O que imigração tem a ver com língua?

A imigração é um processo bastante comum atualmente. Diariamente, centenas de pessoas vão para outros países por inúmeras razões como trabalho, estudos, busca por condições melhores, guerras etc. Os imigrantes levam consigo as línguas que eles falam para os diferentes países no qual passam a residir e, muitas vezes, se deparam com novas línguas que até então não conheciam ou não falavam.

Para se adaptar ao novo país, o imigrante, muitas vezes se vê obrigado a aprender a língua que é falada nesse novo contexto. No entanto, é normal que se opte por também manter a língua materna, já que ela permite que a pessoa preserve vínculos com sua origem, com sua cultura e com sua família no país natal, conforme explica a linguista Camila Lira (2018).

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Ao formar uma família num país diferente, os pais devem tomar a importante decisão de que língua(s) falarão com os filhos. Pensemos na seguinte situação: uma mulher brasileira conhece um norte-americano  e se muda para os Estados Unidos. Com o nascimento de seu primeiro filho, a mãe precisa decidir se vai falar com ele em português (sua língua materna) ou em inglês (língua materna do pai e língua predominantemente falada no país). Caso a mãe escolha a primeira opção, o português vai se tornar a língua de herança (LH) do seu filho. LH, de acordo com Guadalupe Valdés (2000), é a língua falada em ambiente doméstico que é diferente da língua dominante na sociedade local.

Para a pesquisadora Ana Lucia Lico (2011), o desejo de passar a LH para o filho surge da vontade da mãe e/ou do pai imigrante de transmitir emoções em sua língua materna e de preservar os vínculos com a cultura brasileira (no caso de imigrantes brasileiros). Porém, muitas vezes, manter a LH não é tão simples assim, pois existe uma forte pressão social para que só se fale a língua do local, fazendo com que as crianças não queiram utilizar suas LHs, como aponta o estudo de Ana Souza (2015).

Tal pressão social ocorre porque, de acordo com Isabella Mozzillo (2015), ainda prevalece, em muitas sociedades, a ideia de que cada pessoa deve falar uma única língua e que falar mais de uma pode ser prejudicial. No entanto, a criança é capaz de aprender naturalmente mais de uma língua durante a infância sem ter problemas de desenvolvimento, conforme explica Cristina Flores (2019).

Cabe, então, aos pais imigrantes, resistir à pressão social e manter, a todo custo, a LH viva no seio da família, permitindo que as crianças convivam com essa língua constantemente.  Isso pode ser feito não apenas com o incentivo dos pais de usarem a LH em casa, mas também através do contato com instituições no exterior formadas por brasileiros imigrantes, que proporcionam o convívio com o português e, consequentemente, com a cultura brasileira por meio de recreações, clubes de leitura, comemorações de datas especiais, aulas de português etc. Essas práticas são essenciais para manter viva a língua de herança, que é um bem valioso, pois faz parte da origem e da identidade de seus falantes.

Finalmente, língua tem tudo a ver com imigração, pois os imigrantes frequentemente devem conviver com outras línguas e, ao mesmo tempo, decidir o que farão com a bagagem linguística que levam consigo.

Para saber mais sobre LH, é possível ver o filme Espanglês que retrata uma mãe e uma filha mexicanas que se mudam para os Estados Unidos e mantêm a LH (espanhol) como representante de suas identidades. Há também a autobiografia In Other Words da escritora Jhumpa Lahiri na qual ela conta sobre a relação conflituosa que possui tanto com a sua LH (bengali) quanto com o inglês, sua outra língua materna. E, por último, a entrevista com a autora Ana Lucia Lico explica e tira dúvidas sobre LH.

Referências
FLORES, C. Bilinguismo infantil. Um legado valioso do fenómeno migratório. Diacrítica, v. 31, n. 3, p. 237-250, 2017.
LICO, A. L.C. Ensino do português como língua de herança: prática e fundamentos. Revista SIPLE, v. 1, n. 2, p. 22-33, 2011
LIRA, C. O português como língua de herança em Munique: práticas de desafios. Fólio – Revista de Letras, v. 10, n. 1, 2018.
MOZZILLO, I. Algumas considerações sobre o bilinguismo infantil. Veredas, v. 19, n. 1, p. 147-157, 2015.
SOUZA, A. Motherhood in migration: A focus on family language planning. Women’s Studies International Forum, v. 52, p. 92 – 98, 2015.
VALDÉS, G. Introduction. In: Sandstedt, l. Spanish for Native Speakers: AATSP Professional Development Series Handbook Vol. I. New York: Harcourt College, 2000, p. 1-20.

Autora: Raphaela Palombo Bica de Freitas
Graduada em Letras – Português e Espanhol pela Universidade Federal de Pelotas (2018). Atualmente é mestranda em Letras pela mesma instituição e professora particular de língua espanhola.

 

 

 

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