Arquivo mensais:setembro 2022

Você já ouviu falar em translinguagem?

Tudo começou em 1994, quando o pesquisador Cen Williams criou o termo trawsieithu para denominar um modelo de educação bilíngue, comum no País de Gales desde os anos 1980. O objetivo desse estilo de aula era expor os alunos a material em língua inglesa – livros, vídeos, imagens – e estimulá-los a produzir algo – um texto, uma apresentação oral, uma discussão – em língua galesa. Isso quer dizer que a trawsieithu reunia a língua materna dos alunos e a língua que eles estavam aprendendo em uma mesma lição. A grande finalidade desse método era desenvolver o bilinguismo dos alunos, que é a habilidade de gerenciar duas ou mais línguas, segundo as pesquisadoras Isabella Mozzillo e Karen Spinassé (2021).

Com o passar do tempo, o termo trawsieithu foi traduzido para o inglês como translanguaging (em português: translinguagem). Além disso, o termo, além de ganhar um novo nome, ganhou também um novo significado. A professora Ofelia García (2017) se tornou um nome importante neste assunto ao chamar de translinguagem os usos da linguagem que falantes bilíngues empregam no dia-a-dia e de que formas utilizam as suas línguas para se comunicarem em diferentes situações. Segundo a autora, bilíngues não possuem duas línguas separadas dentro do cérebro. Não! O que eles realmente possuem é um único repertório linguístico, composto por elementos – sons, palavras, expressões etc. – de todas as línguas que conhecem. Dependendo da situação na qual se encontram, essas pessoas utilizarão somente elementos da língua X (pois podem estar conversando com alguém que fale somente essa língua); e haverá situações em que essas pessoas poderão utilizar elementos tanto da língua X quanto da língua Y, caso estejam frente a frente com outro bilíngue que conheça as mesmas línguas que elas.

Fonte: https://www.kinderaerztliche-praxis.de/a/gelebte-mehrsprachigkeit-mit-translanguaging-1813177

A professora García, em parceria com a pesquisadora Sara Vogel (2017), explica que o prefixo trans (da palavra “translinguagem”) serve também para designar determinados usos da linguagem que não podem ser classificados nem como uma língua nem outra. São nesses casos que os indivíduos “translinguam” – isto é, empregam formas linguísticas que reúnem elementos de mais de uma língua (trollar, crushzinho etc).

Isso ocorre porque, de acordo com a pesquisadora Tatyana Kleyn (2019), termos como “inglês”, “chinês” e “espanhol” servem para estabelecer uma diferença entre povos e nações, mas não possuem nenhuma função a nível mental. Isso significa que o único lugar onde as línguas estão separadas é nos mapas mundiais. Dentro do cérebro, as línguas estão reunidas e entrelaçadas, e é justamente por isso que usos translíngues da linguagem são tão comuns entre sujeitos que falam duas ou mais línguas.

Referências
LEWIS, Gwyn; JONES, Bryn; BAKER, Colin. Translanguaging: Origins and development from school to street and beyond. Educational Research and Evaluation: An International Journal on Theory and Practice, v. 18, n. 7, p. 641–654, 2012.
KLEYN, Tatyana; GARCÍA, Ofelia. Translanguaging as an Act of Transformation: Restructuring Teaching and Learning for Emergent Bilingual Studentes. In: OLIVEIRA, Luciana. (org.) The Handbook of TESOL in K-12. John Wiley & Sons Ltd., 2019. p. 69-82.
MOZZILLO, Isabella; PUPP SPINASSÉ, Karen. Políticas linguísticas familiares em contexto de línguas minoritáriasLinguagem & Ensino, Pelotas, v. 23, n. 4, p. 1297-1316, 2020.
VOGEL, Sara; GARCIA, Ofelia. Translanguaging. Oxford Research Encyclopedia of Education, USA, p. 1-19, 2017.

Autor: Leonardo Ribeiro, graduado em Licenciatura em Letras – Português e Inglês pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Atualmente, é aluno do mestrado em Aquisição, Variação e Ensino, com pesquisas em multilinguismo e translinguagem.