Cresci escutando minha avó e mãe conversarem ora em pomerano, ora em português. Como sou professora de inglês, passei a prestar atenção a alguns dos enunciados que elas produziam: “Ich will Luísa telefonieren”, “Não come a sopa porque está heiß!“. Esses momentos de trocas entre as línguas me faziam questionar sobre o porquê de alterná-las e se elas – minha mãe e minha avó – realmente sabiam falar pomerano.
Você já deve ter assistido às séries norte-americanas Jane the virgin e Cobra Kai. Apesar de abordarem temáticas diferenciadas, ambas apresentam dois pontos em comum: o primeiro deles, o fato de que as famílias das personagens principais utilizam tanto o espanhol quanto o inglês em ambiente familiar e, o segundo, que as famílias são compostas por avós que emigraram da América do Sul para os EUA em busca de uma vida melhor. No entanto, não são todos os membros das duas famílias que utilizam a língua espanhola e, certamente, há uma ou mais razões para que isso ocorra.
Nesses seriados, facilmente observamos as avós (abuelas) se dirigirem às filhas e aos netos utilizando somente a língua espanhola no contexto familiar. As filhas e os netos utilizam, majoritariamente, a língua inglesa e, em alguns momentos, a língua espanhola. Essas escolhas de uso das línguas se devem a alguns fatores, sendo um deles a questão da crença e das práticas em relação a uma língua. As abuelas deixaram seus países e histórias para construírem algo novo na terra das oportunidades. Os pesquisadores King e Fogle (2006) investigaram como eram tomadas as decisões sobre o uso das línguas com crianças nos EUA. Nesse estudo, as mães aparecem como os membros da família que tendem a tomar a responsabilidade pela transmissão da língua que carregam como herança ou pela aprendizagem de uma nova língua.
A essa altura, você deve estar se perguntando: ok, e onde entra a parte das conversas em espanhol e inglês dentro de casa? Essa pergunta pode ser mais bem respondida através de exemplos.
Quarta temporada, episódio quinze (JV)
Jane: Right, that’s it, no more putting it off, we’re getting a new TV. I’ve narrowed it down to three choices based on price, size and picture quality.
Alba: que bién, toma esto grilled cheese, que necesitas comer.
Jane. Ok, I will. But look this is my top choice and I’ve found a discount coupon in a paper for 25%off… oh my God and it expires today! […]
Primeira temporada, episódio 4
Carmen: No, no more karate.
Rosa: Carmen, ¿cuál es el problema aqui? Miggy ha encontrado algo que le gusta hacer.
Carmen: Mira como Miguel está.
Rosa: Yo lo veo. Necesitas mas practica, ¿no es verdad? Arriba com las manos…
Carmen: Mama, este hombre es una mala influencia.
Miguel: He’s not. You don’t know him.
As conversas acima ocorreram ao redor de uma mesa na sala de janta de duas famílias. É possível notar que os falantes envolvidos fazem escolhas quanto a que língua utilizar. Essa troca entre espanhol e inglês acontece porque todos os envolvidos na conversa são detentores do mesmo par de línguas e possuem motivações acerca do uso de cada uma delas. Além disso, o espaço familiar permite uma maior liberdade para falar espanhol, mesmo residindo nos Estados Unidos. Esse é o espaço do coração, da língua de casa e das memórias. A abuela Alma, ao servir um lanche a sua neta Jane, conversa em espanhol, como de costume, mas muda para o inglês ao se referir a um alimento que passou a fazer parte de seu cotidiano por meio da língua e da cultura dos EUA, o grilled cheese.
Assim, é de grande importância estudar as experiências de mães imigrantes em relação à transmissão de línguas e dar visibilidade ao papel das mulheres no planejamento sobre o que fazer com as línguas. Quando você ouvir a troca de línguas dentro da sua casa ou em um seriado, lembre-se que esse fenômeno é natural, esperado e explicita escolhas linguísticas e culturais.
Referências
ARRIAGADA, Paula. Family Context and Spanish-Language Use: a study of Latino Children in the United States. Social Science Quaterly, n. 3, p. 599 – 619, 2005.
KING, Kendal; FOGLE, Lyn. Bilingual parenting as good parenting: Parents‘ perspectives on family language policy for additive bilingualism. International Journal of Bilingual Education and Bilingualism, v. 9, p. 695-712, 2006.
MOZZILLO, Isabella. A conversação bilíngüe dentro e fora da sala de aula de língua estrangeira. In: HAMMES, W.; VETROMILLE-CASTRO, R. (Org.) Transformando a sala de aula, transformando o mundo: ensino e pesquisa em língua estrangeira. Pelotas: Educat, 2001. p. 287-324.
SPOLSKY, Bernard. Para uma Teoria de Políticas Linguísticas. ReVEL, vol. 14, n. 26, p. 32-44, 2016.
Seriados
Jane the Virgin. Direção: Jennie Urman. Produção: Paul Sciarrotta, Meredith Averill, Corine Brinkerhoff, David Rosenthal, Josh Reims, Gina Lamra e Mark Grossan. Califórnia: Produtora: CBS Televison e Warner Bros. Television, 2014.
Cobra Kai. Direção: Jen Celotta. Produção: Ralph Macchjo, William Zabka, Will Smith, James Lassiter, Caleeb Pinkett, Susan Ekins, Josh Heald, Jon Hurwitz, Hayden Schlossberg. Califórnia: Hurwitz e Schlossberg Productions, Overbrook Entertainment, Heald Productions e Sony Pictures Television, 2018.
Autora: Lydia Tessmann Mülling da Motta. Mestre em Linguística Aplicada pela Universidade Católica de Pelotas.