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Quais os direitos das pessoas surdas usuárias da Libras no ensino superior?

Muitas pessoas surdas têm receio de fazer uma graduação por pensar que será difícil, pois usam a Língua Brasileira de Sinais – Libras. Não se pode prometer tranquilidade durante os estudos universitários, mas conhecer melhor os seus direitos como falante de uma língua minoritária pode ajudar bastante. Línguas minoritárias são línguas faladas por um grupo específico, menor que a população em geral, mas que tem influência na construção da identidade e da cultura dessas pessoas. Direitos linguísticos são construídos através de Políticas Linguísticas, o que, resumidamente, são decisões tomadas acerca do uso das línguas.

O uso da Libras como língua de comunicação e pela qual se aprende algo novo no ambiente acadêmico é um direito linguístico da Comunidade Surda brasileira, alcançado graças às leis vigentes. A primeira foi a Lei de Acessibilidade, que diz que as pessoas surdas também devem ter acesso à comunicação. Com a Lei de Libras, em 2002, isso deve ser realizado através da Libras, se elas assim desejarem, com professores e outras pessoas envolvidas na aprendizagem.

Na Lei 14.191, documento mais atual sobre a educação de surdos, pode se ler que a universidade precisa dispor de ensino bilíngue, de assistência estudantil e, ainda, estimular a pesquisa e o desenvolvimento de programas especiais. Para além da sala de aula, espera-se que a universidade adeque-se às normativas legais, como à obrigatoriedade de tradução completa de editais e outros documentos oficiais em Libras (Lei 13.146).

Essas são algumas das ações que se alinham a uma Política Linguística buscando dar maior visibilidade para a Libras e apoiar o ensino das pessoas surdas nos diferentes níveis, incluindo o Ensino Superior. Mesmo assim, elas não tornam a faculdade mais fácil. As pesquisadoras Ana Paula Santana e Aline Darde trazem algumas considerações sobre o acesso e a permanência dos universitários surdos, são elas: as barreiras em relação à Língua Portuguesa e a falta de ferramentas e estratégias visuais para o ensino.

A instituição precisa estar atenta às atualizações na legislação, mas sabe-se que muitas regras somente são colocadas em prática e obedecidas quando são reivindicadas pelas pessoas envolvidas. Então, fica a dica!

Referências
BRASIL. Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras, e o art. 18 da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Brasília: Presidência da República, 2005.
BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei brasileira de inclusão da pessoa com deficiência (Estatuto da pessoa com deficiência). Brasília: Presidência da República, 2015.
BRASIL. Lei Nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências. Brasília: Presidência da República, 2000.
BRASIL. Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras e dá outras providências. Brasília: Presidência da República, 2002.  
BRASIL. Lei nº 14.191, de 03 de agosto de 2021. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), para dispor sobre a modalidade de educação bilíngue de surdos. Brasília: Presidência da República, 2021.
DARDE, Aline Olin Goulart, SANTANA, Ana Paula de Oliveira. Letramento de Surdos Universitários no Brasil: o Bilinguismo em Questão. Revista Ibero-americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 16, n. 2, p. 761-782, abr./jun. 2021. 

Autora: Joseane Maciel Viana, graduada em Licenciatura em Letras – Português e Inglês, com Mestrado em Letras, pela Universidade Federal de Pelotas. Atualmente, é aluna do Doutorado em Aquisição, Variação e Ensino, na mesma universidade.

Português brasileiro para estrangeiros

Você sabia que não são só os cidadãos brasileiros que estudam o português brasileiro? Atualmente, muitas pessoas de outros países onde não se fala a nossa língua se interessam em aprender o nosso português. Isso ocorre devido a diversas motivações, as principais são oportunidades de emprego e estudo, migrações e casamentos.

A maioria dos cursos de português para falantes de outras línguas ocorre nas universidades brasileiras. Na cidade de Pelotas/RS, por exemplo, a Universidade Federal de Pelotas, por meio dos programas Idiomas sem Fronteiras e Português para Estrangeiros, oferece cursos gratuitos de português aos estudantes estrangeiros da instituição, bem como à comunidade em geral.

Fonte: UFPel Internacional. Disponível em: https://lh3.googleusercontent.com/p/AF1QipOh_8YrOA1yvcS1c8hacn8gjEW1dZ5JNu1nD4_K=s680-w680-h510

Nos últimos anos, a UFPel vem realizando diversas ações relacionadas ao português como língua adicional (também chamada de língua estrangeira). Essas ações visam promover o respeito e a valorização da diversidade linguística presente na universidade e na cidade de Pelotas. Desse modo, as línguas devem ser respeitadas e valorizadas para possibilitar o acolhimento de toda a sociedade.

A oferta de cursos de português brasileiro para estrangeiros ocorre, sobretudo, para que a língua não seja uma barreira na vida dos estrangeiros que chegam à cidade de Pelotas e precisam aprender a falar português. As professoras Vanessa Damasceno e Helena Selbach (2021) afirmam que o Programa de Português para Estrangeiros da UFPel atende cerca de 40 alunos estrangeiros por semestre, advindos de vários países e com diferentes línguas maternas.

Considerando a grande diversidade linguística presente no Brasil, o professor Marcos Bagno (2015) declara que todas as pessoas são dotadas das mesmas capacidades cognitivas e que todas as línguas são instrumentos perfeitos para dar conta de expressar e construir a experiência humana no mundo. Sendo assim, um gaúcho fala português de maneira diferente de um mineiro; nesse sentido, uma pessoa de outro país que está aprendendo português falará de uma forma distinta. É importante respeitar as culturas e as várias formas de falar de cada um.

Referências
BAGNO, Marcos. Preconceito Linguístico. 56. ed. São Paulo: Parábola, 2020.
DAMASCENO, Vanessa Doumid; SELBACH, Helena Vitalina. O Programa Português para Estrangeiros: panorama de ações e contribuições para a educação de professores de PLA. Entretextos, v. 21, n. 3 Esp., p. 151-162, 2021.
UFPEL – Universidade Federal de Pelotas. Conselho Coordenador do Ensino, da Pesquisa e da Extensão. Resolução n° 01/2020, de 20 de fevereiro de 2020. Institui a política linguística da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Pelotas: Conselho Coordenador do Ensino, da Pesquisa e da Extensão, 2020.

Autor: Lucas Röpke da Silva – Graduado em Letras Português e Espanhol pela Universidade Federal de Pelotas. Atualmente, é aluno do mestrado acadêmico em Letras da UFPel na linha de Aquisição, Variação e Ensino.

A língua portuguesa deveria ser ensinada a todos do mesmo jeito?

Você deve pensar que essa resposta é simples. Será mesmo? Embora o ensino da língua portuguesa seja obrigatório em todas as escolas brasileiras, é preciso considerar as diferenças de uso da língua para pensar em uma forma de ensiná-la. 

Para começar, em nosso país não se fala só português. Segundo o professor Cléo Altenhofen, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no Brasil se falam cerca de 270 línguas. Há alunos surdos que usam a Língua Brasileira de Sinais (Libras), indígenas e falantes de línguas herdadas dos seus antepassados imigrantes. Todos precisam dar conta de estudar formalmente português que, às vezes, nem é o idioma falado na sua casa! 

Além disso, mesmo para os brasileiros que só falam português, há diferenças entre a língua que se usa no cotidiano e aquela da escola e dos livros didáticos. Essas diferenças se relacionam ao local em que se vive, à classe social ou, ainda, à formalidade da situação em que nos comunicamos. Existe, também, uma vasta região de fronteira em que a língua portuguesa se mistura à língua dos vizinhos na comunicação diária, fazendo com que os habitantes dessas localidades falem um português com pitadas de espanhol ou de outras línguas. 

Assim, estudar português na escola pode ser bem diferente de usá-lo no dia a dia.  Como, então, ensinar a língua portuguesa a todos considerando tantas diferenças? A resposta está no diálogo, no respeito e na reflexão sobre o idioma e toda diversidade linguística, que deveria ser a base do ensino em todas as escolas do país.

A sala de aula deve ser um espaço em que estudantes e professores respeitem a língua de cada um e, a partir disso, construam acordos coletivos que permitam que todos se expressem sem nenhum constrangimento. Estudar a língua portuguesa não significa esquecer ou condenar outros modos de falar, isso porque pensar toda essa diversidade linguística torna a aprendizagem mais significativa e interessante para todos. 

Carlos Drummond de Andrade, poeta brasileiro, escreveu em um de seus poemas que para estudar português na escola, precisava esquecer a língua em que conversava, brincava ou namorava. Isso não é verdade! Para estudar português na escola é preciso entender que ele não é nem um, nem dois, mas vários; tão diverso quanto o povo, a culinária e as paisagens do Brasil.

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Monumento_a_Carlos_Drummond_de_Andrade#/media/Ficheiro:Carlos_DA_2.jpg

Referências 
ALTENHOFEN, Cléo Vilson. Bases para uma política linguística das línguas minoritárias no Brasil, 2013. In: NICOLAIDES, C.; SILVA, K. A.; TILIO, R.; ROCHA, C. H. (Org.). Política e Políticas Linguísticas. Editora Pontes, 2013. p. 93-113.
BAGNO, Marcos. A inevitável travessia: da prescrição gramatical à educação linguística. In: BAGNO, Marcos. GAGNÉ, Gilles. STUBBS, Michael. Língua materna: letramento, variação e ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2002. p. 13-80.

Autora: Vivian Anghinoni Cardoso Corrêa. Licenciada em Letras e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Pelotas e aluna do Doutorado em Letras na mesma instituição.

Você já ouviu falar do talian?

A imigração italiana no Brasil teve início em 1875 e estendeu-se por volta de 1920. Os primeiros imigrantes concentraram-se, principalmente, no sul do país. Eles trouxeram costumes, crenças e, é claro, línguas que usaram para se comunicarem na nova terra. Assim, surge uma língua que hoje chamamos talian. Vamos conhecer um pouco mais sobre ela? 

A imigração teve diferentes motivos, mas a história começa em meados do século XIX, quando a Itália acabara de ser unificada. Os artesãos não conseguiam competir com as mercadorias manufaturadas da recente Revolução Industrial, as sucessivas crises agrícolas e o excesso de mão de obra causaram um cenário desfavorável à população italiana. Por outro lado, a região mais ao sul do Brasil ainda era pouco povoada e, devido à proximidade com a Argentina e o Uruguai, era de interesse do governo brasileiro que essas terras fossem ocupadas para garantir a posse da área do território nacional. 

Fonte: Guzzo (2022)

Entre os imigrantes incentivados pelo governo brasileiro, estavam os italianos, principalmente aqueles do norte da Itália. Desses imigrantes, estima-se que 95% eram provenientes do Trivêneto (região formada pelo Vêneto, Trentino Alto Ágide, Friuli-Venezzia Giulia). A distribuição de terras no Brasil aos imigrantes não respeitou as suas diferentes origens geográficas. Nos primeiros anos da imigração italiana ao sul do Brasil, nos encontros comunitários, os imigrantes utilizaram uma mescla de seus dialetos,  formando uma língua de base comum de nome dialeto vêneto ou talian. 

Fonte: Rodrigues (2015)

Esses imigrantes trouxeram, portanto, as suas formas de falar. Dessa forma, o talian é uma língua minoritária de imigração, formada a partir da fusão de língua e dialetos italianos, trazidos para o Brasil pelos primeiros imigrantes. É usado por comunidades italianas, bem como por seus descendentes sobretudo no nordeste do Rio Grande do Sul, no Paraná, em Santa Catarina, no Mato Grosso e no Espírito Santo. Também pode ser denominado como vêneto rio-grandense ou vêneto brasileiro.

Atualmente, o talian é língua cooficial em 18 municípios nos estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. A lista completa está disponível no site do IPOL

Referências
BRASIL. Certidão Talian. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Brasília, DF: Ministério da Cultura, 2014.
GUZZO, N. B. Brazilian Veneto (Talian). Journal of the International Phonetic Association– Illustrations of the IPA. Available online on FirstView, 2022. 
MASSOLINI, P. J. De koiné/dialeto véneto a léngoa talian. In: DAL CASTEL, J. J.; LOREGIAN-PENKAL, L.; TONUS, J. W. (orgs.) Talian par cei e grandi: gramàtica e stòria. Pinto Bandeira: Araucária / Serafina Corrêa: Assodita, Prefeitura de Serafina Corrêa, 2021.
MIAZZO, G. Afinal, o que é “talian”? Revista Italiano UERJ, v. 2, n. 1. UERJ, Rio de Janeiro. p. 33 – 45, 2011.
RODRIGUES, S. L. Mi parlo talian: uma análise sociolinguística do bilinguismo português-dialeto italiano no município de Santa Teresa, Espírito Santo. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Centro de Ciências Humanas e Naturais, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2015.

Autora: Ariela Fátima Comiotto: É doutoranda do Programa de Pós-graduação em Linguística da Universidade Federal de Santa Catarina. Mestra em Linguística pela mesma universidade. Formada em Letras pela UFRGS. Estuda o code-switching em bilíngues português-talian.

Koroniago – Você conhece essa língua?

Koroniago significa, em tradução para o português, “língua da colônia”. Essa língua é falada em comunidades brasileiras de origem japonesa e representa o valor identitário e cultural de seus falantes. O Brasil é um país que possui em suas raízes e sua composição uma pluralidade de línguas. Entre as línguas que compõem a nossa diversidade estão as línguas indígenas, as línguas de origem africana e as línguas de imigrantes.

Kasato-Maru – Primeiro Navio de Imigrantes Japoneses, 1908. Fonte: Shozo Motoyama, 2011

No início do século XX, é marcada a chegada de imigrantes japoneses de diferentes regiões do Japão, que se estabeleceram em comunidades rurais do país para trabalhos agrícolas. Com o passar do tempo, a língua japonesa difundida em território brasileiro entra em contato com a língua portuguesa recebendo influências e transformando-se em uma língua com características próprias e locais, formando a koroniago.

Início da Escola Primária e Fundadores do Bairro Aliança 2, 1933 – Mirandópolis – SP
Fonte: Prefeitura Municipal de Mirandópolis, 2012

O pesquisador Shuhei Hosokawa (2008) relata em um dos seus trabalhos a presença da identidade e da cultura local no vocabulário da língua. Por meio da palavra “enshâda”, uma ferramenta de trabalho agrícola, pode-se exemplificar a formação da palavra “enshâdashugi”, que significava a “ideologia de considerar a agricultura como base da sociedade e nela encontrar o maior significado da vida”.

Moradores do Bairro Aliança 2, 1935
Fonte: Prefeitura Municipal de Mirandópolis, 2012

Podemos encontrar na língua também manifestações relacionadas à cultura brasileira em palavras como “shuhasuko” (churrasco), “masandoamoru” (maçã do amor), “Mashadodeashisu” (Machado de Assis) e “onsa” (onça), vocábulos apresentados em um estudo do pesquisador Marcionilo Neto (2020), como pode ser visto na seguinte figura.

Traços de nipobrasilianidade nos livros didáticos de língua japonesa
Fonte: Marcionilo Euro Carlos Neto, 2020

Em uma entrevista realizada pelo pesquisador Junko Ota (2008), alguns informantes demonstram marcas de afetividade e identidade em relação à língua em falas como: “é uma língua familiar e calorosa” e “koroniago é a língua comum dos nikkeis (descendentes de japoneses)”. O pesquisador Marcionilo Neto (2022), enfatiza que a koroniago marca e reforça a identidade de seus falantes, além de demonstrar as particularidades multiétnicas dos nipobrasileiros.

Bon-odori – Evento do Bairro Segunda Aliança, 1967 – Mirandópolis – SP
Fonte: Prefeitura Municipal de Mirandópolis, 2012

Por isso, é de extrema importância a valorização da língua koroniago como um patrimônio linguístico, histórico e cultural da nossa sociedade. Assim, podem ser desenvolvidas ações de manutenção da língua, que evitem o seu desaparecimento, proporcionem o acesso às próximas gerações e promovam o reconhecimento e a desestigmatização da língua.

Referências
CARLOS NETO, Marcionilo Euro. Koroniago: coiné nipobrasileira e patrimônio linguístico-cultural resultante do contato de línguas no contexto imigratório do Brasil. Pranja: revista de culturas orientais, [S.L.], v. 3, n. 5, p. 232-256, 2022.
CARLOS NETO, Marcionilo Euro. Koroniago: manifestação etno-linguístico cultural de uma coiné “nipobrasileira”. 2020. 258 f. Tese (Doutorado) – Curso de Estudos da Linguagem, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2020.
FERRAZ, Aderlande Pereira. O panorama linguístico brasileiro: a coexistência de línguas minoritárias com o português. Filologia e Linguística Portuguesa, [S.L.], n. 9, p. 43 – 73, 2007.
HOSOKAWA, Shuhei. A importância histórico-cultural dos imigrantes Nikkeis no Brasil. Estudos Japoneses, [S.L], n. 28, p. 11-24, 2008.
MOTOYAMA, Shozo. Kasato-Maru. Estudos Avançados, [S.L.], v. 25, n. 72, p. 323-326, ago. 2011.
OTA, Junko. As línguas faladas nas comunidades rurais nipo- brasileiras do estado de São Paulo e a percepção das três gerações sobre a ‘mistura de línguas’. Estudos Japoneses, [S.L.], n. 28, 137-148, 2008.
Prefeitura Municipal de Mirandópolis. Segunda Aliança. 2012. 

Autor: Thomas de Julio, graduado em Licenciatura em Letras – Português e Alemão pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Mestrando em Letras na linha de Aquisição, Variação e Ensino na mesma universidade.

Você sabe o que são direitos linguísticos?

Já parou para pensar sobre como a pluralidade de línguas ao redor do mundo contribui para a riqueza cultural da sociedade? Os direitos linguísticos, ainda pouco difundidos fora do meio acadêmico, desempenham um papel crucial na promoção da diversidade cultural e na garantia de que todos tenham a oportunidade de se expressar na sua própria língua. Mas, afinal, o que são “direitos linguísticos”?

O tema dos direitos linguísticos, no sentido atualmente compreendido, começa a surgir após o término da Segunda Guerra Mundial com a publicação da Declaração Universal dos Direitos Humanos. O segundo artigo da Declaração deixa claro que todo ser humano deve poder desfrutar de seus direitos e liberdades sem qualquer distinção, como de raça, cor, sexo, língua etc. No entanto, de acordo com Ricardo Nascimento Abreu (2020), professor e pesquisador da Universidade Federal de Sergipe, é no movimento dos “novos direitos” no final do século XX e início do século XXI, como os direitos das mulheres, das crianças, dos idosos etc., que os direitos linguísticos ganham destaque.

Para Abreu, pode-se dividir os direitos linguísticos em dois tipos: o direito das línguas e o direito dos grupos linguísticos. Em relação ao primeiro, entende-se como normas e ações que buscam reconhecer, promover e preservar línguas, em especial aquelas consideradas “minoritárias”. Podemos mencionar, por exemplo, o Decreto nº 7387/2010, que regulamenta o Inventário Nacional da Diversidade, iniciativa que busca reconhecer diversas línguas nacionais e promover políticas públicas para essas línguas. Já sobre o segundo, entende-se como normas e ações que buscam garantir o direito de todo indivíduo se expressar nas suas próprias línguas. Podemos mencionar, como exemplo, o Projeto de Lei nº 5182/2020, que objetiva, caso seja aprovado, a atribuição de tradutores e intérpretes comunitários em todas as esferas do serviço público, como em hospitais e tribunais, para garantir a indivíduos que não falam português o direito de se expressarem na sua própria língua e, assim, o acesso aos serviços por intermédio desses profissionais.

A discussão sobre os direitos linguísticos é bastante recente, mas também muito ampla. Você já tinha ouvido falar sobre esses direitos? Comente aqui embaixo outros exemplos!

Referências
ABREU, Ricardo Nascimento. Contribuições para uma delimitação dos Direitos Linguísticos no Brasil. In: Seminário Ibero-americano de Diversidade Linguística, 1., 2014, Foz do Iguaçu. Anais […]. Foz do Iguaçu: IPHAN, 2014. p. 108-117.
ABREU, Ricardo Nascimento. Direito Linguístico: olhares sobre as suas fontes. A Cor Das Letras, v. 21, n. 1, p. 172-184, 2020.
BRASIL. Decreto nº 7.387, de 09 de dezembro de 2010. Institui o Inventário Nacional da Diversidade Linguística e dá outras providências.
BRASIL. Projeto de Lei nº 5182, de 2020. Institui-se como política pública a obrigatoriedade de alocação de tradutores e de intérpretes comunitários em todas as instituições públicas federais, estaduais e municipais, de forma permanente ou através da formação de núcleos especializados de tradução e de interpretação comunitária especialmente organizados para atender às demandas específicas de cada área. Brasília: Senado Federal, 2020.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948. 

Autor: Gabriel Plácido Campos, graduado em Bacharelado em Letras Tradução – Inglês-Português pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel).

Qual é a importância da decisão familiar para a manutenção de línguas minoritárias?

Primeiramente, é preciso esclarecer o que é uma política linguística. De maneira geral, as políticas linguísticas lidam com as línguas e o que acontece com elas na sociedade. É por meio dessas políticas que são escolhidos os idiomas que devem ser ensinados na escola, por exemplo. As políticas linguísticas sobre o uso da(s) língua(s) podem ser decididas no âmbito mundial, nacional, estadual, municipal e, até mesmo, familiar. Mas como assim familiar?

Segundo o professor e pesquisador Cléo Altenhofen, uma política linguística familiar engloba as decisões tomadas sobre as línguas que serão utilizadas dentro de casa pela família, isto é, quando os pais, falantes de uma determinada língua, decidem ensinar ou não aos seus filhos essa língua. Você deve estar se perguntando: o que é língua minoritária? A língua minoritária é falada por grupos que não são tão prestigiados social, cultural ou politicamente e, é diferente da língua oficial da sociedade. No entanto, esta língua deve ser ensinada em casa, pois tem a função de preservar não só a continuidade da língua como a cultura e a identidade da família.

Então, o que podemos fazer para preservar uma língua minoritária? A resposta mais simples é: fazendo a criança falar e responder nessa língua. Muitos profissionais da educação aconselham, de forma equivocada, que os pais abandonem a língua minoritária para facilitar a integração da criança na escola. Essas falsas ideias podem interferir no comportamento dos pais, que, mesmo querendo manter o desenvolvimento da língua, desconhecem de que forma fazer. Aqui vão duas dicas para auxiliar nesta importante tarefa de transmitir a língua minoritária para as crianças:

– Crie oportunidades para que a criança fale e ouça nos dois (ou mais) idiomas em diferentes situações e com bastante frequência.

– Fale com todos os seus filhos seguindo o mesmo padrão. A língua está muito relacionada com emoções, então é importante que todos os filhos sejam tratados de forma igual, sem que nenhum fique de fora da comunicação.

De acordo com a professora e pesquisadora Isabella Mozzillo, é importante que a criança esteja exposta às duas línguas, ou seja, a criança tem que ter oportunidades de contato, em casa, com a sua língua minoritária, já que a língua usada pela sociedade (no nosso caso, o português) está presente no seu cotidiano a partir do momento que entra na escola.

Referências
ALTENHOFEN, Cléo Vilson. Política lingüística, mitos e concepções lingüísticas em áreas bilíngües de imigrantes (alemães) no Sul do Brasil. Revista internacional de lingüística iberoamericana, v. 3, n. 1, 2004.
CALVET, Louis-Jean. As políticas linguísticas. São Paulo: Parábola, 2007.
LIRA, Camila. O português como língua de herança em Munique: ofertas, práticas e desafios. Fólio-Revista de Letras, v. 10, n. 1, 2018.
MOZZILLO, Isabella. Algumas considerações sobre o bilinguismo infantil. Veredas, v. 19, n. 1, 2015.

Autora: Julia Diogo, graduada em Letras Português e Literaturas de Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). Atualmente, é mestranda em Letras, na linha de Aquisição, Variação e Ensino, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).

Desmistificando a fluência em uma língua estrangeira: o que é ser fluente?

É comum pensar que só quem cresce em lugares onde se falam duas línguas ao mesmo tempo (ambientes bilíngues) ou mais (ambientes multilíngues) consegue falar fluentemente um idioma estrangeiro. No entanto, estudos na área de aprendizagem de idiomas desmitificaram a ideia de que precisamos nos tornar ‘duplamente monolíngues’, ou seja, falar como nativos em uma língua estrangeira, ignorando as línguas que já conhecemos. A ideia de que só podemos ter um alto nível em um idioma estrangeiro se crescermos em um ambiente com diversas culturas e línguas não é sustentada pela ciência linguística.

Aprender uma língua estrangeira é desafiador, mas viável com dedicação e prática, mesmo para adultos que começam tardiamente, pois o cérebro humano é altamente adaptável em qualquer idade. A motivação, exposição regular à língua estrangeira e prática consistente são fundamentais para o desenvolvimento.

Contrariando a crença de que é preciso falar como um nativo, estudos, como os de Stephen Krashen (1982), mostram que não é necessário esquecer as línguas que já conhecemos. A chave está em compreender mensagens desafiadoras, mas compreensíveis, em vez de focar exclusivamente em regras gramaticais e vocabulário. Com o investimento adequado de tempo e esforço, as pessoas podem aprender bem outra língua.

É importante saber que existe uma janela ótima de oportunidade para aprender uma nova língua, geralmente até a puberdade e em um ambiente natural (no dia-a-dia), não em sala de aula. Estudando em sala de aula, você pode alcançar um alto nível, mas não será um falante nativo. Não se frustre; tenha orgulho do seu sotaque, pois ele reflete sua identidade linguística.

As escolas de idiomas muitas vezes acreditam que só se deve usar a língua-alvo em sala de aula, mas isso vem do mito do duplo monolíngue. Ignorar as línguas maternas dos alunos não é saudável. A ideia de que apenas falantes nativos podem ter fluência é ultrapassada. Todos têm potencial para aprender e se comunicar em diferentes idiomas. Para uma aprendizagem eficaz de uma língua estrangeira, é importante valorizar as línguas maternas dos alunos e incorporá-las ao ensino, criando um ambiente acolhedor.

Em suma, a ideia de que apenas pessoas criadas em ambientes bilíngues ou multilíngues podem possuir alto nível de proficiência em uma língua estrangeira é um mito que não se sustenta. É hora de desconstruir o mito do duplo monolíngue e incentivar a aprendizagem de novas línguas. É hora de superar crenças limitantes e abraçar o desafio de aprender uma nova língua.

Referências
AQUINO, Carla de. Uma discussão acerca do bilinguismo e do preconceito linguístico em populações bilíngues no sul do Brasil. Letrônica, v. 2, n. 1, p. 231-240, 2009. 
CUNHA, José Carlos C. Metalinguagem e didática integrada das línguas no sistema escolar brasileiro. In: PRADO, Ceres; CUNHA, José Carlos C. (orgs.). Língua materna e língua estrangeira na escola. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
CUNHA, José Carlos C.; MANESCHY, Vanessa B. O espaço da língua materna nas práticas de sala de aula de língua estrangeira. Veredas, v. 15, n. 1, p. 136-147, 2011.
DAHLET, Patrick. Línguas distintas e linguagem mútua. In: PRADO, Ceres; CUNHA, José Carlos C. (orgs.). Língua materna e língua estrangeira na escola. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
KRASHEN, Stephen D. Principles and Practice in Second Language Acquisition. Oxford: Pergamon Press, 1982.
SCHÜTZ, Ricardo E. Educação infantil bilíngue. Fonte: English Made in Brazil.

Autor: Eriovan Moraes-Toledo. Internacionalista, graduando em Letras – Português e Francês pela Universidade Federal de Pelotas

No Brasil, não se fala só português!

Você já ouviu alguém dizer que é um milagre vivermos em um país tão grande e, mesmo assim, todos falarmos a mesma língua? Essa noção fortalece o mito de que o Brasil é um país monolíngue, onde só uma língua – a portuguesa – é falada. 

Em nosso país, temos uma vasta diversidade linguística. Segundo o professor e pesquisador Cléo Altenhofen (2013), existem cerca de 270 línguas faladas no território brasileiro: 219 línguas indígenas e 51 de imigração, como o pomerano, o italiano, o japonês, entre outras. Portanto, podemos afirmar que vivemos em um país plurilíngue – isto é, um lugar no qual várias línguas e culturas estão em contato. 

Fonte: Arquivo pessoal de Bruno Oliveira

Ao longo da história, essa diversidade nem sempre foi reconhecida e legitimada tanto pelas instituições governamentais quanto pela população em geral. Além disso, de acordo com a professora e pesquisadora Isabella Mozzillo (2008), a ideia de que o português é a única língua do Brasil faz com que as outras línguas sofram repressão. Sendo assim, precisamos refletir sobre a importância de reconhecer e valorizar todas as línguas, a fim de minimizar os danos sociais e culturais sofridos por essas comunidades linguísticas. 

É a partir da mudança de nossas atitudes que poderemos pensar em formas adequadas de reconhecer e promover a pluralidade linguística e cultural dos brasileiros. Não basta somente falarmos sobre as palavras de origens indígenas em um dia específico (por exemplo, no dia 19 de abril); também não é suficiente a valorização das culturas de imigrantes e suas respectivas línguas exclusivamente em festivais de tradições. Torna-se necessário levar, frequentemente, essas pautas para as escolas, universidades, assembleias e mídias digitais. 

Entretanto, não devemos apenas “dar voz” para as diversas comunidades de fala; o principal é “dar ouvidos” e incentivar o plurilinguismo para que o nosso país seja um espaço que entenda a sua história e suas riquezas linguística e cultural. Para os pesquisadores Angela Baalbaki e Thiago Andrade (2016), é importante a criação de políticas para legalizar e legitimar línguas de grupos minoritários, para que suas histórias também façam parte do que pensamos enquanto “Brasil”. 

Por fim, após a leitura, lhe pergunto: é só português?

Referências
ALTENHOFEN, C. V. Bases para uma política linguística das línguas minoritárias no Brasil, 2013. In: NICOLAIDES, C.; SILVA, K. A.; TILIO, R.; ROCHA, C. H. (Org.). Política e Políticas Linguísticas. Editora Pontes, 2013. p. 93-113.
ALTENHOFEN, C. V. Política lingüística, mitos e concepções lingüísticas em áreas bilíngües de imigrantes (alemães) no Sul do Brasil. Revista internacional de lingüística iberoamericana, n. 1, v. 3, p. 83-93, 2004.
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Autor: Bruno Oliveira, graduado em Licenciatura em Letras – Português e Inglês pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Atualmente, é aluno do mestrado em Aquisição, Variação e Ensino, na mesma universidade.

Diferentes estilos de leitura de textos em língua estrangeira

O que você entende como estilos de leitura em língua estrangeira? Pode deixar que eu te ajudo com isso. Como explicado pelo professor Gerard Westhoff, existem vários estilos de leitura que podemos fazer de um texto, cada uma com um objetivo diferente. Um bom exemplo são a leitura de um livro de ficção científica, um texto em um livro didático e uma receita de bolo. Nós não lemos esses três textos do mesmo jeito, correto? É porque temos objetivos diferentes com cada um deles. Vamos ver quais são os estilos de leitura agora?

Leitura global: é a leitura que fazemos quando queremos apenas saber algo rapidamente, ter uma ideia do que o texto se trata. Um exemplo de quando fazemos uso da leitura global é quando folheamos uma revista no consultório do dentista. Sobrevoamos com os olhos também quando lemos pela primeira vez os textos de uma língua nova, assim conseguimos captar mais rapidamente o conteúdo escrito.

Leitura seletiva: é o típico tipo de leitura que fazemos quando, por exemplo, estamos trabalhando com exercícios escolares. Estamos lendo o texto, mas não focamos em tudo o que está escrito, mas procuramos a resposta para alguma pergunta. Um exemplo de situação onde utilizamos a leitura seletiva é no ENEM.  O objetivo da leitura seletiva é buscar informações específicas quando estamos aprendendo algo novo.

Leitura detalhada: Como já diz no nome, a leitura detalhada é quando lemos o texto inteiro prestando atenção em cada detalhe. Lemos o texto de forma profunda. Usamos também a leitura detalhada quando estamos aprendendo alguma língua nova e precisamos entender bem um conteúdo gramatical.

Nós utilizamos os estilos de leitura diariamente, em situações diversas, sem nos darmos conta: quando vamos ao supermercado, quando lemos um documento antes de assiná-lo; acompanhando as legendas da nossa série preferida, concentrados no texto de uma prova. Portanto, aprender sobre as diferentes formas que lemos, prestando atenção no que queremos quando estamos diante de um texto, nos torna leitores muito mais eficientes.     

Referências
WESTHOFF, G. Fertigkeit lesen. Fernstudieneinheit 17. 7. ed. Langenscheidt/Goethe Institut. München, 2005. p. 100-108.

Autor: Yago Badaró Santino Ribeiro. Graduando em Letras – Português-Alemão pela UFPel.