Uma língua também pode morrer

Em 18 de janeiro de 1858, desembarcou em São Lourenço do Sul a primeira leva de imigrantes pomeranos oriundos da então Pomerânia. Apesar de todas as dificuldades, eles foram se estabelecendo nas terras do município, prosperando e abrindo o caminho para futuras levas. Além da cultura e das tradições, o grande tesouro que trouxeram para as terras brasileiras foi a língua, que hoje inclusive é dada como quase extinta no local onde se originou.

Lamentavelmente, o uso do pomerano tem diminuído também em terras brasileiras. A modernização e certas crenças parecem ser algumas justificativas para isso. Os mitos que envolvem a escolha da língua na qual uma criança deve ser criada podem ser os verdadeiros culpados da diminuição do uso desta língua tão única. Conforme a pesquisadora Isabella Mozzillo (2015), muitos pais acabam se convencendo que criar e educar uma criança em duas línguas simultaneamente pode ser prejudicial para o desenvolvimento da criança, quando na verdade pode ser prejudicial não incentivar o uso das duas línguas.

A escolha do convite de enterro para chamar atenção dos falantes pomeranos ocorre pelo grande e inquestionável respeito que os pomeranos têm pela morte, como estudado por Gislaine Maltzahn (2012). Além do mais, esse tipo de texto é muito conhecido na comunidade pomerana. A intenção é buscar a reflexão, já que, se continuarem acreditando nos mitos sobre a ensino de duas ou mais línguas para as crianças, os seus descendentes diretos já não serão mais herdeiros dessa língua e talvez nem da cultura pomerana. Também poderia trazer questionamentos sobre as mudanças necessárias para que a língua pomerana permaneça prestigiada e valorizada na sua própria comunidade. Afinal, o uso da língua pomerana não é importante apenas para a manutenção dela mesma. A língua é também a chave para a compreensão de muitos elementos culturais. Existem brincadeiras, receitas, tradições e costumes que só têm sentido completo se forem passados adiante com o uso da língua que identifica todas essas ações.

Por fim um questionamento: Se você recebesse um convite para enterro, de um ente querido, que só aconteceria daqui há alguns anos e entendesse que você poderia salvar esse ente, ou até mesmo prorrogar a sua existência por mais uma geração caso mudasse algumas convicções e não acreditasse em mentiras, o que você faria por este ente querido? Este ente é querido é a língua pomerana! Não podemos deixar que a língua seja extinta, como já ocorreu com outras 12 línguas brasileiras, segundo o Atlas das línguas em perigo, da UNESCO. A mudança necessária para a manutenção do pomerano está ao nosso alcance?

Referências:
MALTZAHN, Gislaine Maria. Família, ritual e ciclos de vida: estudo etnográfico sobre narrativas pomeranas em Pelotas (RS). 2012. 152 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Humanas) – Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, 2012.
MOZZILLO, Isabella. Algumas considerações sobre o bilinguismo infantil. Veredas – Revista de estudos linguísticos, v. 19, p. 147-157, 2015.

Autora: Gisleia Blank
Graduada em Letras – Português/Alemão pela UNISINOS (2011). Mestranda em Letras pelo PPGL da UFPel, integrante do Laboratório de Psicolinguística, Línguas Minoritárias e Multilinguismo. Atua principalmente como professora particular de Alemão.

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