Devemos temer o Portunhol?

Quando ouvimos falar em portunhol, prontamente surgem alguns pré-conceitos. Podemos lembrar, por exemplo, do estereótipo de brasileiros tentando comicamente falar espanhol. Mas esse termo denomina mais de um fenômeno, segundo explica a linguista Eliana Sturza.

Portunhol pode indicar uma mistura entre português e espanhol que objetiva a interação e a comunicação imediata. É utilizado, por exemplo, por turistas e por vendedores e clientes em trocas comerciais, como uma prática para a compreensão entre usuários de diferentes línguas.

Chama-se também portunhol a forma de falar dos aprendizes que estão em níveis iniciais e que realizam mesclas entre os idiomas. É visto como problema a ser superado, ainda que seja um processo normal. Muito cursos de espanhol, por exemplo, oferecem “soluções” para que se evite cometer esse deslize.

Além disso, portunhol é um dos nomes que recebe a língua falada por muitos habitantes do norte do Uruguai, principalmente aqueles da zona rural e de periferias urbanas. Pode-se considerar uma herança das disputas entre portugueses e espanhóis por esse território. Por ser predominantemente oral e ser utilizado por pessoas com pouco nível de instrução, é caracterizado como variedade inferior ou “mal falar”. Atualmente, tem sido apresentado como marcador de identidade cultural, como afirma a linguista Isabella Mozzillo. Está presente, por exemplo, na produção do escritor Fabian Severo e do músico Chito de Mello.

Existe ainda o Portunhol Selvagem, que é um recurso de escrita literária. Compõe-se do entrelaçamento de outras línguas, além de português e espanhol, como guarani e inglês. Um dos maiores divulgadores dessa expressão é o poeta Douglas Diegues.

Muitas dessas definições são pejorativas e demonstram preconceito pelos modos de falar em que ocorrem misturas de línguas. O portunhol não demonstra incompetência e não precisa ser temido. É recurso comunicativo e artístico. É produto do processo de aprendizagem. É elemento da identidade dos falantes.

A riqueza da diversidade expressa por essa língua de contato pode ser vista no documentário Portuñol, premiado no Festival de Cinema de Gramado e no Festival As Amazonas do Cinema.

Página do Instagram portunol.doc. Divulgação dos prêmios que o documentário Portuñol recebeu no festival As Amazonas do Cinema.

Referências
MOZZILLO, Isabella. Vamos falar sobre o Portunhol. Tessituras, Pelotas, v. 6, n. 1, p. 59-64, jan./jun. 2018.
STURZA, Eliana. Portunhol: língua, história e política. Gragoatá, Niterói, v. 24, n. 48, p. 95-116, jan./abr. 2019.

Autora: Débora Medeiros da Rosa Aires é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Desenvolve pesquisa sobre ideologias linguísticas e ensino/aprendizagem de língua estrangeira. Atua como professora de Língua Espanhola na rede pública de ensino do município de Capão do Leão/RS.

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