É muito comum no Brasil a crença de que na aula de língua inglesa, por exemplo, o professor e o estudante só podem falar inglês e não podem recorrer ao português em nenhum momento. Essa ideia está presente em muitas escolas e cursos de idiomas, não só de inglês, mas também de diferentes línguas como espanhol, francês, italiano, alemão, entre outras.
Mas afinal, pode traduzir durante a aprendizagem de língua estrangeira? A resposta é: deve! A tradução em sala de aula é um recurso valioso que pode trazer benefícios tanto para os alunos quanto para os professores. As pesquisadoras Clara Guedes e Isabella Mozzillo afirmaram, em uma pesquisa realizada em 2014, que a utilização da língua materna na aula de língua estrangeira é uma ferramenta que pode facilitar a compreensão de conteúdos por parte dos estudantes, principalmente daqueles que estão nos estágios iniciais de aprendizagem.
Além disso, a tradução pode auxiliar na ampliação de vocabulário, uma vez que ao compararmos palavras entre línguas, expandimos o vocabulário nas duas línguas e adquirimos uma melhor compreensão, por exemplo, de palavras cognatas (semelhantes) e falsas cognatas (parecidas nas duas línguas, porém com significados diferentes).
Há muitos anos, alguns pesquisadores, por exemplo, Domingos Corrêa da Costa, em um texto seu publicado em 1988, já defendiam que a tradução poderia ser considerada como uma quinta habilidade. Isto é, além das quatro habilidades básicas trabalhadas em sala de aula de língua estrangeira (ouvir, falar, ler e escrever), a tradução seria mais uma habilidade.
Como vimos, a tradução é um recurso muito útil para a aula de língua estrangeira. Sendo assim, o que os professores podem fazer para trabalhar a tradução em sala de aula? Uma possibilidade é promover explicações contrastando as línguas. Dessa forma, é possível mostrar exemplos de estruturas que são similares e diferentes nos dois (ou mais) idiomas. Isso ajuda os estudantes a entenderem as particularidades de cada língua e evitarem erros comuns cometidos pelos aprendizes.
Outra possibilidade é realizar atividades de tradução inversa, solicitando aos alunos que traduzam textos da língua estrangeira para o português e vice-versa. Uma sugestão é utilizar gêneros que são tipicamente traduzidos, como legendas e canções em sites como o Vagalume, por exemplo. Os professores podem propor aos estudantes que já possuem pelo menos um nível intermediário da língua uma atividade na qual se solicite a legendagem de um curta-metragem em sala de aula ou a tradução de um música que gostem para enviar para a publicação. Outras atividades mais criativas, como traduzir um poema ou um miniconto, também podem ser feitas em sala de aula. Isso reforça a compreensão e ajuda a consolidar o vocabulário. Nesse sentido, longe de ser um obstáculo, a tradução pode ser uma aliada poderosa no processo de ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras.
Referências
COSTA, Domingos Corrêa da. Tradução e ensino de línguas. In: BOHN, Hilário; VANDRESEN, Paulo (orgs.). Tópicos de lingüística aplicada: o ensino de línguas estrangeiras. Florianópolis: Editora da UFSC, 1988. p. 282-291.
GUEDES, Clara Pereira Sampaio; MOZZILLO, Isabella. O papel da tradução no cruzamento de fronteiras linguísticas e culturais no ensino de língua estrangeira. In: ENCONTRO INTERNACIONAL DE LETRAS, 8.; JORNADAS LATINOAMERICANAS DE LINGUAGENS E CULTURA, 1.; JORNADINHAS DE LITERATURA INFANTIL E ENSINO, 1., 2014, Foz do Iguaçu. Anais… Foz do Iguaçu: Unioeste/Unila, 2014. p. 508-512.
Autor: Lucas Röpke da Silva – Professor de espanhol e português como línguas estrangeiras. Atualmente, realiza o curso de mestrado acadêmico em Letras na Universidade Federal de Pelotas na linha de pesquisa Aquisição, Variação e Ensino.