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Você sabe o que são direitos linguísticos?

Já parou para pensar sobre como a pluralidade de línguas ao redor do mundo contribui para a riqueza cultural da sociedade? Os direitos linguísticos, ainda pouco difundidos fora do meio acadêmico, desempenham um papel crucial na promoção da diversidade cultural e na garantia de que todos tenham a oportunidade de se expressar na sua própria língua. Mas, afinal, o que são “direitos linguísticos”?

O tema dos direitos linguísticos, no sentido atualmente compreendido, começa a surgir após o término da Segunda Guerra Mundial com a publicação da Declaração Universal dos Direitos Humanos. O segundo artigo da Declaração deixa claro que todo ser humano deve poder desfrutar de seus direitos e liberdades sem qualquer distinção, como de raça, cor, sexo, língua etc. No entanto, de acordo com Ricardo Nascimento Abreu (2020), professor e pesquisador da Universidade Federal de Sergipe, é no movimento dos “novos direitos” no final do século XX e início do século XXI, como os direitos das mulheres, das crianças, dos idosos etc., que os direitos linguísticos ganham destaque.

Para Abreu, pode-se dividir os direitos linguísticos em dois tipos: o direito das línguas e o direito dos grupos linguísticos. Em relação ao primeiro, entende-se como normas e ações que buscam reconhecer, promover e preservar línguas, em especial aquelas consideradas “minoritárias”. Podemos mencionar, por exemplo, o Decreto nº 7387/2010, que regulamenta o Inventário Nacional da Diversidade, iniciativa que busca reconhecer diversas línguas nacionais e promover políticas públicas para essas línguas. Já sobre o segundo, entende-se como normas e ações que buscam garantir o direito de todo indivíduo se expressar nas suas próprias línguas. Podemos mencionar, como exemplo, o Projeto de Lei nº 5182/2020, que objetiva, caso seja aprovado, a atribuição de tradutores e intérpretes comunitários em todas as esferas do serviço público, como em hospitais e tribunais, para garantir a indivíduos que não falam português o direito de se expressarem na sua própria língua e, assim, o acesso aos serviços por intermédio desses profissionais.

A discussão sobre os direitos linguísticos é bastante recente, mas também muito ampla. Você já tinha ouvido falar sobre esses direitos? Comente aqui embaixo outros exemplos!

Referências
ABREU, Ricardo Nascimento. Contribuições para uma delimitação dos Direitos Linguísticos no Brasil. In: Seminário Ibero-americano de Diversidade Linguística, 1., 2014, Foz do Iguaçu. Anais […]. Foz do Iguaçu: IPHAN, 2014. p. 108-117.
ABREU, Ricardo Nascimento. Direito Linguístico: olhares sobre as suas fontes. A Cor Das Letras, v. 21, n. 1, p. 172-184, 2020.
BRASIL. Decreto nº 7.387, de 09 de dezembro de 2010. Institui o Inventário Nacional da Diversidade Linguística e dá outras providências.
BRASIL. Projeto de Lei nº 5182, de 2020. Institui-se como política pública a obrigatoriedade de alocação de tradutores e de intérpretes comunitários em todas as instituições públicas federais, estaduais e municipais, de forma permanente ou através da formação de núcleos especializados de tradução e de interpretação comunitária especialmente organizados para atender às demandas específicas de cada área. Brasília: Senado Federal, 2020.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948. 

Autor: Gabriel Plácido Campos, graduado em Bacharelado em Letras Tradução – Inglês-Português pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel).

Ensino de português como língua de acolhimento para refugiados no Brasil

De acordo com Rosane Amado, refugiado é aquele que necessita se deslocar para salvar sua vida ou preservar sua liberdade. No Brasil, segundo a matéria de Lucas Vidigal para o G1, durante o primeiro semestre de 2020, o governo aprovou cerca de 38 mil solicitações de refúgio de venezuelanos, mas ainda há uma grande lacuna no ensino de português como língua de acolhimento, que é a modalidade de ensino que melhor comporta os refugiados.

O trabalho de ensino do português aos refugiados, segundo Lopez e Diniz (2018), geralmente é realizado por instituições não-governamentais, algumas por meio de parcerias com cursos ou voluntários, embora a maioria desses não tenha formação adequada. O Comitê Nacional para Refugiados (CONARE) foi criado pelo governo em 1997 e passou a desenvolver alguns cursos em diversas capitais do país, assim como a abertura de vagas em escolas públicas.

Assim, conhecer a língua majoritária de um país (ou as suas línguas) não apenas é fundamental no processo de inclusão, mas também um direito dos imigrantes. De acordo com Oliveira e Silva (2017), uma das maiores dificuldades encontradas pelos imigrantes ao chegarem num novo país é o idioma, embora essa experiência não seja igual para todos refugiados, assim ficando evidente a necessidade de programas específicos de ensino da língua para esse público-alvo, no caso, os refugiados.

A língua de acolhimento se refere também aos aspectos emocionais e à relação conflituosa presente no contato do imigrante com a sociedade que o recebe. Assim, o professor também deve tentar lidar com o conflito entre o imigrante e a língua para que o aluno passe a ver a língua de uma boa forma, até como modo de empoderamento.

É aconselhável o uso de temas próximos à realidade vivida pelos alunos, temas os quais podem fazer com que se sinta acolhido. Isso pode fazer com que o refugiado encontre maior facilidade em aprender a língua e sinta-se mais incentivado a produzir textos que contem sua história, suas narrativas pessoais. Dessa forma, não bastaria apenas adaptar o material já utilizado para ensinar português para estrangeiros, pois há muitas necessidades diferentes nessa situação de refúgio, como as condições psicossociais e o fato de precisarem urgentemente do idioma para encontrar empregos ou qualificação profissional.

Embora grandes avanços sejam realizados na área, ainda é necessário continuar a luta por políticas públicas de ensino de língua para refugiados, para que ocorra a adequação de muitos materiais às realidades migratórias. Também é necessário repensar um preparo especializado para os professores que trabalharão com os imigrantes e outros pontos que melhorem a condição de ensino do português como língua de acolhimento.

Referências
AMADO, Rosane de Sá. O ensino de português como língua de acolhimento para refugiados. Revista Siple. Brasília, v. 4, n. 2, p. 6-14. 2013.
BIZON, Ana Cecília Cossi; DINIZ, Leandro Rodrigues Alves. Apresentação: Português como Língua Adicional em contextos de minorias: (co)construindo sentidos a partir das margens. Revista X. Curitiba, v. 13, n. 1, p. 1-5, 2018.
BRASIL. Governo Federal. Refúgio. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Acesso em: 13 dez. 2020.
CAMARGO, Helena Regina Esteves. Portas entreabertas do Brasil: narrativas de migrantes de crise sobre políticas públicas de acolhimento. Revista X. Curitiba, v. 13, n. 1, p. 57-86, 2018.
LOPEZ, Ana Paula de Araújo; DINIZ, Leandro Rodrigo Alves. Iniciativas Jurídicas e Acadêmicas para o Acolhimento no Brasil de Deslocados Forçados. Revista da Sociedade Internacional Português Língua Estrangeira, Brasília, Edição especial. n. 9, 2018.
OLIVEIRA, Gilvan Müller de; SILVA, Julia Izabelle. Quando barreiras linguísticas geram violação de direitos humanos: que políticas linguísticas o Estado brasileiro tem adotado para garantir o acesso dos imigrantes a serviços públicos básicos? Gragoatá, Niterói, v. 22, n. 42, p. 131-153, 2017.
SÃO BERNARDO, Mirelle Amaral de. Português como língua de acolhimento: um estudo com imigrantes e pessoas em situação de refúgio no Brasil. Tese (Doutorado em Linguística). Universidade Federal de São Carlos. São Carlos, 2016.
VIDIGAL, L. Número de refugiados no Brasil aumenta mais de 7 vezes no semestre; maioria é de venezuelanos. Portal G1 – Globo. Julho de 2020.

Autora: Bibiana de Leon Sedrez – Acadêmica do curso de Letras – Português e Inglês – Licenciatura – Universidade Federal de Pelotas (UFPel).

Libras: língua, cultura e patrimônio do Brasil

No Brasil, ainda há a ideia de que a língua portuguesa é a única falada no país. Na verdade, temos outras diversas línguas que compõem a cultura brasileira. Uma delas é a Língua Brasileira de Sinais, conhecida como Libras.

Relacionada ao monolinguismo (uma só língua), há no imaginário social a ideia de que a aprendizagem de uma segunda língua quebra o estigma social de língua como unificadora da nação. Ao darmos continuidade a essa ideia, estamos contribuindo para o esquecimento de determinadas culturas que se relacionam com as línguas minoritárias.

A importância de aprender uma segunda língua contribui em diversos aspectos da vida social. Um erro comum é considerar a Libras uma linguagem e não uma língua; por isso, é relevante que se tenha orientação das necessidades comunicativas de pessoas surdas.

Em abril deste ano, há 19 anos, a Libras foi reconhecida como meio legal de comunicação e expressão dos surdos através da lei nº 10.436/2002, que garante ser papel do poder público o apoio e utilização de Libras como meio de comunicação.

Vemos a importância dessa ação com o relato da militante acadêmica surda do movimento Surdo não é somente de sujeitos surdos: “[…] a comunidade surda de fato não é só de sujeitos surdos, há também sujeitos ouvintes – membros de família, intérpretes, professores, amigos e outros – que participam e compartilham os mesmos interesses em comuns, em uma determinada localização”. (STROBEL, 2008, p. 30)

Outros agentes que promovam à cultura surda condições sociais e culturais nas esferas de comunicação e a valorização da Libras em interação com a cultura dominante (cultura dos ouvintes) fazem com que a identidade cultural do sujeito surdo se forme.

O desenvolvimento de ações culturais que fomentem a Libras é um importante papel para a continuidade no progresso da comunidade surda, é por meio do fortalecimento da cultura surda que é possível estabelecer novas conjunturas sociais. Um exemplo é o inventário da Libras, que promove a língua a patrimônio linguístico e cultural. Além disso, a Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (FENEIS) é um importante órgão para a realização de práticas culturais que fomentem a integração de relações entre ouvintes e surdos.

Fonte: https://www.libras.com.br/divulgacao-libras

Referências
STROBEL, K. As imagens do outro sobre a cultura surda. Florianópolis: Editora UFSC, 2008.

Autora: Camila Franz, formada em Letras Licenciatura Português e estudante de Mestrado em Linguística, ambas pela Universidade Federal de Pelotas.

Existe racismo linguístico?

Para responder a esta pergunta, inicialmente, devemos compreender o papel da linguagem como constituidora de sentidos, ou seja, capaz de nomear a tudo e a todos. Para tanto, as relações coloniais serão o ponto de partida. Especificamente, devemos nos remeter ao combate feito pelas comunidades europeias para apagar as línguas dos grupos dos territórios dominados, com base em referenciais ocidentais, europeus, brancos, patriarcais e cristãos.

O apagamento das línguas demonstrava o que poderia ou não ser validado para aqueles espaços. Os saberes e conhecimentos dos grupos dominados eram exterminados e forjava-se, com isso, marcas de dominação e racismo.

Os colonizadores europeus construíram nossas referências de línguas “importantes” e produziram estruturas hierárquicas através das línguas a fim de denominar aqueles que eram considerados outros. Os outros carregavam uma coloração de pele, um cabelo e um falar não europeu. Essas marcas fazem parte de um passado-presente que, a partir da linguagem, nos racializou e materializou as formas que conhecemos como racismo.

A branquitude, ao oprimir, nos impõe o conceito de raça e nos nomeia como negros por não termos as características dessa mesma branquitude. Essa marca linguística que “ganhamos” nos aparta dos demais; somos outros; a linguagem nos fez outros. Vozes de uma branquitude detentora do poder e capaz de nomear. Claro, as línguas são racistas! Não! Elas apenas apresentam as relações de poder construídas por aqueles que delas fazem uso.

Já fomos nomeados demais. Queremos que nossas vozes falem as nossas dores. Queremos que o movimento aconteça de dentro para fora e não o contrário. Com esse desejo e cruzando preconceito racial, social e linguístico, o termo racismo linguístico é criado como uma perspectiva de análise das construções de língua e linguagem daqueles que não compõem o espectro branquitude-poder. O termo dá nome ao livro do professor Gabriel Nascimento, lançado em 2019, Racismo Linguístico: Os subterrâneos da linguagem e do racismo.

https://www.editoraletramento.com.br/produto/racismo-linguistico-os-subterraneos-da-linguagem-e-do-racismo-348

Como nossas práticas estão contribuindo para a problematização desse tipo de racismo? Como nossos privilégios afetam a condição das demais pessoas? Conseguindo responder a essas perguntas ficará fácil saber se existe racismo linguístico.

Referência
NASCIMENTO, Gabriel. Racismo Linguístico: Os subterrâneos da linguagem e do racismo. Belo Horizonte: Letramento, 2019.

Autor: Maicon Farias Vieira
Licenciado em Letras – Português e Espanhol, especialista em Educação em Direitos Humanos, mestre em Educação e doutorando no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Pelotas, além de atuar como professor na rede municipal de educação de Pelotas.

 

Cartilhas informativas sobre Covid-19 para indígenas noroeste amazônico

A equipe do Instituto Socioambiental (ISA) organizou uma série de cartilhas informativas sobre o Covid-19 (Coronavírus). Colaboraram com o projeto, Dulce Morais, especialista em Saúde Coletiva, os tradutores indígenas André Fernando (Baniwa), Elizângela da Silva e Edson Gomes Baré (Nheengatu), Justino Sarmento Rezende (Tukano) e Roberto Carlos Sanches (Dâw). Além deles, participaram das adaptações Américo Socot Hupd’äh, Bruno Marques, Karolin Obert e Patience Epps.

O material faz uma retextualização e adaptação lingüística, cultural e intermedial de 4 línguas dos povos indígenas do Rio Negro, tendo em base todas as informações prestadas pelo Ministério da Saúde e pela Organização Mundial da Saúde (OMS) a respeito da prevenção e tratamento do novo Covid-19. A partir dos conteúdos destas cartilhas, a Rede Wayuri elaborou podcasts educativos com objetivo de compartilhar todas as informações através dos aplicativos WhatsApp e ShareiT e da plataforma SoundCloud às comunidades indígenas do Rio Negro.  Além desses canais de comunicação, o material também será disponibilizado nas redes radiofônicas das comunidades indígenas a fim de expor o agravamento da pandemia no Brasil e na região amazônica.

Além de a versão digital, a cartilha impressa será distribuída nas aldeias do Distrito Sanitário Especial Indígena do Alto Rio Negro. A este respeito, o enfermeiro e responsável pelo DSEI ARN, senhor Sediel Ambrosio faz o seguinte comentário: “As cartilhas chegam em um momento excelente. Exatamente quando nossas 25 equipes multidisciplinares de saúde vão entrar em campo para trabalhar a prevenção ao Covid-19. Educação e saúde caminham juntas e a conscientização sobre essa nova doença é feita de forma adaptada ao contexto cultural. Isso é fundamental para o trabalho dar certo”.

 

REFERÊNCIAS:

FUNDAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES INDÍGENAS DO RIO NEGRO. Rede Wayuri.

INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL. No Alto Rio Negro, cartilha em idiomas indígenas orienta combate à Covid-19. 2020. Publicação elaborada por Juliana Radler.

 

Autora: Digmar Jiménez
Licenciada em Letras, Espanhol (Universidade Católica Andrés Bello), Mestrado em Estudos Hispânicos e Latino-Americanos (Universidade Sorbonne Nouvelle – Paris 3) e Doutorado em Estudos da Tradução (Universidade Federal de Santa Catarina).