“Eles dança, eles olha, eles fica”? Em aulas de francês?

Vocês devem estar se perguntando: o que formas estranhas de concordância no português, como as que aparecem no título, têm a ver com uma língua aparentemente tão sofisticada quanto o francês? Pasmem e acreditem! Elas têm tudo a ver!

No entanto, antes de se mostrarem as relações entre as concordâncias ilustradas no título e as da língua francesa, é muito importante esclarecer que tais concordâncias nada estão erradas. Elas são, somente, uma variação dentro da língua portuguesa falada no Brasil, denominadas, linguisticamente, de variantes linguísticas não padrão do português brasileiro.

Esse assunto tão complexo, inclusivo e fascinante foi o que me levou, como professora de português e de francês, a dar espaço a variantes do português em aulas de francês língua estrangeira, sobretudo, àquelas que sofrem preconceito, desprestígio e estigma. Procuro, na medida do possível, trazer esse tipo de variação linguística para debater e confrontar com estruturas da língua francesa que é, sem dúvida nenhuma, uma língua de prestígio internacional.

Fonte: https://www.mlfmonde.org/tribunes/la-langue-francaise-est-elle-une-langue-laique/

Tudo isso, na intenção de mostrar aos alunos que algumas coisas em francês se dizem de maneira semelhante a algumas variantes no português. Nesse caminho, o aluno é levado a entender que as variantes nada têm de menor, de desprestígio, muito menos de erradas, mas são integradoras e fazem parte de todas as línguas (BAGNO, 1999; BORTONI-RICARDO, 2004; 2005; 2014).

É o que acontece com os verbos regulares no presente do indicativo: ambas as línguas têm várias pessoas em concordância verbal na escrita, porém, no registro falado, aparecem apenas duas. A divergência está no fato de que em português, tais concordâncias emergem em registros não padrão, enquanto, no francês, em registros padrão. Vejam só a explicação a seguir!

Tomando-se, por exemplo, a conjugação do verbo “falar” no português, têm-se todas as pessoas conjugadas na escrita [eu falo, tu falas, ele(a) fala, nós falamos, vós falais, eles/as falam, mas apenas duas nas variantes faladas por algumas pessoas, como em eu – [falu], tu, ele(a), nós, a gente, vocês eles(as) – [fala]. Observem, então, que em uma modalidade oral não padrão do português tem-se eu [falu] e o restante das pessoas, todo mundo [fala], enquanto na escrita, cada pessoa do verbo tem uma conjugação específica.

No francês, acontece a mesma coisa com esses verbos. Tomando-se, por exemplo, o mesmo verbo falar – parler [parle] no francês. Na escrita têm-se todas as pessoas conjugadas (je parle, tu parles, il/elle/on parle, nous parlons, vous parlez, ils/elles parlent, mas somente três aparecem na oralidade  (je, tu, il, elle, ils, elles, on [parl], nous [parlõ] e vous [parle].

Se observarmos com atenção, a similaridade parece não ser tão perfeita assim, já que o português tem duas pessoas e o francês, três na oralidade. Pois bem! Muitas pessoas falantes de francês utilizam on parle [õ parl] no lugar de nous parlons [nu parlõ], assim há uma espécie de apagamento do nous parlons e a utilização de on parle no lugar – o que resulta em duas pessoas na oralidade do francês. Vejam, então, que no francês existe vous parlez [parle] e o restante das pessoas tout le monde parle (todo mundo fala), absolutamente igual ao que ocorre com as conjugações verbais no presente do indicativo de verbos regulares em variantes não padrão do português, resultando nas concordâncias, aparentemente estranhas, que aparecem no título deste texto – eles dança, eles olha, eles fica, pronúncia que todos os falantes de francês usam em qualquer circunstância.

Referências
BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 1999.
BORTONI-RICARDO, Stella Maris. M. Educação em língua materna: a sociolinguística em sala de aula. São Paulo: Parábola, 2004.
BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Nós cheguemu na escola, e agora? Sociolinguística & educação. São Paulo: Parábola, 2005.
BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Manual de sociolinguística. São Paulo: Contexto, 2014.

Autora: Claudia Regina Minossi Rombaldi. Professora do Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense (IFSul), no Campus Pelotas-Visconde da Graça (CaVG). Realizou estágio pós-doutoral no Programa de Pós-graduação em Letras, do Centro de Letras e Comunicação (CLC), da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), sob a orientação da Profa. Dra. Isabella Mozzillo.

Por que as pessoas insistem em falar outras línguas além do português?

Fonte: https://www.istockphoto.com/br/ilustra%C3%A7%C3%B5es/language-barrier

A resposta para a pergunta feita no título é bastante simples: porque falar a língua materna é um direito de todos. Estão erradas as pessoas que defendem o ideal de que no Brasil se deve apenas falar português. Ao analisarmos os dados em relação aos idiomas usados no País (SIMONS; FENNIG, 2020), verificamos a existência de 218 línguas utilizadas pela população. No entanto, a maior parte dessas não recebe a devida importância por serem línguas minoritárias.

Línguas minoritárias são aquelas faladas por pequenos grupos de pessoas, em um ambiente no qual a língua nacional é diferente. Esses idiomas servem como meio de comunicação em diversas comunidades (NARDI, 2004). É o caso das línguas de origem indígena, africana, alemã, italiana. Mesmo não tendo destaque, é fundamental que elas sejam protegidas da extinção.

Existem algumas iniciativas governamentais que buscam chamar a atenção para o valor dessas línguas como, por exemplo, as ações do Colegiado da Diversidade Linguística do Rio Grande do Sul (2018). O governo do Rio Grande do Sul considera a diversidade linguística como um patrimônio cultural, que reflete a história e a cultura dos povos que as falam. Também, entende que o conhecimento proveniente do domínio de um idioma auxilia os falantes nas possibilidades de mobilidade e acesso a culturas diversas – a cultura da sua comunidade e a cultura nacional. Compreende, ainda, que seu uso pode aumentar a potencialidade econômica e científica de seus falantes. Todas essas razões favorecem a manutenção das línguas minoritárias.

Fonte: https://www.ufrgs.br/projalma/documento-sobre-a-diversidade-linguistica/

Falantes e não falantes de línguas minoritárias devem exigir o desenvolvimento de planos destinados à garantia de existência desses idiomas. Estudos recentemente desenvolvidos enumeram uma série de estratégias de proteção às línguas minoritárias (HORST; KRUG; FORNARA, 2017). Espaços como o ambiente escolar, a comunidade e as famílias são os mais importantes para a conscientização de que essas línguas devem ser preservadas. Muito pode ser feito a partir de atividades de promoção dos idiomas, sendo alguns exemplos: oficinas, seminários, apresentações teatrais e musicais, desenvolvimento das habilidades escritas e orais, incentivo do uso das línguas em rádios locais, em momentos recreativos e na convivência familiar.

Em síntese, é preciso entender que falar uma língua minoritária não se trata de “insistir”, mas de exercer um direito.

Referências
SIMONS, G.; FENNIG, C. Ethnologue: Languages of the World. Dallas: SIL International, 2017. Disponível em: https://www.ethnologue.com/country/BR. Acesso em: 09 set. 2020.
NARDI, J. Línguas minoritárias e memórias. Resgate: Revista Interdisciplinar de Cultura, v. 12, n. 1, p. 117–134, 2004.
COLEGIADO DA DIVERSIDADE LINGUÍSTICA DO RIO GRANDE DO SUL. Diversidade linguística do RS: inventariar, reconhecer, salvaguardar, promover. Conselho Estadual de Cultura do RS. Documento. Porto Alegre, 2018.
HORST, C.; KRUG, M.; FORNARA, A. E. Estratégias de manutenção e revitalização linguística no Oeste Catarinense. Organon, v. 32, n. 62, p. 1–16, 2017.

Autora: Aline Behling Duarte
Possui graduação em Letras – Português/Inglês e respectivas Literaturas, na Universidade Federal de Pelotas (2012). Mestra em Letras pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Pelotas, na área de concentração – Estudos da Linguagem (2018). Atualmente é integrante do Laboratório de Psicolinguística, Línguas Minoritárias e Multilinguismo (LAPLIMM) e doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Pelotas, na linha de pesquisa Aquisição, variação e ensino.

 

 

Descolonização linguística: para o ensino de Literaturas Africanas de Línguas Africanas

A problemática da estandardização, oficialização e inserção de línguas africanas no sistema educativo varia muito nos diferentes países africanos. De acordo com o Ethnologue, há poucas línguas africanas oficializadas, ensinadas nas escolas e universidades como línguas de ensino. Por exemplo, em Moçambique, há aproximadamente 42 línguas autóctones, mas apenas 3 institucionalizadas. Mas, segundo um relato, o poder moçambicano tem uma vontade política de implementar 23 línguas nacionais no sistema educativo. No Gabão, é uma outra história. Além do fato de o francês ser a única língua oficial do país, não há verdadeiras políticas linguísticas públicas para a integração das línguas nacionais no sistema  educativo.

Hoje, existem disciplinas de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa no Brasil na universidade e na escola. Em vários outros países africanos, é ensinada a Literatura francófona, que inclui trabalhos produzidos por africanos francófonos, que é ensinada também na França, no Canadá, e assim por diante, e, a Literatura anglófona (literatura inglesa, nigeriana, ganesa, americana etc.). Sabemos que algumas línguas africanas são ensinadas também fora da África como o iorubá no Brasil, o wolof, o mandika e o bambara na França e na Rússia. Porém, disciplinas ou o ensino de Literaturas Africanas de Línguas Africanas propriamente dito (aqui não incluímos países como a Etiópia, que possui uma longa tradição de escrita autóctone) têm pouca visibilidade tanto na África quanto fora. Por quê?

A meu ver, para que haja o ensino oficial ou em massa das literaturas em línguas africanas, deveríamos, antes de tudo, perguntar onde estão as obras escritas em línguas e nos gêneros tradicionais africanos. Os registros mencionam a existência das literaturas em línguas africanas, que possuem uma longa história (desde o Egito antigo), e podemos citar algumas obras um pouco antigas como Feqer eske meqabe (O amor até a morte) da literatura amárica etíope (BUREAU, 1979), ou mais contemporâneas, como a obra bilíngue Cantares dos Ovimbundu do autor angolano Basílio Tchikale (2011), escrita na língua umbundu, E sok mɛ ná di mɔɔ-dhyeeb ɛ (Quando eu era criança), Tye bɛkwyel di ɛ, nɛ esee bɛ dii sɛ ɛ (Atividades típicas da nosso país), e Esesa mɛtse mɛgɔ (Histórias engraçadas), na língua bekwel, de um grupo de escrita criativa em língua bekwel no Congo, entre outros (MARTIN-GRANEL, 1992).

No entanto, percebemos que, apesar da existência dessas obras escritas em línguas africanas, constatamos que essas literaturas autóctones ainda têm um longo caminho para adquirir uma grande visibilidade nos domínios acadêmicos e escolares. E, para que se implemente um ensino democratizado das Literaturas Africanas clássicas e contemporâneas de línguas africanas no continente e fora, os autores africanos precisam produzir tais literaturas quantitativa e qualitativamente. Hoje, no Brasil, essa iniciativa é promovida por plataformas tais como a Revista NJINGA & SEPÉ, da Universidade de Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), que recebe produções científicas e literárias escritas em qualquer língua africana. Ela tem uma primeira edição na qual encontramos literatura em várias línguas africanas, dentre as quais a poesia na língua bekwel (EDOUHOU, 2021).

Fonte: https://cultura.culturamix.com/literatura/literatura-africana

Referências
BUREAU, J. T. Leiper Kane, Ethiopian Literature in Amharic. In: L’Homme, 1979, tome 19, n. 1. p. 152-153, 1979.
EDOUHOU, P. A. Voltar às fontes da mãe. Njinga & Sepé: Revista Internacional de Culturas, Línguas Africanas e Brasileiras São Francisco do Conde (BA), v. 1, n. 1, p. 282-288, jan./jun. 2021.
ELIBIYO, M. Z. Rapidolangue ou Flop des langues gabonaises à l’école. Paris: Edilivre-Aparis, 2016.
MARTIN-GRANEL, N. GERÁRD, A. Littératures en langues africaines. In: Cahiers d’études africaines, v. 32, n. 126, p. 343-346, 1992.
TCHIKALE, B. Cantares dos Ovimbundu. Luanda: Kilombelombe, 2011.

Autor: Peresch Aubham Edouhou
Falante de bekwel, ikota e francês, possui graduação em Letras – Português e Inglês pela Universidade Federal de Pelotas (2019). Atualmente é mestrando em Letras (Estudos da Linguagem) pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e escreve poemas em línguas africanas.

Como as políticas linguísticas podem beneficiar os cidadãos?

Já ouviu falar do termo “políticas linguísticas”? Consegue pensar no que ele pode significar? Para começo de conversa, você precisa saber que a Política Linguística é um ramo da política que lida com línguas e o que acontece com elas na sociedade, conforme diz Kanavillil Rajagopalan (2013), famoso linguista indiano que trabalha no Brasil há mais de 30 anos. Por meio dessas políticas, lida-se com a proteção de línguas em extinção, escolhem-se quais idiomas devem ser ensinados nas escolas, implementam-se e promovem-se programas que visam ao ensino de línguas estrangeiras para as comunidades. Porém, você pode estar se perguntando como essas políticas influenciam os cidadãos. Vou explicar como elas beneficiam as universidades, e, consequentemente, você e os seus conhecidos.

Na Universidade Federal de Pelotas, há cursos de línguas que são oferecidos pelo Centro de Letras e Comunicação. Esses cursos são oferecidos por uma taxa pequena desde a década de 1970 à comunidade e são ministrados pelos estudantes da graduação em Letras. Assim, os moradores da cidade podem acessar um ensino de idiomas de ótima qualidade pagando muito pouco, e os estudantes podem aprender na prática. Atualmente, os cursos estão funcionando de modo remoto.

Fonte: https://wp.ufpel.edu.br/clc/cursos-basicos-de-linguas/

Também há o Programa Idiomas Sem Fronteiras, vinculado à Rede ANDIFES. Nele, cursos de idiomas voltados para o meio acadêmico e para a internacionalização são oferecidos gratuitamente a alunos, professores e servidores da universidade. Eles aprendem sobre suas áreas em outras línguas e têm acesso a diferentes culturas, tudo nas aulas, que são planejadas por profissionais da área de Letras.

Fonte: https://www.facebook.com/IsFUFPel/photos/a.1500038670222661/3169908753235636/?type=1&theater

Tais cursos surgiram com a ajuda de políticas linguísticas voltadas para o acesso fácil e de qualidade da comunidade a cursos de idiomas. Então, através do acesso gratuito às universidades e ao que elas oferecem aos cidadãos, conforme o documento da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES), tais instituições formam profissionais da área de Letras capacitados, o que melhora o ensino de línguas, por exemplo, e traz benefícios a cidadãos como você e seus conhecidos.

Referências
ANDIFES – ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS DIRIGENTES DAS INSTITUIÇÕES FEDERAIS DE ENSINO SUPERIOR. Programa de expansão, excelência e internacionalização das universidades federais, 2012. Disponível em: <http://www.andifes.org.br/programa-de-expansao-excelencia-e-internacionalizacao-das-universidades-federais/>. Acesso em: 20 de setembro de 2020.
RAJAGOPALAN, K. Política linguística: do que é que se trata, afinal. In: NICOLAIDES, C.; SILVA, K. A.; TÍLIO, R; ROCHA, C. H. (Org.) Política e políticas linguísticas. Campinas: Pontes, 2013. p. 19-42.

Autor: Johann Bonow Neves
Formado em Licenciatura em Letras – Português e Inglês pela Universidade Federal de Pelotas. Atualmente, é aluno do Programa de Mestrado em Letras da mesma universidade. Já trabalhou como professor bolsista do Programa Idiomas sem Fronteiras e foi professor de Língua Inglesa da Câmara de Extensão do Centro de Letras e Comunicação da UFPel.

Torre de Babel – história baseada em fatos reais (só que ao contrário)

O mito da Torre de Babel conta por que existem tantas línguas no mundo. Nele, uma população unida e monolíngue decide construir uma torre que alcance o céu. Deus, irritado com a prepotência das pessoas, confunde a língua delas para que não se entendam mais e espalha as línguas pelo mundo.

Mito linguístico por trás dessa história: falar uma língua é o ideal. Falar muitas línguas é ruim, pois confunde e separa.

A narrativa de Babel talvez seja uma alegoria do que realmente pode ter ocorrido com as línguas humanas, só que os autores entenderam errado: não foram as muitas línguas que causaram a separação das pessoas, mas a separação é que deu origem a muitas línguas.

Quanto mais falantes uma língua houver e mais espalhados geograficamente estiverem, mais distantes se tornarão seus jeitos de se comunicar. Grupos separados e em contextos diferentes acabam adaptando a língua às suas realidades particulares e, com o tempo, a diferença entre seus dialetos se torna tão grande que um grupo já não compreende mais o outro. Temos, então, duas novas línguas. Foi mais ou menos assim que o latim se tornou português, espanhol, francês, italiano e outras vinte e poucas línguas. O processo é acelerado quando falantes de línguas diferentes entram em contato, pois elas incorporam elementos umas das outras, e daí às vezes nascem novas línguas. A língua crioula haitiana surgiu mais ou menos assim.

De volta ao mito, é importante esclarecer que, ainda que todas as línguas do mundo venham de uma só língua (não a de Babel, claro), isso ocorreu muito antes do surgimento de qualquer sociedade organizada. E é muito provável que tenham sido diversas “línguas-originais”, já que por mais de 2 milhões de anos (95,5% da existência dos humanos), fomos apenas vários bandos pequenos de caçadores-coletores nômades e desencontrados. A escrita só surgiu há 5 mil anos. Se a história da humanidade fosse uma pessoa completando 70 anos hoje, é como se ela só tivesse aprendido a ler e escrever um mês e meio antes desse aniversário.

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Torre_de_Babel#/media/Ficheiro:Pieter_Bruegel_the_Elder_-_The_Tower_of_Babel_(Vienna)_-_Google_Art_Project_-_edited.jpg

A crença por trás de “uma língua = ordem; mais de uma língua = desordem” tem a ver com poder e dominação. É mais fácil controlar os subjugados se todos falam uma só língua – melhor ainda se for a do dominador. Essa crença alimenta outro mito: o de uma nação, uma língua. Embora a maior parte do mundo seja bilíngue e praticamente todos os países tenham mais de uma língua, a ideia que querem que compremos é a de que cada país fala uma língua: no Reino Unido é o inglês, na Itália é o italiano e no Brasil é o português. Deixemos essas fake news de lado e prestemos atenção aos fatos: no Reino Unido se fala inglês e outras 15 línguas, na Itália se fala italiano e outras 34 línguas e no Brasil se fala português, pomerano, talian, kaingang e outras 214 línguas. Sim, mais de duzentas!

Agora, compartilhem este post e vamos contar para todos que a diversidade linguística e o multilinguismo estão entre as melhores e mais preciosas qualidades da humanidade.

Ah! Só mais uma coisinha: no mito de Babel, Deus não amaldiçoou as pessoas ao lhes dar muitas línguas. Ele as salvou do tirano monolíngue que queria que construíssem uma torre para chegar a lugar nenhum.

Autor: Renan C. Ferreira
Graduado em Letras – Licenciatura em Língua Inglesa e Literatura (2010) e Mestre em Letras – Estudos da Linguagem (2018) pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Atualmente desenvolve sua pesquisa de Doutorado sobre Relativismo Linguístico e a Cognição Bilíngue na mesma instituição. Faz parte do grupo de pesquisa Línguas em Contato e atua como professor de língua inglesa há 13 anos.

Três mitos acerca do bilinguismo infantil

De atrasos aflitivos à grande inteligência: afinal, o que se pode afirmar sobre ser uma criança bilíngue?

Falar mais de um idioma em casa causará atrasos no desenvolvimento do meu filho? Devo perguntar ao meu filho se ele quer falar a minha língua? Será que dominar mais de uma língua sempre é sinal de muito esforço, dedicação ou ainda superdotação? Vamos ver alguns mitos que inquietam famílias e até profissionais da educação.

1. A criança que fala duas línguas demora mais a falar e fala pior que as outras
Essa ideia de “atraso” da criança bilíngue está ligada ao fato de que ela precisa processar uma quantidade maior de informações do que aquela que só tem contato com uma língua. Entretanto, não costuma durar mais do que alguns meses, já que as crianças são capazes, desde bem pequenas, de reconhecer e separar os ambientes e as pessoas com quem usar uma ou outra língua.

2. Deve-se sempre consultar os filhos sobre se querem ou não aprender a língua da gente
Os pais que creem nessa perspectiva, em geral, são os que falam uma língua diferente do que a maioria das pessoas em determinado local. Porém, nem em contextos onde só há uma língua, essa “consulta” sugerida seria plausível; é usar e ponto! Cabe apenas aos pais a decisão de usar a língua da família, como o pomerano, o japonês, o kaingang, com os filhos, dando-lhes a possibilidade de manter as tradições ligadas a esses idiomas.

3. Falar mais de uma língua desde a infância é sinal de ser inteligente
Adquirir duas ou mais línguas quando se é criança não requer nenhum esforço adicional. Basta a família usar regularmente um dos idiomas e exigir que os pequenos respondam nele, como uma ordem qualquer. “Tira o dedo da tomada! Desce do sofá! Fala (inserir aqui a língua) comigo!”. E, claro, lembrar que a língua faz parte de quem somos, pois é a partir dela que construímos nossos afetos e interagimos socialmente. Então, quando os pais decidem qual língua falar com a criança, não se recomenda trocar mais tarde.

Texto de referência:
MOZZILLO, I. Algumas considerações sobre o bilinguismo infantil. Veredas on-line, v. 19, n. 1, p. 147-157, 2015.

Autor: Vinicius Borges de Almeida
Graduado em Letras – Português e Francês pela Universidade Federal de Pelotas (2018). Atualmente, é mestrando em Letras pela mesma instituição e integrante do Grupo de Pesquisa Línguas em Contato. Atua como professor de francês em curso livre há dois anos.

 

 

Uma língua também pode morrer

Em 18 de janeiro de 1858, desembarcou em São Lourenço do Sul a primeira leva de imigrantes pomeranos oriundos da então Pomerânia. Apesar de todas as dificuldades, eles foram se estabelecendo nas terras do município, prosperando e abrindo o caminho para futuras levas. Além da cultura e das tradições, o grande tesouro que trouxeram para as terras brasileiras foi a língua, que hoje inclusive é dada como quase extinta no local onde se originou.

Lamentavelmente, o uso do pomerano tem diminuído também em terras brasileiras. A modernização e certas crenças parecem ser algumas justificativas para isso. Os mitos que envolvem a escolha da língua na qual uma criança deve ser criada podem ser os verdadeiros culpados da diminuição do uso desta língua tão única. Conforme a pesquisadora Isabella Mozzillo (2015), muitos pais acabam se convencendo que criar e educar uma criança em duas línguas simultaneamente pode ser prejudicial para o desenvolvimento da criança, quando na verdade pode ser prejudicial não incentivar o uso das duas línguas.

A escolha do convite de enterro para chamar atenção dos falantes pomeranos ocorre pelo grande e inquestionável respeito que os pomeranos têm pela morte, como estudado por Gislaine Maltzahn (2012). Além do mais, esse tipo de texto é muito conhecido na comunidade pomerana. A intenção é buscar a reflexão, já que, se continuarem acreditando nos mitos sobre a ensino de duas ou mais línguas para as crianças, os seus descendentes diretos já não serão mais herdeiros dessa língua e talvez nem da cultura pomerana. Também poderia trazer questionamentos sobre as mudanças necessárias para que a língua pomerana permaneça prestigiada e valorizada na sua própria comunidade. Afinal, o uso da língua pomerana não é importante apenas para a manutenção dela mesma. A língua é também a chave para a compreensão de muitos elementos culturais. Existem brincadeiras, receitas, tradições e costumes que só têm sentido completo se forem passados adiante com o uso da língua que identifica todas essas ações.

Por fim um questionamento: Se você recebesse um convite para enterro, de um ente querido, que só aconteceria daqui há alguns anos e entendesse que você poderia salvar esse ente, ou até mesmo prorrogar a sua existência por mais uma geração caso mudasse algumas convicções e não acreditasse em mentiras, o que você faria por este ente querido? Este ente é querido é a língua pomerana! Não podemos deixar que a língua seja extinta, como já ocorreu com outras 12 línguas brasileiras, segundo o Atlas das línguas em perigo, da UNESCO. A mudança necessária para a manutenção do pomerano está ao nosso alcance?

Referências:
MALTZAHN, Gislaine Maria. Família, ritual e ciclos de vida: estudo etnográfico sobre narrativas pomeranas em Pelotas (RS). 2012. 152 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Humanas) – Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, 2012.
MOZZILLO, Isabella. Algumas considerações sobre o bilinguismo infantil. Veredas – Revista de estudos linguísticos, v. 19, p. 147-157, 2015.

Autora: Gisleia Blank
Graduada em Letras – Português/Alemão pela UNISINOS (2011). Mestranda em Letras pelo PPGL da UFPel, integrante do Laboratório de Psicolinguística, Línguas Minoritárias e Multilinguismo. Atua principalmente como professora particular de Alemão.

“Programa de índio”: literatura indígena, por que não?

Se queremos, de fato, que nossas crianças existam como cidadãos, que escrevam hoje suas próprias histórias, compreendendo o passado e, assim, saibam alinhar o futuro desejado, precisamos criar juntos momentos de troca de conhecimentos, debate e reflexão. A escola é um dos importantes espaços para isso.

Assim, perder a oportunidade de lançar para eles iscas que os levem a explorar temas como identidades e diversidade cultural… é muito mais do que distração. Não lhes apresentar as diferentes visões de mundo através da literatura é tirar deles a chance de se apropriarem de suas memórias.

Instigada por essa ideia, eu, como professora, escolhi o livro Nós – Uma antologia de literatura indígena (Maurício Negro) para o Projeto de Leitura do 4º ano de minha escola. O livro é organizado a partir histórias sobre dez povos indígenas, acompanhadas por lindas imagens de Maurício Negro, seguidas pela história do povo em que elas circulam, por um glossário e pela biografia de seus autores/autoras. A partir do encontro com essas narrativas, inquietações nas crianças pipocaram: “Se há mais de 250 línguas indígenas (IPOL, 2016), por que só se fala português? O que os portugueses têm a ver com isso? Por que indígena e não índio? Por que eles são tão selvagens?”

Fonte: https://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=41243

Uma educação para o reconhecimento do outro, dos diferentes grupos sociais e culturais é o que defende a professora Vera Candou (2008). Queremos, também, uma educação que confirme (àqueles que nem desconfiam) a existência de um outro. Aliás… do OUTRO…com valores, culturas, línguas, visões de mundo, ou seja, com sua história que deve ser conhecida e respeitada.

Pôr em cena temas fundamentais e hoje silenciados, deletados dos planejamentos pedagógicos e camuflados nos livros didáticos, é nosso desafio. Ampliar vozes e visibilidade dos povos indígenas traz – de fato – sentido ao fazer do professor comprometido com a reconstrução de um mundo mais justo e solidário.

Referências
CANDAU, Vera Maria. Direitos humanos, educação e interculturalidade: as tensões entre igualdade e diferença. Revista Brasileira de Educação, v. 13, n. 37, p. 47, 2008.
IPOL. Línguas do Brasil. Disponível em: http://ipol.org.br/tag/linguas-do-brasil/. Acesso: 20 abr. 2021.
MAHER, T. M. Ecos de resistência: políticas linguísticas e línguas minoritárias no Brasil. In: NICOLAIDES, C.; SILVA, K. A.; TÍLIO, R; ROCHA, C. H. (Org.) Política e Políticas Linguísticas. Campinas: Pontes, 2013. p. 117-134.

Links interessantes para estudo e debates em sala de aula:
https://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=41243
https://www.facebook.com/mauricio.negro.5
https://pib.socioambiental.org/pt/P%C3%A1gina_principal https://www.blogdaletrinhas.com.br/conteudos/visualizar/Dos-varios-nos-que-enredam-as-literaturas-indigenas
https://lunetas.com.br/historias-indigenas/
https://www.facebook.com/FilmotecaIndigena/
https://revistapesquisa.fapesp.br/pela-sobrevivencia-das-linguas-indigenas/ed.273

Autora: Thaís de Almeida Rochefort
Graduada em Letras e Psicologia (UCPel), Mestre em Letras (UCPel), doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPel. Docente do Curso de Letras na UCPel, na Escola Mario Quintana (Profª de Português e Redação) e faz parte do Projeto “Remição de pena através da prática de leitura no Presídio Regional de Pelotas”, coordenado pela Profª Luciana Vinhas (UFPel).

Língua: ponte ou barreira? O caso dos imigrantes senegaleses

Você já imaginou ter de deixar de falar a sua língua para ser aceito e compreendido em outro país?

Essa é a situação pela qual muitas pessoas que decidem mudar de país passam. Vários são os fatores para a mudança, alguns buscam condições financeiras melhores; outros buscam refúgio e paz. No Brasil, essa é a realidade de milhares de imigrantes senegaleses. De acordo com dados do Comitê Nacional para Refugiados (Conare), desde 2002, houve 8.555 solicitações de reconhecimento da condição de refugiado por parte dos senegaleses, sendo que poucos foram deferidos. Há 5.995 pedidos de cidadãos do Senegal na fila.

https://www.researchgate.net/figure/Figura-1-Rota-dos-imigrantes-senegaleses-em-direcao-ao-Rio-Grande-do-Sul_fig4_312088597

Essa é a principal rota da presença e da cultura senegalesa. O percurso se inicia no Equador, depois seguem para o Paraguai, Argentina e finalmente Rio Grande, onde vivem mais de 200 senegaleses, mudando a cara do município, por conta da sua cor, costumes e sonoridade linguística.

Na ânsia de uma vida melhor, deixam família, trabalho, amigos e também a língua do cotidiano, a língua materna, a língua de herança. Isso mesmo, língua de herança, ou seja, aquela que os imigrantes deixam de falar quando habitam outros países. No Senegal, o idioma oficial é o francês, o qual é falado por uma minoria, o país é multilíngue, tendo mais de 30 línguas.  Grande parte da população utiliza o Wolof para a comunicação, inclusive, aqui, no Brasil.

Como e por que preservar a língua de herança é uma questão relacionada com o desejo de manter ou não o vínculo com a representação sócio-econômica-histórica de um país.

Jornal Agora (2015)

Com a finalidade de conseguirem se manter e enviarem recursos para sua família, os imigrantes se inserem na sociedade na medida em que vendem suas mercadorias, assim, aprendem o novo idioma, deixando a sua língua de herança para os momentos de lazer com seus compatriotas. Muitos desses ocorrem nos encontros religiosos, os senegaleses são muçulmanos e mantém o costume de orar.

Jornal Agora (2015)

Cinco anos se passaram da chegada dos primeiros senegaleses na cidade e há ainda muito a fazer no que se refere à inserção destes na comunidade, bem como aos seus direitos como cidadãos. Alguns já trouxeram suas famílias, seus filhos serão bilíngues e irão conviver com as diferentes culturas, permeadas pela língua que, primeiramente, vista como barreira, torna-se ponte.

Referências
FLORES, Cristina. Bilinguismo Infantil. Um legado valioso do fenômeno migratório.  Diacrítica: Revista do centro de estudos Humanísticos, v. 31, n. 3, p. 237-520, 2017.
JORNAL AGORA. Um pedaço do Senegal em Rio Grande. Rio Grande. Julho de 2015. Disponível em: https://pt.calameo.com/books/000337975ebe556b9efdf. Acesso em: 23 de set. 2020.
MOZZILLO, Isabella. Algumas considerações sobre o bilinguismo infantil. Veredas, v. 19, n. 1, 0. 147-157, 2015.  
PEREIRA, Vilmar; LEMOS, Luciane Oliveira. Senegaleses em Rio Grande. Diálogo Intercultural no além mar, v. 4, p. 1-18, 2018. 

Autora: Rita de Nóbrega
Possui Graduação em Letras-Português (2005), pela FURG, e Mestrado em Linguística Aplicada (2014), pela UCPel. Atualmente, é doutoranda do  Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPel. Possui experiência docente na Rede Municipal de Ensino e Ensino Superior.

HQ sinalizada: Séno Mókere Káxe Koixómuneti (Sol: a Pajé surda)

Desenvolver pesquisas na área dos quadrinhos, em especial, das HQs sinalizadas (CEZAR, 2019), trouxe-nos muitos desafios e, ao mesmo tempo, muita satisfação. Criar uma narrativa gráfica tendo como principal objetivo o desenvolvimento de um material bilíngue para surdos (Libras – português escrito) nos fez pensar no plurilinguismo brasileiro das línguas de sinais.

Ao escolhermos retratar a existência da língua terena de sinais, durante o processo histórico da comunidade, optamos por explorar as ilustrações a partir das características da cultura (pintura, ritual, cores) para minimizamos o uso da escrita das línguas majoritárias (português/terena escrito). Junto a isso, exploramos com os recursos tecnológicos (vídeos) a transmissão dos saberes também em Libras. Dessa forma, acreditávamos que conseguiríamos levar o gênero HQ para os surdos urbanos e para as escolas da Terra Indígena Cachoeirinha-MS (surdos e não surdos) com a intenção de despertar e valorizar as línguas de minorias. Cabe destacar que a escrita terena pode apresentar variação como: Sêno Mókere Káxe Koixomoneti, Séno Mókere Koéxoneti, entre outras. A variação aqui utilizada é da aldeia Cachoeirtinhao/MS escrita pela professora de língua terena Maiza Antonio residente nessa aldeia.

Trabalhar com diferentes línguas envolve se debruçar nos conhecimentos históricos (com e sem registros escritos), analisar a estrutura linguística e compreender os artefatos culturais que envolvem, em outras palavras, uma grande entrega à pesquisa. Foi o que fizemos nestes últimos três anos de pesquisa (2018-2020), na Universidade Federal do Paraná (UFPR) em parceria com a Universidade Federal de Grande Dourados (UFGD); o Instituto de pesquisa da Diversidade Intercultural (IPEDI), a Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho (Linbra-UNESP); a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), o Laboratório de Mídias (UFJF) e a Gibiteca de Curitiba. Formamos uma grande equipe de pesquisadores nas línguas estudadas: terena oral, terena escrito, língua brasileira de sinais, língua de sinais terena, português escrito e língua inglesa.

A HQ foi divulgada primeiramente para os indígenas terena que contribuíram voluntariamente com a pesquisa que foi por eles mostrada nas aldeias terena (Vagner da Aldeia Água Branca, Aquidauana/MS, Kaliny da Aldeia Jaguapiru, Dourados/MS e Maiza da Aldeia Cachoeirinha, Miranda/MS) todos relataram um encantamento com a produção do material. A equipe de pesquisadores também salientou a originalidade de articular os recursos digitais com as ilustrações de Júlia Ponnick que generosamente aceitou não só ilustrar, mas se envolver com os estudos teóricos sobre a comunidade (SILVA, 2013; VILHALVA, 2012; SUMAIO, 2014; SOARES, 2018).

A narrativa criada é um misto de ficção, fatos históricos de registros escritos e registros orais, transmitidos ao longo das gerações na comunidade terena. A história acontece antes do século XV, quando a personagem principal Káxe, a pajé surda, é chamada para o ritual típico de solicitar benção aos ancestrais ao nascer uma criança. Nesse momento, junto à benção, a pajé recebe a visão do futuro do povo terena por meio de imagens. Dessa forma, o desenvolvimento da narrativa perpassa os principais momentos históricos: desde o início do povo terena (Aruak) datado de antes do século XV, percorrendo o caminho geográfico que os terenas realizaram até se fixarem, em sua maior parte, na região do Mato Grosso do Sul.

Além do registro histórico, encontram-se os aspectos culturais bem marcados nas ilustrações como por exemplo as pinturas corporais, o artesanato, as plantações e a espiritualidade. Optamos a explorar as imagens ao invés da escrita em ‘’balões’’ em razão de priorizar a estrutura linguística das línguas de sinais, em outras palavras, visual-espacial.

Partimos da primeira pesquisa que descreve a existência da língua terena de sinais, que foi realizada pela pesquisadora e linguista Priscilla Alyne Sumaio Soares (2014; 2018). No entanto, há relatos e transmissões orais de que sempre existiram surdos (anciãos). Por este motivo, optamos por apresentarmos personagens se comunicando (sinalizando) ao longo da narrativa gráfica.

A narrativa encerra-se com o retorno do plano espiritual da pajé surda no ritual inicial de nascimento com a anciã transmitindo os ensinamentos em língua terena de sinais. A ideia transmitida é relatar o futuro do povo terena destacando sua principal característica de UNIÃO (ilustrado o sinal em língua terena de sinais).

Essa HQ impulsionou a criação de outros materiais que estão sendo realizados pela equipe envolvida, como o “Glossário Virtual Plurilíngue” em vídeos (terena de sinais, Libras) e escrita (terena e português) que tem como intuito refletir sobre a importância da língua de sinais ser a língua de instrução e transmissão dos saberes para surdos (Lei 10436/2002 – Decreto 5626/2005) e divulgar as outras línguas de sinais do Brasil que não dispõe de leis (SILVA; QUADROS, 2019).

A HQ será lançada pela editora Letraria e estará disponível para compra no site. Confira a tradução deste texto para a Libras neste link.

Boa leitura sinalizada!

Principais referências

BRASIL. Decreto-lei nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Diário Oficial [da] República Federativa do brasil, Brasília, 23 de dez. 2005. Seção 1, p. 30.
BRASIL. Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 25 de abril de 2002. Acesso em: 10 mar. 2007.
CEZAR, K. P. L. HQ’s sinalizadas. Projeto de pesquisa institucional. Universidade Federal do Paraná, 2019-2020.
SILVA, D. Estudo lexicográfico da língua terena: proposta de um dicionário terena-português. 2013. 292 f. Tese (doutorado) – Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho, Faculdade de Ciências e Letras (Campus de Araraquara), 2013.
SILVA, D. S.; QUADROS, R.M. Línguas de sinais de comunidades isoladas encontradas no Brasil. Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 5, n. 10, p. 22111-22127 oct. 2019.
SOARES, P. A. S. LÍNGUA TERENA DE SINAIS: análise descritiva inicial da língua de sinais usada pelos terena da Terra Indígena Cachoeirinha. Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós Graduação em Linguística e Língua Portuguesa da Faculdade de Ciências e Letras – Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Doutor em Linguística e Língua Portuguesa. Araraquara – São Paulo, 2018.
SUMAIO, P. A. Sinalizando com os terena: um estudo do uso da LIBRAS e de sinais nativos por indígenas surdos. 2014. 123 f. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara, 2014.
VILHALVA, S. Mapeamento das Línguas de Sinais Emergentes: um estudo sobre as comunidades linguísticas Indígenas de Mato Grosso do Sul. 2012. 124 f. Thesis (MSc in Linguistics) – Programa de Pós-Graduação em Linguística – Centro de Comunicação e Expressão. Universidade Federal de Santa Catarina, 2009.
VILHALVA, S. Índios surdos: mapeamento das línguas de sinais no Mato Grosso do Sul. Petrópolis: Arara Azul, 2012.

Autores:
Ivan de Souza: Acadêmico do curso de licenciatura em Letras Libras da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Tradutor-intérprete de Libras. Pesquisador da iniciação científica (PIBIS/FA/UFPR). E-mail para contato: hiven89@gmail.com.
Kelly Cezar: Pós-doutora pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Doutora pelo Programa de Linguística e Língua Portuguesa da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP-FClar/Araraquara). Professora Adjunta da Universidade Federal do Paraná (UFPR), campus de Curitiba. Líder do projeto institucional “HQ’s sinalizadas”. Docente do curso de licenciatura em Letras Libras (UFPR). E-mail para contato: kellyloddo@gmail.com.