Arquivo da categoria: Línguas indígenas

Documentação de línguas indígenas brasileiras: uma necessidade para além dos estudos linguísticos

A Linguística Documental é o campo de estudos dedicado à documentação de registros (falados ou escritos) e revitalização de línguas minoritárias e/ou ameaçadas de extinção. Apesar de haver resquícios de documentação linguística no Brasil desde o século XVI, com os missionários e viajantes europeus relatando e registrando (por meio de cartas, listas de palavras, sermões, gramáticas etc.) as línguas indígenas faladas no litoral do Brasil, foi a partir dos anos 1990 que a área alcançou o status de disciplina.

De acordo com a linguista e antropóloga brasileira Bruna Franchetto (2004), no Brasil, todas as línguas indígenas são consideradas minoritárias e, devido a isso, surge a urgente necessidade de se documentar e preservar essas línguas para que, dessa maneira, as memórias linguística, histórica, sociocultural e afetiva desses povos sejam preservadas.

Fonte; https://www.imaginie.com.br/temas/a-extincao-de-linguas-indigenas-no-brasil/

Para que uma documentação linguística seja realizada, é necessário que a/o profissional responsável pela coleta de registros falados e/ou escritos numa determinada comunidade disponha de um leque de ferramentas (gravadores, câmeras, caderno de campo e computadores, por exemplo) que auxiliam em todas as etapas do processo, desde antes da documentação até as etapas pós-documentação. Todas as ferramentas devem ser checadas antes de serem utilizadas, e o uso deve ser feito com discernimento sem deixar de lado os aspectos éticos envolvidos no processo de documentação, uma vez que a privacidade e o protagonismo das comunidades indígenas devem ser respeitados.

Segundo a linguista Cilene Campetela e demais pesquisadores (2017), muitos projetos foram e têm sido idealizados em diversas instituições públicas do país com o intuito de documentar e garantir a preservação de línguas ameaçadas de extinção, sobretudo as línguas indígenas. Com isso, professores e alunos, por meio da elaboração de estudos e projetos, têm cada vez mais despertado o interesse de outras pessoas no que se refere a esse campo de estudos tão necessário que é o campo da Linguística Documental.

Mesmo com esses esforços, é notório que são muitos os fatores que se apresentam como obstáculos ao processo de documentação, a exemplo das questões econômicas e socioculturais que nos permeiam. Ainda assim, é necessário resistir, pois só assim teremos disponíveis políticas e projetos de documentação e revitalização que, como sugere o título deste texto, é uma necessidade que vai muito além dos estudos linguísticos.

Referências
CAMPETELA, C. et al. Documentação linguística, pesquisa e ensino: revitalização no contexto indígena do norte do Amapá. Revista LinguíStica, Rio de Janeiro, v. 13, n. 1, p. 151-167, jan. 2017.

FRANCHETTO, B. Línguas indígenas e comprometimento linguístico no Brasil: situação, necessidades e soluções. Cadernos de Educação Escolar Indígena, Cáceres, v. 3, n. 1, p. 9-26, 2004.

Indicações de sites que auxiliam na documentação de línguas indígenas do Brasil:
Biblioteca Digital Curt Nimuendajú
Museu do Índio – Funai
Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG)
Povos Indígenas do Brasil

Autor: João Gabriel Pereira da Silveira
Graduando em Letras-Bacharelado com ênfase em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). É revisor bolsista da Coordenação de Gestão Editorial e Impacto Social (CGEI), vinculada à Pró-Reitoria de Extensão e Cultura da UFPE, e membro do Grupo de Estudos e de Pesquisa em Tradução e Tecnologia (Getradtec) da mesma instituição. E-mail: jgsilveira96@gmail.com.

“Programa de índio”: literatura indígena, por que não?

Se queremos, de fato, que nossas crianças existam como cidadãos, que escrevam hoje suas próprias histórias, compreendendo o passado e, assim, saibam alinhar o futuro desejado, precisamos criar juntos momentos de troca de conhecimentos, debate e reflexão. A escola é um dos importantes espaços para isso.

Assim, perder a oportunidade de lançar para eles iscas que os levem a explorar temas como identidades e diversidade cultural… é muito mais do que distração. Não lhes apresentar as diferentes visões de mundo através da literatura é tirar deles a chance de se apropriarem de suas memórias.

Instigada por essa ideia, eu, como professora, escolhi o livro Nós – Uma antologia de literatura indígena (Maurício Negro) para o Projeto de Leitura do 4º ano de minha escola. O livro é organizado a partir histórias sobre dez povos indígenas, acompanhadas por lindas imagens de Maurício Negro, seguidas pela história do povo em que elas circulam, por um glossário e pela biografia de seus autores/autoras. A partir do encontro com essas narrativas, inquietações nas crianças pipocaram: “Se há mais de 250 línguas indígenas (IPOL, 2016), por que só se fala português? O que os portugueses têm a ver com isso? Por que indígena e não índio? Por que eles são tão selvagens?”

Fonte: https://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=41243

Uma educação para o reconhecimento do outro, dos diferentes grupos sociais e culturais é o que defende a professora Vera Candou (2008). Queremos, também, uma educação que confirme (àqueles que nem desconfiam) a existência de um outro. Aliás… do OUTRO…com valores, culturas, línguas, visões de mundo, ou seja, com sua história que deve ser conhecida e respeitada.

Pôr em cena temas fundamentais e hoje silenciados, deletados dos planejamentos pedagógicos e camuflados nos livros didáticos, é nosso desafio. Ampliar vozes e visibilidade dos povos indígenas traz – de fato – sentido ao fazer do professor comprometido com a reconstrução de um mundo mais justo e solidário.

Referências
CANDAU, Vera Maria. Direitos humanos, educação e interculturalidade: as tensões entre igualdade e diferença. Revista Brasileira de Educação, v. 13, n. 37, p. 47, 2008.
IPOL. Línguas do Brasil. Disponível em: http://ipol.org.br/tag/linguas-do-brasil/. Acesso: 20 abr. 2021.
MAHER, T. M. Ecos de resistência: políticas linguísticas e línguas minoritárias no Brasil. In: NICOLAIDES, C.; SILVA, K. A.; TÍLIO, R; ROCHA, C. H. (Org.) Política e Políticas Linguísticas. Campinas: Pontes, 2013. p. 117-134.

Links interessantes para estudo e debates em sala de aula:
https://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=41243
https://www.facebook.com/mauricio.negro.5
https://pib.socioambiental.org/pt/P%C3%A1gina_principal https://www.blogdaletrinhas.com.br/conteudos/visualizar/Dos-varios-nos-que-enredam-as-literaturas-indigenas
https://lunetas.com.br/historias-indigenas/
https://www.facebook.com/FilmotecaIndigena/
https://revistapesquisa.fapesp.br/pela-sobrevivencia-das-linguas-indigenas/ed.273

Autora: Thaís de Almeida Rochefort
Graduada em Letras e Psicologia (UCPel), Mestre em Letras (UCPel), doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPel. Docente do Curso de Letras na UCPel, na Escola Mario Quintana (Profª de Português e Redação) e faz parte do Projeto “Remição de pena através da prática de leitura no Presídio Regional de Pelotas”, coordenado pela Profª Luciana Vinhas (UFPel).

HQ sinalizada: Séno Mókere Káxe Koixómuneti (Sol: a Pajé surda)

Desenvolver pesquisas na área dos quadrinhos, em especial, das HQs sinalizadas (CEZAR, 2019), trouxe-nos muitos desafios e, ao mesmo tempo, muita satisfação. Criar uma narrativa gráfica tendo como principal objetivo o desenvolvimento de um material bilíngue para surdos (Libras – português escrito) nos fez pensar no plurilinguismo brasileiro das línguas de sinais.

Ao escolhermos retratar a existência da língua terena de sinais, durante o processo histórico da comunidade, optamos por explorar as ilustrações a partir das características da cultura (pintura, ritual, cores) para minimizamos o uso da escrita das línguas majoritárias (português/terena escrito). Junto a isso, exploramos com os recursos tecnológicos (vídeos) a transmissão dos saberes também em Libras. Dessa forma, acreditávamos que conseguiríamos levar o gênero HQ para os surdos urbanos e para as escolas da Terra Indígena Cachoeirinha-MS (surdos e não surdos) com a intenção de despertar e valorizar as línguas de minorias. Cabe destacar que a escrita terena pode apresentar variação como: Sêno Mókere Káxe Koixomoneti, Séno Mókere Koéxoneti, entre outras. A variação aqui utilizada é da aldeia Cachoeirtinhao/MS escrita pela professora de língua terena Maiza Antonio residente nessa aldeia.

Trabalhar com diferentes línguas envolve se debruçar nos conhecimentos históricos (com e sem registros escritos), analisar a estrutura linguística e compreender os artefatos culturais que envolvem, em outras palavras, uma grande entrega à pesquisa. Foi o que fizemos nestes últimos três anos de pesquisa (2018-2020), na Universidade Federal do Paraná (UFPR) em parceria com a Universidade Federal de Grande Dourados (UFGD); o Instituto de pesquisa da Diversidade Intercultural (IPEDI), a Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho (Linbra-UNESP); a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), o Laboratório de Mídias (UFJF) e a Gibiteca de Curitiba. Formamos uma grande equipe de pesquisadores nas línguas estudadas: terena oral, terena escrito, língua brasileira de sinais, língua de sinais terena, português escrito e língua inglesa.

A HQ foi divulgada primeiramente para os indígenas terena que contribuíram voluntariamente com a pesquisa que foi por eles mostrada nas aldeias terena (Vagner da Aldeia Água Branca, Aquidauana/MS, Kaliny da Aldeia Jaguapiru, Dourados/MS e Maiza da Aldeia Cachoeirinha, Miranda/MS) todos relataram um encantamento com a produção do material. A equipe de pesquisadores também salientou a originalidade de articular os recursos digitais com as ilustrações de Júlia Ponnick que generosamente aceitou não só ilustrar, mas se envolver com os estudos teóricos sobre a comunidade (SILVA, 2013; VILHALVA, 2012; SUMAIO, 2014; SOARES, 2018).

A narrativa criada é um misto de ficção, fatos históricos de registros escritos e registros orais, transmitidos ao longo das gerações na comunidade terena. A história acontece antes do século XV, quando a personagem principal Káxe, a pajé surda, é chamada para o ritual típico de solicitar benção aos ancestrais ao nascer uma criança. Nesse momento, junto à benção, a pajé recebe a visão do futuro do povo terena por meio de imagens. Dessa forma, o desenvolvimento da narrativa perpassa os principais momentos históricos: desde o início do povo terena (Aruak) datado de antes do século XV, percorrendo o caminho geográfico que os terenas realizaram até se fixarem, em sua maior parte, na região do Mato Grosso do Sul.

Além do registro histórico, encontram-se os aspectos culturais bem marcados nas ilustrações como por exemplo as pinturas corporais, o artesanato, as plantações e a espiritualidade. Optamos a explorar as imagens ao invés da escrita em ‘’balões’’ em razão de priorizar a estrutura linguística das línguas de sinais, em outras palavras, visual-espacial.

Partimos da primeira pesquisa que descreve a existência da língua terena de sinais, que foi realizada pela pesquisadora e linguista Priscilla Alyne Sumaio Soares (2014; 2018). No entanto, há relatos e transmissões orais de que sempre existiram surdos (anciãos). Por este motivo, optamos por apresentarmos personagens se comunicando (sinalizando) ao longo da narrativa gráfica.

A narrativa encerra-se com o retorno do plano espiritual da pajé surda no ritual inicial de nascimento com a anciã transmitindo os ensinamentos em língua terena de sinais. A ideia transmitida é relatar o futuro do povo terena destacando sua principal característica de UNIÃO (ilustrado o sinal em língua terena de sinais).

Essa HQ impulsionou a criação de outros materiais que estão sendo realizados pela equipe envolvida, como o “Glossário Virtual Plurilíngue” em vídeos (terena de sinais, Libras) e escrita (terena e português) que tem como intuito refletir sobre a importância da língua de sinais ser a língua de instrução e transmissão dos saberes para surdos (Lei 10436/2002 – Decreto 5626/2005) e divulgar as outras línguas de sinais do Brasil que não dispõe de leis (SILVA; QUADROS, 2019).

A HQ será lançada pela editora Letraria e estará disponível para compra no site. Confira a tradução deste texto para a Libras neste link.

Boa leitura sinalizada!

Principais referências

BRASIL. Decreto-lei nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Diário Oficial [da] República Federativa do brasil, Brasília, 23 de dez. 2005. Seção 1, p. 30.
BRASIL. Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 25 de abril de 2002. Acesso em: 10 mar. 2007.
CEZAR, K. P. L. HQ’s sinalizadas. Projeto de pesquisa institucional. Universidade Federal do Paraná, 2019-2020.
SILVA, D. Estudo lexicográfico da língua terena: proposta de um dicionário terena-português. 2013. 292 f. Tese (doutorado) – Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho, Faculdade de Ciências e Letras (Campus de Araraquara), 2013.
SILVA, D. S.; QUADROS, R.M. Línguas de sinais de comunidades isoladas encontradas no Brasil. Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 5, n. 10, p. 22111-22127 oct. 2019.
SOARES, P. A. S. LÍNGUA TERENA DE SINAIS: análise descritiva inicial da língua de sinais usada pelos terena da Terra Indígena Cachoeirinha. Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós Graduação em Linguística e Língua Portuguesa da Faculdade de Ciências e Letras – Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Doutor em Linguística e Língua Portuguesa. Araraquara – São Paulo, 2018.
SUMAIO, P. A. Sinalizando com os terena: um estudo do uso da LIBRAS e de sinais nativos por indígenas surdos. 2014. 123 f. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara, 2014.
VILHALVA, S. Mapeamento das Línguas de Sinais Emergentes: um estudo sobre as comunidades linguísticas Indígenas de Mato Grosso do Sul. 2012. 124 f. Thesis (MSc in Linguistics) – Programa de Pós-Graduação em Linguística – Centro de Comunicação e Expressão. Universidade Federal de Santa Catarina, 2009.
VILHALVA, S. Índios surdos: mapeamento das línguas de sinais no Mato Grosso do Sul. Petrópolis: Arara Azul, 2012.

Autores:
Ivan de Souza: Acadêmico do curso de licenciatura em Letras Libras da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Tradutor-intérprete de Libras. Pesquisador da iniciação científica (PIBIS/FA/UFPR). E-mail para contato: hiven89@gmail.com.
Kelly Cezar: Pós-doutora pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Doutora pelo Programa de Linguística e Língua Portuguesa da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP-FClar/Araraquara). Professora Adjunta da Universidade Federal do Paraná (UFPR), campus de Curitiba. Líder do projeto institucional “HQ’s sinalizadas”. Docente do curso de licenciatura em Letras Libras (UFPR). E-mail para contato: kellyloddo@gmail.com.

Cartilhas informativas sobre Covid-19 para indígenas noroeste amazônico

A equipe do Instituto Socioambiental (ISA) organizou uma série de cartilhas informativas sobre o Covid-19 (Coronavírus). Colaboraram com o projeto, Dulce Morais, especialista em Saúde Coletiva, os tradutores indígenas André Fernando (Baniwa), Elizângela da Silva e Edson Gomes Baré (Nheengatu), Justino Sarmento Rezende (Tukano) e Roberto Carlos Sanches (Dâw). Além deles, participaram das adaptações Américo Socot Hupd’äh, Bruno Marques, Karolin Obert e Patience Epps.

O material faz uma retextualização e adaptação lingüística, cultural e intermedial de 4 línguas dos povos indígenas do Rio Negro, tendo em base todas as informações prestadas pelo Ministério da Saúde e pela Organização Mundial da Saúde (OMS) a respeito da prevenção e tratamento do novo Covid-19. A partir dos conteúdos destas cartilhas, a Rede Wayuri elaborou podcasts educativos com objetivo de compartilhar todas as informações através dos aplicativos WhatsApp e ShareiT e da plataforma SoundCloud às comunidades indígenas do Rio Negro.  Além desses canais de comunicação, o material também será disponibilizado nas redes radiofônicas das comunidades indígenas a fim de expor o agravamento da pandemia no Brasil e na região amazônica.

Além de a versão digital, a cartilha impressa será distribuída nas aldeias do Distrito Sanitário Especial Indígena do Alto Rio Negro. A este respeito, o enfermeiro e responsável pelo DSEI ARN, senhor Sediel Ambrosio faz o seguinte comentário: “As cartilhas chegam em um momento excelente. Exatamente quando nossas 25 equipes multidisciplinares de saúde vão entrar em campo para trabalhar a prevenção ao Covid-19. Educação e saúde caminham juntas e a conscientização sobre essa nova doença é feita de forma adaptada ao contexto cultural. Isso é fundamental para o trabalho dar certo”.

 

REFERÊNCIAS:

FUNDAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES INDÍGENAS DO RIO NEGRO. Rede Wayuri.

INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL. No Alto Rio Negro, cartilha em idiomas indígenas orienta combate à Covid-19. 2020. Publicação elaborada por Juliana Radler.

 

Autora: Digmar Jiménez
Licenciada em Letras, Espanhol (Universidade Católica Andrés Bello), Mestrado em Estudos Hispânicos e Latino-Americanos (Universidade Sorbonne Nouvelle – Paris 3) e Doutorado em Estudos da Tradução (Universidade Federal de Santa Catarina).

O espanhol andino na cidade de La Paz, Bolívia

A língua espanhola é muito rica, pois é falada em muitos países. Segundo o Ethnologue, é a quarta língua mais falada no mundo, considerando o número total de falantes.

Em La Paz, Bolívia, expressões como “Nunca no me ha escuchado” ou “Sabe jugar futbol los domingos” podem chamar a atenção de um falante nativo de espanhol de outro lugar ou de um aprendiz da língua pela sua estranheza ou peculiaridade. Essas construções sintáticas são próprias de um dialeto do espanhol: o espanhol andino ou espanhol motoso, predominante nas regiões que compõem a Cordilheira dos Andes (ROSA, 2012). Esse dialeto nasce da influência que exerce o aimará e o quechua (em menor medida) na produção oral e escrita do espanhol. Neste curto texto, são apresentadas algumas características deste dialeto, tendo como foco o espanhol falado na cidade de Chuquiago Marka, ou La Paz, como é comumente conhecida.

Algumas das particularidades são mantidas desde a época do Vice-Reino do Peru (século XVI). Prova disso são os registros escritos que se tem de três ilustres personalidades da época: Guamán Poma, Santa Cruz Pachacuti y Tito Yupanqui (MENDOZA, 2012). De textos deles foram retirados alguns exemplos que cabem apresentar pela sua vigência:

– Uso de artigos definidos com nomes próprios: al San Francesco;
– Sequência pronominal me lo com valor de cortesia: me lo diesse mano;
– Uso da preposição en com verbos de movimento: lo lleve en casa de los pentores.

Nos textos de Aguilar, Huet e Pérez (2014), Mendoza (2012), Rivanedeira (2014, 2016a, 2016b) e Rosa (2012), encontramos outras propriedades deste dialeto que a qualquer paceño, habitante de La Paz, serão familiares, pela sua abundância num contexto informal de fala:

– Uso particular de posposições: Dámelo nomás pues pero.
– Dupla negativa: Nunca no me ha escuchado.
– Alteração da ordem da frase, uso de duplo possessivo e uso da preposição en mais locativo: De mi mamá en su tienda estoy yendo.
– Uso da preposição de ao invés de por: Ha llovido, de eso se ha mojado.
– Uso do verbo saber com sentido de hábito: Sabe jugar fútbol los domingos.

Esperamos que este breve resumo das características do espanhol andino tenha sido de utilidade ao leitor, expandindo seu conhecimento sobre Bolívia e sua cultura.

Fonte: Max Glaser (Google Earth).

 

REFERÊNCIAS:

AGUILAR, M. J.; HUET, M.; PÉREZ, S. Diccionario ejemplificado e ilustrado de bolivianismos, DEIB. In: XVII CONGRESO INTERNACIONAL ASOCIACION DE LINGUISTICA Y FILOLOGIA DE AMERICA LATINA (ALFAL), João Pessoa, 2014, p. 2209-2219.

MENDOZA, J. Antecedentes lingüísticos para una fisonomía del castellano de Bolivia. Discurso de ingreso a la ABL, Centro Cultural de España, 2012.

RIVADENEIRA, R. Bolivianismos en el dicionário de la lengua espanola. 23. ed. La Paz – Bolivia: Plural, 2014.

RIVADENEIRA, R. El castellano hablado en La Paz. Khana, La Paz – Bolivia, p. 1 – 4, 2016.

RIVADENEIRA, R. Registros lingüísticos. Academia boliviana de la lengua, La Paz – Bolivia, 2016.

ROSA, J. M. Diatelogia do español. Natal – Brasil: IFRN Editora, 2012.

 

Autora: Camila Alejandra Loayza Villena
Graduada em Letras – Português e Espanhol pela Universidade Federal de Pelotas (2019). Atualmente é aluna especial do mestrado em Letras na linha de pesquisa Aquisição, variação e ensino.

Aplicativos para aprender línguas indígenas

A Abralin, Associação Brasileira de Linguística, postou no seu Facebook uma lista de aplicativos para aprender línguas indígenas: “Vários aplicativos surgiram nos últimos anos para nos ajudar a aprender línguas indígenas da América Latina. Se você está procurando aprender um nova língua, aqui estão alguns aplicativos interessantes”. Para quem tem interesse, vale a pena conferir o site com a lista!

Por um Brasil e uma mídia sobre/em outras línguas

Neste blog, também queremos compartilhar boas reportagens veiculadas na mídia. A série “Brasil em outras línguas” do programa Como será? é um exemplo de que a mídia consegue fazer boas reportagens – com ajuda de linguistas – sobre o nosso tesouro linguístico. Afinal, temos mais de 200 línguas no nosso território!

O primeiro vídehttps://www.ethnologue.com/map/BR_xxo da série de reportagens mostra que em plena cidade de São Paulo existe uma aldeia que mantém viva a língua guarani, que dá origem a muitas palavras do português brasileiro. Nessa aldeia, ensina-se a língua para as crianças, com o objetivo de que a tribo e, principalmente o guarani, não se estingam. O segundo vídeo mostra a realidade de Assunção, no Paraguai, onde a língua guarani tem status de língua oficial juntamente com o espanhol e, por isso, mais respeito e valorização. O próximo vídeo conta que em Mato Grosso, na UNEMAT, estudantes indígenas cursam pedagogia para indígenas – Pedagogia em Licenciatura Intercultural. O objetivo é que eles retornem às aldeias, para darem aula de sua língua materna para seu povo (Aruak ou Nabimkwara). Por fim, o último vídeo mostra pesquisadores/linguistas visitando e convivendo com indígenas para gravar, digitalizar e transcrever a sua fala, uma riqueza no que se refere à diversidade linguística indígena. Isso ocorreu na Região Amazônica, mais precisamente nos estados do Pará e Rondônia.

 

REFERÊNCIA:

EBERHARD, David M.; SIMONS, Gary F.; FENNIG, Charles D. (eds.). 2019. Ethnologue: Languages of the World. Twenty-second edition. Dallas, Texas: SIL International.

 

 

 

2019: Ano Internacional das Línguas Indígenas

Nada mais justo de começar as atividades do blog falando sobre línguas indígenas. Este ano é dedicado a elas pela UNESCO. A entidade tem um site exclusivo com informações sobre essas línguas, a fim de contribuir para a conscientização da necessidade urgente de se manter, revitalizar e promover esse tesouro.

A grande maioria das línguas do mundo são faladas sobretudo por povos indígenas. Se a situação crítica dessas línguas continuar assim, elas continuarão a desaparecer em um ritmo alarmante. Conforme o site da UNESCO do Brasil, “sem a medida adequada para tratar dessa questão, mais línguas irão se perder, e a história, as tradições e a memória associadas a elas provocarão uma considerável redução da rica tapeçaria de diversidade linguística em todo o mundo”.

No site do ano internacional das línguas indígenas, é possível se cadastrar para fazer parte da proteção das línguas indígenas. O leitor pode acessar muitas informações sobre essas línguas, como um mapa das línguas, vídeos, áudios, eventos, as organizações envolvidas e o infográfico abaixo traduzido, que aborda, de forma bastante resumida, o tesouro escondido nessas línguas e a necessidade de mantê-las.