes e o todo do seu objeto.

Por isso um livro como este precisa ser também valorizado por tudo aquilo de conhecimento que uma historiadora necessitou acumular para pode realizá-lo, agregando ainda seu pioneirismo no estudo da formação da classe operaria em Pelotas e Rio Grande, sobre a qual existiam apenas estudos laterais, muitos deles da própria Beatriz.   

Outro mérito da obra é que a autora não descuidou de fazer aparecer atrás das fontes, os personagens de carne e osso que estão experimentando a exploração em circunstâncias variadas e aqueles que os exploram, realizando alianças muitas vezes insólitas, mas que manifestam continuamente o intrincado jogo político de influências e de luta de classes.

O livro, além de seu valor historiográfico, tem uma qualidade que lhe permite transcender, no tempo, às interpretações do momento em que foi escrito. Como se sabe, as fontes só respondem as perguntas que lhes são feitas e as perguntas mudam ao longo do tempo. Assim pelas razões que já apontei, este é uma obra que constitui por si um acervo documental para novas pesquisas, pois muitas fontes consultadas pela Beatriz talvez já tenham desaparecido, mas através de seu trabalho subsistem e podem ser submetidas a novas indagações. Um exemplo disso são os 53 jornais e revistas que estão incluídos entre suas fontes e -sabe-se lá- quantos deles hoje ainda estarão disponíveis para novas pesquisas.

Acrescento ainda que o livro possui uma Introdução muito apropriada para antecipar ao leitor o que vai ser tratado, como o tema está organizado para sua apresentação e que referências teóricas vão dar base às análises realizadas. Nesse caso, Beatriz caracteriza o campo teórico marxista em que seu trabalho se inscreve e neste campo, aborda três âmbitos: A relação entre a formação das classes e sua consciência; Consciência e identidade de classe e Classe e identidade de classe. Ou seja, a Introdução permite que se possa conhecer antecipadamente a proposta da Autora, o que constitui um forte apoio à leitura do texto.

Encerrando minha fala, quero novamente cumprimentar com muito carinho a Professora Beatriz Loner não apenas por este livro, mas também pelo conjunto de sua obra e seu significado para a historiografia e para a formação de historiadores e desejar que ela logo retorne ao nosso convívio e aos prazeres (às vezes nem tantos…) de nossa profissão. 

Silvia Petersen

Porto Alegre 17-11-2017