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Por que alemão?

Num sábado de 2025, eu estava na praça com minha família. Meu filho, de um ano e meio na época, brincava com um menino da mesma idade, enquanto nós, os adultos, conversávamos sobre parentalidade. De repente, surgiu uma pergunta sobre a língua que eu falava com ele. A tia do menino, ao saber que eu estava falando alemão, perguntou: “Mas por quê?”

Fonte: ChatGPT

Naquele momento, não consegui dar uma resposta completa. A mãe do menino se antecipou e respondeu: “Eles são professores de alemão.” E eu apenas complementei: “É, ele já é bilíngue.” Poderia ter explicado com mais detalhes, mas preferi deixar o assunto seguir. Depois, fiquei pensando nos dois aspectos por trás daquela pergunta: o bilinguismo e a língua alemã.

A pergunta dela foi um pouco vaga, então, não se sabe exatamente se ela estava se referindo à língua alemã em si ou ao bilinguismo. Isso me instigou a escrever um pouco sobre os dois aspectos. 

O alemão é uma língua diversa, falada tanto em comunidades minoritárias em diversos países, inclusive no Brasil, quanto como língua oficial em cinco países: Alemanha, Áustria, Suíça, Liechtenstein e Luxemburgo. Estima-se que cerca de 100 milhões de pessoas falem alemão como língua materna. O Instituto Goethe estima que 15,5 milhões de pessoas aprendam alemão em mais de 99 países.

No Brasil, a língua alemã está mais próxima do que imaginamos: é ensinada em escolas, cursos livres e universidades, como apresenta o site Falemão. Além disso, a língua aparece por meio de marcas (por exemplo, Schmidt, Schneider, Gerdau, Volkswagen, Knorr, Bosch). A língua também está presente no português em palavras como, por exemplo, kombi, blitz, Wanderlust e Alzheimer. Além disso, alemão e inglês compartilham inúmeras semelhanças entre si (por exemplo, Wind – wind, Freund – friend, gut – good, trinken – drink) e com o português (por exemplo, Information, telefonieren, interessant, Computer). Como afirma a pesquisadora Jasone Cenoz (2013), saber uma língua aparentada pode facilitar a aprendizagem da outra. Então, uma criança que sabe alemão pode utilizá-lo como ponte para a aprendizagem de inglês, por exemplo. 

A aprendizagem de alemão pode abrir portas profissionais e acadêmicas. Há multinacionais, como T-Systems e SAP, que priorizam a língua para admissão. Em cidades brasileiras fundadas por alemães ou seus descendentes, o recrutamento de trabalhadores para o comércio privilegia, em algumas lojas, pessoas que falam alemão. O conhecimento da língua também pode ser útil para conseguir uma bolsa para estudar na Alemanha, Áustria ou Suíça. O DAAD (Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico) e a Fundação Alexander von Humboldt, por exemplo, mantêm programas de intercâmbio e pesquisa na Alemanha — programas dos quais já participei. Outra possibilidade é trabalhar nesses países. Muitas pessoas “se viram” lá com a língua que receberam de herança da família.

Quando uma criança aprende alemão (ou qualquer outra língua) em casa, como língua de herança, ela se beneficia de algo que muitos pais pagam caro para proporcionar: o bilinguismo precoce. E isso não tem a ver com ensinar a língua como se fosse um professor, mas de transmiti-la em práticas cotidianas como algo natural. Mais do que uma língua, a criança herda uma cultura, valores, tradições, narrativas e uma maneira afetiva de se comunicar com as gerações anteriores e, com isso, fortalece seu senso de pertencimento familiar. A linguista belga Annick de Houwer (2009) defende que o contato precoce e contínuo com duas línguas dentro da família amplia as oportunidades de interação e favorece o desenvolvimento de repertórios comunicativos e culturais diversificados. 

Transmitir uma língua minoritária é também um ato de resistência, que contraria a pressão pela assimilação ao português e pelo monolinguismo no Brasil. Essa pressão é um dos fatores que diminui o número de falantes da língua e fomenta o preconceito. Ensinar e valorizar a transmissão de línguas de herança é uma forma de preservar um patrimônio imaterial e promover diversidade. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) reconhece, entre outras línguas, o hunsriqueano e o pomerano como parte do patrimônio cultural imaterial do Brasil.

A outra forma de interpretar a pergunta da tia do menino tem relação com o bilinguismo precoce e simultâneo. Como explicam os pesquisadores Krista Byers-Heinlein e Casey Lew-Williams, em publicação de 2013, de modo geral, crianças nascem prontas para aprender a língua ou as línguas do seu ambiente sem confusão ou atraso. Ensinar duas línguas em casa desde cedo para a criança é um presente que os pais podem dar, em vários sentidos – tanto faz qual língua. Apesar de não ser isenta de desafios, é uma tarefa tão gostosa que se torna gratificante e divertida. 

O bilinguismo infantil pode trazer inúmeros benefícios: 

  • estimula habilidades cognitivas, como discutido pelos autores Krista Byers-Heinlein e Casey Lew-Williams em uma publicação de 2013;
  • desenvolve a consciência linguística, conforme demonstrado no livro de Ellen Bialystok, publicado em 2001; 
  • facilita a aprendizagem de outras línguas, como mostrado por Jasone Cenoz (2013);
  • pode aprimorar a compreensão sobre os estados mentais dos outros, segundo a revisão de Chi-Lin Yu, Ioulia Kovelman e Henry Wellman, publicada em 2021;
  • funciona como uma ponte entre gerações, além de valorizar a identidade cultural e expandir as possibilidades de comunicação, como destaca Annick de Houwer (2021);
  • pode favorecer o desenvolvimento da capacidade de compreender diferentes pontos de vista, algo essencial para uma boa comunicação, como sugerido por um estudo conduzido por Samantha Fan e colegas (2015);
  • abre duas (ou mais) janelas para o mundo, como defendem Krista Byers-Heinlein e Casey Lew-Williams (2013).

O entusiasmo diante dos possíveis benefícios é compreensível, mas é bom lembrar que essas hipóteses ainda não foram suficientemente testadas em países do Sul Global, como o Brasil. Porém, se elas não se aplicarem a algum contexto, é importante salientar que o bilinguismo não faz mal e tem o peso afetivo como valor. São inúmeros os fatores que podem influenciar o bilinguismo, e as populações são muito diferentes entre si.

Por tudo isso, tanto o uso de línguas de herança quanto o bilinguismo merecem respeito como uma forma natural de uso das línguas. Não apenas o bilinguismo de elite (português-inglês), de escola bilíngue, tem valor social. As escolhas linguísticas são um direito das famílias e refletem laços de identidade, afeto e pertencimento. Afinal, uma língua é muito mais do que um meio de comunicação: é uma forma de estar no mundo.

As escolhas linguísticas devem ser interpretadas sem julgamento como um direito da família. Se alguma família quisesse inventar uma língua e falar com a criança, isso não deveria ser interpretado como algo estranho. Uma língua é muito mais do que um instrumento, representa a pessoa. Duas línguas, também.

Referências
BIALYSTOK, Ellen. Bilingualism in Development: Language, Literacy, and Cognition. Cambridge University Press, 2001.
BYERS-HEINLEIN, Krista; LEW-WILLIAMS, Casey. Bilingualism in the Early Years: What the Science Says. Learning Landscapes, v. 7, n. 1, p. 95–112, 2013.
CENOZ, Jasone. The influence of bilingualism on third language acquisition: Focus on multilingualism. Language Teaching, v. 46, n. 1, p. 71–86, 2013.
DE HOUWER, Annick. An Introduction to Bilingual Development. Bristol: Multilingual Matters, 2009.
DE HOUWER, Annick. Bilingual Development in Childhood. Cambridge University Press, 2021.
FAN, Samantha et al. The Exposure Advantage: Early Exposure to a Multilingual Environment Promotes Effective Communication. Psychological Science, v. 26, n. 7, p. 1090-1097, 2015.
YU, Chi-Lin; KOVELMAN, Ioulia; WELLMANN, Henry M. How Bilingualism Informs Theory of Mind Development. Child Dev Perspect, v. 15, n. 3, p. 154-159, 2021.

Agradeço à colega Isabella Mozzillo, pela leitura atenta e crítica deste texto.

Autor: Bernardo Kolling Limberger. Pai do Davi. Professor de Pós-Graduação na Universidade Federal de Pelotas e de Graduação na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre. Coordenador do Laboratório de Psicolinguística, Línguas Minoritárias e Multilinguismo – Laplimm.

Eu sou um 外国人(gaikokujin/estrangeiro): dekasseguês, uma variedade do português no Japão

Em 2023, de acordo com a câmara dos deputados, havia cerca de 2 milhões de japoneses e descendentes vivendo no Brasil, o que faz do nosso país a maior comunidade japonesa fora do Japão. Esse contato gerou uma língua chamada koronia-go no nosso território, mas você sabia que isso não acontece só aqui e que também existe uma variedade do português brasileiro no Japão?

Estamos falando do dekasseguês. Nos anos 90, o governo japonês lançou campanhas para atrair descendentes de japoneses que viviam fora do país, os nikkeis, incluindo os nascidos no Brasil e falantes de português, oferecendo-lhes oportunidades de emprego. Esses trabalhadores ficaram conhecidos como dekasseguis (出稼ぎ), termo que junta os verbos “sair” (出る, deru) e “ganhar dinheiro” (稼ぐ, kasegu) em japonês. Muitos se estabeleceram no país e formaram comunidades em cidades como Hamamatsu, Nagoya e Oizumi, que abrigam o maior número de brasileiros. Nessas cidades, surgem cenas do encontro da cultura brasileira com os japoneses. Um exemplo é o intercâmbio com samba na cidade de Oizumi (“Brasil Town”), província de Gunma, Japão, como mostra a imagem.

Fonte: Portal Nippon Já.

E é justamente nesse cenário de contato entre línguas que surge o dekasseguês, que, segundo a professora Nilta Dias, se caracteriza pela mistura espontânea de vocabulário em português e japonês e/ou pela criação de novas palavras através da união entre as duas línguas. O pesquisador Felipe Dall’Ava (2021) explica, todavia, que essa mistura também aparece na forma como as palavras japonesas são faladas e escritas, seguindo padrões do português. A tabela abaixo exemplifica o uso, por parte dos falantes de dekasseguês, de sufixos do português em adjetivos e substantivos do japonês para criar diminutivos e aumentativos:

Fonte: Nilta Dias (2015)

Hoje, além do dekasseguês, já se identifica no Japão — e em países de língua espanhola — outra variedade usada por nikkeis, que mistura japonês com espanhol, o Japoñol. No entanto, ambas ainda enfrentam preconceito dentro das próprias comunidades latinas.

Esses exemplos mostram que, mesmo em países vistos como “linguisticamente homogêneos” como o Japão, há espaço para diversidade e criatividade linguística — inclusive com o português do Brasil.

Referências
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Agência Câmara de Notícias, 2023. Câmara dos Deputados comemora, em sessão solene, 115 anos da imigração japonesa ao Brasil.
ALMEIDA, Karina. «O Japão do Caruso é assim…». Blog Meu Japão, 2006.
DALL’AVA, Felipe. Dekasegi Portuguese: Towards a Nomenclature and Outlining of the Existence of a Portuguese Language Variety in Japan. Asian Journal of Latin American Studies, [S.L.], v. 34, n. 1, p. 129-161, 2021.
DIAS, Nilta. Dekasseguês: Um português diferente? Variações linguísticas e interculturalidade nas migrações contemporâneas dentro do sistema-mundo moderno. Horizontes Decoloniales, [S.L.], v. 1, n. 1, p. 62–101, 2015.
FLORES, Tanya; WILLIAMS, Aja. Japoñol: Spanish-Japanese Code-Switching, Indiana University Linguistics Club Working Papers, [S.L.], v. 19, n. 1, p. 1-21, 2019.
ILSHI, Angelo. Brasileiros no Japão. Instituto Diáspora Brasil, 2023. Disponível em:. Acesso em: 02 jul. 2025.
ONNO, William Yoshi. O que é ser um “Dekassegui” no Japão? Japão em foco, 2015.Disponível em: . Acesso em: 02 jul. 2025.

Autora: Giovana Canez Valerão, graduada em Letras – Português e Espanhol pela Universidade Federal de Pelotas, mestranda em Letras no Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL) da mesma universidade, é responsável pela página @hallyucoreanoemultilinguismo no Instagram.

Libras e português: algumas provas de que essa relação pode dar certo!

Muitas pessoas ainda se questionam se o aprendizado da Libras (Língua Brasileira de Sinais) poderia prejudicar, de alguma forma, o desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita em língua portuguesa pelas pessoas surdas. Em 2014, um grupo de estudiosos da área da educação de surdos publicou um documento que deve servir de base para a construção de uma série de orientações para o ensino de pessoas surdas. Já em muitas escolas se está tentando trabalhar nessa linha de pensamento: Libras como a língua em que o aluno irá interagir durante as aulas e português como a língua da leitura e da escrita, pois é a língua oficial do Brasil. Veja algumas das instituições gaúchas, por exemplo, a Escola Bilíngue Professor Alfredo Dub, em Pelotas, e a Escola Bilíngue Profª Carmen Regina Teixeira Baldino, em Rio Grande.

Além disso, a professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Carina Cruz, fez uma pesquisa sobre a possibilidade da consciência fonológica em línguas de sinais ser uma grande aliada na leitura em uma língua oral escrita. A fonologia é uma área da linguística que estuda as pequenas partes de uma palavra ou de um sinal que tem significado. Na pesquisa publicada pela professora, temos estudos feitos em outros países e no Brasil que mostram que os surdos, mesmo crianças, já conhecem essas pequenas partes e as usam para relacionar ou construir novos significados. Isso poderia auxiliar na sua reflexão sobre a escrita da língua oral na qual escrevem e leem.

A pesquisa de Carina Cruz mostra estudos feitos na Suíça e nos Estados Unidos. A maioria comprovou que aqueles surdos que tiveram contato com a língua de sinais de seu país na tenra idade são os mesmos que conseguiram perceber a sua fonologia e que têm maior habilidade na leitura da língua oral escrita. Um outro estudo dos EUA mostrou que alguns professores de surdos já estão usando essa relação como estratégia de ensino da leitura e escrita do inglês. No Brasil, a professora destacou trabalhos que trazem essa consciência fonológica em surdos que começaram a aprender a Libras antes dos quatro anos. Seguindo o que aconteceu nos outros países, eles poderiam ter maior facilidade no desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita da língua portuguesa, graças ao seu conhecimento da Libras! Libras e português, uma relação que dá certo!

Referências
CRUZ, Carina Rebello. Consciência fonológica da língua de sinais: implicações na linguagem e na leitura. ReVEL, edição especial, n. 15, p. 63-82, 2018. 
MEC/SECADI. Relatório do Grupo de Trabalho, designado pelas Portarias no 1.060/2013 e no 91/2013, contendo subsídios para a Política Linguística de Educação Bilíngue – Língua Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa, 2014

Autora: Joseane Maciel Viana, graduada em Licenciatura em Letras – Português e Inglês, com Mestrado em Letras, pela Universidade Federal de Pelotas. Atualmente, é aluna do Doutorado em Aquisição, Variação e Ensino, na mesma universidade.

DODA e o orgulho surdo

DODA é uma sigla que não é comum no país e no mundo. Porém, acreditamos que vocês já tenham lido ou ouvido falar sobre CODA; inclusive, no Tesouro Linguístico, há um texto dedicado a explicar sobre o que é ser CODA. Embora os termos sejam parecidos, há uma diferença entre CODA e DODA que iremos esclarecer neste texto. Vamos ver?

O que é CODA?

O termo, originário do inglês, é uma abreviação para Child of Deaf Adults. Em português, a expressão é traduzida como “Filho de Pais Surdos”. Ele se refere às pessoas ouvintes que têm pai ou mãe surdos, ou até mesmo ambos.

O que é DODA?

DODA também é um termo originário do inglês, é uma abreviação para Deaf Child of Deaf Adults. Em português, a expressão é traduzida como “Filho Surdo de Pais Surdos”. Ele se refere às pessoas surdas que têm pai ou mãe surdos, ou ambos. Portanto, os filhos surdos de pais surdos são chamados de DODA, embora, na maioria das vezes, sejam chamados simplesmente de “Deaf families” (“família surda”).

Quantas famílias DODA existem no mundo

As famílias surdas são uma minoria: aproximadamente 5 a 10% dos filhos surdos nascem de pais surdos, enquanto os restantes 90-95% de todos os filhos surdos nascem de pais ouvintes. Ao contrário dos filhos surdos de famílias ouvintes, os DODAs crescem em lares onde a língua de sinais, como a Libras, é a principal forma de comunicação e possuem cultura surda, já que tanto os pais quanto os filhos são surdos.

Orgulho surdo?

Muitas vezes, as famílias surdas recebem o diagnóstico de surdez dos seus filhos e, quando os médicos confirmam que seus filhos são surdos, as famílias comemoram e até fazem festa porque os filhos são surdos como os pais! Isso é um tipo de orgulho surdo (Deaf Pride). Também existe a frase “Viva a família surda”. Tem uma imagem muito reconhecida no mundo: quando o médico diagnostica que seu filho é surdo, os pais surdos comemoram! Claro que os ouvintes podem ficar chocados, porém, para as famílias surdas, isso é motivo de muito orgulho

Fonte: https://deaf-art.org/profiles/matt-daigle/

Mostramos nossa experiência ao receber o diagnóstico da nossa primeira filha, Fiorella, em 2015, e da segunda filha, Florence, em 2019.

Fonte: O diário da Fiorella

 

 

 

 

Fonte: O diário da Fiorella

 

 

 

 

 

 

 

Nós, famílias surdas, sabemos que os DODAs têm mais acesso à língua, como a Libras, e à cultura surda, pois têm uma integração ainda mais forte com a cultura surda. Isso ocorre porque a língua e a cultura nascem na família, que já valoriza a língua de sinais e a Cultura Surda como base da família surda. Por isso, filhos surdos crescem em um ambiente linguístico totalmente acessível desde cedo, o que facilita o desenvolvimento pleno da língua de sinais e de sua identidade dentro da comunidade surda. Já para os filhos surdos de famílias ouvintes, às vezes, acontece de não adquirirem uma língua desde bebês, além de as famílias ouvintes não terem a cultura surda.

Autora: Francielle Cantarelli Martins. Professora de Libras da Universidade Federal de Pelotas.

A importância do resgate das formas de escrita ancestrais da África

Você sabia que a África possui formas de escritas ancestrais? Atualmente, os avanços nos estudos em linguística histórica e comparada sobre a língua faraônica (língua egípcia) e outras línguas africanas (kandianas) têm revelado dados muito interessantes. 

Pesquisadores como Cheikh Anta Diop e Jean-Claude Mboli têm estudado a conexão entre a língua dos faraós e as outras línguas africanas e descobriram que essas línguas pertencem a uma mesma família. Esses estudos incentivam o resgate das formas antigas de escrita que surgiram na África, ajudando a revelar as raízes da sua história.

Fonte: http://www.freepik.com

De volta às origens

A África, ou Kanda (termo que significa “cidade, reino, país”, nas línguas bantu), foi o berço das línguas africanas e de suas formas de escrita. É importante recuperar essas escritas antigas para re-escrever e compreender as línguas africanas modernas e, assim, combater a ideia de que a África só possui tradição oral. Na verdade, tanto a fala quanto a escrita são partes fundamentais da cultura africana. Os países colonizadores não trouxeram a escrita para o continente africano; ao contrário, foi a África que contribuiu com a civilização mundial. 

A força da fala e da escrita

Compreender como os faraós escreviam sua língua com a escrita que inventaram (os hieróglifos) possibilita aplicar esses conhecimentos às línguas africanas modernas. Essa compreensão inclui a da fonologia dos glifos (sons dos símbolos) e dos símbolos propriamente ditos. Podemos, por meio de um exercício comparativo, hieroglifizar os idiomas modernos, criando uma escrita que reflete melhor a cultura e identidade africanas. Vejamos abaixo alguns exemplos de como os hieróglifos podem ser usados para representar palavras e ideias nas línguas africanas modernas.

𓃀 /b/ *[bo] = pé, perna (língua egípcia)

𓃀𓉐 /b/ [bɑ] = lugar (língua sango)

𓃀 /b/, 𓇋𓃀 /j-b/ [ɛ-bɔ] = pé, sola do pé (língua bekwel)

𓃀 /b/, 𓇋𓃀 /j-b/ [e-bo] = sola do pé (língua nzime)

Podemos ver como a palavra “pé” e suas extensões semânticas (perna, sola do pé, lugar, isto é, espaço pisado) se escreve com o glifo (imagem) do (que representa a letra b), e pode conter afixos (prefixos ou sufixos) conforme a língua. Para ser mais específico, como na palavra “lugar” na língua sango, outro símbolo é acrescentado no final (à direita), isto é, um símbolo para “casas” ou “espaços” (chamado determinativo), para enfatizar que se trata de um lugar.

Como alerta o escritor queniano Ngũgĩ wa Thiong’o, o processo de hieroglifização das línguas africanas modernas é um exercício que os linguistas do continente devem começar a fazer para a promoção e consolidação de sistemas de escritas originários. Isso não só fortalece a identidade linguística e cultural dos povos africanos, mas também combate os preconceitos históricos que marginalizaram suas línguas.  

Confira a arte hieroglífica (ou hieroglifizada) na língua bekwel. Ela mostra um pouco a aplicação do processo (e projeto) de hieroglifização das línguas africanas modernas que promovo.

Referências
BILOLO, Mubabinge. Vers un dictionnaire cikam-copte-lubaː Bantuïté du vocabulaire égyptien-copte dans les essais de Homburger et d’Obenga. Munich, Freising, Kinshasa: African University Studies, 2011.
DIOP. C. A. The African origin of civilization: myth or reality. New York: L. Hill, 1974.
DIOP, C. A. Parenté génétique de l’égyptien pharaonique et des langues négro-africaines. Dakar-Abidjan: IFAN/NEA, 1977.
IMHOTEP, Asar. Towards a Comparative Dictionary of Cikam and Modern African Languages. Houston, TX: Madu-Ndela Press, 2020.
MBOLI, Jean-Claude. Origines des langues africaines: essai d’application de la méthode comparative aux langues africaines anciennes et modernes. Paris: L’Harmattan, 2010.
MBOLI, Jean-Claude. Épopée bantu: des Grands Lacs à la Méditerranée. [s.l.]: ESIBLA, 2024.
OBENGA, T. Origine commune de l’égyptien ancien, du copte et des langues négro-africaines: introduction à la linguistique historique africaine. Paris: L’Harmattan, 1993.
SY, Jacques H. (ed.). L’Afrique, berceau de l’écriture et ses manuscrits en péril: des origines de l’écriture aux manuscrits anciens (Égypte pharaonique, Sahara, Sénégal, Ghana, Niger). v.1. Paris: L’Harmattan, 2014.
THIONG’O, Ngũgĩ wa. Decolonising the mind: the politics of language in African literature. London: J. Currey; Portsmouth, N.H. : Heinemann, 1986.

Autor: Peresch Aubham Edouhou
Falante das línguas bekwel e ikota, possui graduação em Letras – Português e Inglês pela Universidade Federal de Pelotas (2019), mestrado em Letras (Estudos da linguagem) pela Universidade Federal do Rio Grande (2022). Atualmente é doutorando em Letras (Literatura) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Quais os direitos das pessoas surdas usuárias da Libras no ensino superior?

Muitas pessoas surdas têm receio de fazer uma graduação por pensar que será difícil, pois usam a Língua Brasileira de Sinais – Libras. Não se pode prometer tranquilidade durante os estudos universitários, mas conhecer melhor os seus direitos como falante de uma língua minoritária pode ajudar bastante. Línguas minoritárias são línguas faladas por um grupo específico, menor que a população em geral, mas que tem influência na construção da identidade e da cultura dessas pessoas. Direitos linguísticos são construídos através de Políticas Linguísticas, o que, resumidamente, são decisões tomadas acerca do uso das línguas.

O uso da Libras como língua de comunicação e pela qual se aprende algo novo no ambiente acadêmico é um direito linguístico da Comunidade Surda brasileira, alcançado graças às leis vigentes. A primeira foi a Lei de Acessibilidade, que diz que as pessoas surdas também devem ter acesso à comunicação. Com a Lei de Libras, em 2002, isso deve ser realizado através da Libras, se elas assim desejarem, com professores e outras pessoas envolvidas na aprendizagem.

Na Lei 14.191, documento mais atual sobre a educação de surdos, pode se ler que a universidade precisa dispor de ensino bilíngue, de assistência estudantil e, ainda, estimular a pesquisa e o desenvolvimento de programas especiais. Para além da sala de aula, espera-se que a universidade adeque-se às normativas legais, como à obrigatoriedade de tradução completa de editais e outros documentos oficiais em Libras (Lei 13.146).

Essas são algumas das ações que se alinham a uma Política Linguística buscando dar maior visibilidade para a Libras e apoiar o ensino das pessoas surdas nos diferentes níveis, incluindo o Ensino Superior. Mesmo assim, elas não tornam a faculdade mais fácil. As pesquisadoras Ana Paula Santana e Aline Darde trazem algumas considerações sobre o acesso e a permanência dos universitários surdos, são elas: as barreiras em relação à Língua Portuguesa e a falta de ferramentas e estratégias visuais para o ensino.

A instituição precisa estar atenta às atualizações na legislação, mas sabe-se que muitas regras somente são colocadas em prática e obedecidas quando são reivindicadas pelas pessoas envolvidas. Então, fica a dica!

Referências
BRASIL. Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras, e o art. 18 da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Brasília: Presidência da República, 2005.
BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei brasileira de inclusão da pessoa com deficiência (Estatuto da pessoa com deficiência). Brasília: Presidência da República, 2015.
BRASIL. Lei Nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências. Brasília: Presidência da República, 2000.
BRASIL. Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras e dá outras providências. Brasília: Presidência da República, 2002.  
BRASIL. Lei nº 14.191, de 03 de agosto de 2021. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), para dispor sobre a modalidade de educação bilíngue de surdos. Brasília: Presidência da República, 2021.
DARDE, Aline Olin Goulart, SANTANA, Ana Paula de Oliveira. Letramento de Surdos Universitários no Brasil: o Bilinguismo em Questão. Revista Ibero-americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 16, n. 2, p. 761-782, abr./jun. 2021. 

Autora: Joseane Maciel Viana, graduada em Licenciatura em Letras – Português e Inglês, com Mestrado em Letras, pela Universidade Federal de Pelotas. Atualmente, é aluna do Doutorado em Aquisição, Variação e Ensino, na mesma universidade.

Você já ouviu falar do talian?

A imigração italiana no Brasil teve início em 1875 e estendeu-se por volta de 1920. Os primeiros imigrantes concentraram-se, principalmente, no sul do país. Eles trouxeram costumes, crenças e, é claro, línguas que usaram para se comunicarem na nova terra. Assim, surge uma língua que hoje chamamos talian. Vamos conhecer um pouco mais sobre ela? 

A imigração teve diferentes motivos, mas a história começa em meados do século XIX, quando a Itália acabara de ser unificada. Os artesãos não conseguiam competir com as mercadorias manufaturadas da recente Revolução Industrial, as sucessivas crises agrícolas e o excesso de mão de obra causaram um cenário desfavorável à população italiana. Por outro lado, a região mais ao sul do Brasil ainda era pouco povoada e, devido à proximidade com a Argentina e o Uruguai, era de interesse do governo brasileiro que essas terras fossem ocupadas para garantir a posse da área do território nacional. 

Fonte: Guzzo (2022)

Entre os imigrantes incentivados pelo governo brasileiro, estavam os italianos, principalmente aqueles do norte da Itália. Desses imigrantes, estima-se que 95% eram provenientes do Trivêneto (região formada pelo Vêneto, Trentino Alto Ágide, Friuli-Venezzia Giulia). A distribuição de terras no Brasil aos imigrantes não respeitou as suas diferentes origens geográficas. Nos primeiros anos da imigração italiana ao sul do Brasil, nos encontros comunitários, os imigrantes utilizaram uma mescla de seus dialetos,  formando uma língua de base comum de nome dialeto vêneto ou talian. 

Fonte: Rodrigues (2015)

Esses imigrantes trouxeram, portanto, as suas formas de falar. Dessa forma, o talian é uma língua minoritária de imigração, formada a partir da fusão de língua e dialetos italianos, trazidos para o Brasil pelos primeiros imigrantes. É usado por comunidades italianas, bem como por seus descendentes sobretudo no nordeste do Rio Grande do Sul, no Paraná, em Santa Catarina, no Mato Grosso e no Espírito Santo. Também pode ser denominado como vêneto rio-grandense ou vêneto brasileiro.

Atualmente, o talian é língua cooficial em 18 municípios nos estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. A lista completa está disponível no site do IPOL

Referências
BRASIL. Certidão Talian. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Brasília, DF: Ministério da Cultura, 2014.
GUZZO, N. B. Brazilian Veneto (Talian). Journal of the International Phonetic Association– Illustrations of the IPA. Available online on FirstView, 2022. 
MASSOLINI, P. J. De koiné/dialeto véneto a léngoa talian. In: DAL CASTEL, J. J.; LOREGIAN-PENKAL, L.; TONUS, J. W. (orgs.) Talian par cei e grandi: gramàtica e stòria. Pinto Bandeira: Araucária / Serafina Corrêa: Assodita, Prefeitura de Serafina Corrêa, 2021.
MIAZZO, G. Afinal, o que é “talian”? Revista Italiano UERJ, v. 2, n. 1. UERJ, Rio de Janeiro. p. 33 – 45, 2011.
RODRIGUES, S. L. Mi parlo talian: uma análise sociolinguística do bilinguismo português-dialeto italiano no município de Santa Teresa, Espírito Santo. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Centro de Ciências Humanas e Naturais, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2015.

Autora: Ariela Fátima Comiotto: É doutoranda do Programa de Pós-graduação em Linguística da Universidade Federal de Santa Catarina. Mestra em Linguística pela mesma universidade. Formada em Letras pela UFRGS. Estuda o code-switching em bilíngues português-talian.

Koroniago – Você conhece essa língua?

Koroniago significa, em tradução para o português, “língua da colônia”. Essa língua é falada em comunidades brasileiras de origem japonesa e representa o valor identitário e cultural de seus falantes. O Brasil é um país que possui em suas raízes e sua composição uma pluralidade de línguas. Entre as línguas que compõem a nossa diversidade estão as línguas indígenas, as línguas de origem africana e as línguas de imigrantes.

Kasato-Maru – Primeiro Navio de Imigrantes Japoneses, 1908. Fonte: Shozo Motoyama, 2011

No início do século XX, é marcada a chegada de imigrantes japoneses de diferentes regiões do Japão, que se estabeleceram em comunidades rurais do país para trabalhos agrícolas. Com o passar do tempo, a língua japonesa difundida em território brasileiro entra em contato com a língua portuguesa recebendo influências e transformando-se em uma língua com características próprias e locais, formando a koroniago.

Início da Escola Primária e Fundadores do Bairro Aliança 2, 1933 – Mirandópolis – SP
Fonte: Prefeitura Municipal de Mirandópolis, 2012

O pesquisador Shuhei Hosokawa (2008) relata em um dos seus trabalhos a presença da identidade e da cultura local no vocabulário da língua. Por meio da palavra “enshâda”, uma ferramenta de trabalho agrícola, pode-se exemplificar a formação da palavra “enshâdashugi”, que significava a “ideologia de considerar a agricultura como base da sociedade e nela encontrar o maior significado da vida”.

Moradores do Bairro Aliança 2, 1935
Fonte: Prefeitura Municipal de Mirandópolis, 2012

Podemos encontrar na língua também manifestações relacionadas à cultura brasileira em palavras como “shuhasuko” (churrasco), “masandoamoru” (maçã do amor), “Mashadodeashisu” (Machado de Assis) e “onsa” (onça), vocábulos apresentados em um estudo do pesquisador Marcionilo Neto (2020), como pode ser visto na seguinte figura.

Traços de nipobrasilianidade nos livros didáticos de língua japonesa
Fonte: Marcionilo Euro Carlos Neto, 2020

Em uma entrevista realizada pelo pesquisador Junko Ota (2008), alguns informantes demonstram marcas de afetividade e identidade em relação à língua em falas como: “é uma língua familiar e calorosa” e “koroniago é a língua comum dos nikkeis (descendentes de japoneses)”. O pesquisador Marcionilo Neto (2022), enfatiza que a koroniago marca e reforça a identidade de seus falantes, além de demonstrar as particularidades multiétnicas dos nipobrasileiros.

Bon-odori – Evento do Bairro Segunda Aliança, 1967 – Mirandópolis – SP
Fonte: Prefeitura Municipal de Mirandópolis, 2012

Por isso, é de extrema importância a valorização da língua koroniago como um patrimônio linguístico, histórico e cultural da nossa sociedade. Assim, podem ser desenvolvidas ações de manutenção da língua, que evitem o seu desaparecimento, proporcionem o acesso às próximas gerações e promovam o reconhecimento e a desestigmatização da língua.

Referências
CARLOS NETO, Marcionilo Euro. Koroniago: coiné nipobrasileira e patrimônio linguístico-cultural resultante do contato de línguas no contexto imigratório do Brasil. Pranja: revista de culturas orientais, [S.L.], v. 3, n. 5, p. 232-256, 2022.
CARLOS NETO, Marcionilo Euro. Koroniago: manifestação etno-linguístico cultural de uma coiné “nipobrasileira”. 2020. 258 f. Tese (Doutorado) – Curso de Estudos da Linguagem, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2020.
FERRAZ, Aderlande Pereira. O panorama linguístico brasileiro: a coexistência de línguas minoritárias com o português. Filologia e Linguística Portuguesa, [S.L.], n. 9, p. 43 – 73, 2007.
HOSOKAWA, Shuhei. A importância histórico-cultural dos imigrantes Nikkeis no Brasil. Estudos Japoneses, [S.L], n. 28, p. 11-24, 2008.
MOTOYAMA, Shozo. Kasato-Maru. Estudos Avançados, [S.L.], v. 25, n. 72, p. 323-326, ago. 2011.
OTA, Junko. As línguas faladas nas comunidades rurais nipo- brasileiras do estado de São Paulo e a percepção das três gerações sobre a ‘mistura de línguas’. Estudos Japoneses, [S.L.], n. 28, 137-148, 2008.
Prefeitura Municipal de Mirandópolis. Segunda Aliança. 2012. 

Autor: Thomas de Julio, graduado em Licenciatura em Letras – Português e Alemão pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Mestrando em Letras na linha de Aquisição, Variação e Ensino na mesma universidade.

Você sabe o que são direitos linguísticos?

Já parou para pensar sobre como a pluralidade de línguas ao redor do mundo contribui para a riqueza cultural da sociedade? Os direitos linguísticos, ainda pouco difundidos fora do meio acadêmico, desempenham um papel crucial na promoção da diversidade cultural e na garantia de que todos tenham a oportunidade de se expressar na sua própria língua. Mas, afinal, o que são “direitos linguísticos”?

O tema dos direitos linguísticos, no sentido atualmente compreendido, começa a surgir após o término da Segunda Guerra Mundial com a publicação da Declaração Universal dos Direitos Humanos. O segundo artigo da Declaração deixa claro que todo ser humano deve poder desfrutar de seus direitos e liberdades sem qualquer distinção, como de raça, cor, sexo, língua etc. No entanto, de acordo com Ricardo Nascimento Abreu (2020), professor e pesquisador da Universidade Federal de Sergipe, é no movimento dos “novos direitos” no final do século XX e início do século XXI, como os direitos das mulheres, das crianças, dos idosos etc., que os direitos linguísticos ganham destaque.

Para Abreu, pode-se dividir os direitos linguísticos em dois tipos: o direito das línguas e o direito dos grupos linguísticos. Em relação ao primeiro, entende-se como normas e ações que buscam reconhecer, promover e preservar línguas, em especial aquelas consideradas “minoritárias”. Podemos mencionar, por exemplo, o Decreto nº 7387/2010, que regulamenta o Inventário Nacional da Diversidade, iniciativa que busca reconhecer diversas línguas nacionais e promover políticas públicas para essas línguas. Já sobre o segundo, entende-se como normas e ações que buscam garantir o direito de todo indivíduo se expressar nas suas próprias línguas. Podemos mencionar, como exemplo, o Projeto de Lei nº 5182/2020, que objetiva, caso seja aprovado, a atribuição de tradutores e intérpretes comunitários em todas as esferas do serviço público, como em hospitais e tribunais, para garantir a indivíduos que não falam português o direito de se expressarem na sua própria língua e, assim, o acesso aos serviços por intermédio desses profissionais.

A discussão sobre os direitos linguísticos é bastante recente, mas também muito ampla. Você já tinha ouvido falar sobre esses direitos? Comente aqui embaixo outros exemplos!

Referências
ABREU, Ricardo Nascimento. Contribuições para uma delimitação dos Direitos Linguísticos no Brasil. In: Seminário Ibero-americano de Diversidade Linguística, 1., 2014, Foz do Iguaçu. Anais […]. Foz do Iguaçu: IPHAN, 2014. p. 108-117.
ABREU, Ricardo Nascimento. Direito Linguístico: olhares sobre as suas fontes. A Cor Das Letras, v. 21, n. 1, p. 172-184, 2020.
BRASIL. Decreto nº 7.387, de 09 de dezembro de 2010. Institui o Inventário Nacional da Diversidade Linguística e dá outras providências.
BRASIL. Projeto de Lei nº 5182, de 2020. Institui-se como política pública a obrigatoriedade de alocação de tradutores e de intérpretes comunitários em todas as instituições públicas federais, estaduais e municipais, de forma permanente ou através da formação de núcleos especializados de tradução e de interpretação comunitária especialmente organizados para atender às demandas específicas de cada área. Brasília: Senado Federal, 2020.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948. 

Autor: Gabriel Plácido Campos, graduado em Bacharelado em Letras Tradução – Inglês-Português pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel).

Qual é a importância da decisão familiar para a manutenção de línguas minoritárias?

Primeiramente, é preciso esclarecer o que é uma política linguística. De maneira geral, as políticas linguísticas lidam com as línguas e o que acontece com elas na sociedade. É por meio dessas políticas que são escolhidos os idiomas que devem ser ensinados na escola, por exemplo. As políticas linguísticas sobre o uso da(s) língua(s) podem ser decididas no âmbito mundial, nacional, estadual, municipal e, até mesmo, familiar. Mas como assim familiar?

Segundo o professor e pesquisador Cléo Altenhofen, uma política linguística familiar engloba as decisões tomadas sobre as línguas que serão utilizadas dentro de casa pela família, isto é, quando os pais, falantes de uma determinada língua, decidem ensinar ou não aos seus filhos essa língua. Você deve estar se perguntando: o que é língua minoritária? A língua minoritária é falada por grupos que não são tão prestigiados social, cultural ou politicamente e, é diferente da língua oficial da sociedade. No entanto, esta língua deve ser ensinada em casa, pois tem a função de preservar não só a continuidade da língua como a cultura e a identidade da família.

Então, o que podemos fazer para preservar uma língua minoritária? A resposta mais simples é: fazendo a criança falar e responder nessa língua. Muitos profissionais da educação aconselham, de forma equivocada, que os pais abandonem a língua minoritária para facilitar a integração da criança na escola. Essas falsas ideias podem interferir no comportamento dos pais, que, mesmo querendo manter o desenvolvimento da língua, desconhecem de que forma fazer. Aqui vão duas dicas para auxiliar nesta importante tarefa de transmitir a língua minoritária para as crianças:

– Crie oportunidades para que a criança fale e ouça nos dois (ou mais) idiomas em diferentes situações e com bastante frequência.

– Fale com todos os seus filhos seguindo o mesmo padrão. A língua está muito relacionada com emoções, então é importante que todos os filhos sejam tratados de forma igual, sem que nenhum fique de fora da comunicação.

De acordo com a professora e pesquisadora Isabella Mozzillo, é importante que a criança esteja exposta às duas línguas, ou seja, a criança tem que ter oportunidades de contato, em casa, com a sua língua minoritária, já que a língua usada pela sociedade (no nosso caso, o português) está presente no seu cotidiano a partir do momento que entra na escola.

Referências
ALTENHOFEN, Cléo Vilson. Política lingüística, mitos e concepções lingüísticas em áreas bilíngües de imigrantes (alemães) no Sul do Brasil. Revista internacional de lingüística iberoamericana, v. 3, n. 1, 2004.
CALVET, Louis-Jean. As políticas linguísticas. São Paulo: Parábola, 2007.
LIRA, Camila. O português como língua de herança em Munique: ofertas, práticas e desafios. Fólio-Revista de Letras, v. 10, n. 1, 2018.
MOZZILLO, Isabella. Algumas considerações sobre o bilinguismo infantil. Veredas, v. 19, n. 1, 2015.

Autora: Julia Diogo, graduada em Letras Português e Literaturas de Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). Atualmente, é mestranda em Letras, na linha de Aquisição, Variação e Ensino, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).