Arquivo da categoria: Línguas estrangeiras/adicionais

Memória e aprendizagem de línguas: estratégias para estudar de forma mais eficiente

Já passou horas focado estudando vocabulário e gramática, mas na hora da prova ou de usar a língua parece que tudo desapareceu? Essa frustração é comum para quem está aprendendo uma língua. O que muitos não sabem é que a maneira como você organiza seus estudos pode fazer toda a diferença. Em vez de fazer uma “maratona” de revisão, que tal explorar estratégias que ajudam a transformar a aprendizagem mais leve, duradoura e divertida?

Fonte: Imagem gerada pelo autor por meio do Canva.

Segundo os pesquisadores Michael Ullman e Jarrett Lovelett, nosso cérebro funciona melhor quando recebe informações em doses distribuídas ao longo do tempo. Quando tentamos aprender tudo de uma vez, sobrecarregamos a nossa mente, o que dificulta a retenção do conteúdo. Por isso, ao intercalar as revisões, o conteúdo se fixa de maneira mais eficiente. Como fazer isso? Estude hoje em aula ou em casa e, em seguida, faça revisões em intervalos. Essa prática de revisar em intervalos espaçados, conhecida como repetição espaçada, não apenas reforça o que foi aprendido, mas também ajuda a fixar as informações de forma mais duradoura, pois seu cérebro retém melhor o que considera importante e precisa ser lembrado.

Agora, a segunda estratégia: a prática de recuperação. Essa técnica envolve testar a si mesmo. Em vez de apenas reler suas anotações, desafie-se a recordar o que estudou sem olhar para o material. Esse esforço adicional não só reforça a retenção do conteúdo, mas também oferece uma oportunidade valiosa para avaliar seu progresso. Identificar áreas que precisam de melhoria é fundamental para direcionar seu estudo e aumentar a eficácia da aprendizagem. Para aplicar essa técnica, feche o livro ou o aplicativo e tente escrever ou falar para si mesmo ou para alguém sobre o que aprendeu. Outra estratégia é pedir para uma inteligência artificial (ou outra ferramenta, como Quizlet ou Anki) gerar um teste com gabarito, baseando-se em textos ou em slides. Quanto mais você se desafia, mais fácil será lembrar depois.

Por fim, o truque mais poderoso: recuperação espaçada. Essa técnica combina as duas anteriores — intervalos entre revisões e testes constantes. Após estudar, dê um tempo antes de revisar e, ao revisar, teste-se antes de consultar o material. Isso não só garante que você retenha a informação por muito mais tempo, mas também evita a necessidade de revisões intensivas para adquirir conhecimento.

Fonte: Imagem gerada pelo autor por meio do Canva.

Para otimizar sua aprendizagem, utilize diferentes materiais, como flashcards (cartões de estudo), quizzes (questionários – use e abuse da inteligência artificial) e perguntas práticas de revisão. Esses recursos tornam o processo mais dinâmico e ajudam a solidificar seu conhecimento.

Fonte: Imagens geradas pelo autor por meio do Canva.

Essas estratégias funcionam porque se baseiam no funcionamento da memória, que é a base para a aprendizagem. Quanto mais tempo você dá ao cérebro para processar informações e mais se desafia a lembrar, mais fortes ficam as conexões neurais, consolidando o conhecimento a longo prazo.

Fonte: Imagem gerada pelo autor por meio do Canva.

Sempre que você for estudar, lembre-se: a chave não está em estudar mais, mas sim em estudar melhor!

Referência
ULLMAN, Michael T.; LOVELETT, Jarett T.  Implications of the declarative/procedural model for improving second language learning: The role of memory enhancement techniques. Second Language Research, v. 34, n. 1, p. 39-65, 2016.

Autor: Thomas de Julio, graduado em Licenciatura em Letras – Português e Alemão pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Mestre em Letras na linha de Aquisição, Variação e Ensino pela mesma universidade.

Pode alfabetizar em duas línguas ao mesmo tempo?

Se você é responsável por alguma criança e tem dúvidas quanto ao ensino bilíngue e à alfabetização em duas línguas simultaneamente, este texto pode ser interessante para você. Vamos ver o que algumas pesquisas nos mostram sobre o assunto. 

Fonte: Blog Discite

As pesquisadores Ingrid Finger, Cristiane Lemke e Larissa Cury relatam que o número de escolas bilíngues está crescendo de forma acelerada no Brasil. O que ocorre, no entanto, é que devido ao baixo número de pesquisas na área e à pouca divulgação do assunto, surgem muitos mitos quanto à aprendizagem e alfabetização em uma outra língua além do português. 

Os linguistas Orlando Vian Júnior, Janaína Weissheimer e Marcelo Marcelino trazem alguns exemplos desses mitos: “aprender uma segunda língua confunde a criança e diminui sua inteligência”; “a criança deve aprender uma primeira língua adequadamente, depois se pode ensinar outra língua”. As autoras Ingrid Finger, Luciana Brentano e Daniela Ruschel falam do mito de que a criança deve estar completamente alfabetizada em sua primeira língua para então ser alfabetizada em um segundo idioma.  

Muitas ideias equivocadas sobre o bilinguismo vieram da noção já superada de que a pessoa bilíngue seria composta por dois monolíngues e que uma língua acaba atrapalhando a outra. Porém, de acordo com trabalhos dos pesquisadores François Grosjean, bem como de Ingrid Finger, Luciana Brentano e Daniela Ruschel, as línguas estão armazenadas em um mesmo lugar no cérebro e são ativadas de acordo com o contexto em que o falante se encontra. As habilidades que o falante usa ao falar, ler, escrever e escutar estão relacionadas a um mesmo “repositório” central comum, como representado na figura (Proficiência linguística Cognitiva/Acadêmica).

Fonte: Livro Bilingual education in the 21st century: a global perspective (2009)

As autoras Ingrid Finger, Cristiane Lemke e Larissa Cury discutem estudos sobre alfabetização em dois idiomas, mostrando que pessoas que falam duas línguas aprendem a ler e a escrever em ambas sem prejudicar nenhuma delas. Isso acontece porque, quando a criança aprende a ler em uma língua, ela transfere as habilidades que adquiriu para a outra, e ambas servem de base para o desenvolvimento da leitura. Sendo assim, o que ela aprende em uma língua impacta a outra e vice-versa, como explicam as autoras Ingrid Finger, Cristiane Lemke e Larissa Cury. As autoras acrescentam que o bilinguismo traz benefícios às crianças em seu desenvolvimento cognitivo, cultural, comunicativo e acadêmico. As crianças já nascem com uma capacidade de aprender mais de uma língua, de distingui-las e de usá-las corretamente em situações e contextos diferentes. Para exemplificar, recomendo assistir a um vídeo no Instagram, no qual é possível ver a alternância de línguas na fala de uma criança, feita de forma completamente natural.

As pesquisadoras Letícia Almeida e Cristina Flores também mostram o resultado de uma pesquisa que comparou crianças alfabetizadas em apenas uma língua e crianças que frequentaram escolas de ensino bilíngue nos Estados Unidos. Os resultados indicam que as crianças que foram alfabetizadas em duas línguas possuem habilidades em leitura mais desenvolvidas em comparação às crianças alfabetizadas apenas em uma língua. 

Como também enfatizam as pesquisadoras Ingrid Finger, Cristiane Lemke e Larissa Cury, a alfabetização, no sentido de juntar letras e sílabas para reconhecer as palavras, acontece apenas uma vez. O que muda de uma língua de origem latina para outra são apenas as possíveis combinações de letras em cada uma delas. 

As pesquisas mostram que a alfabetização simultânea em duas línguas é viável e pode trazer ganhos importantes para o desenvolvimento infantil. Por isso, vale a pena olhar para o bilinguismo com confiança: a criança é plenamente capaz de aprender e se beneficiar dessa experiência.

Referências

ALMEIDA, Letícia; FLORES, Cristina. Bilinguismo. In: FREITAS, Maria João; SANTOS, Ana Lúcia. Aquisição de língua materna e não materna: Questões gerais e dados do português. Berlin: Language Science Press, 2017. p. 275-304.
FINGER, Ingrid; BRENTANO, Luciana de Souza; RUSCHEL, Daniela. E quando a alfabetização ocorre simultaneamente em duas línguas? Reflexões sobre o biletramento a partir da análise de textos de crianças bilíngues. ReVEL. v. 17, n. 33, p. 29-57, 2019.
FINGER, Ingrid; LEMKE, Cristiane Ely; CURY, Larissa da Silva.  Biliteracia e alfabetização em duas línguas: expandindo as relações entre L1 e L2. In: LIMBERGER, Bernardo K.; KLEIN, Angela I.; TOASSI, Pâmela P. F.  Bilinguismo e Leitura: contribuições da Psicolinguística. São Paulo: Pontes, 2023. p. 29-58.
GARCIA, Ofelia. Bilingual education in the 21st century: a global perspective. West Sussex: John Wiley & Sons Ltd, 2009.
GROSJEAN, François. Neurolinguists, Beware! The Bilingual Is Not Two Monolinguals in One Person, Brain and Language, Université de Neuchatel, Switzerland, v. 36, p. 3-15, 1989.
LUCENA, Priscila. Alfabetização e ensino bilíngue: como esse processo acontece? In: YOUBilingue. YOUBlog. São Paulo, 10 set. 2023. Disponível em: 
VIAN, Orlando Jr.; WEISSHEIMER, Janaina; MARCELINO, Marcelo. Bilinguismo: Aquisição, cognição e Complexidade, Revista do GELNE, Natal, v. 15, n. especial, p. 339-412, 2013. 

Autora: Nathália Guimarães de Lima Siqueira, mestranda em Letras pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). 

 

 

 

É necessário começar cedo a estudar uma língua estrangeira?

Você já deve ter ouvido falar, em anúncios de escolas ou centro de idiomas, que quanto mais cedo uma criança começa a estudar uma língua estrangeira, melhor será sua aprendizagem ou, ainda, que há uma idade limite depois da qual é muito difícil ou até impossível aprender outra língua. A partir dessa informação, muitos pensam que não adianta começar a estudar outra língua depois de se tornar adulto e, inclusive, desistem da ideia sem ao menos tentar. Mas será que essa informação é verdade? 

Essa ideia, chamada de hipótese do período crítico, foi muito difundida entre a população sem ter nenhuma comprovação científica. Embora a idade precoce seja um dos fatores que influenciam a aprendizagem, pesquisadores não chegaram a um consenso sobre ser essencial iniciar cedo os estudos de uma língua estrangeira para alcançar uma efetiva aprendizagem. 

Fonte: Imagem gerada pela IA do Canva

Os estudos na área indicam que, além da idade, são importantes muitos outros fatores como metodologia de ensino, semelhança com a língua materna, autoconfiança e identificação com a comunidade da língua que se pretende estudar, além da motivação pessoal. Aprender outro idioma inclui, portanto, questões que envolvem o aprendiz, o ambiente de aprendizagem e a própria língua. A experiência de aprender uma língua estrangeira é como um diamante, há várias facetas. A idade é somente uma delas. 

Fonte: Creative Commons

Assim, um bom nível de proficiência, a habilidade de usar uma língua estrangeira de forma eficiente em diferentes situações, pode ser desenvolvido independente da idade em que a pessoa começa a estudar. Mas será que isso significa que não é necessário que crianças estudem línguas estrangeiras? 

O estudo de línguas estrangeiras, certamente, trará muitos benefícios para qualquer criança. Diferentes aprendizagens contribuem para o desenvolvimento cognitivo, ou seja, a capacidade do cérebro armazenar novas informações e resolver tarefas cada vez mais complexas. Isso significa que estudar línguas estrangeiras contribuirá para a formação e o desenvolvimento infantil, assim como estudar música, ler, jogar xadrez, praticar esportes, entre outras atividades cognitivas. 

É importante destacar que, mesmo que você não tenha tido oportunidade de estudar outras línguas quando criança, começar mais tarde não impede que você aprenda de forma efetiva, se comunique de forma eficiente e interaja com outras culturas a partir do conhecimento linguístico. Não há motivos para desistir de aprender outra língua sem ao menos tentar, independente da idade. 

Referência
SINGLETON, D.; LEŚNIEWSKA, J. The Critical Period Hypothesis for L2 Acquisition: An Unfalsifiable Embarrassment? Languages, v. 6, n. 3, p. 1-15, 2021.

Autora: Vivian Anghinoni Cardoso Corrêa. Licenciada em Letras e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Pelotas. Estudante de Doutorado em Letras na mesma instituição.

É possível aprender uma nova língua a distância?

Aprender uma nova língua é uma habilidade interessante, tanto no ambiente de trabalho quanto na vida acadêmica. Além disso, conhecer línguas minoritárias, como pomerano ou talian, é ótimo, pois isso preserva memórias culturais de valor inestimável (leia mais sobre aqui: https://bit.ly/3XFUq8G). Os professores McLoddy Kadyamusuma, Eve Higby e Loraine Obler apontam outra vantagem: a aprendizagem de línguas beneficia nosso cérebro, impulsionando o desenvolvimento cognitivo, ou seja, como processamos informações. No entanto, nem sempre é fácil ter acesso a aulas de idiomas. O custo elevado e a necessidade de reorganizar a rotina muitas vezes são obstáculos. Felizmente, a tecnologia e a educação a distância podem nos ajudar. Atualmente, existem diversos cursos de línguas gratuitos e online, que permitem estudar no próprio ritmo, sem a pressão de horários fixos. A dúvida, porém, é: será que é possível aprender uma língua à distância?  Vamos descobrir!

Pesquisadores como Stephen Krashen defendem que, de maneira geral, a aprendizagem de línguas ocorre pela exposição à língua, ouvindo e interagindo até reconhecer padrões e associar sons a significados. Com o uso ativo, seja falando ou escrevendo, as conexões cerebrais se fortalecem. O processo também envolve fatores cognitivos, como a memória, a atenção e processamento da linguagem, que nos ajudam a interpretar e aplicar as informações. Mesmo à distância, podemos ativar esses processos.

Segundo a pesquisadora Mailce Borges Mota, a memória é essencial no aprendizado de línguas, envolvendo dois sistemas principais: a memória declarativa, que armazena vocabulário e regras gramaticais, e a memória procedural, que nos permite falar e escrever automaticamente. Na educação a distância, tecnologias ajudam a fortalecer a memória e, consequentemente, a aprendizagem. Entre elas, podemos citar o feedback automático e aplicativos de repetição espaçada, uma técnica de aprendizagem que consiste em revisar um conteúdo várias vezes, mas com intervalos de tempo entre as revisões. Isso ajuda a memorizar melhor as informações do que estudar tudo de uma só vez, conforme o pesquisador Nicholas Cepeda e seus colegas.

Além disso, ferramentas como aplicativos de gamificação, que oferecem pontuações e recompensas, ajudam a manter nossa motivação e foco (aqui vão duas opções: Kahoot e Educaplay. Também é comum o uso de tecnologias como reconhecimento de voz e tradução automática, como o Google Tradutor que facilitam e agilizam a compreensão de pronúncia e gramática, tornando o processo de aprendizagem mais eficiente.

Assim, não há motivos para acreditar que aprender línguas à distância seja impossível. Pelo contrário: essa abordagem oferece benefícios para sua jornada linguística. Quem sabe esta informação não seja um incentivo para se aventurar na aprendizagem de uma nova língua como o espanhol para conhecer países vizinhos?

 

Referências
CEPEDA, Nicholas.; PASHLER, Harold.; VUL, Edward.; WIXTED, John.; ROHRER, Doug. Distributed practice in verbal recall tasks: A review and quantitative synthesis. Psychological Bulletin, Washington, DC, v. 132, n. 3, p. 354–380, maio 2006.
KADYAMUSUMA, McLoddy.; HIGBY, Eve.; OBLER, Loraine. The Neurolinguistics of Multilingualism. In: ARONIN, Larissa; SINGLETON, David. (ed.). Twelve lectures on multilingualism. Bristol: Multilingual Matters, 2019. p. 271-296.
MOTA, Mailce Borges. Sistemas de memória e processamento da linguagem: um breve panorama. Revista LinguíStica, v. 11, n. 1, p. 205-215, 2015.
KRASHEN, Stephen. Principles and Practice in Second Language Acquisition. Oxford: Pergamon Press, 1982.

Autora: Juliana Ribeiro dos Santos, graduada em Licenciatura em Letras – Português e Inglês. Atualmente, é aluna do Mestrado em Letras, na mesma universidade.

 

 

Pode traduzir na aula de língua estrangeira?

É muito comum no Brasil a crença de que na aula de língua inglesa, por exemplo, o professor e o estudante só podem falar inglês e não podem recorrer ao português em nenhum momento. Essa ideia está presente em muitas escolas e cursos de idiomas, não só de inglês, mas também de diferentes línguas como espanhol, francês, italiano, alemão, entre outras.

Mas afinal, pode traduzir durante a aprendizagem de língua estrangeira? A resposta é: deve! A tradução em sala de aula é um recurso valioso que pode trazer benefícios tanto para os alunos quanto para os professores. As pesquisadoras Clara Guedes e Isabella Mozzillo afirmaram, em uma pesquisa realizada em 2014, que a utilização da língua materna na aula de língua estrangeira é uma ferramenta que pode facilitar a compreensão de conteúdos por parte dos estudantes, principalmente daqueles que estão nos estágios iniciais de aprendizagem. 

Além disso, a tradução pode auxiliar na ampliação de vocabulário, uma vez que ao compararmos palavras entre línguas, expandimos o vocabulário nas duas línguas e adquirimos uma melhor compreensão, por exemplo, de palavras cognatas (semelhantes) e falsas cognatas (parecidas nas duas línguas, porém com significados diferentes).

Há muitos anos, alguns pesquisadores, por exemplo, Domingos Corrêa da Costa, em um texto seu publicado em 1988, já defendiam que a tradução poderia ser considerada como uma quinta habilidade. Isto é, além das quatro habilidades básicas trabalhadas em sala de aula de língua estrangeira (ouvir, falar, ler e escrever), a tradução seria mais uma habilidade.

Como vimos, a tradução é um recurso muito útil para a aula de língua estrangeira. Sendo assim, o que os professores podem fazer para trabalhar a tradução em sala de aula? Uma possibilidade é promover explicações contrastando as línguas. Dessa forma, é possível mostrar exemplos de estruturas que são similares e diferentes nos dois (ou mais) idiomas. Isso ajuda os estudantes a entenderem as particularidades de cada língua e evitarem erros comuns cometidos pelos aprendizes.

Outra possibilidade é realizar atividades de tradução inversa, solicitando aos alunos que traduzam textos da língua estrangeira para o português e vice-versa. Uma sugestão é utilizar gêneros que são tipicamente traduzidos, como legendas e canções em sites como o Vagalume, por exemplo. Os professores podem propor aos estudantes que já possuem pelo menos um nível intermediário da língua uma atividade na qual se solicite a legendagem de um curta-metragem em sala de aula ou a tradução de um música que gostem para enviar para a publicação. Outras atividades mais criativas, como traduzir um poema ou um miniconto, também podem ser feitas em sala de aula. Isso reforça a compreensão e ajuda a consolidar o vocabulário. Nesse sentido, longe de ser um obstáculo, a tradução pode ser uma aliada poderosa no processo de ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras.

Referências
COSTA, Domingos Corrêa da. Tradução e ensino de línguas. In: BOHN, Hilário; VANDRESEN, Paulo (orgs.). Tópicos de lingüística aplicada: o ensino de línguas estrangeiras. Florianópolis: Editora da UFSC, 1988. p. 282-291.
GUEDES, Clara Pereira Sampaio; MOZZILLO, Isabella. O papel da tradução no cruzamento de fronteiras linguísticas e culturais no ensino de língua estrangeira. In: ENCONTRO INTERNACIONAL DE LETRAS, 8.; JORNADAS LATINOAMERICANAS DE LINGUAGENS E CULTURA, 1.; JORNADINHAS DE LITERATURA INFANTIL E ENSINO, 1., 2014, Foz do Iguaçu. Anais… Foz do Iguaçu: Unioeste/Unila, 2014. p. 508-512.

Autor: Lucas Röpke da Silva – Professor de espanhol e português como línguas estrangeiras. Atualmente, realiza o curso de mestrado acadêmico em Letras na Universidade Federal de Pelotas na linha de pesquisa Aquisição, Variação e Ensino.

A aprendizagem da língua coreana no Brasil

Com a popularização da cultura sul-coreana, por exemplo, através do K-pop e dos K-dramas, a língua coreana ganha destaque mundial, e o Brasil não é exceção. Um relatório do Duolingo em 2020 apontou o coreano como o segundo idioma de maior crescimento no país, e, em 2023, alcançou a sexta posição entre os mais estudados no aplicativo, ultrapassando o português. Esse avanço resulta não só do interesse cultural, mas também do investimento da Coreia do Sul, que, por meio do Instituto Rei Sejong, apoia o ensino do coreano em 258 institutos em 85 países, incluindo cinco no Brasil.

Grupo Seventeen (Pledis/Divulgação)
K-drama Lovely Runner (TVN/ Divulgação)

Os dados levam à reflexão sobre as perspectivas de aprendizagem do coreano no Brasil. Para a comunidade sul-coreana brasileira, a língua coreana desempenha um papel importante. Para muitos, ela é a língua materna — idioma aprendido durante a infância, geralmente no contexto familiar. Ela pode ser uma língua de herança, conectada à identidade cultural e étnica. Nesse caso, os descendentes de coreanos nem sempre falam fluentemente o idioma, mas está presente no ambiente familiar, atuando como um marcador cultural e identitário para essas pessoas. 

Fora da comunidade, o coreano é geralmente aprendido como uma língua estrangeira, ou seja, ensinada fora do seu contexto nativo. Em alguns casos, pode ser uma segunda língua, que, conforme a linguista Karen Spinassé, exige comunicação diária e desempenha um papel importante na integração social. No entanto, independentemente de ser uma língua estrangeira ou uma segunda língua, o coreano é uma língua adicional para a maioria dos brasileiros, ou seja, aprendida após a língua materna, refletindo a complexidade do multilinguismo.

Apesar de sua ascensão, o coreano é uma língua falada por poucos no Brasil, seu uso se concentra em pessoas com vínculos culturais com a Coreia ou em fãs da cultura sul-coreana. Todavia, o curso de graduação em coreano da USP, o único da América do Sul, já é um dos principais polos de estudos coreanos na América Latina, e a demanda por mais cursos só aumenta.

À medida que mais brasileiros estudam o idioma e instituições ampliam suas ofertas, é possível imaginar que, no futuro, o coreano terá um papel relevante no cenário multilíngue brasileiro, tornando-se uma nova oportunidade de aprendizagem e (re)conexão cultural.      

Referências
KING SEJONG INSTITUTE FOUNDATION. King Sejong Institute Locations.
SPINASSÉ, Karen Pupp. Os conceitos Língua Materna, Segunda Língua e Língua Estrangeira e os falantes de línguas alóctones minoritárias no Sul do Brasil. Contingentia, Porto Alegre, Brasil, v. 1, n. 1, p. 1-10, 2008. 

Autora: Giovana Canez Valerão, graduanda em Letras – Português e Espanhol pela UFPEL, é pesquisadora do Laboratório de Psicolinguística, Línguas Minoritárias e Multilinguismo (LAPLIMM), onde desenvolve o projeto “A hallyu, o coreano como língua adicional e o multilinguismo de brasileiros”.

 

Só viajar conta? Explorando línguas e culturas na internacionalização

A internacionalização tem, sim, relação com viagens, mas ela vai muito além disso. Trago aqui algumas ações de internacionalização em casa, conceito criado por Jos Beelen e Elspeth Jones em 2015, que são importantes para o processo.

A primeira delas é a tradução de websites. O site de uma universidade, muitas vezes, é a sua vitrine para estrangeiros. Quando ele tem a opção de ao menos uma língua estrangeira, ele capta estrangeiros que podem não saber português. Conhecendo algum projeto de pesquisa, a pessoa pode solicitar mobilidade para cá, ou até ingressar regularmente, principalmente se já souber um pouco de português.

Falando em estrangeiros, eles podem chegar com pouco conhecimento de português, mas precisam cumprir as mesmas tarefas de um estudante brasileiro, ou seja, escrever e apresentar trabalhos e fazer provas em português. É com auxílio dos cursos de português para estrangeiros – outra ação de internacionalização – eles cumprem essas demandas e, além disso, se integram à comunidade local.

E mais: a tradução de textos. Um artigo em português tem um certo impacto, enquanto o mesmo artigo em uma língua estrangeira, principalmente (mas não só!) em inglês, pode ter um impacto maior, chegando a públicos que não falam português. Essa é uma ação disponível em muitas universidades – além de pessoas que buscam a tradução por conta própria.

Finalmente, temos a possibilidade de aulas DE e EM língua estrangeira. Essas são duas ações próximas, mas diferentes. Em uma aula DE língua estrangeira, a pessoa se prepara para ler, escrever, e talvez viajar e se comunicar em outra língua. Uma aula EM outra língua exige que tanto o professor quanto os alunos tenham boas habilidades em determinado idioma, para que o conteúdo normal seja passado e avaliado naquela língua. Isso é uma ação que pode ajudar ainda mais alunos estrangeiros que chegam na instituição e querem participar ativamente das aulas.

Então, essas foram algumas das ações de internacionalização em casa focadas em políticas linguísticas que não necessariamente têm a ver com mobilidade, mas que sim, impactam profundamente o contexto acadêmico para todos os alunos e servidores – e agregados – da instituição. Então, na próxima vez que falarem que internacionalização é só viajar, responda que: NÃO!

 

Referência

BEELEN, Jos.; JONES, Elspeth. Redefining Internationalization at Home. In: CURAJ, Adrian. et al. (Org.) The European Higher Education Area: between critical reflections and future policies. Cham: Springer,  2015. p. 59-72.

Autora: Marília Lima Martins – doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), com mestrado e licenciatura em Letras e bacharelado em Relações Internacionais pela mesma instituição. É professora de inglês e professora de português como língua adicional.

Português brasileiro para estrangeiros

Você sabia que não são só os cidadãos brasileiros que estudam o português brasileiro? Atualmente, muitas pessoas de outros países onde não se fala a nossa língua se interessam em aprender o nosso português. Isso ocorre devido a diversas motivações, as principais são oportunidades de emprego e estudo, migrações e casamentos.

A maioria dos cursos de português para falantes de outras línguas ocorre nas universidades brasileiras. Na cidade de Pelotas/RS, por exemplo, a Universidade Federal de Pelotas, por meio dos programas Idiomas sem Fronteiras e Português para Estrangeiros, oferece cursos gratuitos de português aos estudantes estrangeiros da instituição, bem como à comunidade em geral.

Fonte: UFPel Internacional. Disponível em: https://lh3.googleusercontent.com/p/AF1QipOh_8YrOA1yvcS1c8hacn8gjEW1dZ5JNu1nD4_K=s680-w680-h510

Nos últimos anos, a UFPel vem realizando diversas ações relacionadas ao português como língua adicional (também chamada de língua estrangeira). Essas ações visam promover o respeito e a valorização da diversidade linguística presente na universidade e na cidade de Pelotas. Desse modo, as línguas devem ser respeitadas e valorizadas para possibilitar o acolhimento de toda a sociedade.

A oferta de cursos de português brasileiro para estrangeiros ocorre, sobretudo, para que a língua não seja uma barreira na vida dos estrangeiros que chegam à cidade de Pelotas e precisam aprender a falar português. As professoras Vanessa Damasceno e Helena Selbach (2021) afirmam que o Programa de Português para Estrangeiros da UFPel atende cerca de 40 alunos estrangeiros por semestre, advindos de vários países e com diferentes línguas maternas.

Considerando a grande diversidade linguística presente no Brasil, o professor Marcos Bagno (2015) declara que todas as pessoas são dotadas das mesmas capacidades cognitivas e que todas as línguas são instrumentos perfeitos para dar conta de expressar e construir a experiência humana no mundo. Sendo assim, um gaúcho fala português de maneira diferente de um mineiro; nesse sentido, uma pessoa de outro país que está aprendendo português falará de uma forma distinta. É importante respeitar as culturas e as várias formas de falar de cada um.

Referências
BAGNO, Marcos. Preconceito Linguístico. 56. ed. São Paulo: Parábola, 2020.
DAMASCENO, Vanessa Doumid; SELBACH, Helena Vitalina. O Programa Português para Estrangeiros: panorama de ações e contribuições para a educação de professores de PLA. Entretextos, v. 21, n. 3 Esp., p. 151-162, 2021.
UFPEL – Universidade Federal de Pelotas. Conselho Coordenador do Ensino, da Pesquisa e da Extensão. Resolução n° 01/2020, de 20 de fevereiro de 2020. Institui a política linguística da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Pelotas: Conselho Coordenador do Ensino, da Pesquisa e da Extensão, 2020.

Autor: Lucas Röpke da Silva – Graduado em Letras Português e Espanhol pela Universidade Federal de Pelotas. Atualmente, é aluno do mestrado acadêmico em Letras da UFPel na linha de Aquisição, Variação e Ensino.

Desmistificando a fluência em uma língua estrangeira: o que é ser fluente?

É comum pensar que só quem cresce em lugares onde se falam duas línguas ao mesmo tempo (ambientes bilíngues) ou mais (ambientes multilíngues) consegue falar fluentemente um idioma estrangeiro. No entanto, estudos na área de aprendizagem de idiomas desmitificaram a ideia de que precisamos nos tornar ‘duplamente monolíngues’, ou seja, falar como nativos em uma língua estrangeira, ignorando as línguas que já conhecemos. A ideia de que só podemos ter um alto nível em um idioma estrangeiro se crescermos em um ambiente com diversas culturas e línguas não é sustentada pela ciência linguística.

Aprender uma língua estrangeira é desafiador, mas viável com dedicação e prática, mesmo para adultos que começam tardiamente, pois o cérebro humano é altamente adaptável em qualquer idade. A motivação, exposição regular à língua estrangeira e prática consistente são fundamentais para o desenvolvimento.

Contrariando a crença de que é preciso falar como um nativo, estudos, como os de Stephen Krashen (1982), mostram que não é necessário esquecer as línguas que já conhecemos. A chave está em compreender mensagens desafiadoras, mas compreensíveis, em vez de focar exclusivamente em regras gramaticais e vocabulário. Com o investimento adequado de tempo e esforço, as pessoas podem aprender bem outra língua.

É importante saber que existe uma janela ótima de oportunidade para aprender uma nova língua, geralmente até a puberdade e em um ambiente natural (no dia-a-dia), não em sala de aula. Estudando em sala de aula, você pode alcançar um alto nível, mas não será um falante nativo. Não se frustre; tenha orgulho do seu sotaque, pois ele reflete sua identidade linguística.

As escolas de idiomas muitas vezes acreditam que só se deve usar a língua-alvo em sala de aula, mas isso vem do mito do duplo monolíngue. Ignorar as línguas maternas dos alunos não é saudável. A ideia de que apenas falantes nativos podem ter fluência é ultrapassada. Todos têm potencial para aprender e se comunicar em diferentes idiomas. Para uma aprendizagem eficaz de uma língua estrangeira, é importante valorizar as línguas maternas dos alunos e incorporá-las ao ensino, criando um ambiente acolhedor.

Em suma, a ideia de que apenas pessoas criadas em ambientes bilíngues ou multilíngues podem possuir alto nível de proficiência em uma língua estrangeira é um mito que não se sustenta. É hora de desconstruir o mito do duplo monolíngue e incentivar a aprendizagem de novas línguas. É hora de superar crenças limitantes e abraçar o desafio de aprender uma nova língua.

Referências
AQUINO, Carla de. Uma discussão acerca do bilinguismo e do preconceito linguístico em populações bilíngues no sul do Brasil. Letrônica, v. 2, n. 1, p. 231-240, 2009. 
CUNHA, José Carlos C. Metalinguagem e didática integrada das línguas no sistema escolar brasileiro. In: PRADO, Ceres; CUNHA, José Carlos C. (orgs.). Língua materna e língua estrangeira na escola. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
CUNHA, José Carlos C.; MANESCHY, Vanessa B. O espaço da língua materna nas práticas de sala de aula de língua estrangeira. Veredas, v. 15, n. 1, p. 136-147, 2011.
DAHLET, Patrick. Línguas distintas e linguagem mútua. In: PRADO, Ceres; CUNHA, José Carlos C. (orgs.). Língua materna e língua estrangeira na escola. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
KRASHEN, Stephen D. Principles and Practice in Second Language Acquisition. Oxford: Pergamon Press, 1982.
SCHÜTZ, Ricardo E. Educação infantil bilíngue. Fonte: English Made in Brazil.

Autor: Eriovan Moraes-Toledo. Internacionalista, graduando em Letras – Português e Francês pela Universidade Federal de Pelotas

Diferentes estilos de leitura de textos em língua estrangeira

O que você entende como estilos de leitura em língua estrangeira? Pode deixar que eu te ajudo com isso. Como explicado pelo professor Gerard Westhoff, existem vários estilos de leitura que podemos fazer de um texto, cada uma com um objetivo diferente. Um bom exemplo são a leitura de um livro de ficção científica, um texto em um livro didático e uma receita de bolo. Nós não lemos esses três textos do mesmo jeito, correto? É porque temos objetivos diferentes com cada um deles. Vamos ver quais são os estilos de leitura agora?

Leitura global: é a leitura que fazemos quando queremos apenas saber algo rapidamente, ter uma ideia do que o texto se trata. Um exemplo de quando fazemos uso da leitura global é quando folheamos uma revista no consultório do dentista. Sobrevoamos com os olhos também quando lemos pela primeira vez os textos de uma língua nova, assim conseguimos captar mais rapidamente o conteúdo escrito.

Leitura seletiva: é o típico tipo de leitura que fazemos quando, por exemplo, estamos trabalhando com exercícios escolares. Estamos lendo o texto, mas não focamos em tudo o que está escrito, mas procuramos a resposta para alguma pergunta. Um exemplo de situação onde utilizamos a leitura seletiva é no ENEM.  O objetivo da leitura seletiva é buscar informações específicas quando estamos aprendendo algo novo.

Leitura detalhada: Como já diz no nome, a leitura detalhada é quando lemos o texto inteiro prestando atenção em cada detalhe. Lemos o texto de forma profunda. Usamos também a leitura detalhada quando estamos aprendendo alguma língua nova e precisamos entender bem um conteúdo gramatical.

Nós utilizamos os estilos de leitura diariamente, em situações diversas, sem nos darmos conta: quando vamos ao supermercado, quando lemos um documento antes de assiná-lo; acompanhando as legendas da nossa série preferida, concentrados no texto de uma prova. Portanto, aprender sobre as diferentes formas que lemos, prestando atenção no que queremos quando estamos diante de um texto, nos torna leitores muito mais eficientes.     

Referências
WESTHOFF, G. Fertigkeit lesen. Fernstudieneinheit 17. 7. ed. Langenscheidt/Goethe Institut. München, 2005. p. 100-108.

Autor: Yago Badaró Santino Ribeiro. Graduando em Letras – Português-Alemão pela UFPel.