Já passou horas focado estudando vocabulário e gramática, mas na hora da prova ou de usar a língua parece que tudo desapareceu? Essa frustração é comum para quem está aprendendo uma língua. O que muitos não sabem é que a maneira como você organiza seus estudos pode fazer toda a diferença. Em vez de fazer uma “maratona” de revisão, que tal explorar estratégias que ajudam a transformar a aprendizagem mais leve, duradoura e divertida?
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Segundo os pesquisadores Michael Ullman e Jarrett Lovelett, nosso cérebro funciona melhor quando recebe informações em doses distribuídas ao longo do tempo. Quando tentamos aprender tudo de uma vez, sobrecarregamos a nossa mente, o que dificulta a retenção do conteúdo. Por isso, ao intercalar as revisões, o conteúdo se fixa de maneira mais eficiente. Como fazer isso? Estude hoje em aula ou em casa e, em seguida, faça revisões em intervalos. Essa prática de revisar em intervalos espaçados, conhecida como repetição espaçada, não apenas reforça o que foi aprendido, mas também ajuda a fixar as informações de forma mais duradoura, pois seu cérebro retém melhor o que considera importante e precisa ser lembrado.
Agora, a segunda estratégia: a prática de recuperação. Essa técnica envolve testar a si mesmo. Em vez de apenas reler suas anotações, desafie-se a recordar o que estudou sem olhar para o material. Esse esforço adicional não só reforça a retenção do conteúdo, mas também oferece uma oportunidade valiosa para avaliar seu progresso. Identificar áreas que precisam de melhoria é fundamental para direcionar seu estudo e aumentar a eficácia da aprendizagem. Para aplicar essa técnica, feche o livro ou o aplicativo e tente escrever ou falar para si mesmo ou para alguém sobre o que aprendeu. Outra estratégia é pedir para uma inteligência artificial (ou outra ferramenta, como Quizlet ou Anki) gerar um teste com gabarito, baseando-se em textos ou em slides. Quanto mais você se desafia, mais fácil será lembrar depois.
Por fim, o truque mais poderoso: recuperação espaçada. Essa técnica combina as duas anteriores — intervalos entre revisões e testes constantes. Após estudar, dê um tempo antes de revisar e, ao revisar, teste-se antes de consultar o material. Isso não só garante que você retenha a informação por muito mais tempo, mas também evita a necessidade de revisões intensivas para adquirir conhecimento.
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Para otimizar sua aprendizagem, utilize diferentes materiais, como flashcards (cartões de estudo), quizzes (questionários – use e abuse da inteligência artificial) e perguntas práticas de revisão. Esses recursos tornam o processo mais dinâmico e ajudam a solidificar seu conhecimento.
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Essas estratégias funcionam porque se baseiam no funcionamento da memória, que é a base para a aprendizagem. Quanto mais tempo você dá ao cérebro para processar informações e mais se desafia a lembrar, mais fortes ficam as conexões neurais, consolidando o conhecimento a longo prazo.
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Sempre que você for estudar, lembre-se: a chave não está em estudar mais, mas sim em estudar melhor!
Referência
ULLMAN, Michael T.; LOVELETT, Jarett T. Implications of the declarative/procedural model for improving second language learning: The role of memory enhancement techniques. Second Language Research, v. 34, n. 1, p. 39-65, 2016.
Autor: Thomas de Julio, graduado em Licenciatura em Letras – Português e Alemão pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Mestre em Letras na linha de Aquisição, Variação e Ensino pela mesma universidade.
Se você é responsável por alguma criança e tem dúvidas quanto ao ensino bilíngue e à alfabetização em duas línguas simultaneamente, este texto pode ser interessante para você. Vamos ver o que algumas pesquisas nos mostram sobre o assunto.
As pesquisadores Ingrid Finger, Cristiane Lemke e Larissa Cury relatam que o número de escolas bilíngues está crescendo de forma acelerada no Brasil. O que ocorre, no entanto, é que devido ao baixo número de pesquisas na área e à pouca divulgação do assunto, surgem muitos mitos quanto à aprendizagem e alfabetização em uma outra língua além do português.
Os linguistas Orlando Vian Júnior, Janaína Weissheimer e Marcelo Marcelino trazem alguns exemplos desses mitos: “aprender uma segunda língua confunde a criança e diminui sua inteligência”; “a criança deve aprender uma primeira língua adequadamente, depois se pode ensinar outra língua”. As autoras Ingrid Finger, Luciana Brentano e Daniela Ruschel falam do mito de que a criança deve estar completamente alfabetizada em sua primeira língua para então ser alfabetizada em um segundo idioma.
Muitas ideias equivocadas sobre o bilinguismo vieram da noção já superada de que a pessoa bilíngue seria composta por dois monolíngues e que uma língua acaba atrapalhando a outra. Porém, de acordo com trabalhos dos pesquisadores François Grosjean, bem como de Ingrid Finger, Luciana Brentano e Daniela Ruschel, as línguas estão armazenadas em um mesmo lugar no cérebro e são ativadas de acordo com o contexto em que o falante se encontra. As habilidades que o falante usa ao falar, ler, escrever e escutar estão relacionadas a um mesmo “repositório” central comum, como representado na figura (Proficiência linguística Cognitiva/Acadêmica).
Fonte: Livro Bilingual education in the 21st century: a global perspective (2009)
As autoras Ingrid Finger, Cristiane Lemke e Larissa Cury discutem estudos sobre alfabetização em dois idiomas, mostrando que pessoas que falam duas línguas aprendem a ler e a escrever em ambas sem prejudicar nenhuma delas. Isso acontece porque, quando a criança aprende a ler em uma língua, ela transfere as habilidades que adquiriu para a outra, e ambas servem de base para o desenvolvimento da leitura. Sendo assim, o que ela aprende em uma língua impacta a outra e vice-versa, como explicam as autoras Ingrid Finger, Cristiane Lemke e Larissa Cury. As autoras acrescentam que o bilinguismo traz benefícios às crianças em seu desenvolvimento cognitivo, cultural, comunicativo e acadêmico. As crianças já nascem com uma capacidade de aprender mais de uma língua, de distingui-las e de usá-las corretamente em situações e contextos diferentes. Para exemplificar, recomendo assistir a um vídeo no Instagram, no qual é possível ver a alternância de línguas na fala de uma criança, feita de forma completamente natural.
As pesquisadoras Letícia Almeida e Cristina Flores também mostram o resultado de uma pesquisa que comparou crianças alfabetizadas em apenas uma língua e crianças que frequentaram escolas de ensino bilíngue nos Estados Unidos. Os resultados indicam que as crianças que foram alfabetizadas em duas línguas possuem habilidades em leitura mais desenvolvidas em comparação às crianças alfabetizadas apenas em uma língua.
Como também enfatizam as pesquisadoras Ingrid Finger, Cristiane Lemke e Larissa Cury, a alfabetização, no sentido de juntar letras e sílabas para reconhecer as palavras, acontece apenas uma vez. O que muda de uma língua de origem latina para outra são apenas as possíveis combinações de letras em cada uma delas.
As pesquisas mostram que a alfabetização simultânea em duas línguas é viável e pode trazer ganhos importantes para o desenvolvimento infantil. Por isso, vale a pena olhar para o bilinguismo com confiança: a criança é plenamente capaz de aprender e se beneficiar dessa experiência.
Num sábado de 2025, eu estava na praça com minha família. Meu filho, de um ano e meio na época, brincava com um menino da mesma idade, enquanto nós, os adultos, conversávamos sobre parentalidade. De repente, surgiu uma pergunta sobre a língua que eu falava com ele. A tia do menino, ao saber que eu estava falando alemão, perguntou: “Mas por quê?”
Fonte: ChatGPT
Naquele momento, não consegui dar uma resposta completa. A mãe do menino se antecipou e respondeu: “Eles são professores de alemão.” E eu apenas complementei: “É, ele já é bilíngue.” Poderia ter explicado com mais detalhes, mas preferi deixar o assunto seguir. Depois, fiquei pensando nos dois aspectos por trás daquela pergunta: o bilinguismo e a língua alemã.
A pergunta dela foi um pouco vaga, então, não se sabe exatamente se ela estava se referindo à língua alemã em si ou ao bilinguismo. Isso me instigou a escrever um pouco sobre os dois aspectos.
O alemão é uma língua diversa, falada tanto em comunidades minoritárias em diversos países, inclusive no Brasil, quanto como língua oficial em cinco países: Alemanha, Áustria, Suíça, Liechtenstein e Luxemburgo. Estima-se que cerca de 100 milhões de pessoas falem alemão como língua materna. O Instituto Goethe estima que 15,5 milhões de pessoas aprendam alemão em mais de 99 países.
No Brasil, a língua alemã está mais próxima do que imaginamos: é ensinada em escolas, cursos livres e universidades, como apresenta o site Falemão. Além disso, a língua aparece por meio de marcas (por exemplo, Schmidt, Schneider, Gerdau, Volkswagen, Knorr, Bosch). A língua também está presente no português em palavras como, por exemplo, kombi, blitz, Wanderlust e Alzheimer. Além disso, alemão e inglês compartilham inúmeras semelhanças entre si (por exemplo, Wind – wind, Freund – friend, gut – good, trinken – drink) e com o português (por exemplo, Information, telefonieren, interessant, Computer). Como afirma a pesquisadora Jasone Cenoz (2013), saber uma língua aparentada pode facilitar a aprendizagem da outra. Então, uma criança que sabe alemão pode utilizá-lo como ponte para a aprendizagem de inglês, por exemplo.
A aprendizagem de alemão pode abrir portas profissionais e acadêmicas. Há multinacionais, como T-Systems e SAP, que priorizam a língua para admissão. Em cidades brasileiras fundadas por alemães ou seus descendentes, o recrutamento de trabalhadores para o comércio privilegia, em algumas lojas, pessoas que falam alemão. O conhecimento da língua também pode ser útil para conseguir uma bolsa para estudar na Alemanha, Áustria ou Suíça. O DAAD (Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico) e a Fundação Alexander von Humboldt, por exemplo, mantêm programas de intercâmbio e pesquisa na Alemanha — programas dos quais já participei. Outra possibilidade é trabalhar nesses países. Muitas pessoas “se viram” lá com a língua que receberam de herança da família.
Quando uma criança aprende alemão (ou qualquer outra língua) em casa, como língua de herança, ela se beneficia de algo que muitos pais pagam caro para proporcionar: o bilinguismo precoce. E isso não tem a ver com ensinar a língua como se fosse um professor, mas de transmiti-la em práticas cotidianas como algo natural. Mais do que uma língua, a criança herda uma cultura, valores, tradições, narrativas e uma maneira afetiva de se comunicar com as gerações anteriores e, com isso, fortalece seu senso de pertencimento familiar. A linguista belga Annick de Houwer (2009) defende que o contato precoce e contínuo com duas línguas dentro da família amplia as oportunidades de interação e favorece o desenvolvimento de repertórios comunicativos e culturais diversificados.
Transmitir uma língua minoritária é também um ato de resistência, que contraria a pressão pela assimilação ao português e pelo monolinguismo no Brasil. Essa pressão é um dos fatores que diminui o número de falantes da língua e fomenta o preconceito. Ensinar e valorizar a transmissão de línguas de herança é uma forma de preservar um patrimônio imaterial e promover diversidade. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) reconhece, entre outras línguas, o hunsriqueano e o pomerano como parte do patrimônio cultural imaterial do Brasil.
A outra forma de interpretar a pergunta da tia do menino tem relação com o bilinguismo precoce e simultâneo. Como explicam os pesquisadores Krista Byers-Heinlein e Casey Lew-Williams, em publicação de 2013, de modo geral, crianças nascem prontas para aprender a língua ou as línguas do seu ambiente sem confusão ou atraso. Ensinar duas línguas em casa desde cedo para a criança é um presente que os pais podem dar, em vários sentidos – tanto faz qual língua. Apesar de não ser isenta de desafios, é uma tarefa tão gostosa que se torna gratificante e divertida.
O bilinguismo infantil pode trazer inúmeros benefícios:
estimula habilidades cognitivas, como discutido pelos autores Krista Byers-Heinlein e Casey Lew-Williams em uma publicação de 2013;
desenvolve a consciência linguística, conforme demonstrado no livro de Ellen Bialystok, publicado em 2001;
facilita a aprendizagem de outras línguas, como mostrado por Jasone Cenoz (2013);
pode aprimorar a compreensão sobre os estados mentais dos outros, segundo a revisão de Chi-Lin Yu, Ioulia Kovelman e Henry Wellman, publicada em 2021;
funciona como uma ponte entre gerações, além de valorizar a identidade cultural e expandir as possibilidades de comunicação, como destaca Annick de Houwer (2021);
pode favorecer o desenvolvimento da capacidade de compreender diferentes pontos de vista, algo essencial para uma boa comunicação, como sugerido por um estudo conduzido por Samantha Fan e colegas (2015);
abre duas (ou mais) janelas para o mundo, como defendem Krista Byers-Heinlein e Casey Lew-Williams (2013).
O entusiasmo diante dos possíveis benefícios é compreensível, mas é bom lembrar que essas hipóteses ainda não foram suficientemente testadas em países do Sul Global, como o Brasil. Porém, se elas não se aplicarem a algum contexto, é importante salientar que o bilinguismo não faz mal e tem o peso afetivo como valor. São inúmeros os fatores que podem influenciar o bilinguismo, e as populações são muito diferentes entre si.
Por tudo isso, tanto o uso de línguas de herança quanto o bilinguismo merecem respeito como uma forma natural de uso das línguas. Não apenas o bilinguismo de elite (português-inglês), de escola bilíngue, tem valor social. As escolhas linguísticas são um direito das famílias e refletem laços de identidade, afeto e pertencimento. Afinal, uma língua é muito mais do que um meio de comunicação: é uma forma de estar no mundo.
As escolhas linguísticas devem ser interpretadas sem julgamento como um direito da família. Se alguma família quisesse inventar uma língua e falar com a criança, isso não deveria ser interpretado como algo estranho. Uma língua é muito mais do que um instrumento, representa a pessoa. Duas línguas, também.
Agradeço à colega Isabella Mozzillo, pela leitura atenta e crítica deste texto.
Autor: Bernardo Kolling Limberger. Pai do Davi. Professor de Pós-Graduação na Universidade Federal de Pelotas e de Graduação na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre. Coordenador do Laboratório de Psicolinguística, Línguas Minoritárias e Multilinguismo – Laplimm.
Você conhece algum poliglota? O termo “poliglota” é frequentemente usado no cotidiano por pessoas leigas em Linguística. Podemos remontar a origem da palavra “poliglota” a duas palavras do grego: polu- (πολύ) e glotta (γλώσσα), que significam “muitas línguas”. O Dicionário de Aprendizes de Oxford para o Inglês define “poliglota” como “saber, usar e escrever em mais de uma língua”. Todavia, há debate sobre o número de línguas que um poliglota deve dominar com proficiência plena: quatro, cinco ou mais línguas? A mesma fonte ainda sugere “multilíngue” como sinônimo.
Mas você sabia que esse conceito já foi superado pela Linguística? Atualmente, esse termo é considerado obsoleto, visto que passou a representar um falante idealizado de línguas estrangeiras altamente proficiente em todas ou na maioria das línguas que domina. Esse perfil corresponde a um número muito limitado de pessoas.
Fonte: Canva
Em contraposição, como explica o professor Bernardo Limberger (2018), o termo multilinguismo vem sendo utilizado na Psicolinguística e na área de Aquisição de Terceira Língua para designar o uso de três ou mais línguas. O falante multilíngue pode apresentar comportamentos linguísticos ainda mais complexos que aqueles observados em contextos de bilinguismo, caracterizado pelo uso de duas línguas. As pesquisadoras Britta Hufeisen e Ulrike Jessner (2019) mencionam que o multilinguismo é um fenômeno social e individual complexo, que envolve processos de aquisição, manutenção, atrito (perda gradual de habilidades linguísticas) e perda de línguas.
Todavia, de acordo com o professor Cléo Altenhofen (2013), em estudos de caráter mais social, o multilinguismo é abordado de forma distinta, sendo usado em referência à diversidade linguística presente nas sociedades. Nessa mesma conjuntura, ele define outro conceito: o de plurilinguismo, entendido como uma habilidade individual que engloba a pluralidade linguística e cultural e que emerge no multilinguismo. Para os pesquisadores Tej Bhatia e William Ritchie (2013), o conceito de plurilinguismo pode ser também utilizado com termo abrangente com referência ao indivíduo que usa várias línguas.
Portanto, é importante definir de qual perspectiva você parte — se da Sociolinguística ou da Psicolinguística/Aquisição de Terceira Língua. É fundamental destacar que, independentemente disso, as pessoas que usam várias línguas no seu cotidiano não são poliglotas, mas sim multilíngues ou plurilíngues. Esses conceitos englobam uma diversidade de características pessoais e coletivas relacionadas à aprendizagem e à aquisição de línguas. Ao caracterizarmos o falante dessa forma, não se idealiza a sua proficiência, não se questionam habilidades linguísticas nem se isolam questões sociais, psicológicas e linguísticas que influenciam o uso das línguas.
Autora: Giovana Canez Valerão, graduada em Letras – Português e Espanhol pela Universidade Federal de Pelotas, mestranda em Letras no Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL) da mesma universidade, é responsável pela página @hallyucoreanoemultilinguismo no Instagram.
Em 2023, de acordo com a câmara dos deputados, havia cerca de 2 milhões de japoneses e descendentes vivendo no Brasil, o que faz do nosso país a maior comunidade japonesa fora do Japão. Esse contato gerou uma língua chamada koronia-go no nosso território, mas você sabia que isso não acontece só aqui e que também existe uma variedade do português brasileiro no Japão?
Estamos falando do dekasseguês. Nos anos 90, o governo japonês lançou campanhas para atrair descendentes de japoneses que viviam fora do país, os nikkeis, incluindo os nascidos no Brasil e falantes de português, oferecendo-lhes oportunidades de emprego. Esses trabalhadores ficaram conhecidos como dekasseguis (出稼ぎ), termo que junta os verbos “sair” (出る, deru) e “ganhar dinheiro” (稼ぐ, kasegu) em japonês. Muitos se estabeleceram no país e formaram comunidades em cidades como Hamamatsu, Nagoya e Oizumi, que abrigam o maior número de brasileiros. Nessas cidades, surgem cenas do encontro da cultura brasileira com os japoneses. Um exemplo é o intercâmbio com samba na cidade de Oizumi (“Brasil Town”), província de Gunma, Japão, como mostra a imagem.
Fonte: Portal Nippon Já.
E é justamente nesse cenário de contato entre línguas que surge o dekasseguês, que, segundo a professora Nilta Dias, se caracteriza pela mistura espontânea de vocabulário em português e japonês e/ou pela criação de novas palavras através da união entre as duas línguas. O pesquisador Felipe Dall’Ava (2021) explica, todavia, que essa mistura também aparece na forma como as palavras japonesas são faladas e escritas, seguindo padrões do português. A tabela abaixo exemplifica o uso, por parte dos falantes de dekasseguês, de sufixos do português em adjetivos e substantivos do japonês para criar diminutivos e aumentativos:
Fonte: Nilta Dias (2015)
Hoje, além do dekasseguês, já se identifica no Japão — e em países de língua espanhola — outra variedade usada por nikkeis, que mistura japonês com espanhol, o Japoñol. No entanto, ambas ainda enfrentam preconceito dentro das próprias comunidades latinas.
Esses exemplos mostram que, mesmo em países vistos como “linguisticamente homogêneos” como o Japão, há espaço para diversidade e criatividade linguística — inclusive com o português do Brasil.
Referências CÂMARA DOS DEPUTADOS. Agência Câmara de Notícias, 2023. Câmara dos Deputados comemora, em sessão solene, 115 anos da imigração japonesa ao Brasil.
ALMEIDA, Karina. «O Japão do Caruso é assim…». Blog Meu Japão, 2006.
DALL’AVA, Felipe. Dekasegi Portuguese: Towards a Nomenclature and Outlining of the Existence of a Portuguese Language Variety in Japan. Asian Journal of Latin American Studies, [S.L.], v. 34, n. 1, p. 129-161, 2021.
DIAS, Nilta. Dekasseguês: Um português diferente? Variações linguísticas e interculturalidade nas migrações contemporâneas dentro do sistema-mundo moderno. Horizontes Decoloniales, [S.L.], v. 1, n. 1, p. 62–101, 2015.
FLORES, Tanya; WILLIAMS, Aja. Japoñol: Spanish-Japanese Code-Switching, Indiana University Linguistics Club Working Papers, [S.L.], v. 19, n. 1, p. 1-21, 2019.
ILSHI, Angelo. Brasileiros no Japão. Instituto Diáspora Brasil, 2023. Disponível em:. Acesso em: 02 jul. 2025.
ONNO, William Yoshi. O que é ser um “Dekassegui” no Japão?Japão em foco, 2015.Disponível em: . Acesso em: 02 jul. 2025.
Autora: Giovana Canez Valerão, graduada em Letras – Português e Espanhol pela Universidade Federal de Pelotas, mestranda em Letras no Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL) da mesma universidade, é responsável pela página @hallyucoreanoemultilinguismo no Instagram.
Muitas pessoas ainda se questionam se o aprendizado da Libras (Língua Brasileira de Sinais) poderia prejudicar, de alguma forma, o desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita em língua portuguesa pelas pessoas surdas. Em 2014, um grupo de estudiosos da área da educação de surdos publicou um documento que deve servir de base para a construção de uma série de orientações para o ensino de pessoas surdas. Já em muitas escolas se está tentando trabalhar nessa linha de pensamento: Libras como a língua em que o aluno irá interagir durante as aulas e português como a língua da leitura e da escrita, pois é a língua oficial do Brasil. Veja algumas das instituições gaúchas, por exemplo, a Escola Bilíngue Professor Alfredo Dub, em Pelotas, e a Escola Bilíngue Profª Carmen Regina Teixeira Baldino, em Rio Grande.
Além disso, a professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Carina Cruz, fez uma pesquisa sobre a possibilidade da consciência fonológica em línguas de sinais ser uma grande aliada na leitura em uma língua oral escrita. A fonologia é uma área da linguística que estuda as pequenas partes de uma palavra ou de um sinal que tem significado. Na pesquisa publicada pela professora, temos estudos feitos em outros países e no Brasil que mostram que os surdos, mesmo crianças, já conhecem essas pequenas partes e as usam para relacionar ou construir novos significados. Isso poderia auxiliar na sua reflexão sobre a escrita da língua oral na qual escrevem e leem.
A pesquisa de Carina Cruz mostra estudos feitos na Suíça e nos Estados Unidos. A maioria comprovou que aqueles surdos que tiveram contato com a língua de sinais de seu país na tenra idade são os mesmos que conseguiram perceber a sua fonologia e que têm maior habilidade na leitura da língua oral escrita. Um outro estudo dos EUA mostrou que alguns professores de surdos já estão usando essa relação como estratégia de ensino da leitura e escrita do inglês. No Brasil, a professora destacou trabalhos que trazem essa consciência fonológica em surdos que começaram a aprender a Libras antes dos quatro anos. Seguindo o que aconteceu nos outros países, eles poderiam ter maior facilidade no desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita da língua portuguesa, graças ao seu conhecimento da Libras! Libras e português, uma relação que dá certo!
Autora: Joseane Maciel Viana, graduada em Licenciatura em Letras – Português e Inglês, com Mestrado em Letras, pela Universidade Federal de Pelotas. Atualmente, é aluna do Doutorado em Aquisição, Variação e Ensino, na mesma universidade.
A Guiné-Bissau, localizada na costa oeste da África, faz fronteira com a República do Senegal ao norte, com a República da Guiné (Conacri) ao leste e ao sul e é banhada pelo Oceano Atlântico, onde também se situam as ilhas de Cabo Verde. Com uma população estimada em 2.230.908 habitantes, o país se destaca pela rica diversidade étnica e linguística. O cenário linguístico é composto por múltiplas línguas, entre elas o crioulo ou Kriol (língua guineense), e o português, conforme o Decreto-Lei n.º 7/2007. Além disso, a presença do francês também se faz sentir, em razão da imigração proveniente de países vizinhos francófonos, como Senegal e Guiné (Conacri).
O crioulo, ou língua guineense, ocupa um lugar de destaque: é a principal língua de comunicação na Guiné-Bissau, funcionando como língua franca entre os vários grupos étnicos do país. Sua formação, segundo autores como Benjamin Bull e Filomena Embaló, remonta aos séculos XVI e XVII, como resultado do contato entre os portugueses (invasores) e os povos locais. Com o tempo, passou a ser também a língua de interação entre as diferentes etnias. Aprenda um pouco da língua guineense!
A língua guineense configura-se como um importante marcador de identidade nacional. Sua estrutura gramatical possui fortes influências africanas e um léxico majoritariamente derivado do português, porém com simplificação morfológica e com adaptações fonéticas e semânticas quando comparados os idiomas. O guineense tem variações dialetais: em Bissau e Bolama, é mais próximo do português; no sul, observa-se a influência de etnias como Beafada, Nalu e Balanta; no norte, há influências de Manjaco, Mancanha, Felupe e Papel e no leste, de Mandinga e Fula.
Durante a luta pela independência do país, o guineense foi essencial como instrumento de mobilização e de unidade nacional. Após a independência, seu uso se consolidou na administração pública, nos meios de comunicação e no cotidiano da população. Atualmente, é falado por cerca de 90% da população, porém, apesar da sua importância, enfrenta desafios relacionados à normatização da escrita e à falta de reconhecimento oficial.
A riqueza étnica da Guiné-Bissau se expressa na presença de diversos grupos: Baiotes, Balantas, Mansoancas, Beafadas, Banhuns, Bijagós, Brames ou Mancanhas, Casangas, Felupes, Fulas, Mandingas, Manjacos, Nalus e Pepeis. Segundo Tcherno Djaló, alguns grupos menores, como os Bagas, Baoyotes, Bambarãs, Cobianas, Conháguis, Djacancas, Jalofos (ou Wolof), Landumas, Cocolis, Padjadincas (ou Badjarancas), Tandas, Oincas, Quissincas, Saracolés, Sossos (ou Djaloncas), Timenes e os Sereres estão em risco de desaparecer enquanto identidades étnicos-linguísticas distintas.
Fonte: https://eportuguese.blogspot.com/2011/08/
Pode dizer-se que a diversidade étnica e linguística da Guiné-Bissau é um espelho da riqueza cultural do país, ao mesmo tempo que coloca desafios à sua coesão sociolinguística. O guineense, enquanto língua franca, contribui para o reforço da identidade nacional, embora a falta de uniformização continue a ser um obstáculo. Valorizar e conservar essas línguas é fundamental para promover a inclusão e fomentar o desenvolvimento sustentável.
Referências
BULL, Benjamim Pinto. O Crioulo da Guiné-Bissau: filosofia e sabedoria. Lisboa: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas, 1988.
DJALÓ, Tcherno. O Mestiço e o Poder: Identidades, Dominações e Resistências na Guiné. Lisboa: Autor, 2012.
EMBALÓ, Filomena. O crioulo da Guiné-Bissau: língua nacional e fator de identidade nacional. Revista Papia, v. 18, p. 101-107, 2008.
Autor: Marcelino Issa da Cunha. Mestre em Linguística no Programa de Pós-Graduação em Linguística (PROLING) na Universidade Federal da Paraíba, linha de pesquisa: Linguística Aplicada. Atualmente é doutorando em Letras no Programa de Pós-Graduação em Letras na Universidade Federal de Pelotas, linha de pesquisa: Aquisição, Variação e Ensino.
Você já deve ter ouvido falar, em anúncios de escolas ou centro de idiomas, que quanto mais cedo uma criança começa a estudar uma língua estrangeira, melhor será sua aprendizagem ou, ainda, que há uma idade limite depois da qual é muito difícil ou até impossível aprender outra língua. A partir dessa informação, muitos pensam que não adianta começar a estudar outra língua depois de se tornar adulto e, inclusive, desistem da ideia sem ao menos tentar. Mas será que essa informação é verdade?
Essa ideia, chamada de hipótese do período crítico, foi muito difundida entre a população sem ter nenhuma comprovação científica. Embora a idade precoce seja um dos fatores que influenciam a aprendizagem, pesquisadores não chegaram a um consenso sobre ser essencial iniciar cedo os estudos de uma língua estrangeira para alcançar uma efetiva aprendizagem.
Fonte: Imagem gerada pela IA do Canva
Os estudos na área indicam que, além da idade, são importantes muitos outros fatores como metodologia de ensino, semelhança com a língua materna, autoconfiança e identificação com a comunidade da língua que se pretende estudar, além da motivação pessoal. Aprender outro idioma inclui, portanto, questões que envolvem o aprendiz, o ambiente de aprendizagem e a própria língua. A experiência de aprender uma língua estrangeira é como um diamante, há várias facetas. A idade é somente uma delas.
Fonte: Creative Commons
Assim, um bom nível de proficiência, a habilidade de usar uma língua estrangeira de forma eficiente em diferentes situações, pode ser desenvolvido independente da idade em que a pessoa começa a estudar. Mas será que isso significa que não é necessário que crianças estudem línguas estrangeiras?
O estudo de línguas estrangeiras, certamente, trará muitos benefícios para qualquer criança. Diferentes aprendizagens contribuem para o desenvolvimento cognitivo, ou seja, a capacidade do cérebro armazenar novas informações e resolver tarefas cada vez mais complexas. Isso significa que estudar línguas estrangeiras contribuirá para a formação e o desenvolvimento infantil, assim como estudar música, ler, jogar xadrez, praticar esportes, entre outras atividades cognitivas.
É importante destacar que, mesmo que você não tenha tido oportunidade de estudar outras línguas quando criança, começar mais tarde não impede que você aprenda de forma efetiva, se comunique de forma eficiente e interaja com outras culturas a partir do conhecimento linguístico. Não há motivos para desistir de aprender outra língua sem ao menos tentar, independente da idade.
Referência SINGLETON, D.; LEŚNIEWSKA, J. The Critical Period Hypothesis for L2 Acquisition: An Unfalsifiable Embarrassment? Languages, v. 6, n. 3, p. 1-15, 2021.
Autora: Vivian Anghinoni Cardoso Corrêa. Licenciada em Letras e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Pelotas. Estudante de Doutorado em Letras na mesma instituição.
Recentemente, tem se disseminado a crença de que o bilinguismo seria uma forma de prevenir o Alzheimer. No entanto, essa afirmação está baseada em um mito. Para começar a questioná-lo, é importante ressaltar que tanto pessoas que falam uma língua quanto pessoas que usam duas línguas podem sofrer de Alzheimer, embora de maneiras diferentes.
O Alzheimer é uma doença que afeta as células cerebrais e provoca uma perda progressiva da memória. Esse declínio afeta a comunicação, o comportamento e a capacidade de raciocínio dos pacientes.
No caso dos bilíngues, além desses sintomas, observam-se outros. Para ilustrar, imaginemos um paciente que fala português e inglês e vive no Brasil. Ao falar, ele poderia misturar, de maneira não intencional, as duas línguas, usando palavras ou frases em inglês enquanto fala português. Além disso, ele poderia se dirigir aos seus familiares brasileiros em inglês, acreditando que está falando português. Como podemos ver, a comunicação com pacientes bilíngues traz desafios específicos.
Então, se qualquer pessoa pode desenvolver Alzheimer, existe alguma vantagem em falar várias línguas, como sugere o mito? Sim, pode ser que seja o tempo. Segundo os pesquisadores McLoddy Kadyamusuma, Eve Higby e Loraine Obler, há uma tendência na pesquisa que mostra que os bilíngues são diagnosticados com Alzheimer de 4 a 5 anos mais tarde do que os monolíngues, e os sintomas tendem a demorar mais a aparecer.
Esses benefícios do bilinguismo são resultado do que se conhece como “reserva cognitiva“, mudanças na constituição do cérebro que o tornam mais capaz de resistir a danos ou doenças. Aprender mais de uma língua pode contribuir para o desenvolvimento dessa reserva cognitiva. No entanto, é importante ter em mente que os bilíngues que obtêm maiores benefícios cognitivos costumam ser migrantes que utilizam as duas línguas em sua vida diária.
Fonte: http://bit.ly/42ZJMh4
Porém, não é necessário começar a aprender idiomas de forma compulsiva; outros fatores, como a educação, o estilo de vida saudável, leitura, atividade física e as relações sociais, também desempenham um papel fundamental na reserva cognitiva. Por isso, recomendo desafiar as capacidades mentais e físicas, encontrar prazer nas atividades e, claro, aprender uma nova língua.
Referência KADYAMUSUMA, McLoddy; HIGBY, Eve; OBLER, Loraine. The neurolinguistics of Multilingualism. In: SINGLETON, David; ARONIN, Larissa (ed.) Twelve Lectures on Multilingualism. Bristol: Multilingual Matters Limited, 2019. p. 271-298.
Autora: Camila Alejandra Loayza Villena. Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPel. Professora de espanhol para adultos.
Você já deve ter ouvido falar em transferências (chamadas atualmente de influências translinguísticas por muitos pesquisadores) no processo de aquisição/aprendizagem de línguas estrangeiras. Em 1989, o pesquisador norte-americano Terence Odlin definiu a transferência como a influência de uma língua sobre o uso de outra, e esse conceito segue sendo usado na atualidade pelos professores e pesquisadores.
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É importante salientar que os estudos em Linguística demonstram que uma língua influencia a outra não só no início da aquisição, mas durante toda a vida. Afinal, as transferências são um recurso comum quando falamos de pessoas bilíngues (que usam duas línguas) ou multilíngues (que usam três ou mais línguas), pois todas as línguas estão conectadas na mente e não divididas em “caixinhas” como se acreditava até alguns anos atrás.
Em 2021, a pesquisadora brasileira Raphaela de Freitas realizou um trabalho sobre as influências translinguísticas na produção oral em espanhol de brasileiros falantes de português, espanhol e inglês. Nesse estudo, é possível observar as transferências do português nas produções em espanhol, como, por exemplo, a utilização das palavras “logo” e “fonte” da língua portuguesa na fala em língua espanhola sendo usadas no lugar de “luego” e “fuente”: “logo viene dos otras personas: un chico y una chica” e “primero veo a un señor llegar a una acercarse a una fonte”. Isso ocorre, sobretudo, devido às semelhanças entre as duas línguas, o que motiva as influências, neste caso, na oralidade.
Além disso, as influências translinguísticas não ocorrem apenas no âmbito das palavras, como nos exemplos citados anteriormente, mas também em outros aspectos da língua, como na gramática e na pronúncia. O estudo das transferências, portanto, abrange uma variedade de fatores que moldam o uso das línguas por bilíngues e multilíngues em diferentes contextos comunicativos.
Em resumo, as influências translinguísticas desempenham um papel fundamental na aquisição e no uso de línguas ao longo da vida. Esse fenômeno ocorre tanto em bilíngues quanto em multilíngues e não se limita apenas ao início da aprendizagem, mas permanece em diferentes níveis de proficiência linguística e manifesta-se na escrita e na oralidade. Assim sendo, entender as transferências é crucial para compreender a dinâmica da aprendizagem de línguas e o impacto da interação entre elas.
Referências FREITAS, Raphaela Palombo Bica de. Influências translinguísticas lexicais na produção oral em espanhol por brasileiros adultos imigrantes falantes de português, espanhol e inglês. 2021. Dissertação (Mestrado em Letras) – Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal de Pelotas.
ODLIN, Terence. Language Transfer: Cross-Linguistic Influence in Language Learning. Cambridge: Cambridge University Press, 1989.
Autor: Lucas Röpke da Silva – Professor de espanhol e português como línguas estrangeiras. Atualmente, realiza o curso de mestrado acadêmico em Letras na Universidade Federal de Pelotas na linha de pesquisa Aquisição, Variação e Ensino.
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