Caro leitor, a revista que você tem em mãos agora, número 14, como sempre publicada em dezembro, nos faz, de certo modo, olhar retrospectivamente para o ano que se encerra, numa espécie de balanço de nossas atividades e, também, do que está acontecendo no mundo, pois, como sabemos, apesar da história se referir ao passado, ela é sempre feita a partir do presente.
Em 2008, a principal mudança foi trazida pela economia, na forma de uma imensa crise global, que faz muitos empresários e economistas voltarem seus olhos para um livro que começou a ser escrito há mais de 140 anos, em busca de respostas para as questões atuais. Nada fora do que essa própria teoria, a marxista, já contemplava. Assim, ela, que já fora declarada morta (inclusive junto com a história, em outro livro que teve seus momentos de glória) volta a cena econômica, embora nunca tenha se afastado do pensamento acadêmico na área de Humanas.
Como revista plural e que respeita a diversidade, especialmente em seu plano teórico, História em Revista só tem que saudar este retorno, que provavelmente terá efeito direto sobre a produção (e o fazer) da história e das ciências sociais. O quanto essa situação nos afetará, em uma perspectiva de mudança histórica e na produção teórica não nos é dado prever e deixamos a outros o papel de profetas, armados ou não.
Mas 2008 não foi um ano em vão. Mesmo que tudo retorne as velhas rotas em 2009, pelo menos emudeceu aqueles que afirmavam, arrogantemente, o fim de todas as utopias, de todas as possibilidades de transformação social e tornou hesitantes e menos autoconfiantes os adeptos da ordem global, daqueles que sempre disseram que não havia outra saída, individual ou coletiva, do que a de se adequar a um panorama sinistro do qual não se vislumbravam alternativas. Como historiadores, é maravilhoso ver a transformação histórica se estendendo tão rápido a nossa frente, mesmo sem que saibamos para onde nos levará, ante tantas e tão diferenciadas (que ironia!) alternativas.
O volume que está em suas mãos, caro leitor, abraça exatamente esta diversidade teórico-metodológica, ao mesmo tempo em que questiona, mais que ao passado, o presente, pois a maioria de seus artigos, embora tratem da História interrogam-se sobre questões vitais ainda para a atualidade, como a relação entre liderados e líderes, as questões de gênero, a arte e o compromisso político, o papel da imprensa e a força do Estado na formação da opinião pública.
Assim, o artigo de César Queirós trata dos trabalhadores e das tensas relações entre os benefícios individuais e o coletivo, envolvendo militantes e liderados; enquanto San Segundo analisa o movimento operário de Rio Grande em 1948-1952, com especial atenção ao comportamento dos trabalhadores e suas lideranças no que diz respeito à repressão policial e ao anticomunismo que dá a tônica ao trabalho. As relações de gênero atribuídas pela sociedade e suas expressões dentro da fábrica na República Velha são analisadas por Evangelia Aravanis, que também trata das percepções dos diversos sujeitos a este respeito.
Em outro artigo, e a partir da análise dos filmes mexicanos influenciados pelo processo revolucionário ocorrido naquele país no início do século XX, Mauricio de Bragança nos traz uma imagem múltipla de mulher, como representação dos ideais revolucionários por um lado e como permanência frente às mudanças por outro, imagem essa que auxilia, em sua análise, a domesticar a dimensão do processo revolucionário frente aos espectadores, numa interação entre governos pós-revolucionários e cinema nacional no México. Também ingressando na senda do uso político do imaginário, Victor Burgardt analisa a ação do Estado de Roraima e seu apelo à mídia, como instrumento para intervir na opinião pública sobre a realidade da demarcação de terras indígenas na Reserva Raposa Serra do Sol, assunto atualíssimo na pauta política brasileira, como sabemos.
Os outros dois artigos voltam ao século XIX, o primeiro, de Celso Uemori, analisando a visão de Manoel Bomfim sobre a sociedade latino-americana e as relações de dominação e consentimento que existiam entre seus vários setores, ligados aos diferenciados graus de exploração que pesavam sobre os diferentes agentes históricos, dos quais o trabalhador escravizado é o que suportava a maior carga. O segundo, de Mauro Dillmann, analisa relações num micro-cosmo, aquele das irmandades religiosas de Porto Alegre enfatizando as táticas e negociações utilizadas por elas para se aproximarem de um bispo conservador e manterem seu prestígio entre si. O instrumento de trabalho apresenta uma entrevista com a senhora Clara Keiserman, que atuou na cidade de Pelotas como visitadora sanitária, a partir dos anos de 1940. Este depoimento, junto com vários outros já obtidos, irá compor o Laboratório de História Oral, que será inaugurado no próximo ano, junto ao NDH.
Como se vê, a pauta do número 14 é extremamente atual e esperamos que auxilie a reflexão, tanto do passado, quanto do presente. Boa leitura a todos.
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