Língua: ponte ou barreira? O caso dos imigrantes senegaleses

Você já imaginou ter de deixar de falar a sua língua para ser aceito e compreendido em outro país?

Essa é a situação pela qual muitas pessoas que decidem mudar de país passam. Vários são os fatores para a mudança, alguns buscam condições financeiras melhores; outros buscam refúgio e paz. No Brasil, essa é a realidade de milhares de imigrantes senegaleses. De acordo com dados do Comitê Nacional para Refugiados (Conare), desde 2002, houve 8.555 solicitações de reconhecimento da condição de refugiado por parte dos senegaleses, sendo que poucos foram deferidos. Há 5.995 pedidos de cidadãos do Senegal na fila.

https://www.researchgate.net/figure/Figura-1-Rota-dos-imigrantes-senegaleses-em-direcao-ao-Rio-Grande-do-Sul_fig4_312088597

Essa é a principal rota da presença e da cultura senegalesa. O percurso se inicia no Equador, depois seguem para o Paraguai, Argentina e finalmente Rio Grande, onde vivem mais de 200 senegaleses, mudando a cara do município, por conta da sua cor, costumes e sonoridade linguística.

Na ânsia de uma vida melhor, deixam família, trabalho, amigos e também a língua do cotidiano, a língua materna, a língua de herança. Isso mesmo, língua de herança, ou seja, aquela que os imigrantes deixam de falar quando habitam outros países. No Senegal, o idioma oficial é o francês, o qual é falado por uma minoria, o país é multilíngue, tendo mais de 30 línguas.  Grande parte da população utiliza o Wolof para a comunicação, inclusive, aqui, no Brasil.

Como e por que preservar a língua de herança é uma questão relacionada com o desejo de manter ou não o vínculo com a representação sócio-econômica-histórica de um país.

Jornal Agora (2015)

Com a finalidade de conseguirem se manter e enviarem recursos para sua família, os imigrantes se inserem na sociedade na medida em que vendem suas mercadorias, assim, aprendem o novo idioma, deixando a sua língua de herança para os momentos de lazer com seus compatriotas. Muitos desses ocorrem nos encontros religiosos, os senegaleses são muçulmanos e mantém o costume de orar.

Jornal Agora (2015)

Cinco anos se passaram da chegada dos primeiros senegaleses na cidade e há ainda muito a fazer no que se refere à inserção destes na comunidade, bem como aos seus direitos como cidadãos. Alguns já trouxeram suas famílias, seus filhos serão bilíngues e irão conviver com as diferentes culturas, permeadas pela língua que, primeiramente, vista como barreira, torna-se ponte.

Referências
FLORES, Cristina. Bilinguismo Infantil. Um legado valioso do fenômeno migratório.  Diacrítica: Revista do centro de estudos Humanísticos, v. 31, n. 3, p. 237-520, 2017.
JORNAL AGORA. Um pedaço do Senegal em Rio Grande. Rio Grande. Julho de 2015. Disponível em: https://pt.calameo.com/books/000337975ebe556b9efdf. Acesso em: 23 de set. 2020.
MOZZILLO, Isabella. Algumas considerações sobre o bilinguismo infantil. Veredas, v. 19, n. 1, 0. 147-157, 2015.  
PEREIRA, Vilmar; LEMOS, Luciane Oliveira. Senegaleses em Rio Grande. Diálogo Intercultural no além mar, v. 4, p. 1-18, 2018. 

Autora: Rita de Nóbrega
Possui Graduação em Letras-Português (2005), pela FURG, e Mestrado em Linguística Aplicada (2014), pela UCPel. Atualmente, é doutoranda do  Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPel. Possui experiência docente na Rede Municipal de Ensino e Ensino Superior.

HQ sinalizada: Séno Mókere Káxe Koixómuneti (Sol: a Pajé surda)

Desenvolver pesquisas na área dos quadrinhos, em especial, das HQs sinalizadas (CEZAR, 2019), trouxe-nos muitos desafios e, ao mesmo tempo, muita satisfação. Criar uma narrativa gráfica tendo como principal objetivo o desenvolvimento de um material bilíngue para surdos (Libras – português escrito) nos fez pensar no plurilinguismo brasileiro das línguas de sinais.

Ao escolhermos retratar a existência da língua terena de sinais, durante o processo histórico da comunidade, optamos por explorar as ilustrações a partir das características da cultura (pintura, ritual, cores) para minimizamos o uso da escrita das línguas majoritárias (português/terena escrito). Junto a isso, exploramos com os recursos tecnológicos (vídeos) a transmissão dos saberes também em Libras. Dessa forma, acreditávamos que conseguiríamos levar o gênero HQ para os surdos urbanos e para as escolas da Terra Indígena Cachoeirinha-MS (surdos e não surdos) com a intenção de despertar e valorizar as línguas de minorias. Cabe destacar que a escrita terena pode apresentar variação como: Sêno Mókere Káxe Koixomoneti, Séno Mókere Koéxoneti, entre outras. A variação aqui utilizada é da aldeia Cachoeirtinhao/MS escrita pela professora de língua terena Maiza Antonio residente nessa aldeia.

Trabalhar com diferentes línguas envolve se debruçar nos conhecimentos históricos (com e sem registros escritos), analisar a estrutura linguística e compreender os artefatos culturais que envolvem, em outras palavras, uma grande entrega à pesquisa. Foi o que fizemos nestes últimos três anos de pesquisa (2018-2020), na Universidade Federal do Paraná (UFPR) em parceria com a Universidade Federal de Grande Dourados (UFGD); o Instituto de pesquisa da Diversidade Intercultural (IPEDI), a Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho (Linbra-UNESP); a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), o Laboratório de Mídias (UFJF) e a Gibiteca de Curitiba. Formamos uma grande equipe de pesquisadores nas línguas estudadas: terena oral, terena escrito, língua brasileira de sinais, língua de sinais terena, português escrito e língua inglesa.

A HQ foi divulgada primeiramente para os indígenas terena que contribuíram voluntariamente com a pesquisa que foi por eles mostrada nas aldeias terena (Vagner da Aldeia Água Branca, Aquidauana/MS, Kaliny da Aldeia Jaguapiru, Dourados/MS e Maiza da Aldeia Cachoeirinha, Miranda/MS) todos relataram um encantamento com a produção do material. A equipe de pesquisadores também salientou a originalidade de articular os recursos digitais com as ilustrações de Júlia Ponnick que generosamente aceitou não só ilustrar, mas se envolver com os estudos teóricos sobre a comunidade (SILVA, 2013; VILHALVA, 2012; SUMAIO, 2014; SOARES, 2018).

A narrativa criada é um misto de ficção, fatos históricos de registros escritos e registros orais, transmitidos ao longo das gerações na comunidade terena. A história acontece antes do século XV, quando a personagem principal Káxe, a pajé surda, é chamada para o ritual típico de solicitar benção aos ancestrais ao nascer uma criança. Nesse momento, junto à benção, a pajé recebe a visão do futuro do povo terena por meio de imagens. Dessa forma, o desenvolvimento da narrativa perpassa os principais momentos históricos: desde o início do povo terena (Aruak) datado de antes do século XV, percorrendo o caminho geográfico que os terenas realizaram até se fixarem, em sua maior parte, na região do Mato Grosso do Sul.

Além do registro histórico, encontram-se os aspectos culturais bem marcados nas ilustrações como por exemplo as pinturas corporais, o artesanato, as plantações e a espiritualidade. Optamos a explorar as imagens ao invés da escrita em ‘’balões’’ em razão de priorizar a estrutura linguística das línguas de sinais, em outras palavras, visual-espacial.

Partimos da primeira pesquisa que descreve a existência da língua terena de sinais, que foi realizada pela pesquisadora e linguista Priscilla Alyne Sumaio Soares (2014; 2018). No entanto, há relatos e transmissões orais de que sempre existiram surdos (anciãos). Por este motivo, optamos por apresentarmos personagens se comunicando (sinalizando) ao longo da narrativa gráfica.

A narrativa encerra-se com o retorno do plano espiritual da pajé surda no ritual inicial de nascimento com a anciã transmitindo os ensinamentos em língua terena de sinais. A ideia transmitida é relatar o futuro do povo terena destacando sua principal característica de UNIÃO (ilustrado o sinal em língua terena de sinais).

Essa HQ impulsionou a criação de outros materiais que estão sendo realizados pela equipe envolvida, como o “Glossário Virtual Plurilíngue” em vídeos (terena de sinais, Libras) e escrita (terena e português) que tem como intuito refletir sobre a importância da língua de sinais ser a língua de instrução e transmissão dos saberes para surdos (Lei 10436/2002 – Decreto 5626/2005) e divulgar as outras línguas de sinais do Brasil que não dispõe de leis (SILVA; QUADROS, 2019).

A HQ será lançada pela editora Letraria e estará disponível para compra no site. Confira a tradução deste texto para a Libras neste link.

Boa leitura sinalizada!

Principais referências

BRASIL. Decreto-lei nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Diário Oficial [da] República Federativa do brasil, Brasília, 23 de dez. 2005. Seção 1, p. 30.
BRASIL. Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 25 de abril de 2002. Acesso em: 10 mar. 2007.
CEZAR, K. P. L. HQ’s sinalizadas. Projeto de pesquisa institucional. Universidade Federal do Paraná, 2019-2020.
SILVA, D. Estudo lexicográfico da língua terena: proposta de um dicionário terena-português. 2013. 292 f. Tese (doutorado) – Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho, Faculdade de Ciências e Letras (Campus de Araraquara), 2013.
SILVA, D. S.; QUADROS, R.M. Línguas de sinais de comunidades isoladas encontradas no Brasil. Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 5, n. 10, p. 22111-22127 oct. 2019.
SOARES, P. A. S. LÍNGUA TERENA DE SINAIS: análise descritiva inicial da língua de sinais usada pelos terena da Terra Indígena Cachoeirinha. Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós Graduação em Linguística e Língua Portuguesa da Faculdade de Ciências e Letras – Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Doutor em Linguística e Língua Portuguesa. Araraquara – São Paulo, 2018.
SUMAIO, P. A. Sinalizando com os terena: um estudo do uso da LIBRAS e de sinais nativos por indígenas surdos. 2014. 123 f. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara, 2014.
VILHALVA, S. Mapeamento das Línguas de Sinais Emergentes: um estudo sobre as comunidades linguísticas Indígenas de Mato Grosso do Sul. 2012. 124 f. Thesis (MSc in Linguistics) – Programa de Pós-Graduação em Linguística – Centro de Comunicação e Expressão. Universidade Federal de Santa Catarina, 2009.
VILHALVA, S. Índios surdos: mapeamento das línguas de sinais no Mato Grosso do Sul. Petrópolis: Arara Azul, 2012.

Autores:
Ivan de Souza: Acadêmico do curso de licenciatura em Letras Libras da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Tradutor-intérprete de Libras. Pesquisador da iniciação científica (PIBIS/FA/UFPR). E-mail para contato: hiven89@gmail.com.
Kelly Cezar: Pós-doutora pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Doutora pelo Programa de Linguística e Língua Portuguesa da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP-FClar/Araraquara). Professora Adjunta da Universidade Federal do Paraná (UFPR), campus de Curitiba. Líder do projeto institucional “HQ’s sinalizadas”. Docente do curso de licenciatura em Letras Libras (UFPR). E-mail para contato: kellyloddo@gmail.com.

O que imigração tem a ver com língua?

A imigração é um processo bastante comum atualmente. Diariamente, centenas de pessoas vão para outros países por inúmeras razões como trabalho, estudos, busca por condições melhores, guerras etc. Os imigrantes levam consigo as línguas que eles falam para os diferentes países no qual passam a residir e, muitas vezes, se deparam com novas línguas que até então não conheciam ou não falavam.

Para se adaptar ao novo país, o imigrante, muitas vezes se vê obrigado a aprender a língua que é falada nesse novo contexto. No entanto, é normal que se opte por também manter a língua materna, já que ela permite que a pessoa preserve vínculos com sua origem, com sua cultura e com sua família no país natal, conforme explica a linguista Camila Lira (2018).

Fonte: https://webstockreview.net/image/immigration-clipart-transparent/2842348.html

Ao formar uma família num país diferente, os pais devem tomar a importante decisão de que língua(s) falarão com os filhos. Pensemos na seguinte situação: uma mulher brasileira conhece um norte-americano  e se muda para os Estados Unidos. Com o nascimento de seu primeiro filho, a mãe precisa decidir se vai falar com ele em português (sua língua materna) ou em inglês (língua materna do pai e língua predominantemente falada no país). Caso a mãe escolha a primeira opção, o português vai se tornar a língua de herança (LH) do seu filho. LH, de acordo com Guadalupe Valdés (2000), é a língua falada em ambiente doméstico que é diferente da língua dominante na sociedade local.

Para a pesquisadora Ana Lucia Lico (2011), o desejo de passar a LH para o filho surge da vontade da mãe e/ou do pai imigrante de transmitir emoções em sua língua materna e de preservar os vínculos com a cultura brasileira (no caso de imigrantes brasileiros). Porém, muitas vezes, manter a LH não é tão simples assim, pois existe uma forte pressão social para que só se fale a língua do local, fazendo com que as crianças não queiram utilizar suas LHs, como aponta o estudo de Ana Souza (2015).

Tal pressão social ocorre porque, de acordo com Isabella Mozzillo (2015), ainda prevalece, em muitas sociedades, a ideia de que cada pessoa deve falar uma única língua e que falar mais de uma pode ser prejudicial. No entanto, a criança é capaz de aprender naturalmente mais de uma língua durante a infância sem ter problemas de desenvolvimento, conforme explica Cristina Flores (2019).

Cabe, então, aos pais imigrantes, resistir à pressão social e manter, a todo custo, a LH viva no seio da família, permitindo que as crianças convivam com essa língua constantemente.  Isso pode ser feito não apenas com o incentivo dos pais de usarem a LH em casa, mas também através do contato com instituições no exterior formadas por brasileiros imigrantes, que proporcionam o convívio com o português e, consequentemente, com a cultura brasileira por meio de recreações, clubes de leitura, comemorações de datas especiais, aulas de português etc. Essas práticas são essenciais para manter viva a língua de herança, que é um bem valioso, pois faz parte da origem e da identidade de seus falantes.

Finalmente, língua tem tudo a ver com imigração, pois os imigrantes frequentemente devem conviver com outras línguas e, ao mesmo tempo, decidir o que farão com a bagagem linguística que levam consigo.

Para saber mais sobre LH, é possível ver o filme Espanglês que retrata uma mãe e uma filha mexicanas que se mudam para os Estados Unidos e mantêm a LH (espanhol) como representante de suas identidades. Há também a autobiografia In Other Words da escritora Jhumpa Lahiri na qual ela conta sobre a relação conflituosa que possui tanto com a sua LH (bengali) quanto com o inglês, sua outra língua materna. E, por último, a entrevista com a autora Ana Lucia Lico explica e tira dúvidas sobre LH.

Referências
FLORES, C. Bilinguismo infantil. Um legado valioso do fenómeno migratório. Diacrítica, v. 31, n. 3, p. 237-250, 2017.
LICO, A. L.C. Ensino do português como língua de herança: prática e fundamentos. Revista SIPLE, v. 1, n. 2, p. 22-33, 2011
LIRA, C. O português como língua de herança em Munique: práticas de desafios. Fólio – Revista de Letras, v. 10, n. 1, 2018.
MOZZILLO, I. Algumas considerações sobre o bilinguismo infantil. Veredas, v. 19, n. 1, p. 147-157, 2015.
SOUZA, A. Motherhood in migration: A focus on family language planning. Women’s Studies International Forum, v. 52, p. 92 – 98, 2015.
VALDÉS, G. Introduction. In: Sandstedt, l. Spanish for Native Speakers: AATSP Professional Development Series Handbook Vol. I. New York: Harcourt College, 2000, p. 1-20.

Autora: Raphaela Palombo Bica de Freitas
Graduada em Letras – Português e Espanhol pela Universidade Federal de Pelotas (2018). Atualmente é mestranda em Letras pela mesma instituição e professora particular de língua espanhola.

 

 

 

O que são línguas minoritárias?

Você já parou para pensar quantas línguas há no Brasil? Com quantas delas você já teve contato ou quantas fala? Provavelmente você já se deparou com alguma língua minoritária. Ao contrário do que muitas vezes pensamos, o português não é a única língua do Brasil. Como Maher (2013) aborda, há uma variedade de línguas em cada estado, que possuem sua cultura e sua história.

Ao acessar o site Ethnologue, podemos ver que  há mais de 100 línguas minoritárias no Brasil, dentre elas, a língua brasileira de sinais (Libras) e línguas indígenas como o kaingang, macuxi, terena, guajajara, guarani, entre outras. Há também línguas que foram trazidas para cá por meio de imigrantes, como o talian, polonês, alemão, ucraniano, pomerano, chinês e hunsriqueano.

Fonte: Criado pela autora no site https://www.mentimeter.com/

O português é a língua oficial do Brasil, usada pelo governo em seus documentos e leis, nas escolas, na televisão e no rádio. Mas há outras línguas que são usadas em diferentes contextos, como no comércio, na rua, em casa, em bares e eventos comunitários. De acordo com Altenhofen (2013), essas línguas são chamadas de minoritárias, pois pertencem a grupos que não são tão prestigiados social, cultural ou politicamente como os grupos de línguas majoritárias (línguas com maior prestígio, como o português no Brasil). Assim, as línguas minoritárias do país possuem status social mais baixo do que o português.

Algumas dessas línguas não são reconhecidas oficialmente, a maioria é falada em pequenos grupos ou em comunidades locais como o pomerano, que é mais presente, por exemplo, em Santa Maria do Jetibá (ES), São Lourenço do Sul, Arroio do Padre e Canguçu (RS). Algumas línguas minoritárias também podem ser incorporadas na escola, como no Mato Grosso, que adicionou o xavante ao seu currículo.

No entanto, por terem um status minorizado, algumas línguas minoritárias correm risco de extinção. Um dos motivos mais comuns é o fato de a maioria delas ser mais presente no contexto familiar e, com o passar das gerações, os filhos e netos vão, aos poucos, deixando de aprender a língua da família. Assim, é importante que haja esforços para a manutenção dessas línguas, por exemplo, por meio de campanhas de conscientização e ações de intervenção nas comunidades. Por isso, também é de grande relevância que haja estudos linguísticos sobre essas línguas, para que também seja possível analisar qual o tipo de ação adequada para a sua manutenção.

Se você deseja conhecer um pouco mais sobre as línguas minoritárias no mundo, poderá acessar os seguintes links: Wikitongues, Endangered Language Alliance, ILoveLanguages!, e Indigenous Tweets.

Referências
ALTENHOFEN, C. V. Bases para uma política linguística das línguas minoritárias no Brasil. In: NICOLAIDES, C.; SILVA, K. A.; TÍLIO, R; ROCHA, C. H. (Org.) Política e Políticas Linguísticas. Campinas: Pontes Editores, 2013. p. 93–116.
MAHER, T. M. Ecos de resistência: políticas linguísticas e línguas minoritárias no Brasil. In: NICOLAIDES, C.; SILVA, K. A.; TÍLIO, R; ROCHA, C. H. (Org.) Política e Políticas Linguísticas. Campinas: Pontes, 2013. p. 117-134.

Autora: Gabriela Wally Griep
Possui graduação em Letras – Português e Inglês pela Universidade Federal de Pelotas (2017). Atualmente é mestranda em Letras pela mesma instituição e integrante do Laboratório de Psicolinguística, Línguas Minoritárias e Multilinguismo (Laplimm). É professora de inglês há mais de dois anos em escola de idiomas.

Afinal, o que é esse tal de bilinguismo?

Bilinguismo. O termo ainda não é muito popular no Brasil. No entanto, circula cada vez mais forte e frequente em discussões importantes sobre a educação bilíngue de surdos e de indígenas, além de estar na base das iniciativas que buscam revitalizar as línguas herdadas dos imigrantes, como o pomerano e o talian. De acordo com o francês François Grosjean, professor emérito da Universidade de Neuchâtel, metade da população mundial é bilíngue.

Afinal, o que significa bilinguismo? A definição é polêmica. Os dicionários, como o Michaelis, o definem como a qualidade “daquele que fala dois idiomas”. As pessoas comuns também. Porém, não só elas. No início do século passado, pesquisadores definiram bilíngues como indivíduos com domínio perfeito em dois ou mais idiomas. No entanto, as pesquisas mais recentes são unânimes em afirmar: bilinguismo não é exatamente isso.

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Bilíngues, ser ou não ser, eis a questão

O que podem ter em comum:
a) a criança que têm pais que falam duas línguas em casa e as aprendeu simultaneamente antes dos três anos de idade?
b) o adolescente brasileiro que participa de jogos virtuais em uma comunidade em que o inglês é a língua de comunicação?
c) o estudante que lê e escreve em espanhol, mas só fala frases básicas?
d) a criança que entende Kaingang, ou pomerano, usado pelos avós, mas não o fala?

Segundo a definição de bilinguismo de François Grosjean, todas as pessoas dos exemplos acima podem ser consideradas bilíngues. De que maneira? O pesquisador baseia seu conceito de bilinguismo na ideia de uso das línguas. Dessa forma, para o linguista, bilíngues são pessoas que usam as duas línguas que adquiriram/aprenderam em situações do seu dia a dia, alternando-as conforme suas necessidades e finalidades específicas: para conversar com os pais na língua materna deles; ler um artigo; participar de um jogo virtual; escutar uma história dos avós que falam uma língua minoritária, por exemplo. Portanto, bilíngues se valem, em menor ou maior grau, do conhecimento linguístico que possuem e das habilidades comunicativas que dominam (ler, ouvir, falar e escrever) nas duas ou mais línguas que fazem parte da sua vida, tanto para interagir com o outro quanto para experimentar o mundo que os cercam.

Referências
Bilinguismo. In: Michaelis, Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 2020. Disponível em: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/bilinguismo/ Acesso em: 27 set. 2020.
FLORES, C. Bilinguismo infantil. Um legado valioso do fenómeno migratório. Diacrítica, v. 31, n. 3, p. 237-250, 2017.
GROSJEAN, F. Bilinguismo Individual. Trad. por Heloísa Augusta Brito de Mello e Dilys Karen Rees. Revista UFG, v. 10, n. 5, p. 163-176, 2017.
LICO, A. L.C. Ensino do português como língua de herança: prática e fundamentos. Revista SIPLE, v. 1, n. 2, p. 22-33, 2011.
LIRA, C. O português como língua de herança em Munique: práticas de desafios. Fólio – Revista de Letras, [S.l.], v. 10, n. 1, 2018.
MEGALE, A. H. Bilinguismo e educação bilíngue – discutindo conceitos. Revista Virtual de Estudos da Linguagem – ReVEL, v. 3, n. 5, p. 01-13, 2005.
MOZZILLO, I. Algumas considerações sobre o bilinguismo infantil. Veredas (on-line), v. 19, n. 1, p. 147-157, 2015.
SOUZA, A. Motherhood in migration: A focus on family language planning. Women’s Studies International Forum, v. 52, p. 92 – 98, 2015.

Autora: Andréa Ualt Fonseca
Licenciada em Letras – Espanhol e Literaturas de Língua Espanhola, mestre em Educação e doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPel. Professora de Espanhol do IFSul-Campus CaVG.

 

 

Línguas africanas no Brasil: você já pensou sobre essas línguas?

Na história do Brasil, sabe-se que o povo de origem africana chegou ao país na condição de pessoas escravizadas. Assim, de acordo com a historiadora Sharyse Amaral (2011), estima-se que entre os séculos XVI e XIX milhares de pessoas do continente africano foram trazidas de forma abrupta e violenta. Os africanos que conseguiram resistir às péssimas condições a que foram submetidos nos navios negreiros trouxeram para a nova terra a cultura do seu lugar de origem, como os costumes, a religião e a língua, foco deste texto.

Antes de tudo, é necessário mencionar que o nosso país não tem apenas o português como o único idioma, pois, de acordo com a linguista Terezinha Maher (2013), temos mais de 200 línguas, entre línguas de imigração, indígenas e as de origem africana, as quais são consideradas línguas plenas ou especiais. É possível encontrar as línguas africanas em rituais de religiões de matriz africana e como demarcação social, conforme dado apontado por Margarida Petter em 2017.

Apesar da ausência dessas línguas nas placas de “Bem-vindo”, em entrada de cidades, assim como em placas indicando comunidades quilombolas ou placas turísticas, por exemplo, é possível ver sua influência em nosso vocabulário. Contamos com palavras influenciadas principalmente pelo banto, grupo etnolinguístico localizado principalmente na África subsaariana, como, por exemplo, abadá, caçula, dengo, tanga, banguela, muvuca, entre outras. Confira mais exemplos no texto de Flora Pereira.

http://www.afreaka.com.br/notas/diversidade-linguistica-africana-e-suas-herancas-na-formacao-portugues-brasil/

Considerando que na época do tráfico negreiro a população escravizada era a maior na sociedade da época e, atualmente, a população afrodescendente no Brasil representa mais de 50%, segundo os últimos dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), convém trazer para a nossa discussão a seguinte questão: Por que esse grande número não foi suficiente, em termos quantitativos, para que tivéssemos maior conhecimento, presença e comunidades de fala com as línguas de origem africana?

É necessário lembrar que os africanos, desde sua chegada ao Brasil, já vieram ocupando posições sociais marginalizadas e subjugadas. Isso explica, em partes, porque o povo preto pouco conseguiu manter viva sua língua materna, especialmente pelo fato de os colonizadores promoverem a mistura de diferentes etnias africanas em uma capitania a fim de evitar uma rebelião. Junto disso, sabe-se que o acesso à educação para essas pessoas era totalmente negado pela sociedade da época.

O caso das línguas africanas revela que há relações de poder nas políticas linguísticas. A população africana escravizada, em virtude da sua posição social marginalizada, não tinha poder na sociedade da época para manter sua língua de origem, mesmo que contabilizasse a maioria da população na época.

Por fim, é preciso levantar que o principal problema em torno das línguas africanas e dos dialetos originários dela é a falta de visibilidade dessas línguas, assim demonstrando certo apagamento de parte da cultura de um povo, o preto. Apesar disso, reconhecemos a sobrevivência dessas línguas em rituais religiosos e como demarcação social como um processo de resistência da cultura afro-brasileira.

Referências
AMARAL, Sharyse Piroupo do. História do negro no Brasil. Brasília: Ministério da Educação. Salvador: Centro de Estudos Afro orientais, 2011.
MAHER, T. M. Ecos de resistência: políticas linguísticas e línguas minoritárias no Brasil. In: NICOLAIDES, C.; SILVA, K. A.; TÍLIO, R; ROCHA, C. H. (Org.) Política e Políticas Linguísticas. Campinas: Pontes, 2013. p. 117-134.
PETTER, Margarida. Línguas Africanas no Brasil. África: Revista do Centro de Estudos Africanos. USP, S. Paulo, n. 27-27, p. 63-89, 2007. 

Autora: Nessana Pereira
Graduação em Letras – Português pela Universidade Federal de Pelotas (2018). Atualmente, é mestranda em Letras pela mesma instituição.

Existe racismo linguístico?

Para responder a esta pergunta, inicialmente, devemos compreender o papel da linguagem como constituidora de sentidos, ou seja, capaz de nomear a tudo e a todos. Para tanto, as relações coloniais serão o ponto de partida. Especificamente, devemos nos remeter ao combate feito pelas comunidades europeias para apagar as línguas dos grupos dos territórios dominados, com base em referenciais ocidentais, europeus, brancos, patriarcais e cristãos.

O apagamento das línguas demonstrava o que poderia ou não ser validado para aqueles espaços. Os saberes e conhecimentos dos grupos dominados eram exterminados e forjava-se, com isso, marcas de dominação e racismo.

Os colonizadores europeus construíram nossas referências de línguas “importantes” e produziram estruturas hierárquicas através das línguas a fim de denominar aqueles que eram considerados outros. Os outros carregavam uma coloração de pele, um cabelo e um falar não europeu. Essas marcas fazem parte de um passado-presente que, a partir da linguagem, nos racializou e materializou as formas que conhecemos como racismo.

A branquitude, ao oprimir, nos impõe o conceito de raça e nos nomeia como negros por não termos as características dessa mesma branquitude. Essa marca linguística que “ganhamos” nos aparta dos demais; somos outros; a linguagem nos fez outros. Vozes de uma branquitude detentora do poder e capaz de nomear. Claro, as línguas são racistas! Não! Elas apenas apresentam as relações de poder construídas por aqueles que delas fazem uso.

Já fomos nomeados demais. Queremos que nossas vozes falem as nossas dores. Queremos que o movimento aconteça de dentro para fora e não o contrário. Com esse desejo e cruzando preconceito racial, social e linguístico, o termo racismo linguístico é criado como uma perspectiva de análise das construções de língua e linguagem daqueles que não compõem o espectro branquitude-poder. O termo dá nome ao livro do professor Gabriel Nascimento, lançado em 2019, Racismo Linguístico: Os subterrâneos da linguagem e do racismo.

https://www.editoraletramento.com.br/produto/racismo-linguistico-os-subterraneos-da-linguagem-e-do-racismo-348

Como nossas práticas estão contribuindo para a problematização desse tipo de racismo? Como nossos privilégios afetam a condição das demais pessoas? Conseguindo responder a essas perguntas ficará fácil saber se existe racismo linguístico.

Referência
NASCIMENTO, Gabriel. Racismo Linguístico: Os subterrâneos da linguagem e do racismo. Belo Horizonte: Letramento, 2019.

Autor: Maicon Farias Vieira
Licenciado em Letras – Português e Espanhol, especialista em Educação em Direitos Humanos, mestre em Educação e doutorando no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Pelotas, além de atuar como professor na rede municipal de educação de Pelotas.

 

Ser coda: você sabe o que isso significa?

As línguas de sinais são línguas naturais utilizadas pelas comunidades surdas. No Brasil, a Libras foi instituída como meio de comunicação legal das comunidades surdas brasileiras através de uma Lei do ano de 2002. Os filhos ouvintes de pais surdos começaram a ser referidos como “codas” por causa da criação da organização internacional CODA (Children of Deaf Adults).

Segundo a linguista e coda Ronice Quadros (2017), codas são crianças ou adultos filhos de pais surdos. Esses sujeitos estão naturalmente expostos a dois mundos diversos: o mundo dos surdos e o mundo dos ouvintes. Os codas compartilham a experiência de crescerem em famílias que utilizam uma língua de herança em casa que é, muitas vezes, diferente daquela utilizada fora do ambiente familiar, na maioria da sociedade. Podemos chamá-los de bilíngues, pois os codas transitam desde muito cedo nesses dois mundos e aprendem as línguas desses dois ambientes linguísticos.

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Coda Brasil

Anualmente, acontece o Encontro nacional de codas, um evento pensado para que estes possam trocar suas experiências, aprender novos conhecimentos e conhecer outros filhos de pais surdos brasileiros. No dia 28 de setembro de 2020, no canal do Facebook da Associação de surdos de Pelotas (ASP), Maitê Maus da Silva compartilhou suas experiências sobre ser coda. Ela nos explica que ser coda é ter orgulho de possuir pais surdos. Maitê comenta que em 2013 aconteceu o primeiro encontro de filhos de pais surdos no Brasil, que é um momento em que os codas se reconhecem entre seus pares que possuem experiências semelhantes. Para participar do Encontro nacional de codas, saber Libras não é uma obrigatoriedade, mas um dos requisitos é ser maior de 18 anos. Ela comenta que ter pais surdos ou mãe ou pai surdos possibilita aprendizagens diferentes que, como tudo na vida, têm o lado bom e o lado ruim.

No dia 9 de outubro, Natasha foi convidada a dar o seu relato sobre ser coda. Ela comenta que considera extremamente importante a participação dos filhos de pais surdos na Associação de surdos, pelo fato de poderem apreender os sinais utilizados na Libras. Muitas vezes, as famílias utilizam sinais provisórios dentro dos seus lares, além de ser importante esse contato com outros surdos, pois a língua de sinais é uma língua viva e os sinais sofrem mudanças. Natasha também menciona que na Associação de surdos há contato com o mundo dos surdos e, neste ambiente, seus pais surdos, ao se encontrarem com seus pares, se sentem felizes. Como coda, Natasha acredita que ela precisa participar do mundo ouvinte e também do mundo surdo, pois é nesse mundo que se encontram seus pais. “É preciso ter empatia e se colocar no lugar dos outros, pois no mundo ouvinte há muitas barreiras e preconceitos para as pessoas surdas”, afirma Natasha. O último ponto citado por ela é a questão das famílias que possuem codas terem suas experiências de vida muito semelhantes, e é nesse espaço social que há a possibilidade de trocas.

Nos seguintes links, é possível assistir na íntegra aos relatos de Maitê e Natasha em língua de sinais e com legendas e áudio em português: relato da Maitêrelato da Natasha. 

Referências
Children of Deaf Adults International Inc. Disponível em: https://www.coda-international.org/. Acesso em 06 nov. 2020.
QUADROS, R. M. Língua de Herança – Língua brasileira de sinais. Porto Alegre: Penso, 2017.

Autora: Karina Ávila Pereira
Doutora em Educação. Professora Adjunta da Área de Libras da Universidade Federal de Pelotas.

 

Devemos temer o Portunhol?

Quando ouvimos falar em portunhol, prontamente surgem alguns pré-conceitos. Podemos lembrar, por exemplo, do estereótipo de brasileiros tentando comicamente falar espanhol. Mas esse termo denomina mais de um fenômeno, segundo explica a linguista Eliana Sturza.

Portunhol pode indicar uma mistura entre português e espanhol que objetiva a interação e a comunicação imediata. É utilizado, por exemplo, por turistas e por vendedores e clientes em trocas comerciais, como uma prática para a compreensão entre usuários de diferentes línguas.

Chama-se também portunhol a forma de falar dos aprendizes que estão em níveis iniciais e que realizam mesclas entre os idiomas. É visto como problema a ser superado, ainda que seja um processo normal. Muito cursos de espanhol, por exemplo, oferecem “soluções” para que se evite cometer esse deslize.

Além disso, portunhol é um dos nomes que recebe a língua falada por muitos habitantes do norte do Uruguai, principalmente aqueles da zona rural e de periferias urbanas. Pode-se considerar uma herança das disputas entre portugueses e espanhóis por esse território. Por ser predominantemente oral e ser utilizado por pessoas com pouco nível de instrução, é caracterizado como variedade inferior ou “mal falar”. Atualmente, tem sido apresentado como marcador de identidade cultural, como afirma a linguista Isabella Mozzillo. Está presente, por exemplo, na produção do escritor Fabian Severo e do músico Chito de Mello.

Existe ainda o Portunhol Selvagem, que é um recurso de escrita literária. Compõe-se do entrelaçamento de outras línguas, além de português e espanhol, como guarani e inglês. Um dos maiores divulgadores dessa expressão é o poeta Douglas Diegues.

Muitas dessas definições são pejorativas e demonstram preconceito pelos modos de falar em que ocorrem misturas de línguas. O portunhol não demonstra incompetência e não precisa ser temido. É recurso comunicativo e artístico. É produto do processo de aprendizagem. É elemento da identidade dos falantes.

A riqueza da diversidade expressa por essa língua de contato pode ser vista no documentário Portuñol, premiado no Festival de Cinema de Gramado e no Festival As Amazonas do Cinema.

Página do Instagram portunol.doc. Divulgação dos prêmios que o documentário Portuñol recebeu no festival As Amazonas do Cinema.

Referências
MOZZILLO, Isabella. Vamos falar sobre o Portunhol. Tessituras, Pelotas, v. 6, n. 1, p. 59-64, jan./jun. 2018.
STURZA, Eliana. Portunhol: língua, história e política. Gragoatá, Niterói, v. 24, n. 48, p. 95-116, jan./abr. 2019.

Autora: Débora Medeiros da Rosa Aires é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Desenvolve pesquisa sobre ideologias linguísticas e ensino/aprendizagem de língua estrangeira. Atua como professora de Língua Espanhola na rede pública de ensino do município de Capão do Leão/RS.

O clássico e o popular… no Egito Antigo!

Observe a placa egípcia na foto. Quando esse objeto foi feito, há exatos 2037 anos atrás, o reino egípcio já existia há mais de 3000 anos. Três mil anos!

Fonte: o autor. Foto tirada no Kunsthistorisches Museum, em Viena, na Áustria. A estela de An-Em-Her foi feita para um alto-sacerdote de Ptah no ano de 217 a.C. O texto foi talhando em baixo-relevo numa peça de calcário.
Fonte: O autor. Foto tirada no Kunsthistorisches Museum, em Viena, na Austria. A estela de An-Em-Her foi feita para um alto-sacerdote de Ptah no ano de 217 a.C. O texto foi talhado em baixo-relevo numa peça de calcário.

A língua egípcia, assim como acontece com todas as línguas do mundo, foi mudando ao longo dos séculos, e é certo que um egípcio que trabalhou na construção da Grande Pirâmide, lá pelo ano 2570 a.C., não conseguiria compreender a pessoa que colocou essa placa aí na parede no ano 217 a.C.

Da mesma forma, um romano da época das lutas no Coliseu não conseguiria se comunicar fluentemente com um falante de português, francês ou espanhol, apesar de essas línguas modernas serem basicamente a mesma língua dos romanos, que foi mudando e se dividindo nos últimos 2000 anos.

A escrita clássica (hieróglifos) da língua egípcia é bastante complexa e era conhecida apenas pela elite. Usava um sistema de ideogramas (um símbolo = um conceito, mas sem informação fonológica), em combinação com sinais determinativos (sem pronúncia, mas com função gramatical) e fonéticos (um símbolo = um som). O sistema chegou a ter mais de 5000 sinais diferentes. A maioria do povo, fora da corte real e dos templos, sempre usou formas alternativas, algumas derivadas ou simplificadas dos hieróglifos, outras completamente paralelas ao sistema oficial.

De volta à placa da foto, abaixo do texto solene em hieróglifos, vemos uma linha e meia de uma escrita cursiva que hoje chamamos de demótico (do grego “dēmotikós”, ‘popular’). O texto maior está na língua e escrita clássica (é como se hoje escrevêssemos um texto importante em latim, como faz a Igreja Católica). Já a pequenina linha na parte de baixo traz um resumo do texto na língua egípcia como era falada em 217 a.C., para os que não sabiam ler na língua escrita clássica.

A escrita demótica entrou em contato com o alfabeto grego (assim como a língua egípcia falada ‘encontrou’ a língua grega antiga) e esse contato deu origem ao copta, a forma mais moderna da língua egípcia. O copta ainda era falado até pouco tempo atrás – hoje ainda existe como língua litúrgica na Igreja Ortodoxa Copta.

 

Autor: Renan C. Ferreira
Graduado em Letras – Licenciatura em Língua Inglesa e Literatura (2010) e Mestre em Letras – Estudos da Linguagem (2018) pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Atualmente desenvolve sua pesquisa de Doutorado sobre Relativismo Linguístico e a Cognição Bilíngue na mesma instituição. Faz parte do grupo de pesquisa Línguas em Contato e atua como professor de língua inglesa há 13 anos.