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Preconceito linguístico e suas manifestações – não devemos proibir formas de falar

O preconceito linguístico é todo juízo de valor negativo a formas de falar e escrever, ou seja, a diferentes variedades linguísticas, com base em crenças sem fundamento científico acerca das línguas e de seus usuários. Porém, você deve ter se perguntando: mas o que são variedades linguísticas? São variações da língua como os sotaques, os dialetos, os regionalismos, as gírias, isto é, as diferenças observadas na fala e na escrita das outras pessoas.

Dessa forma, o preconceito linguístico nada mais é do que o julgamento sobre o modo como o outro fala, influenciado por características culturais, regionais, históricas, de etnia ou de gênero. Esses julgamentos, normalmente, se dirigem às variantes mais informais e ligadas às classes sociais menos favorecidas, em que, na maioria das vezes, as pessoas têm menos acesso à educação formal. 

Algumas manifestações do preconceito linguístico presentes em nosso dia a dia (e que muitas vezes nem percebemos que fazemos) são:

– Interromper as pessoas para corrigir como elas falam;
– Chamar alguém de “burro” por falar diferente;
– Debochar de quem usa gírias;
– Debochar de sotaques regionais;
– Dizer que não conversa com quem fala “errado”;
– Dizer que alguém faltou às aulas de português e que por isso fala “errado”;
– Dizer que quem falar “errado” é preguiçoso porque “hoje em dia tem internet”;
– Falar que os ouvidos doem quando ouve alguém falando “errado”;
– Rir de quem fala “pranta”, “bicicreta” e “chicrete”;
– Dizer que “pra mim fazer” e “eu vou ir” não existem;
– Falar que as pessoas precisam aprender o português antes de aprenderem inglês;
– Acreditar que é necessário escrever “certo” nas redes sociais e criticar as pessoas que não fazem isso;
– Criticar e debochar de quem usa linguagem inclusiva (como, por exemplo, “amigxs” e “todes”);
– Criticar alguém que fala uma língua minoritária. 

A primeira coisa que devemos fazer para combater o preconceito linguístico é ter uma mudança de atitude. Segundo o sociolinguista Marcos Bagno (2020), cada um de nós precisa elevar o grau da própria autoestima linguística e recusar os velhos argumentos que visam menosprezar o saber linguístico individual de cada um. Precisamos nos impor como falantes competentes da nossa língua materna e parar de acreditar que “o brasileiro não sabe português” ou que “o português é muito difícil”. Temos que acionar o nosso senso crítico e filtrar as informações realmente úteis, deixando de lado as afirmações preconceituosas e intolerantes. 

Fonte: https://contramao.una.br/wp-content/uploads/2021/05/Um-pais.jpg

É importante lembrar que, do ponto de vista científico, não existe “erro” de português, pois todo falante nativo de uma língua é plenamente competente nela e consegue diferenciar intuitivamente se uma forma linguística obedece ou não às regras de funcionamento do idioma. O que existe, na verdade, são diferenças de usos em relação ao que é proposto pela gramática normativa, aquela ensinada nas escolas. Essas diferenças nos permitem dizer “tinha uma pedra no caminho” ou “havia uma pedra no caminho”, “vou ir na casa do João” ou “irei na casa do João”, sem que uma seja considerada melhor do que a outra. Cada contexto pedirá uma linguagem mais ou menos formal.

Por último, é preciso entender que toda língua muda e varia. Segundo o pesquisador Marcos Bagno (2020), o que hoje é visto como “certo” um dia já foi considerado como “erro” e, o que hoje é considerado como “errado” pode vir a ser perfeitamente aceito como “certo”. A nossa língua prossegue em sua transformação e, nós devemos buscar entender as diferenças linguísticas, respeitando a identidade de todos os falantes. Como afirma Marcos Bagno (2020), “nós somos a língua que falamos” e, ela molda como vemos o mundo e nosso modo de ver o mundo molda a língua que falamos.

Referências
BAGNO, Marcos. Não é errado falar assim! Em defesa do português brasileiro. São Paulo: Parábola, 2009.
BAGNO, Marcos. Preconceito Linguístico. 56. ed. São Paulo: Parábola, 2020.

Autor: Julia Diogo, graduada em Letras Português e Literaturas de Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). Atualmente, é mestranda em Letras, na linha de Aquisição, Variação e Ensino, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).