Desmistificando a fluência em uma língua estrangeira: o que é ser fluente?

É comum pensar que só quem cresce em lugares onde se falam duas línguas ao mesmo tempo (ambientes bilíngues) ou mais (ambientes multilíngues) consegue falar fluentemente um idioma estrangeiro. No entanto, estudos na área de aprendizagem de idiomas desmitificaram a ideia de que precisamos nos tornar ‘duplamente monolíngues’, ou seja, falar como nativos em uma língua estrangeira, ignorando as línguas que já conhecemos. A ideia de que só podemos ter um alto nível em um idioma estrangeiro se crescermos em um ambiente com diversas culturas e línguas não é sustentada pela ciência linguística.

Aprender uma língua estrangeira é desafiador, mas viável com dedicação e prática, mesmo para adultos que começam tardiamente, pois o cérebro humano é altamente adaptável em qualquer idade. A motivação, exposição regular à língua estrangeira e prática consistente são fundamentais para o desenvolvimento.

Contrariando a crença de que é preciso falar como um nativo, estudos, como os de Stephen Krashen (1982), mostram que não é necessário esquecer as línguas que já conhecemos. A chave está em compreender mensagens desafiadoras, mas compreensíveis, em vez de focar exclusivamente em regras gramaticais e vocabulário. Com o investimento adequado de tempo e esforço, as pessoas podem aprender bem outra língua.

É importante saber que existe uma janela ótima de oportunidade para aprender uma nova língua, geralmente até a puberdade e em um ambiente natural (no dia-a-dia), não em sala de aula. Estudando em sala de aula, você pode alcançar um alto nível, mas não será um falante nativo. Não se frustre; tenha orgulho do seu sotaque, pois ele reflete sua identidade linguística.

As escolas de idiomas muitas vezes acreditam que só se deve usar a língua-alvo em sala de aula, mas isso vem do mito do duplo monolíngue. Ignorar as línguas maternas dos alunos não é saudável. A ideia de que apenas falantes nativos podem ter fluência é ultrapassada. Todos têm potencial para aprender e se comunicar em diferentes idiomas. Para uma aprendizagem eficaz de uma língua estrangeira, é importante valorizar as línguas maternas dos alunos e incorporá-las ao ensino, criando um ambiente acolhedor.

Em suma, a ideia de que apenas pessoas criadas em ambientes bilíngues ou multilíngues podem possuir alto nível de proficiência em uma língua estrangeira é um mito que não se sustenta. É hora de desconstruir o mito do duplo monolíngue e incentivar a aprendizagem de novas línguas. É hora de superar crenças limitantes e abraçar o desafio de aprender uma nova língua.

Referências
AQUINO, Carla de. Uma discussão acerca do bilinguismo e do preconceito linguístico em populações bilíngues no sul do Brasil. Letrônica, v. 2, n. 1, p. 231-240, 2009. 
CUNHA, José Carlos C. Metalinguagem e didática integrada das línguas no sistema escolar brasileiro. In: PRADO, Ceres; CUNHA, José Carlos C. (orgs.). Língua materna e língua estrangeira na escola. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
CUNHA, José Carlos C.; MANESCHY, Vanessa B. O espaço da língua materna nas práticas de sala de aula de língua estrangeira. Veredas, v. 15, n. 1, p. 136-147, 2011.
DAHLET, Patrick. Línguas distintas e linguagem mútua. In: PRADO, Ceres; CUNHA, José Carlos C. (orgs.). Língua materna e língua estrangeira na escola. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
KRASHEN, Stephen D. Principles and Practice in Second Language Acquisition. Oxford: Pergamon Press, 1982.
SCHÜTZ, Ricardo E. Educação infantil bilíngue. Fonte: English Made in Brazil.

Autor: Eriovan Moraes-Toledo. Internacionalista, graduando em Letras – Português e Francês pela Universidade Federal de Pelotas

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