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Por que as pessoas insistem em falar outras línguas além do português?

Fonte: https://www.istockphoto.com/br/ilustra%C3%A7%C3%B5es/language-barrier

A resposta para a pergunta feita no título é bastante simples: porque falar a língua materna é um direito de todos. Estão erradas as pessoas que defendem o ideal de que no Brasil se deve apenas falar português. Ao analisarmos os dados em relação aos idiomas usados no País (SIMONS; FENNIG, 2020), verificamos a existência de 218 línguas utilizadas pela população. No entanto, a maior parte dessas não recebe a devida importância por serem línguas minoritárias.

Línguas minoritárias são aquelas faladas por pequenos grupos de pessoas, em um ambiente no qual a língua nacional é diferente. Esses idiomas servem como meio de comunicação em diversas comunidades (NARDI, 2004). É o caso das línguas de origem indígena, africana, alemã, italiana. Mesmo não tendo destaque, é fundamental que elas sejam protegidas da extinção.

Existem algumas iniciativas governamentais que buscam chamar a atenção para o valor dessas línguas como, por exemplo, as ações do Colegiado da Diversidade Linguística do Rio Grande do Sul (2018). O governo do Rio Grande do Sul considera a diversidade linguística como um patrimônio cultural, que reflete a história e a cultura dos povos que as falam. Também, entende que o conhecimento proveniente do domínio de um idioma auxilia os falantes nas possibilidades de mobilidade e acesso a culturas diversas – a cultura da sua comunidade e a cultura nacional. Compreende, ainda, que seu uso pode aumentar a potencialidade econômica e científica de seus falantes. Todas essas razões favorecem a manutenção das línguas minoritárias.

Fonte: https://www.ufrgs.br/projalma/documento-sobre-a-diversidade-linguistica/

Falantes e não falantes de línguas minoritárias devem exigir o desenvolvimento de planos destinados à garantia de existência desses idiomas. Estudos recentemente desenvolvidos enumeram uma série de estratégias de proteção às línguas minoritárias (HORST; KRUG; FORNARA, 2017). Espaços como o ambiente escolar, a comunidade e as famílias são os mais importantes para a conscientização de que essas línguas devem ser preservadas. Muito pode ser feito a partir de atividades de promoção dos idiomas, sendo alguns exemplos: oficinas, seminários, apresentações teatrais e musicais, desenvolvimento das habilidades escritas e orais, incentivo do uso das línguas em rádios locais, em momentos recreativos e na convivência familiar.

Em síntese, é preciso entender que falar uma língua minoritária não se trata de “insistir”, mas de exercer um direito.

Referências
SIMONS, G.; FENNIG, C. Ethnologue: Languages of the World. Dallas: SIL International, 2017. Disponível em: https://www.ethnologue.com/country/BR. Acesso em: 09 set. 2020.
NARDI, J. Línguas minoritárias e memórias. Resgate: Revista Interdisciplinar de Cultura, v. 12, n. 1, p. 117–134, 2004.
COLEGIADO DA DIVERSIDADE LINGUÍSTICA DO RIO GRANDE DO SUL. Diversidade linguística do RS: inventariar, reconhecer, salvaguardar, promover. Conselho Estadual de Cultura do RS. Documento. Porto Alegre, 2018.
HORST, C.; KRUG, M.; FORNARA, A. E. Estratégias de manutenção e revitalização linguística no Oeste Catarinense. Organon, v. 32, n. 62, p. 1–16, 2017.

Autora: Aline Behling Duarte
Possui graduação em Letras – Português/Inglês e respectivas Literaturas, na Universidade Federal de Pelotas (2012). Mestra em Letras pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Pelotas, na área de concentração – Estudos da Linguagem (2018). Atualmente é integrante do Laboratório de Psicolinguística, Línguas Minoritárias e Multilinguismo (LAPLIMM) e doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Pelotas, na linha de pesquisa Aquisição, variação e ensino.

 

 

Descolonização linguística: para o ensino de Literaturas Africanas de Línguas Africanas

A problemática da estandardização, oficialização e inserção de línguas africanas no sistema educativo varia muito nos diferentes países africanos. De acordo com o Ethnologue, há poucas línguas africanas oficializadas, ensinadas nas escolas e universidades como línguas de ensino. Por exemplo, em Moçambique, há aproximadamente 42 línguas autóctones, mas apenas 3 institucionalizadas. Mas, segundo um relato, o poder moçambicano tem uma vontade política de implementar 23 línguas nacionais no sistema educativo. No Gabão, é uma outra história. Além do fato de o francês ser a única língua oficial do país, não há verdadeiras políticas linguísticas públicas para a integração das línguas nacionais no sistema  educativo.

Hoje, existem disciplinas de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa no Brasil na universidade e na escola. Em vários outros países africanos, é ensinada a Literatura francófona, que inclui trabalhos produzidos por africanos francófonos, que é ensinada também na França, no Canadá, e assim por diante, e, a Literatura anglófona (literatura inglesa, nigeriana, ganesa, americana etc.). Sabemos que algumas línguas africanas são ensinadas também fora da África como o iorubá no Brasil, o wolof, o mandika e o bambara na França e na Rússia. Porém, disciplinas ou o ensino de Literaturas Africanas de Línguas Africanas propriamente dito (aqui não incluímos países como a Etiópia, que possui uma longa tradição de escrita autóctone) têm pouca visibilidade tanto na África quanto fora. Por quê?

A meu ver, para que haja o ensino oficial ou em massa das literaturas em línguas africanas, deveríamos, antes de tudo, perguntar onde estão as obras escritas em línguas e nos gêneros tradicionais africanos. Os registros mencionam a existência das literaturas em línguas africanas, que possuem uma longa história (desde o Egito antigo), e podemos citar algumas obras um pouco antigas como Feqer eske meqabe (O amor até a morte) da literatura amárica etíope (BUREAU, 1979), ou mais contemporâneas, como a obra bilíngue Cantares dos Ovimbundu do autor angolano Basílio Tchikale (2011), escrita na língua umbundu, E sok mɛ ná di mɔɔ-dhyeeb ɛ (Quando eu era criança), Tye bɛkwyel di ɛ, nɛ esee bɛ dii sɛ ɛ (Atividades típicas da nosso país), e Esesa mɛtse mɛgɔ (Histórias engraçadas), na língua bekwel, de um grupo de escrita criativa em língua bekwel no Congo, entre outros (MARTIN-GRANEL, 1992).

No entanto, percebemos que, apesar da existência dessas obras escritas em línguas africanas, constatamos que essas literaturas autóctones ainda têm um longo caminho para adquirir uma grande visibilidade nos domínios acadêmicos e escolares. E, para que se implemente um ensino democratizado das Literaturas Africanas clássicas e contemporâneas de línguas africanas no continente e fora, os autores africanos precisam produzir tais literaturas quantitativa e qualitativamente. Hoje, no Brasil, essa iniciativa é promovida por plataformas tais como a Revista NJINGA & SEPÉ, da Universidade de Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), que recebe produções científicas e literárias escritas em qualquer língua africana. Ela tem uma primeira edição na qual encontramos literatura em várias línguas africanas, dentre as quais a poesia na língua bekwel (EDOUHOU, 2021).

Fonte: https://cultura.culturamix.com/literatura/literatura-africana

Referências
BUREAU, J. T. Leiper Kane, Ethiopian Literature in Amharic. In: L’Homme, 1979, tome 19, n. 1. p. 152-153, 1979.
EDOUHOU, P. A. Voltar às fontes da mãe. Njinga & Sepé: Revista Internacional de Culturas, Línguas Africanas e Brasileiras São Francisco do Conde (BA), v. 1, n. 1, p. 282-288, jan./jun. 2021.
ELIBIYO, M. Z. Rapidolangue ou Flop des langues gabonaises à l’école. Paris: Edilivre-Aparis, 2016.
MARTIN-GRANEL, N. GERÁRD, A. Littératures en langues africaines. In: Cahiers d’études africaines, v. 32, n. 126, p. 343-346, 1992.
TCHIKALE, B. Cantares dos Ovimbundu. Luanda: Kilombelombe, 2011.

Autor: Peresch Aubham Edouhou
Falante de bekwel, ikota e francês, possui graduação em Letras – Português e Inglês pela Universidade Federal de Pelotas (2019). Atualmente é mestrando em Letras (Estudos da Linguagem) pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e escreve poemas em línguas africanas.