Num sábado de 2025, eu estava na praça com minha família. Meu filho, de um ano e meio na época, brincava com um menino da mesma idade, enquanto nós, os adultos, conversávamos sobre parentalidade. De repente, surgiu uma pergunta sobre a língua que eu falava com ele. A tia do menino, ao saber que eu estava falando alemão, perguntou: “Mas por quê?”

Naquele momento, não consegui dar uma resposta completa. A mãe do menino se antecipou e respondeu: “Eles são professores de alemão.” E eu apenas complementei: “É, ele já é bilíngue.” Poderia ter explicado com mais detalhes, mas preferi deixar o assunto seguir. Depois, fiquei pensando nos dois aspectos por trás daquela pergunta: o bilinguismo e a língua alemã.
A pergunta dela foi um pouco vaga, então, não se sabe exatamente se ela estava se referindo à língua alemã em si ou ao bilinguismo. Isso me instigou a escrever um pouco sobre os dois aspectos.
O alemão é uma língua diversa, falada tanto em comunidades minoritárias em diversos países, inclusive no Brasil, quanto como língua oficial em cinco países: Alemanha, Áustria, Suíça, Liechtenstein e Luxemburgo. Estima-se que cerca de 100 milhões de pessoas falem alemão como língua materna. O Instituto Goethe estima que 15,5 milhões de pessoas aprendam alemão em mais de 99 países.
No Brasil, a língua alemã está mais próxima do que imaginamos: é ensinada em escolas, cursos livres e universidades, como apresenta o site Falemão. Além disso, a língua aparece por meio de marcas (por exemplo, Schmidt, Schneider, Gerdau, Volkswagen, Knorr, Bosch). A língua também está presente no português em palavras como, por exemplo, kombi, blitz, Wanderlust e Alzheimer. Além disso, alemão e inglês compartilham inúmeras semelhanças entre si (por exemplo, Wind – wind, Freund – friend, gut – good, trinken – drink) e com o português (por exemplo, Information, telefonieren, interessant, Computer). Como afirma a pesquisadora Jasone Cenoz (2013), saber uma língua aparentada pode facilitar a aprendizagem da outra. Então, uma criança que sabe alemão pode utilizá-lo como ponte para a aprendizagem de inglês, por exemplo.
A aprendizagem de alemão pode abrir portas profissionais e acadêmicas. Há multinacionais, como T-Systems e SAP, que priorizam a língua para admissão. Em cidades brasileiras fundadas por alemães ou seus descendentes, o recrutamento de trabalhadores para o comércio privilegia, em algumas lojas, pessoas que falam alemão. O conhecimento da língua também pode ser útil para conseguir uma bolsa para estudar na Alemanha, Áustria ou Suíça. O DAAD (Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico) e a Fundação Alexander von Humboldt, por exemplo, mantêm programas de intercâmbio e pesquisa na Alemanha — programas dos quais já participei. Outra possibilidade é trabalhar nesses países. Muitas pessoas “se viram” lá com a língua que receberam de herança da família.
Quando uma criança aprende alemão (ou qualquer outra língua) em casa, como língua de herança, ela se beneficia de algo que muitos pais pagam caro para proporcionar: o bilinguismo precoce. E isso não tem a ver com ensinar a língua como se fosse um professor, mas de transmiti-la em práticas cotidianas como algo natural. Mais do que uma língua, a criança herda uma cultura, valores, tradições, narrativas e uma maneira afetiva de se comunicar com as gerações anteriores e, com isso, fortalece seu senso de pertencimento familiar. A linguista belga Annick de Houwer (2009) defende que o contato precoce e contínuo com duas línguas dentro da família amplia as oportunidades de interação e favorece o desenvolvimento de repertórios comunicativos e culturais diversificados.
Transmitir uma língua minoritária é também um ato de resistência, que contraria a pressão pela assimilação ao português e pelo monolinguismo no Brasil. Essa pressão é um dos fatores que diminui o número de falantes da língua e fomenta o preconceito. Ensinar e valorizar a transmissão de línguas de herança é uma forma de preservar um patrimônio imaterial e promover diversidade. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) reconhece, entre outras línguas, o hunsriqueano e o pomerano como parte do patrimônio cultural imaterial do Brasil.
A outra forma de interpretar a pergunta da tia do menino tem relação com o bilinguismo precoce e simultâneo. Como explicam os pesquisadores Krista Byers-Heinlein e Casey Lew-Williams, em publicação de 2013, de modo geral, crianças nascem prontas para aprender a língua ou as línguas do seu ambiente sem confusão ou atraso. Ensinar duas línguas em casa desde cedo para a criança é um presente que os pais podem dar, em vários sentidos – tanto faz qual língua. Apesar de não ser isenta de desafios, é uma tarefa tão gostosa que se torna gratificante e divertida.
O bilinguismo infantil pode trazer inúmeros benefícios:
- estimula habilidades cognitivas, como discutido pelos autores Krista Byers-Heinlein e Casey Lew-Williams em uma publicação de 2013;
- desenvolve a consciência linguística, conforme demonstrado no livro de Ellen Bialystok, publicado em 2001;
- facilita a aprendizagem de outras línguas, como mostrado por Jasone Cenoz (2013);
- pode aprimorar a compreensão sobre os estados mentais dos outros, segundo a revisão de Chi-Lin Yu, Ioulia Kovelman e Henry Wellman, publicada em 2021;
- funciona como uma ponte entre gerações, além de valorizar a identidade cultural e expandir as possibilidades de comunicação, como destaca Annick de Houwer (2021);
- pode favorecer o desenvolvimento da capacidade de compreender diferentes pontos de vista, algo essencial para uma boa comunicação, como sugerido por um estudo conduzido por Samantha Fan e colegas (2015);
- abre duas (ou mais) janelas para o mundo, como defendem Krista Byers-Heinlein e Casey Lew-Williams (2013).
O entusiasmo diante dos possíveis benefícios é compreensível, mas é bom lembrar que essas hipóteses ainda não foram suficientemente testadas em países do Sul Global, como o Brasil. Porém, se elas não se aplicarem a algum contexto, é importante salientar que o bilinguismo não faz mal e tem o peso afetivo como valor. São inúmeros os fatores que podem influenciar o bilinguismo, e as populações são muito diferentes entre si.
Por tudo isso, tanto o uso de línguas de herança quanto o bilinguismo merecem respeito como uma forma natural de uso das línguas. Não apenas o bilinguismo de elite (português-inglês), de escola bilíngue, tem valor social. As escolhas linguísticas são um direito das famílias e refletem laços de identidade, afeto e pertencimento. Afinal, uma língua é muito mais do que um meio de comunicação: é uma forma de estar no mundo.
As escolhas linguísticas devem ser interpretadas sem julgamento como um direito da família. Se alguma família quisesse inventar uma língua e falar com a criança, isso não deveria ser interpretado como algo estranho. Uma língua é muito mais do que um instrumento, representa a pessoa. Duas línguas, também.
Referências
BIALYSTOK, Ellen. Bilingualism in Development: Language, Literacy, and Cognition. Cambridge University Press, 2001.
BYERS-HEINLEIN, Krista; LEW-WILLIAMS, Casey. Bilingualism in the Early Years: What the Science Says. Learning Landscapes, v. 7, n. 1, p. 95–112, 2013.
CENOZ, Jasone. The influence of bilingualism on third language acquisition: Focus on multilingualism. Language Teaching, v. 46, n. 1, p. 71–86, 2013.
DE HOUWER, Annick. An Introduction to Bilingual Development. Bristol: Multilingual Matters, 2009.
DE HOUWER, Annick. Bilingual Development in Childhood. Cambridge University Press, 2021.
FAN, Samantha et al. The Exposure Advantage: Early Exposure to a Multilingual Environment Promotes Effective Communication. Psychological Science, v. 26, n. 7, p. 1090-1097, 2015.
YU, Chi-Lin; KOVELMAN, Ioulia; WELLMANN, Henry M. How Bilingualism Informs Theory of Mind Development. Child Dev Perspect, v. 15, n. 3, p. 154-159, 2021.
Agradeço à colega Isabella Mozzillo, pela leitura atenta e crítica deste texto.
Autor: Bernardo Kolling Limberger. Pai do Davi. Professor de Pós-Graduação na Universidade Federal de Pelotas e de Graduação na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre. Coordenador do Laboratório de Psicolinguística, Línguas Minoritárias e Multilinguismo – Laplimm.


















