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Eu, bilíngue?

Responda rapidamente: você se considera uma pessoa bilíngue? Se você respondeu que não, eu pergunto: além do português, você usa outra língua para realizar alguma atividade específica em sua vida? Se a resposta for sim, saiba que você pode se considerar bilíngue! Ainda em dúvida? Talvez este texto possa ajudar, da mesma forma que este vídeo.

Segundo as pesquisadoras Antonieta Megale e Andrea Ualt, a definição de bilinguismo supostamente é bastante óbvia: saber duas línguas. Porém, muitos de nós atribuem o bilinguismo àquelas pessoas que aprenderam dois ou mais idiomas ao mesmo tempo ainda na infância. Além disso, é comum a percepção de que pessoas bilíngues têm exatamente o mesmo nível de conhecimento de ambas as línguas. Talvez por isso você tenha respondido que não se considera bilíngue.

De fato, os exemplos acima se referem a pessoas bilíngues. No entanto, as pesquisas na área da Linguística e áreas afins têm demonstrado que o conceito de bilinguismo é mais abrangente do que se imagina. É o que podemos ver na pesquisa de Isabella Mozzillo e Karen Spinassé (2021), que definem que o indivíduo bilíngue “consegue gerenciar (falar e/ou entender) duas ou mais línguas, utilizando cada uma para os respectivos contextos e propósitos necessários, com a propriedade necessária”.

Assim, por exemplo, se você é brasileiro e está aprendendo sua primeira língua estrangeira depois de adulto e já compreende os textos que lê, as músicas que escuta e, para a “felicidade” de seus vizinhos, já consegue cantá-las no chuveiro, você pode se considerar bilíngue. Se você, por outro lado, tem avós falantes nativos de alemão, não consegue falar com eles nesse idioma, mas compreende quando eles falam com você, você é bilíngue. Se fala pomerano em casa e português no trabalho, é bilíngue também. Se lê artigos em inglês para uma disciplina da faculdade, você é bilíngue. Troca mensagens em espanhol com um amigo da Argentina? Bilíngue!

Fonte: Designed by Freepik

Segundo o linguista François Grosjean, pessoas bilíngues adquirem e usam línguas com diferentes objetivos e pessoas, em situações de vida bastante variadas, o que significa que é perfeitamente normal que seu nível de fluência em cada idioma não seja idêntico. Logo, é possível e aceitável que uma pessoa bilíngue leia e escreva exclusivamente em uma das línguas, tenha um desempenho oral melhor naquela que utiliza com mais frequência, ou então que consiga compreender bem o que as pessoas falam e escrevem em uma das línguas, mas não se expressar oralmente tão bem. Um aspecto importante a se considerar em relação a esses diferentes usos apontados por Grosjean é a questão do vínculo afetivo com os idiomas. No artigo Como você sabe que é bilíngue?, publicado no jornal El País, Virgínia Mendoza menciona alguns linguistas que afirmam que a diferença de carga emocional dos contextos onde são adquiridos os idiomas por um indivíduo bilíngue faz com que seja natural, por exemplo, que ele recorra à língua adquirida em contextos familiares para expressar sentimentos.

Em síntese, ao contrário do que muitos pensam, o bilinguismo não é um fenômeno de simetria entre línguas. Então, agora que você leu este texto, eu volto a perguntar: você se considera uma pessoa bilíngue?

Referências

UALT, Andréa Fonseca. Afinal, o que é esse tal de bilinguismo? Tesouro Linguístico, Pelotas, 10 de fev. de 2021.
GROSJEAN, François. [trad. Heloísa Augusta Brito de Mello e Dilys Karen Rees]. Bilinguismo Individual. Revista UFG, ano X, n. 5, p. 163-176, 2008. . Acesso em: 14 mai. 2021.
MEGALE, Antonieta Heyden. Bilingüismo e educação bilíngüe – discutindo conceitos. Revista Virtual de Estudos da Linguagem – ReVEL, v. 3, n. 5, 2005.
MENDOZA, Virginia. Quando você sabe que é bilíngue? El País, Brasil, 2017.
MOZZILLO, Isabella; PUPP SPINASSÉ, Karen. Políticas linguísticas familiares em contexto de línguas minoritárias. Linguagem & Ensino, Pelotas, v. 23, n. 4, p. 1297-1316, 2020.

Autora: Carolina Fernandes Alves. Licenciada em Letras Português-Espanhol (UFRGS), Mestra em Estudos da Linguagem (UFRGS) e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPEL. Professora do Departamento de Metodologia do Ensino da UFSM. Instagram: @profe_carolina.alves. 

O português também é uruguaio!

Mas a língua do Uruguai não é o espanhol? Para responder essa pergunta, primeiro é importante dizer que não necessariamente um país se constitui apenas por uma língua. Por exemplo, no Brasil, embora o português seja a língua oficial, e, por isso, muitos o identifiquem como um país monolíngue, mais de 200 línguas são faladas, de acordo com os pesquisadores Tommaso Raso, Heliana Mello e Cléo Altenhofen (2011). No Uruguai, não é diferente. Nas comunidades fronteiriças do norte, o português, historicamente, também foi bastante falado. E sabe por quê?

Muitos mitos indicam que o motivo do português ser falado no norte do Uruguai é a presença de brasileiros e de seus meios de comunicação. No entanto, a história é bem mais antiga e tem início lá no século XIX, quando a República Oriental do Uruguai ainda nem tinha esse nome.

O português é falado no norte do Uruguai devido às raízes históricas da época colonial e vem sendo transmitido como língua de herança por gerações. A pesquisadora Ana Maria Carvalho (2006) explica que, no século XIX, o Brasil ocupava grande parte do território uruguaio, como mostra a imagem abaixo, e era visto como um rival na disputa de terras.

Fonte: RONA, José Pedro. El dialecto “fronterizo” del norte del Uruguay. Montevideo. Adolfo Linardi, 1965.

Para se diferenciar no processo de construção de sua nação, o Uruguai buscava eliminar o português do país. Para isso, diversas políticas monolíngues foram implementadas. Entre elas, destacamos a própria construção de Montevidéu como centro de referência hispânico e o ensino apenas de espanhol nas escolas públicas.

Diante dessa ideologia, para a estudiosa Ana Maria Carvalho (2006), o uso do português era “visto como resistência à unidade nacional e traição aos valores da pátria” e, por isso, criou-se uma predisposição em dizer que o espanhol era a língua do governo e da identidade uruguaia, ficando o português uruguaio com status de língua marginalizada.

Atualmente, como resultado das políticas monolíngues implementadas ao longo dos séculos, o português uruguaio é bem menos falado. Por outro lado, existem pesquisas e projetos que buscam resgatar o idioma e utilizá-lo como recurso para um processo de educação bilíngue.

Referências
CARVALHO, Ana Maria. Políticas lingüísticas de séculos passados nos dias de hoje: o dilema sobre a educação bilingüe no norte do Uruguai. Language Problems & Language Planning, v. 30, n. 2, p. 149–171.
RASO, Tommaso; MELLO, Heliana; ALTENHOFEN, Cléo V. Os contatos linguísticos e o Brasil: Dinâmicas pré-históricas, históricas e sociopolíticas. In: MELLO, Helina; ALTENHOFEN, Cléo V.; RASO, Tommaso. Os contatos linguísticos no Brasil. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2011. p. 13-56.

Autora: Caroline Gonçalves Feijó-Quadrado. Licenciada em Letras e Mestre em Educação pela Universidade Federal do Pampa – campus Jaguarão. Doutoranda em Letras pela Universidade Federal de Pelotas.