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A aprendizagem da língua coreana no Brasil

Com a popularização da cultura sul-coreana, por exemplo, através do K-pop e dos K-dramas, a língua coreana ganha destaque mundial, e o Brasil não é exceção. Um relatório do Duolingo em 2020 apontou o coreano como o segundo idioma de maior crescimento no país, e, em 2023, alcançou a sexta posição entre os mais estudados no aplicativo, ultrapassando o português. Esse avanço resulta não só do interesse cultural, mas também do investimento da Coreia do Sul, que, por meio do Instituto Rei Sejong, apoia o ensino do coreano em 258 institutos em 85 países, incluindo cinco no Brasil.

Esses dados levam à reflexão sobre as perspectivas de aprendizagem do coreano no Brasil. Para a comunidade sul-coreana brasileira, a língua coreana desempenha um papel importante. Para muitos, ela é a língua materna — idioma aprendido durante a infância, geralmente no contexto familiar. Ela pode ser uma língua de herança, conectada à identidade cultural e étnica. Nesse caso, os descendentes de coreanos nem sempre falam fluentemente o idioma, mas está presente no ambiente familiar, atuando como um marcador cultural e identitário para essas pessoas. 

Fora da comunidade, o coreano é geralmente aprendido como uma língua estrangeira, ou seja, ensinada fora do seu contexto nativo. Em alguns casos, pode ser uma segunda língua, que, conforme a linguista Karen Spinassé, exige comunicação diária e desempenha um papel importante na integração social. No entanto, independentemente de ser uma língua estrangeira ou uma segunda língua, o coreano é uma língua adicional para a maioria dos brasileiros, ou seja, aprendida após a língua materna, refletindo a complexidade do multilinguismo.

Apesar de sua ascensão, o coreano é uma língua falada por poucos no Brasil, seu uso se concentra em pessoas com vínculos culturais com a Coreia ou em fãs da cultura sul-coreana. Todavia, o curso de graduação em coreano da USP, o único da América do Sul, já é um dos principais polos de estudos coreanos na América Latina, e a demanda por mais cursos só aumenta.

À medida que mais brasileiros estudam o idioma e instituições ampliam suas ofertas, é possível imaginar que, no futuro, o coreano terá um papel relevante no cenário multilíngue brasileiro, tornando-se uma nova oportunidade de aprendizagem e (re)conexão cultural.      

Referências
KING SEJONG INSTITUTE FOUNDATION. King Sejong Institute Locations.
SPINASSÉ, Karen Pupp. Os conceitos Língua Materna, Segunda Língua e Língua Estrangeira e os falantes de línguas alóctones minoritárias no Sul do Brasil. Contingentia, Porto Alegre, Brasil, v. 1, n. 1, p. 1-10, 2008. 

Autora: Giovana Canez Valerão, graduanda em Letras – Português e Espanhol pela UFPEL, é pesquisadora do Laboratório de Psicolinguística, Línguas Minoritárias e Multilinguismo (LAPLIMM), onde desenvolve o projeto “A hallyu, o coreano como língua adicional e o multilinguismo de brasileiros”.

 

Qual é a importância da decisão familiar para a manutenção de línguas minoritárias?

Primeiramente, é preciso esclarecer o que é uma política linguística. De maneira geral, as políticas linguísticas lidam com as línguas e o que acontece com elas na sociedade. É por meio dessas políticas que são escolhidos os idiomas que devem ser ensinados na escola, por exemplo. As políticas linguísticas sobre o uso da(s) língua(s) podem ser decididas no âmbito mundial, nacional, estadual, municipal e, até mesmo, familiar. Mas como assim familiar?

Segundo o professor e pesquisador Cléo Altenhofen, uma política linguística familiar engloba as decisões tomadas sobre as línguas que serão utilizadas dentro de casa pela família, isto é, quando os pais, falantes de uma determinada língua, decidem ensinar ou não aos seus filhos essa língua. Você deve estar se perguntando: o que é língua minoritária? A língua minoritária é falada por grupos que não são tão prestigiados social, cultural ou politicamente e, é diferente da língua oficial da sociedade. No entanto, esta língua deve ser ensinada em casa, pois tem a função de preservar não só a continuidade da língua como a cultura e a identidade da família.

Então, o que podemos fazer para preservar uma língua minoritária? A resposta mais simples é: fazendo a criança falar e responder nessa língua. Muitos profissionais da educação aconselham, de forma equivocada, que os pais abandonem a língua minoritária para facilitar a integração da criança na escola. Essas falsas ideias podem interferir no comportamento dos pais, que, mesmo querendo manter o desenvolvimento da língua, desconhecem de que forma fazer. Aqui vão duas dicas para auxiliar nesta importante tarefa de transmitir a língua minoritária para as crianças:

– Crie oportunidades para que a criança fale e ouça nos dois (ou mais) idiomas em diferentes situações e com bastante frequência.

– Fale com todos os seus filhos seguindo o mesmo padrão. A língua está muito relacionada com emoções, então é importante que todos os filhos sejam tratados de forma igual, sem que nenhum fique de fora da comunicação.

De acordo com a professora e pesquisadora Isabella Mozzillo, é importante que a criança esteja exposta às duas línguas, ou seja, a criança tem que ter oportunidades de contato, em casa, com a sua língua minoritária, já que a língua usada pela sociedade (no nosso caso, o português) está presente no seu cotidiano a partir do momento que entra na escola.

Referências
ALTENHOFEN, Cléo Vilson. Política lingüística, mitos e concepções lingüísticas em áreas bilíngües de imigrantes (alemães) no Sul do Brasil. Revista internacional de lingüística iberoamericana, v. 3, n. 1, 2004.
CALVET, Louis-Jean. As políticas linguísticas. São Paulo: Parábola, 2007.
LIRA, Camila. O português como língua de herança em Munique: ofertas, práticas e desafios. Fólio-Revista de Letras, v. 10, n. 1, 2018.
MOZZILLO, Isabella. Algumas considerações sobre o bilinguismo infantil. Veredas, v. 19, n. 1, 2015.

Autora: Julia Diogo, graduada em Letras Português e Literaturas de Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). Atualmente, é mestranda em Letras, na linha de Aquisição, Variação e Ensino, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).

O que é uma língua de herança?

Pessoas que vivem em países falantes de línguas oficiais diferentes de suas línguas maternas podem se deparar com a língua de herança. Crianças que nasceram no Brasil e que se mudaram para outro país ou até mesmo as crianças que nasceram em um determinado país podem adquirir dos pais uma língua de herança, pois trata-se das raízes familiares que constroem a parte da comunicação dentro de casa.

Essa língua possui características diferentes em relação às outras línguas, como o seu modo de aprendizagem que ocorre no meio familiar. Esse modo de aquisição pode resultar em sotaque quase igual ao de um nativo. Outro aspecto importante também a ser pontuado é que a língua de herança existe em dois mundos paralelos: dentro de um país que tem uma outra língua dominante e dentro do ambiente familiar que alimenta a existência dessa herança. Por conseguinte, a língua de herança pode não se desenvolver da mesma maneira que a língua dominante, porque esta possibilita maior imersão de forma natural.

Fonte: https://sprachelesen.vobs.at/sprache/mehrsprachigkeit/jede-sprache-ist-ein-schatz

De acordo com a pesquisadora Glaucia Silva (2015), os aprendizes de língua de herança que somente mantêm contato com seus familiares podem chegar ao mesmo nível de um falante de nível universitário e até mesmo intermediário. Para essa autora, os aprendizes de língua de herança terão um maior nível de proficiência em habilidade oral do que na escrita ou na leitura, justamente pelo fato de nem sempre terem contato com materiais escritos. Dessa forma, o meio familiar contribui para que o aprendiz desenvolva, no mínimo, uma das habilidades. Assim, no caso do português, é de extrema importância que o professor trabalhe com a competência linguística de diferentes gêneros textuais de países lusófonos e com as diferenças culturais na sala de aula, trazendo o contraste da língua formal e informal, as diferenças de vocabulários e dialetos, trabalhar com oralidade e escrita.

A língua de herança é direito de todo indivíduo e não pode ser ignorada, porque ela faz parte da identidade e, uma vez negada, é negada também parte dessa identidade que os constrói como indivíduos que carregam em suas origens outros grupos sociais pertencentes ao país de seus pais.

Em suma, é importante que haja manutenção da língua de herança. Um exemplo de iniciativa na Europa é a Mala de Herança, um projeto criado na Alemanha em 2012 que tem como objetivo incentivar o ensino da língua portuguesa como língua de herança, através de contação de histórias e oficinas culturais para famílias com crianças falantes da língua portuguesa. Além disso, é relevante que os pais pensem em formas de ensino dessa língua herdada. Da mesma forma, os países de língua portuguesa devem estar engajados para que sejam oferecidos a esses indivíduos contato com a cultura e a língua.

Referências
SILVA, Glaucia. O fim é apenas o começo: o ensino de português língua de herança para adultos e adolescentes. In: JENNINGS-WINTERLE, F.; LIMA-HERNANDES, M.C. (Org). Português como língua de herança: A filosofia do começo, meio e fim. New York: Brasil em Mente, 2015. p. 2-5.
SOARES, Sofia M. C. Português Língua de Herança: Da Teoria à Prática. Faculdade de Letras Universidade do Porto. 2012.

Autoras
Larissa Caroline Ferreira
– Graduada no curso de Letras – Português e Alemão na Universidade Federal de Pelotas.
Larissa Lysakowski Venzke – Graduada no curso de Letras – Português e Inglês na Universidade Federal de Pelotas.

Las abuelas y their grandchildren: Conversas em espanhol e inglês – dentro de casa – nos seriados Jane the Virgin e Cobra Kai

Cresci escutando minha avó e mãe conversarem ora em pomerano, ora em português. Como sou professora de inglês, passei a prestar atenção a alguns dos enunciados que elas produziam: “Ich will Luísa telefonieren”, “Não come a sopa porque está heiß!“. Esses momentos de trocas entre as línguas me faziam questionar sobre o porquê de alterná-las e se elas – minha mãe e minha avó – realmente sabiam falar pomerano.

Você já deve ter assistido às séries norte-americanas Jane the virgin e Cobra Kai. Apesar de abordarem temáticas diferenciadas, ambas apresentam dois pontos em comum: o primeiro deles, o fato de que as famílias das personagens principais utilizam tanto o espanhol quanto o inglês em ambiente familiar e, o segundo, que as famílias são compostas por avós que emigraram da América do Sul para os EUA em busca de uma vida melhor. No entanto, não são todos os membros das duas famílias que utilizam a língua espanhola e, certamente, há uma ou mais razões para que isso ocorra.

Nesses seriados, facilmente observamos as avós (abuelas) se dirigirem às filhas e aos netos utilizando somente a língua espanhola no contexto familiar. As filhas e os netos utilizam, majoritariamente, a língua inglesa e, em alguns momentos, a língua espanhola. Essas escolhas de uso das línguas se devem a alguns fatores, sendo um deles a questão da crença e das práticas em relação a uma língua. As abuelas deixaram seus países e histórias para construírem algo novo na terra das oportunidades. Os pesquisadores King e Fogle (2006) investigaram como eram tomadas as decisões sobre o uso das línguas com crianças nos EUA. Nesse estudo, as mães aparecem como os membros da família que tendem a tomar a responsabilidade pela transmissão da língua que carregam como herança ou pela aprendizagem de uma nova língua.

Fonte: https://images.app.goo.gl/Dd9RdUD9DE5pafU36
Fonte: https://images.app.goo.gl/bpNiLZj2dF9KujyS6

A essa altura, você deve estar se perguntando: ok, e onde entra a parte das conversas em espanhol e inglês dentro de casa? Essa pergunta pode ser mais bem respondida através de exemplos.

Quarta temporada, episódio quinze (JV)
Jane: Right, that’s it, no more putting it off, we’re getting a new TV. I’ve narrowed it down to three choices based on price, size and picture quality.
Alba: que bién, toma esto grilled cheese, que necesitas comer.
Jane. Ok, I will. But look this is my top choice and I’ve found a discount coupon in a paper for 25%off… oh my God and it expires today! […]

Primeira temporada, episódio 4
Carmen: No, no more karate.
Rosa: Carmen, ¿cuál es el problema aqui? Miggy ha encontrado algo que le gusta hacer.
Carmen: Mira como Miguel está.
Rosa: Yo lo veo. Necesitas mas practica, ¿no es verdad? Arriba com las manos…
Carmen: Mama, este hombre es una mala influencia.
Miguel: He’s not. You don’t know him.

As conversas acima ocorreram ao redor de uma mesa na sala de janta de duas famílias. É possível notar que os falantes envolvidos fazem escolhas quanto a que língua utilizar. Essa troca entre espanhol e inglês acontece porque todos os envolvidos na conversa são detentores do mesmo par de línguas e possuem motivações acerca do uso de cada uma delas. Além disso, o espaço familiar permite uma maior liberdade para falar espanhol, mesmo residindo nos Estados Unidos. Esse é o espaço do coração, da língua de casa e das memórias. A abuela Alma, ao servir um lanche a sua neta Jane, conversa em espanhol, como de costume, mas muda para o inglês ao se referir a um alimento que passou a fazer parte de seu cotidiano por meio da língua e da cultura dos EUA, o grilled cheese.

Assim, é de grande importância estudar as experiências de mães imigrantes em relação à transmissão de línguas e dar visibilidade ao papel das mulheres no planejamento sobre o que fazer com as línguas. Quando você ouvir a troca de línguas dentro da sua casa ou em um seriado, lembre-se que esse fenômeno é natural, esperado e explicita escolhas linguísticas e culturais.

Referências

ARRIAGADA, Paula. Family Context and Spanish-Language Use: a study of Latino Children in the United States. Social Science Quaterly, n. 3, p. 599 – 619, 2005.
KING, Kendal; FOGLE, Lyn. Bilingual parenting as good parenting: Parents‘ perspectives on family language policy for additive bilingualism. International Journal of Bilingual Education and Bilingualism, v. 9, p. 695-712, 2006.
MOZZILLO, Isabella. A conversação bilíngüe dentro e fora da sala de aula de língua estrangeira. In: HAMMES, W.; VETROMILLE-CASTRO, R. (Org.) Transformando a sala de aula, transformando o mundo: ensino e pesquisa em língua estrangeira. Pelotas: Educat, 2001. p. 287-324.
SPOLSKY, Bernard. Para uma Teoria de Políticas Linguísticas. ReVEL, vol. 14, n. 26, p. 32-44, 2016.

Seriados

Jane the Virgin. Direção: Jennie Urman. Produção: Paul Sciarrotta, Meredith Averill, Corine Brinkerhoff, David Rosenthal, Josh Reims, Gina Lamra e Mark Grossan. Califórnia: Produtora: CBS Televison e Warner Bros. Television, 2014.
Cobra Kai. Direção: Jen Celotta. Produção: Ralph Macchjo, William Zabka, Will Smith, James Lassiter, Caleeb Pinkett, Susan Ekins, Josh Heald, Jon Hurwitz, Hayden Schlossberg. Califórnia: Hurwitz e Schlossberg Productions, Overbrook Entertainment, Heald Productions e Sony Pictures Television, 2018.

Autora: Lydia Tessmann Mülling da Motta. Mestre em Linguística Aplicada pela Universidade Católica de Pelotas.

Língua: ponte ou barreira? O caso dos imigrantes senegaleses

Você já imaginou ter de deixar de falar a sua língua para ser aceito e compreendido em outro país?

Essa é a situação pela qual muitas pessoas que decidem mudar de país passam. Vários são os fatores para a mudança, alguns buscam condições financeiras melhores; outros buscam refúgio e paz. No Brasil, essa é a realidade de milhares de imigrantes senegaleses. De acordo com dados do Comitê Nacional para Refugiados (Conare), desde 2002, houve 8.555 solicitações de reconhecimento da condição de refugiado por parte dos senegaleses, sendo que poucos foram deferidos. Há 5.995 pedidos de cidadãos do Senegal na fila.

https://www.researchgate.net/figure/Figura-1-Rota-dos-imigrantes-senegaleses-em-direcao-ao-Rio-Grande-do-Sul_fig4_312088597

Essa é a principal rota da presença e da cultura senegalesa. O percurso se inicia no Equador, depois seguem para o Paraguai, Argentina e finalmente Rio Grande, onde vivem mais de 200 senegaleses, mudando a cara do município, por conta da sua cor, costumes e sonoridade linguística.

Na ânsia de uma vida melhor, deixam família, trabalho, amigos e também a língua do cotidiano, a língua materna, a língua de herança. Isso mesmo, língua de herança, ou seja, aquela que os imigrantes deixam de falar quando habitam outros países. No Senegal, o idioma oficial é o francês, o qual é falado por uma minoria, o país é multilíngue, tendo mais de 30 línguas.  Grande parte da população utiliza o Wolof para a comunicação, inclusive, aqui, no Brasil.

Como e por que preservar a língua de herança é uma questão relacionada com o desejo de manter ou não o vínculo com a representação sócio-econômica-histórica de um país.

Jornal Agora (2015)

Com a finalidade de conseguirem se manter e enviarem recursos para sua família, os imigrantes se inserem na sociedade na medida em que vendem suas mercadorias, assim, aprendem o novo idioma, deixando a sua língua de herança para os momentos de lazer com seus compatriotas. Muitos desses ocorrem nos encontros religiosos, os senegaleses são muçulmanos e mantém o costume de orar.

Jornal Agora (2015)

Cinco anos se passaram da chegada dos primeiros senegaleses na cidade e há ainda muito a fazer no que se refere à inserção destes na comunidade, bem como aos seus direitos como cidadãos. Alguns já trouxeram suas famílias, seus filhos serão bilíngues e irão conviver com as diferentes culturas, permeadas pela língua que, primeiramente, vista como barreira, torna-se ponte.

Referências
FLORES, Cristina. Bilinguismo Infantil. Um legado valioso do fenômeno migratório.  Diacrítica: Revista do centro de estudos Humanísticos, v. 31, n. 3, p. 237-520, 2017.
JORNAL AGORA. Um pedaço do Senegal em Rio Grande. Rio Grande. Julho de 2015. Disponível em: https://pt.calameo.com/books/000337975ebe556b9efdf. Acesso em: 23 de set. 2020.
MOZZILLO, Isabella. Algumas considerações sobre o bilinguismo infantil. Veredas, v. 19, n. 1, 0. 147-157, 2015.  
PEREIRA, Vilmar; LEMOS, Luciane Oliveira. Senegaleses em Rio Grande. Diálogo Intercultural no além mar, v. 4, p. 1-18, 2018. 

Autora: Rita de Nóbrega
Possui Graduação em Letras-Português (2005), pela FURG, e Mestrado em Linguística Aplicada (2014), pela UCPel. Atualmente, é doutoranda do  Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPel. Possui experiência docente na Rede Municipal de Ensino e Ensino Superior.

O que imigração tem a ver com língua?

A imigração é um processo bastante comum atualmente. Diariamente, centenas de pessoas vão para outros países por inúmeras razões como trabalho, estudos, busca por condições melhores, guerras etc. Os imigrantes levam consigo as línguas que eles falam para os diferentes países no qual passam a residir e, muitas vezes, se deparam com novas línguas que até então não conheciam ou não falavam.

Para se adaptar ao novo país, o imigrante, muitas vezes se vê obrigado a aprender a língua que é falada nesse novo contexto. No entanto, é normal que se opte por também manter a língua materna, já que ela permite que a pessoa preserve vínculos com sua origem, com sua cultura e com sua família no país natal, conforme explica a linguista Camila Lira (2018).

Fonte: https://webstockreview.net/image/immigration-clipart-transparent/2842348.html

Ao formar uma família num país diferente, os pais devem tomar a importante decisão de que língua(s) falarão com os filhos. Pensemos na seguinte situação: uma mulher brasileira conhece um norte-americano  e se muda para os Estados Unidos. Com o nascimento de seu primeiro filho, a mãe precisa decidir se vai falar com ele em português (sua língua materna) ou em inglês (língua materna do pai e língua predominantemente falada no país). Caso a mãe escolha a primeira opção, o português vai se tornar a língua de herança (LH) do seu filho. LH, de acordo com Guadalupe Valdés (2000), é a língua falada em ambiente doméstico que é diferente da língua dominante na sociedade local.

Para a pesquisadora Ana Lucia Lico (2011), o desejo de passar a LH para o filho surge da vontade da mãe e/ou do pai imigrante de transmitir emoções em sua língua materna e de preservar os vínculos com a cultura brasileira (no caso de imigrantes brasileiros). Porém, muitas vezes, manter a LH não é tão simples assim, pois existe uma forte pressão social para que só se fale a língua do local, fazendo com que as crianças não queiram utilizar suas LHs, como aponta o estudo de Ana Souza (2015).

Tal pressão social ocorre porque, de acordo com Isabella Mozzillo (2015), ainda prevalece, em muitas sociedades, a ideia de que cada pessoa deve falar uma única língua e que falar mais de uma pode ser prejudicial. No entanto, a criança é capaz de aprender naturalmente mais de uma língua durante a infância sem ter problemas de desenvolvimento, conforme explica Cristina Flores (2019).

Cabe, então, aos pais imigrantes, resistir à pressão social e manter, a todo custo, a LH viva no seio da família, permitindo que as crianças convivam com essa língua constantemente.  Isso pode ser feito não apenas com o incentivo dos pais de usarem a LH em casa, mas também através do contato com instituições no exterior formadas por brasileiros imigrantes, que proporcionam o convívio com o português e, consequentemente, com a cultura brasileira por meio de recreações, clubes de leitura, comemorações de datas especiais, aulas de português etc. Essas práticas são essenciais para manter viva a língua de herança, que é um bem valioso, pois faz parte da origem e da identidade de seus falantes.

Finalmente, língua tem tudo a ver com imigração, pois os imigrantes frequentemente devem conviver com outras línguas e, ao mesmo tempo, decidir o que farão com a bagagem linguística que levam consigo.

Para saber mais sobre LH, é possível ver o filme Espanglês que retrata uma mãe e uma filha mexicanas que se mudam para os Estados Unidos e mantêm a LH (espanhol) como representante de suas identidades. Há também a autobiografia In Other Words da escritora Jhumpa Lahiri na qual ela conta sobre a relação conflituosa que possui tanto com a sua LH (bengali) quanto com o inglês, sua outra língua materna. E, por último, a entrevista com a autora Ana Lucia Lico explica e tira dúvidas sobre LH.

Referências
FLORES, C. Bilinguismo infantil. Um legado valioso do fenómeno migratório. Diacrítica, v. 31, n. 3, p. 237-250, 2017.
LICO, A. L.C. Ensino do português como língua de herança: prática e fundamentos. Revista SIPLE, v. 1, n. 2, p. 22-33, 2011
LIRA, C. O português como língua de herança em Munique: práticas de desafios. Fólio – Revista de Letras, v. 10, n. 1, 2018.
MOZZILLO, I. Algumas considerações sobre o bilinguismo infantil. Veredas, v. 19, n. 1, p. 147-157, 2015.
SOUZA, A. Motherhood in migration: A focus on family language planning. Women’s Studies International Forum, v. 52, p. 92 – 98, 2015.
VALDÉS, G. Introduction. In: Sandstedt, l. Spanish for Native Speakers: AATSP Professional Development Series Handbook Vol. I. New York: Harcourt College, 2000, p. 1-20.

Autora: Raphaela Palombo Bica de Freitas
Graduada em Letras – Português e Espanhol pela Universidade Federal de Pelotas (2018). Atualmente é mestranda em Letras pela mesma instituição e professora particular de língua espanhola.