Se você é responsável por alguma criança e tem dúvidas quanto ao ensino bilíngue e à alfabetização em duas línguas simultaneamente, este texto pode ser interessante para você. Vamos ver o que algumas pesquisas nos mostram sobre o assunto.

As pesquisadores Ingrid Finger, Cristiane Lemke e Larissa Cury relatam que o número de escolas bilíngues está crescendo de forma acelerada no Brasil. O que ocorre, no entanto, é que devido ao baixo número de pesquisas na área e à pouca divulgação do assunto, surgem muitos mitos quanto à aprendizagem e alfabetização em uma outra língua além do português.
Os linguistas Orlando Vian Júnior, Janaína Weissheimer e Marcelo Marcelino trazem alguns exemplos desses mitos: “aprender uma segunda língua confunde a criança e diminui sua inteligência”; “a criança deve aprender uma primeira língua adequadamente, depois se pode ensinar outra língua”. As autoras Ingrid Finger, Luciana Brentano e Daniela Ruschel falam do mito de que a criança deve estar completamente alfabetizada em sua primeira língua para então ser alfabetizada em um segundo idioma.
Muitas ideias equivocadas sobre o bilinguismo vieram da noção já superada de que a pessoa bilíngue seria composta por dois monolíngues e que uma língua acaba atrapalhando a outra. Porém, de acordo com trabalhos dos pesquisadores François Grosjean, bem como de Ingrid Finger, Luciana Brentano e Daniela Ruschel, as línguas estão armazenadas em um mesmo lugar no cérebro e são ativadas de acordo com o contexto em que o falante se encontra. As habilidades que o falante usa ao falar, ler, escrever e escutar estão relacionadas a um mesmo “repositório” central comum, como representado na figura (Proficiência linguística Cognitiva/Acadêmica).

As autoras Ingrid Finger, Cristiane Lemke e Larissa Cury discutem estudos sobre alfabetização em dois idiomas, mostrando que pessoas que falam duas línguas aprendem a ler e a escrever em ambas sem prejudicar nenhuma delas. Isso acontece porque, quando a criança aprende a ler em uma língua, ela transfere as habilidades que adquiriu para a outra, e ambas servem de base para o desenvolvimento da leitura. Sendo assim, o que ela aprende em uma língua impacta a outra e vice-versa, como explicam as autoras Ingrid Finger, Cristiane Lemke e Larissa Cury. As autoras acrescentam que o bilinguismo traz benefícios às crianças em seu desenvolvimento cognitivo, cultural, comunicativo e acadêmico. As crianças já nascem com uma capacidade de aprender mais de uma língua, de distingui-las e de usá-las corretamente em situações e contextos diferentes. Para exemplificar, recomendo assistir a um vídeo no Instagram, no qual é possível ver a alternância de línguas na fala de uma criança, feita de forma completamente natural.
As pesquisadoras Letícia Almeida e Cristina Flores também mostram o resultado de uma pesquisa que comparou crianças alfabetizadas em apenas uma língua e crianças que frequentaram escolas de ensino bilíngue nos Estados Unidos. Os resultados indicam que as crianças que foram alfabetizadas em duas línguas possuem habilidades em leitura mais desenvolvidas em comparação às crianças alfabetizadas apenas em uma língua.
Como também enfatizam as pesquisadoras Ingrid Finger, Cristiane Lemke e Larissa Cury, a alfabetização, no sentido de juntar letras e sílabas para reconhecer as palavras, acontece apenas uma vez. O que muda de uma língua de origem latina para outra são apenas as possíveis combinações de letras em cada uma delas.
As pesquisas mostram que a alfabetização simultânea em duas línguas é viável e pode trazer ganhos importantes para o desenvolvimento infantil. Por isso, vale a pena olhar para o bilinguismo com confiança: a criança é plenamente capaz de aprender e se beneficiar dessa experiência.
Referências
ALMEIDA, Letícia; FLORES, Cristina. Bilinguismo. In: FREITAS, Maria João; SANTOS, Ana Lúcia. Aquisição de língua materna e não materna: Questões gerais e dados do português. Berlin: Language Science Press, 2017. p. 275-304.
FINGER, Ingrid; BRENTANO, Luciana de Souza; RUSCHEL, Daniela. E quando a alfabetização ocorre simultaneamente em duas línguas? Reflexões sobre o biletramento a partir da análise de textos de crianças bilíngues. ReVEL. v. 17, n. 33, p. 29-57, 2019.
FINGER, Ingrid; LEMKE, Cristiane Ely; CURY, Larissa da Silva. Biliteracia e alfabetização em duas línguas: expandindo as relações entre L1 e L2. In: LIMBERGER, Bernardo K.; KLEIN, Angela I.; TOASSI, Pâmela P. F. Bilinguismo e Leitura: contribuições da Psicolinguística. São Paulo: Pontes, 2023. p. 29-58.
GARCIA, Ofelia. Bilingual education in the 21st century: a global perspective. West Sussex: John Wiley & Sons Ltd, 2009.
GROSJEAN, François. Neurolinguists, Beware! The Bilingual Is Not Two Monolinguals in One Person, Brain and Language, Université de Neuchatel, Switzerland, v. 36, p. 3-15, 1989.
LUCENA, Priscila. Alfabetização e ensino bilíngue: como esse processo acontece? In: YOUBilingue. YOUBlog. São Paulo, 10 set. 2023. Disponível em:
VIAN, Orlando Jr.; WEISSHEIMER, Janaina; MARCELINO, Marcelo. Bilinguismo: Aquisição, cognição e Complexidade, Revista do GELNE, Natal, v. 15, n. especial, p. 339-412, 2013.
Autora: Nathália Guimarães de Lima Siqueira, mestranda em Letras pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel).















Assim, não há motivos para acreditar que aprender línguas à distância seja impossível. Pelo contrário: essa abordagem oferece benefícios para sua jornada linguística. Quem sabe esta informação não seja um incentivo para se aventurar na aprendizagem de uma nova língua como o espanhol para conhecer países vizinhos?