Arquivo mensais:maio 2020

O desafio de registrar uma língua minoritária no caso do documentário “Viver no Brasil falando Hunsrückisch”

O Brasil é um país reconhecido mundialmente pela quantidade e principalmente pela qualidade dos documentários. Seja pela riqueza cultural que pouco foi documentada e tornada acessível para o grande público, seja pela criatividade e experimentação, a lista de documentários que exploram a fundo aspectos específicos e realidades únicas é imensa. Um exemplo é a obra vasta e transformadora de Eduardo Coutinho, cineasta referência no gênero no Brasil e no exterior.

Mas ainda há muito a ser documentado: um exemplo de tema que tem importância periférica nos circuitos de documentários é o registro das centenas de línguas do Brasil. É verdade que as línguas muitas vezes são abordadas, mas raramente tem o papel central em qualquer documentário. Tomemos por exemplo o filme/documentário “Guarani-Kaiowá Ivy Poty – Flores da Terra“, que tem por objetivo registrar a cultura e a resistência desse povo no Mato Grosso do Sul. A língua Kaiowá é registrada, mas o foco recai na cultura da comunidade.

Assim também é o caso dos documentários com presença da língua Hunsrückisch. Desde os documentários dirigidos Rejane Zilles, O Livro de Walachai (2007, 16min.) e Walachai (2009, 85min.), o Hunsrückisch está presente nesse gênero. Também segue nos documentários Heimatland & A História do Kerb (2009, 47min.), direção de Ernoy Luiz Mattiello; Berlim Brasil (2009, 70min.), dirigido por Martina Dreyer e Renata Heinz; também vale citar Land Schaffen (2014, 25min.) e Meio – o que é ser brasileiro? o que é ser alemão? Um filme sobre identidade, memória e imaginário, dirigidos por Clarissa Beckert & Pedro Henrique Risse; também o Glaube, Liebe und Hoffnung – Fé, amor e esperança (2018, 52 min.), direção de Vivian Schäfer; por fim, o documentário Für Immer: Gerações (2018, 46 min.), com direção de Marcelo Collar.

Então, tendo conhecimento dessa variedade de documentários que envolviam indiretamente o Hunsrückisch, Gabriel Schmitt e Ana Winckelmann assumiram a missão de elaborar um documentário sobre essa língua, a partir da seleção de trechos das entrevistas realizadas pelo Inventário do Hunsrückisch como Língua Brasileira de Imigração (IHLBrI), sob coordenação de Cléo V. Altenhofen (UFRGS) e Rosangela Morello (IPOL). O principal objetivo era receber o reconhecimento do IPHAN, financiador do IHLBrI, como língua Brasileira de Imigração, processo que está parado desde 2018.

Uma das premissas do IHLBrI era a elaboração de um material audiovisual que comprovasse a existência dessa língua. Assim, contando sempre com o apoio demais membros da equipe de pesquisa, Gabriel e Ana montaram o roteiro baseado nas seguintes temáticas, que na época lhes pareciam as mais urgentes para dar uma dimensão do que é o Hunsrückisch:

  • Denominações da língua;
  • Variação interna da língua;
  • Experiências de falantes maternos de Hunsrückisch na escola;
  • Espaços culturais onde se usa o Hunsrückisch (igrejas, administração pública, jornais);
  • Contato com outras variedades de alemão no Brasil;
  • Manutenção da língua.

Essas foram as balizas que auxiliaram no processo de seleção dos trechos de entrevista. Ou seja: o roteiro foi elaborado com base nas entrevistas realizadas pelo projeto IHLBrI. Não se foi a campo com um roteiro para o documentário Viver no Brasil falando Hunsrückisch. De maneira geral, ainda há muito a ser documentado no Brasil. E um dos campos que ainda podem ser aprofundados é o das línguas minoritárias.

 

Confira: Lista de excelentes documentários brasileiros que estão disponíveis no Youtube.

 

REFERÊNCIAS:

ALTENHOFEN, Cléo V.; MORELLO, Rosângela; BERGMANN, Gerônimo L.; GODOI, Tamissa G.; HABEL, Jussara M.; KOHL, Sofia F.; PREDIGER, Angélica; SCHMITT, Gabriel; SEIFFERT, Ana Paula; SOUZA, Luana C.; WINCKELMANN, Ana C. Hunsrückisch: inventário de uma língua do Brasil. Florianópolis: Garapuvu, 2018. 248 p.

 

Autor: Gabriel Schmitt
Graduado em Licenciatura Letras e Alemão pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atualmente é aluno do Mestrado Europeu em Lexicografia (EMLex), com pesquisa em dicionários dialetológicos e de línguas minoritárias.

O que é intercompreensão?

Ao pensarmos em Brasil, temos a ideia de que a língua portuguesa é a única falada em todo território nacional. Entretanto, excluímos as realidades imigratórias, indígenas e fronteiriças que moldam nosso país linguisticamente.

Em um minicurso do professor Francisco del Olmo, dois conceitos de comunicação são abordados e estão relacionados às realidades expostas acima. Segundo ele, o cenário onde somente uma língua circula é nomeado comunicação endolíngue (com muitos dialetos). Já situações fronteiriças e turísticas configuram uma comunicação exolíngue, pois existe mais de uma língua em uso. Aplicando esses conceitos em nosso âmbito nacional, constata-se que há uma comunicação exolíngue, visto que há também situações imigratórias, indígenas, fronteiriças e turísticas que demandam o uso de outras línguas.

Dentro dessa comunicação exolíngue, se encontra o cenário da intercompreensão, que segundo Möller e Zeevaert (2015), é um processo motivado pelas relações entre as famílias linguísticas que pode ser ocasionado pelas palavras cognatas, similaridades na estrutura frasal e na ortografia. Línguas derivadas do latim, como por exemplo, português, espanhol, francês, italiano têm maior possibilidade de intercompreensão, dado que fazem parte da mesma família linguística. Dessa forma, um brasileiro que lê ou escuta esses outros idiomas pode compreendê-los mesmo sem ter conhecimentos sobre eles. Além disso, para Francisco del Olmo, a intercompreensão pode ocorrer de forma que nenhum falante precise ceder sua língua para que a comunicação aconteça. Logo, cada falante escolhe sua forma de falar e ambos tentam o processo de intercompreensão. Segundo o professor, esse processo se torna democrático e eficaz. O portunhol falado na fronteira entre Brasil e Uruguai, por exemplo, é fruto do processo da intercompreensão, o qual evidencia a democratização linguística. No vídeo da Coopération Educative France au Brésil, é possível conhecer outras línguas da mesma família linguística do nosso português.

 

 

REFERÊNCIAS: 

MÖLLER, R.; ZEEVAERT, L. Investigating word recognition in intercomprehension: Methods and findings. Linguistics, v. 53, n. 2, p. 314-315, 2015.

MINICURSO – INTERCOMPREENSÃO: Minicurso – Intercompreensão: A chave para as línguas – Aula 1. Vídeo apresentado por Francisco del Olmo. [Curitiba: Parábola Editorial], 2020. Publicado pelo canal Parábola Editorial.

O QUE É INTERCOMPREENSÃO? Vídeo disponibilizado no YouTube pela Coopération Educative France au Brésil.

 

Autora: Larissa Caroline Ferreira
Graduanda de Letras – Português e Alemão e voluntária no Laboratório de Psicolinguística, Línguas Minoritárias e Multilinguismo da Universidade Federal de Pelotas.