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Línguas africanas no Brasil: você já pensou sobre essas línguas?

Na história do Brasil, sabe-se que o povo de origem africana chegou ao país na condição de pessoas escravizadas. Assim, de acordo com a historiadora Sharyse Amaral (2011), estima-se que entre os séculos XVI e XIX milhares de pessoas do continente africano foram trazidas de forma abrupta e violenta. Os africanos que conseguiram resistir às péssimas condições a que foram submetidos nos navios negreiros trouxeram para a nova terra a cultura do seu lugar de origem, como os costumes, a religião e a língua, foco deste texto.

Antes de tudo, é necessário mencionar que o nosso país não tem apenas o português como o único idioma, pois, de acordo com a linguista Terezinha Maher (2013), temos mais de 200 línguas, entre línguas de imigração, indígenas e as de origem africana, as quais são consideradas línguas plenas ou especiais. É possível encontrar as línguas africanas em rituais de religiões de matriz africana e como demarcação social, conforme dado apontado por Margarida Petter em 2017.

Apesar da ausência dessas línguas nas placas de “Bem-vindo”, em entrada de cidades, assim como em placas indicando comunidades quilombolas ou placas turísticas, por exemplo, é possível ver sua influência em nosso vocabulário. Contamos com palavras influenciadas principalmente pelo banto, grupo etnolinguístico localizado principalmente na África subsaariana, como, por exemplo, abadá, caçula, dengo, tanga, banguela, muvuca, entre outras. Confira mais exemplos no texto de Flora Pereira.

http://www.afreaka.com.br/notas/diversidade-linguistica-africana-e-suas-herancas-na-formacao-portugues-brasil/

Considerando que na época do tráfico negreiro a população escravizada era a maior na sociedade da época e, atualmente, a população afrodescendente no Brasil representa mais de 50%, segundo os últimos dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), convém trazer para a nossa discussão a seguinte questão: Por que esse grande número não foi suficiente, em termos quantitativos, para que tivéssemos maior conhecimento, presença e comunidades de fala com as línguas de origem africana?

É necessário lembrar que os africanos, desde sua chegada ao Brasil, já vieram ocupando posições sociais marginalizadas e subjugadas. Isso explica, em partes, porque o povo preto pouco conseguiu manter viva sua língua materna, especialmente pelo fato de os colonizadores promoverem a mistura de diferentes etnias africanas em uma capitania a fim de evitar uma rebelião. Junto disso, sabe-se que o acesso à educação para essas pessoas era totalmente negado pela sociedade da época.

O caso das línguas africanas revela que há relações de poder nas políticas linguísticas. A população africana escravizada, em virtude da sua posição social marginalizada, não tinha poder na sociedade da época para manter sua língua de origem, mesmo que contabilizasse a maioria da população na época.

Por fim, é preciso levantar que o principal problema em torno das línguas africanas e dos dialetos originários dela é a falta de visibilidade dessas línguas, assim demonstrando certo apagamento de parte da cultura de um povo, o preto. Apesar disso, reconhecemos a sobrevivência dessas línguas em rituais religiosos e como demarcação social como um processo de resistência da cultura afro-brasileira.

Referências
AMARAL, Sharyse Piroupo do. História do negro no Brasil. Brasília: Ministério da Educação. Salvador: Centro de Estudos Afro orientais, 2011.
MAHER, T. M. Ecos de resistência: políticas linguísticas e línguas minoritárias no Brasil. In: NICOLAIDES, C.; SILVA, K. A.; TÍLIO, R; ROCHA, C. H. (Org.) Política e Políticas Linguísticas. Campinas: Pontes, 2013. p. 117-134.
PETTER, Margarida. Línguas Africanas no Brasil. África: Revista do Centro de Estudos Africanos. USP, S. Paulo, n. 27-27, p. 63-89, 2007. 

Autora: Nessana Pereira
Graduação em Letras – Português pela Universidade Federal de Pelotas (2018). Atualmente, é mestranda em Letras pela mesma instituição.