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MANIFESTO SOBRE O MEIO AMBIENTE – DIA 05 DE JUNHO DE 2017

SEMANA DO MEIO AMBIENTE TEXTO

No dia 5 de Junho passado, dia que referencia o Meio Ambiente, reuniram-se
professores e pesquisadores de universidades do Rio Grande do Sul que têm longa e particular
atenção voltada para as questões que influenciam diretamente a natureza e as pessoas,
monitorando e observando os efeitos diversos que lhe atingem mas, com principal foco no
nosso estado e no Bioma Pampa. O objeto foi o debate e a elaboração do presente texto.
Sabe-se que muitas destas questões têm pressupostos integrados e orientados pela
lógica do mercado e do lucro, e que todas as análises feitas devem levar em conta o modo de
produção que destrói o ser humano e a natureza. Nesta oportunidade foram reafirmados
princípios e comprometimento com a existência humana e com a natureza.
Entende-se que, gradativamente, as questões ambientais assumem as manchetes que
há muitas décadas a imprensa lhes devem mas que são temas sempre relegados à espaços de
“curiosidades” e não de centralidade da subsistência da própria espécie humana. Aliás, com
frequência, observa-se o entendimento equivocado, mas repetidamente estimulado, de que o
“homem” e “Meio Ambiente” são elementos dicotômicos, não coexistentes, pouco
relacionados, numa lógica absurda e longe de qualquer realidade biológica; o que se passa
com um afeta o outro direta ou indiretamente, quer em breve ou alongado período no tempo.
Ambos compõem e são elementos integrantes do mesmíssimo espaço!
O chamado “aquecimento global”, fenômeno mundial ainda pesquisado e controverso
mas inequívoco nos seus efeitos e alterações, tem submetido a humanidade a vivências
inusitadas e preocupantes. Não obstante, mesmo as diversas e graves catástrofes vivenciadas
ainda não serviram de alertas e não conseguem refrear a sanha acumulativa empresarial ou
sequer provocar reflexões de prudência e bom senso em muitos gestores públicos.
Localmente tem-se o Rio Grande do Sul, e em particular o Bioma Pampa, submetidos
aos mesmos tipos de processos exploratórios que já foram abandonados há décadas, tanto por
sua extrema agressividade à natureza quanto às pessoas.
As explorações minerárias, jornalisticamente ligadas ao progresso, desenvolvimento,
respeito ambiental e social são, em verdade, extremamente agressivas ao Meio Ambiente e
muitas não respeitam nada nem ninguém, tendo uma relação inversa ao propostos acima. É
preocupante a revigorada investida deste setor, ainda mais com o apoio de poderes públicos,
como é o caso do governo gaúcho.
Os projetos e justificativas documentais gerados e apresentadas até o momento pelas
próprias empresas, como o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto sobre
o Meio Ambiente (RIMA), têm se mostrado cientificamente errados, documentalmente
equivocados, conceitualmente distorcidos, ambientalmente caóticos, além de uma absoluta
desconsideração com os aspectos culturais e sociais dos gaúchos.
Este é o caso do processo minerário que pretende escavar zinco, cobre, chumbo e ouro
em cavas a céu aberto no município de Caçapava, especificamente em Minas de Camaquã. Seu
EIA-RIMA foi detidamente analisado em reuniões com docentes da Universidade Federal de
Pelotas/Instituto de Biologia, Universidade Federal do Rio Grande/Campus São Lourenço e
Universidade Federal de Santa Maria/Pós-Graduação em Geografia.
Entre outros tantos, este projeto desconsidera o fato que o local se enquadra como
área de prioridade para preservação extremamente alta para o Ministério do Meio Ambiente e
uma das quatro regiões prioritárias de proteção da Biodiversidade para o Rio Grande do Sul.
Ademais, este mesmo Ministério recomenda (Fichas PP019, PP 023 e PP 025) como atividades
essenciais o turismo e educação, além de indicar a mineração como uma ameaça.
O projeto apresentado pela empresa Votorantim Metais Holding e a canadense
“Iamgold” mostra uma rigidez locacional incompatível com a área afetada, num estudo
apresentado sem respeito à sazonalidade do local, com amostragens de flora e fauna irrisórias
ou mesmo inexistentes, como é o caso de desconsiderar por absoluto os impactos de
explosões e poeiras sobre a biota.
Esta é uma área única e especial para a criação e desenvolvimento da pecuária familiar
sustentável, com um arranjo produtivo local qualificado de ovinos e turismo no país,
considerada uma referência internacional e um patrimônio histórico e cultural do RS. Tal fato
vai ao encontro dos interesses dos mercados mais exigentes!
Estes pecuaristas familiares são considerados os povos tradicionais do Pampa, sujeitos
a tratamento legal e protetivo diferenciado, assim como um patrimônio imaterial nos termos
da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
As formações rochosas desta região, denominadas de Guaritas, são consideradas uma
das Sete Maravilhas do RS, integrando um seleto grupo de apenas 25 territórios mundiais
sustentáveis perante a “World Famous Montains Association”, organização com sede na China
e vinculada à “United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization” (UNESCO).
Entende-se que este modelo de sucesso da agricultura familiar na Serra do Sudeste
deve ser reproduzido em outras regiões pampeanas, não se aceitando, como desejam
exclusivamente os interesses particulares empresariais ou o apoio equivocado de prefeituras e
do governo gaúcho, uma alteração da matriz produtiva de agropastoril para minerária!
Também fica aqui expresso o desacordo com as ações do Palácio do Piratini nesta área
do Meio Ambiente, mais especificamente com a atitude de extinção de entidades fundacionais
do RS, como foi o caso da Fundação Zoobotânica. Ainda os cortes de orçamento em ciência e
tecnologia, tanto em nível nacional quanto estadual, têm forte impacto negativo, como é o
caso do Programa de Pesquisa em Biodiversidade (PPBio), estabelecido para criar as bases
científicas necessárias para atender objetivos como as metas da Convenção da Diversidade
Biológica.
A reativação da exploração do carvão para a obtenção de energia é ilógica, uma vez
que este mineral no RS apresenta altas cargas de poluentes, como é o caso de compostos
derivados de enxofre e nitrogênio, e cuja queima gera expressivas quantidades de perigosos
poluentes na atmosfera. Por conta desta atividade já foram registrados cursos de água com pH
4,5 na região em torno da cidade de Bagé, fato alarmente pois o ideal para consumo humano
encontra-se entre pH 6.0 e 7.5. É ilusório imaginar que “novas tecnologias” ou “altas filtragens”
poderão impedir a contaminação atmosférica e das pessoas.
Também preocupante é o plantio de sementes transgênicas, num descontrole que o
próprio governo gaúcho não sabe informar a extensão cultivada ou seu percentual com
alterações gênicas.
Segundo o sítio da Emater tem-se aproximadamente 6,5 milhões de hectares ocupados
com diferentes grãos no RS (soja, arroz, milho, feijão) onde a soja ocupa a grande parte, numa
produção calcada em venenos potentes, responsáveis por alterações cromossômicas, mal
formações fetais, alergias, intoxicações, mortes prematuras, cânceres, internações
hospitalares, entre outros.
A soja transgênica avança de forma descontrolada gerando grave degradação
ambiental no Bioma Pampa, ocupando e alterando negativamente áreas anteriormente
empregadas para a pecuária, impondo o recuo desta atividade que é um dos mais fortes
símbolos do RS: o gaúcho e suas lidas! Em passado recente esta imagem já sofreu forte
impacto quando, através de intensa propaganda enganosa, a população foi induzida a
acreditar que as imensas lavouras de eucaliptos trariam desenvolvimento e riquezas mas que,
entre outros e na realidade, foram plantadas em locais com qualidade para a produção de
alimentos, fato que prejudicou a agricultura familiar, gerando afastamento do homem no
campo e do campo.
A bem da verdade, a agricultura vem sofrendo nos últimos anos forte alteração de
propósito e metas, quando o “agrobusiness” impõe uma visão onde “alimento” transformouse
em “commodity”, metas de lucros valem mais que pessoas e o enriquecimento de uns
poucos é alardeado como vantagem de muitos. Como se apresenta, este “negócio” é a
continuidade de um projeto de “Brasil colônia”, exatamente porque promove a exportação de
produtos primários e sem qualquer valor agregado e, no caso de sementes, inclusive com o
envio para outros países de grandes quantidades de água. O que resta ao brasileiro/pampeano
é o desemprego, solo degradado e Meio Ambiente desequilibrado. A geração de empregos de
qualidade e acúmulo de lucros ocorrem sempre no exterior, deixando muitos dos nossos
estudantes egressos das universidades sem mercado de trabalho.
As empresas exploradoras não dialogam com a sociedade, sempre preferindo reuniões
fechadas com políticos ou empresários e as audiências públicas só teatralizam espaços de
trocas de informações mas não promovem o necessário e real debate ou respeito coletivo, só
dando três minutos de fala a cada cidadão e horas para as empresas. As apresentações
distorcidas e longe da realidade destas teatrais assembleias são notórias e inquestionáveis.
Entretanto, entre todos os problemas que vivenciamos, não restam dúvidas de que a
água é um dos temas mais centrais.
71% da superfície do planeta é coberta por água salgada, tem-se somente 3% de água
doce, da qual 2% encontram-se em geleiras e 1% em rios, lagos e lençóis subterrâneos, sendo
somente 10% deste 1% é potável. Entretanto, por um lado ela é desfrutada com princípios e
lógicas medievais e como um bem inesgotável e, por outro, têm seus mananciais disputados
com conflitos bélicos entre alguns países.
Há décadas tem-se imagens do agreste nordestino mostrado em pessoas na extrema
pobreza, precocemente envelhecidas, crianças famintas e tendo que caminhar quilômetros
para conseguir um mínimo de água. A paisagem tórrida com esqueletos de animais ou urubus
que se alimentam da carniça são registradas com “insensível naturalidade” por
telespectadores. A política de perfuração de poços só serviu como tática eleitoreira e para
beneficiar espertalhões.
Os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais ainda tentam se recuperar de
crise hídrica que castigou severamente a população urbana e rural. Mesmo este fenômeno
climático tendo sido previsto com 10 anos de antecedência, as ações públicas sempre surgem
de forma tardia e equivocada.
Estas crises hídricas não são mais compreendidas como problemas “regionais” e não se
circunscrevem a estados ou microrregiões. Hoje entende-se a tremenda importância dos
“cursos de água atmosféricos” (“rios voadores”), massas de ar carregadas de vapor de água e
propelidas por ventos. A sua dinâmica de distribuição é 10 mil vezes mais rápida que as
correntes oceânicas, manifestando-se em forma de chuva, neve, granizo e nevoeiro. Estes “rios
voadores” passam sobre nossas cabeças, comprovando que a Bacia Amazônica está “aqui ao
lado”, pois é desta que chega parcela de umidade que ajuda a irrigar o Sudeste, Centro-Oeste e
nosso Sul do Brasil. Ou seja, é ilusório pensar que o criminoso desmatamento da Floresta
Amazônica não nos atinge, motivo pelo qual critica-se a Medida Provisória (MP) 756 que retira
a proteção sobre 588,5 mil hectares de florestas na Amazônia. Ainda como atitude criticável
tem-se a MP 758 que diminui em 20% o Parque Nacional de São Joaquim (SC), um dos
principais refúgios da biodiversidade da Mata Atlântica na região sul.
Para além, deve-se zelar pela qualidade da água e sua potabilidade, ou seja, água livre
de agentes que possam ocasionar doenças e possível de ser bebida por homens e animais.
Publicação da Embrapa (Panorama da Contaminação Ambiental por Agrotóxicos e
Nitrato de origem Agrícola no Brasil: Cenário 1992/2011) informa que “estudos realizado por
Mattos et al. (2002) têm mostrado a presença de glifosato em lavouras de arroz irrigado com
água proveniente da Lagoa Mirim em concentrações acima de 7 μg L-1
, valor máximo permitido
pela Agência de Proteção Ambiental Americana (USEPA)”. Entretanto, este valor é maior que o
volume normal circulante de 0,31 a 1,52 μg L-1
de progesterona durante fase folicular para a
mulher, ou seja, estas estão expostas a uma concentração de tóxicos bem superior que alguns
dos seus próprios hormônios (para este caso em até 4,6 vezes mais). No mesmo sentido, e com
ênfase, publicações indicam que o glifosato induz o crescimento de células cancerosas em
mamas da espécie humana via receptores de estrogênio.
Adiante, o mesmo trabalho da Embrapa cita que “na planície costeira externa e
fronteira oeste do Rio Grande do Sul, no período 2007/2008, encontraram resíduos de 3
hidroxi-carbofurano, clomazona, cialofope butílico, 2,4-D, azoxistrobina, bentazona,
difenoconazol, edifenfós, etoxissulfurom, fipronil, glifosato, imazetapir, mancozebe,
oxadiazona, oxifluorfen, penoxsulam, propanil, tebuconazol, tetraconazol, tiabendazol,
tiobencarbe”. Também informa que “resíduo do herbicida 2,4-D também foi detectado em uma
área piloto (AP) da Produção Integrada de Arroz (PIA), localizada na Fronteira Oeste do Rio
Grande do Sul na safra agrícola de 2006/2007, na concentração de 0,001 mg kg-1 de solo”.
Em assim sendo, e não por acaso, o Instituto Nacional de Câncer (INCA) cita o RS como
o estado no Brasil com a maior taxa de mortalidade de câncer e, em 2013, foram 186 homens
e 140 mulheres mortos para cada grupo de 100 mil habitantes de cada sexo, sendo que a
maioria dos pacientes vêm da área rural. O Brasil é o líder mundial no consumo de agrotóxicos
desde 2009 e, em 2016, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) calculou que o
brasileiro consumia até 12 litros de agrotóxico por ano.
Como têm-se vários venenos agrícolas dispersos na natureza em quantidades
elevadíssimas, por lógica faz-se obrigatório inferir que o impacto destes agrotóxicos sobre as
abelhas e outros insetos que proporcionam serviços fundamentais à natureza e às pessoas são
devastadores.
De tal forma, diante de tantos problemas, resta-nos o trabalho incessante e
permanente no alerta de questões que impactam o Meio Ambiente.
Entende-se, enfim, que a principal, senão a única opção para a salvaguarda de um
futuro com melhor qualidade para todos nós, resida no apoio e qualificação da agricultura
familiar.
É fundamental que este agricultor receba estímulos diferenciados e não o abandono
constatado, para que continue produzindo alimentos com qualidade e livre de venenos
agrícolas. Ele deve ser orientado, estimulado e apoiado na preservação de nossas nascentes e
“olhos de água”, evitando que estas sofram deterioração mediante desmatar ou pisotear do
gado. As estradas que lhes atendem devem ser recuperadas e preservadas, facilitando o
escoamento da sua produção agrícola. Preservação e recuperação de matas ciliares, postos de
saúde, escolas, oportunidades de cultura e lazer devem estar sempre na mira dos gestores
públicos.
O tempo de refletir já passou há muito, restando-nos pouco tempo para agir.
O Meio Ambiente exige atenção diferenciada e redobrada pois há muito as pessoas
vêm sofrendo severos impactos sem que sequer percebam a gravidade da nossa situação.
Se nosso futuro está ameaçado, também é inequívoco que nosso presente está
severamente degradado e não podemos fugir da responsabilidade de garantir qualidade de
vida para as gerações presente e futura.
ASSINAM ESTA MANIFESTAÇÃO
1. Conselho Departamental do Instituto de Biologia / UFPel
2. Instituto de Biociências – UFRGS
3. Prof. Dr. Althen Teixeira Filho – UFPel – Diretor do Instituto de Biologia
4. Prof. Dr. Marco Gottschalk – UFPel – Vice-Diretor do Instituto de Biologia
5. Profa. Dra. Jaqueline Durigo – FURG – Campus São Lourenço do Sul
6. Profa. Dra. Jane Pereira – UNIPAMPA – Campus de São Gabriel
7. Prof. Dr. Carlos Alberto da Fonseca Pires – UFSM – Departamento de Geociências
8. Prof. Dr. Daniel Loebmann – FURG – Diretor do Instituto de Ciências Biológicas
9. Profa. Dra. Anabele Deble – URCAMP – Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas e
Tecnologia em Gestão Ambiental
10. Prof. Dr. Edison Zefa – UFPel – Curso de Licenciatura e Bacharelado em Ciências
Biológicas e Engenharia Ambiental e Sanitária

Publicado em 03/07/2017, na categoria Direção.
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