Arquivo mensais:abril 2021

“Programa de índio”: literatura indígena, por que não?

Se queremos, de fato, que nossas crianças existam como cidadãos, que escrevam hoje suas próprias histórias, compreendendo o passado e, assim, saibam alinhar o futuro desejado, precisamos criar juntos momentos de troca de conhecimentos, debate e reflexão. A escola é um dos importantes espaços para isso.

Assim, perder a oportunidade de lançar para eles iscas que os levem a explorar temas como identidades e diversidade cultural… é muito mais do que distração. Não lhes apresentar as diferentes visões de mundo através da literatura é tirar deles a chance de se apropriarem de suas memórias.

Instigada por essa ideia, eu, como professora, escolhi o livro Nós – Uma antologia de literatura indígena (Maurício Negro) para o Projeto de Leitura do 4º ano de minha escola. O livro é organizado a partir histórias sobre dez povos indígenas, acompanhadas por lindas imagens de Maurício Negro, seguidas pela história do povo em que elas circulam, por um glossário e pela biografia de seus autores/autoras. A partir do encontro com essas narrativas, inquietações nas crianças pipocaram: “Se há mais de 250 línguas indígenas (IPOL, 2016), por que só se fala português? O que os portugueses têm a ver com isso? Por que indígena e não índio? Por que eles são tão selvagens?”

Fonte: https://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=41243

Uma educação para o reconhecimento do outro, dos diferentes grupos sociais e culturais é o que defende a professora Vera Candou (2008). Queremos, também, uma educação que confirme (àqueles que nem desconfiam) a existência de um outro. Aliás… do OUTRO…com valores, culturas, línguas, visões de mundo, ou seja, com sua história que deve ser conhecida e respeitada.

Pôr em cena temas fundamentais e hoje silenciados, deletados dos planejamentos pedagógicos e camuflados nos livros didáticos, é nosso desafio. Ampliar vozes e visibilidade dos povos indígenas traz – de fato – sentido ao fazer do professor comprometido com a reconstrução de um mundo mais justo e solidário.

Referências
CANDAU, Vera Maria. Direitos humanos, educação e interculturalidade: as tensões entre igualdade e diferença. Revista Brasileira de Educação, v. 13, n. 37, p. 47, 2008.
IPOL. Línguas do Brasil. Disponível em: http://ipol.org.br/tag/linguas-do-brasil/. Acesso: 20 abr. 2021.
MAHER, T. M. Ecos de resistência: políticas linguísticas e línguas minoritárias no Brasil. In: NICOLAIDES, C.; SILVA, K. A.; TÍLIO, R; ROCHA, C. H. (Org.) Política e Políticas Linguísticas. Campinas: Pontes, 2013. p. 117-134.

Links interessantes para estudo e debates em sala de aula:
https://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=41243
https://www.facebook.com/mauricio.negro.5
https://pib.socioambiental.org/pt/P%C3%A1gina_principal https://www.blogdaletrinhas.com.br/conteudos/visualizar/Dos-varios-nos-que-enredam-as-literaturas-indigenas
https://lunetas.com.br/historias-indigenas/
https://www.facebook.com/FilmotecaIndigena/
https://revistapesquisa.fapesp.br/pela-sobrevivencia-das-linguas-indigenas/ed.273

Autora: Thaís de Almeida Rochefort
Graduada em Letras e Psicologia (UCPel), Mestre em Letras (UCPel), doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPel. Docente do Curso de Letras na UCPel, na Escola Mario Quintana (Profª de Português e Redação) e faz parte do Projeto “Remição de pena através da prática de leitura no Presídio Regional de Pelotas”, coordenado pela Profª Luciana Vinhas (UFPel).

Língua: ponte ou barreira? O caso dos imigrantes senegaleses

Você já imaginou ter de deixar de falar a sua língua para ser aceito e compreendido em outro país?

Essa é a situação pela qual muitas pessoas que decidem mudar de país passam. Vários são os fatores para a mudança, alguns buscam condições financeiras melhores; outros buscam refúgio e paz. No Brasil, essa é a realidade de milhares de imigrantes senegaleses. De acordo com dados do Comitê Nacional para Refugiados (Conare), desde 2002, houve 8.555 solicitações de reconhecimento da condição de refugiado por parte dos senegaleses, sendo que poucos foram deferidos. Há 5.995 pedidos de cidadãos do Senegal na fila.

https://www.researchgate.net/figure/Figura-1-Rota-dos-imigrantes-senegaleses-em-direcao-ao-Rio-Grande-do-Sul_fig4_312088597

Essa é a principal rota da presença e da cultura senegalesa. O percurso se inicia no Equador, depois seguem para o Paraguai, Argentina e finalmente Rio Grande, onde vivem mais de 200 senegaleses, mudando a cara do município, por conta da sua cor, costumes e sonoridade linguística.

Na ânsia de uma vida melhor, deixam família, trabalho, amigos e também a língua do cotidiano, a língua materna, a língua de herança. Isso mesmo, língua de herança, ou seja, aquela que os imigrantes deixam de falar quando habitam outros países. No Senegal, o idioma oficial é o francês, o qual é falado por uma minoria, o país é multilíngue, tendo mais de 30 línguas.  Grande parte da população utiliza o Wolof para a comunicação, inclusive, aqui, no Brasil.

Como e por que preservar a língua de herança é uma questão relacionada com o desejo de manter ou não o vínculo com a representação sócio-econômica-histórica de um país.

Jornal Agora (2015)

Com a finalidade de conseguirem se manter e enviarem recursos para sua família, os imigrantes se inserem na sociedade na medida em que vendem suas mercadorias, assim, aprendem o novo idioma, deixando a sua língua de herança para os momentos de lazer com seus compatriotas. Muitos desses ocorrem nos encontros religiosos, os senegaleses são muçulmanos e mantém o costume de orar.

Jornal Agora (2015)

Cinco anos se passaram da chegada dos primeiros senegaleses na cidade e há ainda muito a fazer no que se refere à inserção destes na comunidade, bem como aos seus direitos como cidadãos. Alguns já trouxeram suas famílias, seus filhos serão bilíngues e irão conviver com as diferentes culturas, permeadas pela língua que, primeiramente, vista como barreira, torna-se ponte.

Referências
FLORES, Cristina. Bilinguismo Infantil. Um legado valioso do fenômeno migratório.  Diacrítica: Revista do centro de estudos Humanísticos, v. 31, n. 3, p. 237-520, 2017.
JORNAL AGORA. Um pedaço do Senegal em Rio Grande. Rio Grande. Julho de 2015. Disponível em: https://pt.calameo.com/books/000337975ebe556b9efdf. Acesso em: 23 de set. 2020.
MOZZILLO, Isabella. Algumas considerações sobre o bilinguismo infantil. Veredas, v. 19, n. 1, 0. 147-157, 2015.  
PEREIRA, Vilmar; LEMOS, Luciane Oliveira. Senegaleses em Rio Grande. Diálogo Intercultural no além mar, v. 4, p. 1-18, 2018. 

Autora: Rita de Nóbrega
Possui Graduação em Letras-Português (2005), pela FURG, e Mestrado em Linguística Aplicada (2014), pela UCPel. Atualmente, é doutoranda do  Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPel. Possui experiência docente na Rede Municipal de Ensino e Ensino Superior.