A língua portuguesa deveria ser ensinada a todos do mesmo jeito?

Você deve pensar que essa resposta é simples. Será mesmo? Embora o ensino da língua portuguesa seja obrigatório em todas as escolas brasileiras, é preciso considerar as diferenças de uso da língua para pensar em uma forma de ensiná-la. 

Para começar, em nosso país não se fala só português. Segundo o professor Cléo Altenhofen, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no Brasil se falam cerca de 270 línguas. Há alunos surdos que usam a Língua Brasileira de Sinais (Libras), indígenas e falantes de línguas herdadas dos seus antepassados imigrantes. Todos precisam dar conta de estudar formalmente português que, às vezes, nem é o idioma falado na sua casa! 

Além disso, mesmo para os brasileiros que só falam português, há diferenças entre a língua que se usa no cotidiano e aquela da escola e dos livros didáticos. Essas diferenças se relacionam ao local em que se vive, à classe social ou, ainda, à formalidade da situação em que nos comunicamos. Existe, também, uma vasta região de fronteira em que a língua portuguesa se mistura à língua dos vizinhos na comunicação diária, fazendo com que os habitantes dessas localidades falem um português com pitadas de espanhol ou de outras línguas. 

Assim, estudar português na escola pode ser bem diferente de usá-lo no dia a dia.  Como, então, ensinar a língua portuguesa a todos considerando tantas diferenças? A resposta está no diálogo, no respeito e na reflexão sobre o idioma e toda diversidade linguística, que deveria ser a base do ensino em todas as escolas do país.

A sala de aula deve ser um espaço em que estudantes e professores respeitem a língua de cada um e, a partir disso, construam acordos coletivos que permitam que todos se expressem sem nenhum constrangimento. Estudar a língua portuguesa não significa esquecer ou condenar outros modos de falar, isso porque pensar toda essa diversidade linguística torna a aprendizagem mais significativa e interessante para todos. 

Carlos Drummond de Andrade, poeta brasileiro, escreveu em um de seus poemas que para estudar português na escola, precisava esquecer a língua em que conversava, brincava ou namorava. Isso não é verdade! Para estudar português na escola é preciso entender que ele não é nem um, nem dois, mas vários; tão diverso quanto o povo, a culinária e as paisagens do Brasil.

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Monumento_a_Carlos_Drummond_de_Andrade#/media/Ficheiro:Carlos_DA_2.jpg

Referências 
ALTENHOFEN, Cléo Vilson. Bases para uma política linguística das línguas minoritárias no Brasil, 2013. In: NICOLAIDES, C.; SILVA, K. A.; TILIO, R.; ROCHA, C. H. (Org.). Política e Políticas Linguísticas. Editora Pontes, 2013. p. 93-113.
BAGNO, Marcos. A inevitável travessia: da prescrição gramatical à educação linguística. In: BAGNO, Marcos. GAGNÉ, Gilles. STUBBS, Michael. Língua materna: letramento, variação e ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2002. p. 13-80.

Autora: Vivian Anghinoni Cardoso Corrêa. Licenciada em Letras e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Pelotas e aluna do Doutorado em Letras na mesma instituição.

Você já ouviu falar do talian?

A imigração italiana no Brasil teve início em 1875 e estendeu-se por volta de 1920. Os primeiros imigrantes concentraram-se, principalmente, no sul do país. Eles trouxeram costumes, crenças e, é claro, línguas que usaram para se comunicarem na nova terra. Assim, surge uma língua que hoje chamamos talian. Vamos conhecer um pouco mais sobre ela? 

A imigração teve diferentes motivos, mas a história começa em meados do século XIX, quando a Itália acabara de ser unificada. Os artesãos não conseguiam competir com as mercadorias manufaturadas da recente Revolução Industrial, as sucessivas crises agrícolas e o excesso de mão de obra causaram um cenário desfavorável à população italiana. Por outro lado, a região mais ao sul do Brasil ainda era pouco povoada e, devido à proximidade com a Argentina e o Uruguai, era de interesse do governo brasileiro que essas terras fossem ocupadas para garantir a posse da área do território nacional. 

Fonte: Guzzo (2022)

Entre os imigrantes incentivados pelo governo brasileiro, estavam os italianos, principalmente aqueles do norte da Itália. Desses imigrantes, estima-se que 95% eram provenientes do Trivêneto (região formada pelo Vêneto, Trentino Alto Ágide, Friuli-Venezzia Giulia). A distribuição de terras no Brasil aos imigrantes não respeitou as suas diferentes origens geográficas. Nos primeiros anos da imigração italiana ao sul do Brasil, nos encontros comunitários, os imigrantes utilizaram uma mescla de seus dialetos,  formando uma língua de base comum de nome dialeto vêneto ou talian. 

Fonte: Rodrigues (2015)

Esses imigrantes trouxeram, portanto, as suas formas de falar. Dessa forma, o talian é uma língua minoritária de imigração, formada a partir da fusão de língua e dialetos italianos, trazidos para o Brasil pelos primeiros imigrantes. É usado por comunidades italianas, bem como por seus descendentes sobretudo no nordeste do Rio Grande do Sul, no Paraná, em Santa Catarina, no Mato Grosso e no Espírito Santo. Também pode ser denominado como vêneto rio-grandense ou vêneto brasileiro.

Atualmente, o talian é língua cooficial em 18 municípios nos estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. A lista completa está disponível no site do IPOL

Referências
BRASIL. Certidão Talian. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Brasília, DF: Ministério da Cultura, 2014.
GUZZO, N. B. Brazilian Veneto (Talian). Journal of the International Phonetic Association– Illustrations of the IPA. Available online on FirstView, 2022. 
MASSOLINI, P. J. De koiné/dialeto véneto a léngoa talian. In: DAL CASTEL, J. J.; LOREGIAN-PENKAL, L.; TONUS, J. W. (orgs.) Talian par cei e grandi: gramàtica e stòria. Pinto Bandeira: Araucária / Serafina Corrêa: Assodita, Prefeitura de Serafina Corrêa, 2021.
MIAZZO, G. Afinal, o que é “talian”? Revista Italiano UERJ, v. 2, n. 1. UERJ, Rio de Janeiro. p. 33 – 45, 2011.
RODRIGUES, S. L. Mi parlo talian: uma análise sociolinguística do bilinguismo português-dialeto italiano no município de Santa Teresa, Espírito Santo. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Centro de Ciências Humanas e Naturais, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2015.

Autora: Ariela Fátima Comiotto: É doutoranda do Programa de Pós-graduação em Linguística da Universidade Federal de Santa Catarina. Mestra em Linguística pela mesma universidade. Formada em Letras pela UFRGS. Estuda o code-switching em bilíngues português-talian.

Koroniago – Você conhece essa língua?

Koroniago significa, em tradução para o português, “língua da colônia”. Essa língua é falada em comunidades brasileiras de origem japonesa e representa o valor identitário e cultural de seus falantes. O Brasil é um país que possui em suas raízes e sua composição uma pluralidade de línguas. Entre as línguas que compõem a nossa diversidade estão as línguas indígenas, as línguas de origem africana e as línguas de imigrantes.

Kasato-Maru – Primeiro Navio de Imigrantes Japoneses, 1908. Fonte: Shozo Motoyama, 2011

No início do século XX, é marcada a chegada de imigrantes japoneses de diferentes regiões do Japão, que se estabeleceram em comunidades rurais do país para trabalhos agrícolas. Com o passar do tempo, a língua japonesa difundida em território brasileiro entra em contato com a língua portuguesa recebendo influências e transformando-se em uma língua com características próprias e locais, formando a koroniago.

Início da Escola Primária e Fundadores do Bairro Aliança 2, 1933 – Mirandópolis – SP
Fonte: Prefeitura Municipal de Mirandópolis, 2012

O pesquisador Shuhei Hosokawa (2008) relata em um dos seus trabalhos a presença da identidade e da cultura local no vocabulário da língua. Por meio da palavra “enshâda”, uma ferramenta de trabalho agrícola, pode-se exemplificar a formação da palavra “enshâdashugi”, que significava a “ideologia de considerar a agricultura como base da sociedade e nela encontrar o maior significado da vida”.

Moradores do Bairro Aliança 2, 1935
Fonte: Prefeitura Municipal de Mirandópolis, 2012

Podemos encontrar na língua também manifestações relacionadas à cultura brasileira em palavras como “shuhasuko” (churrasco), “masandoamoru” (maçã do amor), “Mashadodeashisu” (Machado de Assis) e “onsa” (onça), vocábulos apresentados em um estudo do pesquisador Marcionilo Neto (2020), como pode ser visto na seguinte figura.

Traços de nipobrasilianidade nos livros didáticos de língua japonesa
Fonte: Marcionilo Euro Carlos Neto, 2020

Em uma entrevista realizada pelo pesquisador Junko Ota (2008), alguns informantes demonstram marcas de afetividade e identidade em relação à língua em falas como: “é uma língua familiar e calorosa” e “koroniago é a língua comum dos nikkeis (descendentes de japoneses)”. O pesquisador Marcionilo Neto (2022), enfatiza que a koroniago marca e reforça a identidade de seus falantes, além de demonstrar as particularidades multiétnicas dos nipobrasileiros.

Bon-odori – Evento do Bairro Segunda Aliança, 1967 – Mirandópolis – SP
Fonte: Prefeitura Municipal de Mirandópolis, 2012

Por isso, é de extrema importância a valorização da língua koroniago como um patrimônio linguístico, histórico e cultural da nossa sociedade. Assim, podem ser desenvolvidas ações de manutenção da língua, que evitem o seu desaparecimento, proporcionem o acesso às próximas gerações e promovam o reconhecimento e a desestigmatização da língua.

Referências
CARLOS NETO, Marcionilo Euro. Koroniago: coiné nipobrasileira e patrimônio linguístico-cultural resultante do contato de línguas no contexto imigratório do Brasil. Pranja: revista de culturas orientais, [S.L.], v. 3, n. 5, p. 232-256, 2022.
CARLOS NETO, Marcionilo Euro. Koroniago: manifestação etno-linguístico cultural de uma coiné “nipobrasileira”. 2020. 258 f. Tese (Doutorado) – Curso de Estudos da Linguagem, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2020.
FERRAZ, Aderlande Pereira. O panorama linguístico brasileiro: a coexistência de línguas minoritárias com o português. Filologia e Linguística Portuguesa, [S.L.], n. 9, p. 43 – 73, 2007.
HOSOKAWA, Shuhei. A importância histórico-cultural dos imigrantes Nikkeis no Brasil. Estudos Japoneses, [S.L], n. 28, p. 11-24, 2008.
MOTOYAMA, Shozo. Kasato-Maru. Estudos Avançados, [S.L.], v. 25, n. 72, p. 323-326, ago. 2011.
OTA, Junko. As línguas faladas nas comunidades rurais nipo- brasileiras do estado de São Paulo e a percepção das três gerações sobre a ‘mistura de línguas’. Estudos Japoneses, [S.L.], n. 28, 137-148, 2008.
Prefeitura Municipal de Mirandópolis. Segunda Aliança. 2012. 

Autor: Thomas de Julio, graduado em Licenciatura em Letras – Português e Alemão pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Mestrando em Letras na linha de Aquisição, Variação e Ensino na mesma universidade.

Você sabe o que são direitos linguísticos?

Já parou para pensar sobre como a pluralidade de línguas ao redor do mundo contribui para a riqueza cultural da sociedade? Os direitos linguísticos, ainda pouco difundidos fora do meio acadêmico, desempenham um papel crucial na promoção da diversidade cultural e na garantia de que todos tenham a oportunidade de se expressar na sua própria língua. Mas, afinal, o que são “direitos linguísticos”?

O tema dos direitos linguísticos, no sentido atualmente compreendido, começa a surgir após o término da Segunda Guerra Mundial com a publicação da Declaração Universal dos Direitos Humanos. O segundo artigo da Declaração deixa claro que todo ser humano deve poder desfrutar de seus direitos e liberdades sem qualquer distinção, como de raça, cor, sexo, língua etc. No entanto, de acordo com Ricardo Nascimento Abreu (2020), professor e pesquisador da Universidade Federal de Sergipe, é no movimento dos “novos direitos” no final do século XX e início do século XXI, como os direitos das mulheres, das crianças, dos idosos etc., que os direitos linguísticos ganham destaque.

Para Abreu, pode-se dividir os direitos linguísticos em dois tipos: o direito das línguas e o direito dos grupos linguísticos. Em relação ao primeiro, entende-se como normas e ações que buscam reconhecer, promover e preservar línguas, em especial aquelas consideradas “minoritárias”. Podemos mencionar, por exemplo, o Decreto nº 7387/2010, que regulamenta o Inventário Nacional da Diversidade, iniciativa que busca reconhecer diversas línguas nacionais e promover políticas públicas para essas línguas. Já sobre o segundo, entende-se como normas e ações que buscam garantir o direito de todo indivíduo se expressar nas suas próprias línguas. Podemos mencionar, como exemplo, o Projeto de Lei nº 5182/2020, que objetiva, caso seja aprovado, a atribuição de tradutores e intérpretes comunitários em todas as esferas do serviço público, como em hospitais e tribunais, para garantir a indivíduos que não falam português o direito de se expressarem na sua própria língua e, assim, o acesso aos serviços por intermédio desses profissionais.

A discussão sobre os direitos linguísticos é bastante recente, mas também muito ampla. Você já tinha ouvido falar sobre esses direitos? Comente aqui embaixo outros exemplos!

Referências
ABREU, Ricardo Nascimento. Contribuições para uma delimitação dos Direitos Linguísticos no Brasil. In: Seminário Ibero-americano de Diversidade Linguística, 1., 2014, Foz do Iguaçu. Anais […]. Foz do Iguaçu: IPHAN, 2014. p. 108-117.
ABREU, Ricardo Nascimento. Direito Linguístico: olhares sobre as suas fontes. A Cor Das Letras, v. 21, n. 1, p. 172-184, 2020.
BRASIL. Decreto nº 7.387, de 09 de dezembro de 2010. Institui o Inventário Nacional da Diversidade Linguística e dá outras providências.
BRASIL. Projeto de Lei nº 5182, de 2020. Institui-se como política pública a obrigatoriedade de alocação de tradutores e de intérpretes comunitários em todas as instituições públicas federais, estaduais e municipais, de forma permanente ou através da formação de núcleos especializados de tradução e de interpretação comunitária especialmente organizados para atender às demandas específicas de cada área. Brasília: Senado Federal, 2020.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948. 

Autor: Gabriel Plácido Campos, graduado em Bacharelado em Letras Tradução – Inglês-Português pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel).

Qual é a importância da decisão familiar para a manutenção de línguas minoritárias?

Primeiramente, é preciso esclarecer o que é uma política linguística. De maneira geral, as políticas linguísticas lidam com as línguas e o que acontece com elas na sociedade. É por meio dessas políticas que são escolhidos os idiomas que devem ser ensinados na escola, por exemplo. As políticas linguísticas sobre o uso da(s) língua(s) podem ser decididas no âmbito mundial, nacional, estadual, municipal e, até mesmo, familiar. Mas como assim familiar?

Segundo o professor e pesquisador Cléo Altenhofen, uma política linguística familiar engloba as decisões tomadas sobre as línguas que serão utilizadas dentro de casa pela família, isto é, quando os pais, falantes de uma determinada língua, decidem ensinar ou não aos seus filhos essa língua. Você deve estar se perguntando: o que é língua minoritária? A língua minoritária é falada por grupos que não são tão prestigiados social, cultural ou politicamente e, é diferente da língua oficial da sociedade. No entanto, esta língua deve ser ensinada em casa, pois tem a função de preservar não só a continuidade da língua como a cultura e a identidade da família.

Então, o que podemos fazer para preservar uma língua minoritária? A resposta mais simples é: fazendo a criança falar e responder nessa língua. Muitos profissionais da educação aconselham, de forma equivocada, que os pais abandonem a língua minoritária para facilitar a integração da criança na escola. Essas falsas ideias podem interferir no comportamento dos pais, que, mesmo querendo manter o desenvolvimento da língua, desconhecem de que forma fazer. Aqui vão duas dicas para auxiliar nesta importante tarefa de transmitir a língua minoritária para as crianças:

– Crie oportunidades para que a criança fale e ouça nos dois (ou mais) idiomas em diferentes situações e com bastante frequência.

– Fale com todos os seus filhos seguindo o mesmo padrão. A língua está muito relacionada com emoções, então é importante que todos os filhos sejam tratados de forma igual, sem que nenhum fique de fora da comunicação.

De acordo com a professora e pesquisadora Isabella Mozzillo, é importante que a criança esteja exposta às duas línguas, ou seja, a criança tem que ter oportunidades de contato, em casa, com a sua língua minoritária, já que a língua usada pela sociedade (no nosso caso, o português) está presente no seu cotidiano a partir do momento que entra na escola.

Referências
ALTENHOFEN, Cléo Vilson. Política lingüística, mitos e concepções lingüísticas em áreas bilíngües de imigrantes (alemães) no Sul do Brasil. Revista internacional de lingüística iberoamericana, v. 3, n. 1, 2004.
CALVET, Louis-Jean. As políticas linguísticas. São Paulo: Parábola, 2007.
LIRA, Camila. O português como língua de herança em Munique: ofertas, práticas e desafios. Fólio-Revista de Letras, v. 10, n. 1, 2018.
MOZZILLO, Isabella. Algumas considerações sobre o bilinguismo infantil. Veredas, v. 19, n. 1, 2015.

Autora: Julia Diogo, graduada em Letras Português e Literaturas de Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). Atualmente, é mestranda em Letras, na linha de Aquisição, Variação e Ensino, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).

Desmistificando a fluência em uma língua estrangeira: o que é ser fluente?

É comum pensar que só quem cresce em lugares onde se falam duas línguas ao mesmo tempo (ambientes bilíngues) ou mais (ambientes multilíngues) consegue falar fluentemente um idioma estrangeiro. No entanto, estudos na área de aprendizagem de idiomas desmitificaram a ideia de que precisamos nos tornar ‘duplamente monolíngues’, ou seja, falar como nativos em uma língua estrangeira, ignorando as línguas que já conhecemos. A ideia de que só podemos ter um alto nível em um idioma estrangeiro se crescermos em um ambiente com diversas culturas e línguas não é sustentada pela ciência linguística.

Aprender uma língua estrangeira é desafiador, mas viável com dedicação e prática, mesmo para adultos que começam tardiamente, pois o cérebro humano é altamente adaptável em qualquer idade. A motivação, exposição regular à língua estrangeira e prática consistente são fundamentais para o desenvolvimento.

Contrariando a crença de que é preciso falar como um nativo, estudos, como os de Stephen Krashen (1982), mostram que não é necessário esquecer as línguas que já conhecemos. A chave está em compreender mensagens desafiadoras, mas compreensíveis, em vez de focar exclusivamente em regras gramaticais e vocabulário. Com o investimento adequado de tempo e esforço, as pessoas podem aprender bem outra língua.

É importante saber que existe uma janela ótima de oportunidade para aprender uma nova língua, geralmente até a puberdade e em um ambiente natural (no dia-a-dia), não em sala de aula. Estudando em sala de aula, você pode alcançar um alto nível, mas não será um falante nativo. Não se frustre; tenha orgulho do seu sotaque, pois ele reflete sua identidade linguística.

As escolas de idiomas muitas vezes acreditam que só se deve usar a língua-alvo em sala de aula, mas isso vem do mito do duplo monolíngue. Ignorar as línguas maternas dos alunos não é saudável. A ideia de que apenas falantes nativos podem ter fluência é ultrapassada. Todos têm potencial para aprender e se comunicar em diferentes idiomas. Para uma aprendizagem eficaz de uma língua estrangeira, é importante valorizar as línguas maternas dos alunos e incorporá-las ao ensino, criando um ambiente acolhedor.

Em suma, a ideia de que apenas pessoas criadas em ambientes bilíngues ou multilíngues podem possuir alto nível de proficiência em uma língua estrangeira é um mito que não se sustenta. É hora de desconstruir o mito do duplo monolíngue e incentivar a aprendizagem de novas línguas. É hora de superar crenças limitantes e abraçar o desafio de aprender uma nova língua.

Referências
AQUINO, Carla de. Uma discussão acerca do bilinguismo e do preconceito linguístico em populações bilíngues no sul do Brasil. Letrônica, v. 2, n. 1, p. 231-240, 2009. 
CUNHA, José Carlos C. Metalinguagem e didática integrada das línguas no sistema escolar brasileiro. In: PRADO, Ceres; CUNHA, José Carlos C. (orgs.). Língua materna e língua estrangeira na escola. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
CUNHA, José Carlos C.; MANESCHY, Vanessa B. O espaço da língua materna nas práticas de sala de aula de língua estrangeira. Veredas, v. 15, n. 1, p. 136-147, 2011.
DAHLET, Patrick. Línguas distintas e linguagem mútua. In: PRADO, Ceres; CUNHA, José Carlos C. (orgs.). Língua materna e língua estrangeira na escola. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
KRASHEN, Stephen D. Principles and Practice in Second Language Acquisition. Oxford: Pergamon Press, 1982.
SCHÜTZ, Ricardo E. Educação infantil bilíngue. Fonte: English Made in Brazil.

Autor: Eriovan Moraes-Toledo. Internacionalista, graduando em Letras – Português e Francês pela Universidade Federal de Pelotas

No Brasil, não se fala só português!

Você já ouviu alguém dizer que é um milagre vivermos em um país tão grande e, mesmo assim, todos falarmos a mesma língua? Essa noção fortalece o mito de que o Brasil é um país monolíngue, onde só uma língua – a portuguesa – é falada. 

Em nosso país, temos uma vasta diversidade linguística. Segundo o professor e pesquisador Cléo Altenhofen (2013), existem cerca de 270 línguas faladas no território brasileiro: 219 línguas indígenas e 51 de imigração, como o pomerano, o italiano, o japonês, entre outras. Portanto, podemos afirmar que vivemos em um país plurilíngue – isto é, um lugar no qual várias línguas e culturas estão em contato. 

Fonte: Arquivo pessoal de Bruno Oliveira

Ao longo da história, essa diversidade nem sempre foi reconhecida e legitimada tanto pelas instituições governamentais quanto pela população em geral. Além disso, de acordo com a professora e pesquisadora Isabella Mozzillo (2008), a ideia de que o português é a única língua do Brasil faz com que as outras línguas sofram repressão. Sendo assim, precisamos refletir sobre a importância de reconhecer e valorizar todas as línguas, a fim de minimizar os danos sociais e culturais sofridos por essas comunidades linguísticas. 

É a partir da mudança de nossas atitudes que poderemos pensar em formas adequadas de reconhecer e promover a pluralidade linguística e cultural dos brasileiros. Não basta somente falarmos sobre as palavras de origens indígenas em um dia específico (por exemplo, no dia 19 de abril); também não é suficiente a valorização das culturas de imigrantes e suas respectivas línguas exclusivamente em festivais de tradições. Torna-se necessário levar, frequentemente, essas pautas para as escolas, universidades, assembleias e mídias digitais. 

Entretanto, não devemos apenas “dar voz” para as diversas comunidades de fala; o principal é “dar ouvidos” e incentivar o plurilinguismo para que o nosso país seja um espaço que entenda a sua história e suas riquezas linguística e cultural. Para os pesquisadores Angela Baalbaki e Thiago Andrade (2016), é importante a criação de políticas para legalizar e legitimar línguas de grupos minoritários, para que suas histórias também façam parte do que pensamos enquanto “Brasil”. 

Por fim, após a leitura, lhe pergunto: é só português?

Referências
ALTENHOFEN, C. V. Bases para uma política linguística das línguas minoritárias no Brasil, 2013. In: NICOLAIDES, C.; SILVA, K. A.; TILIO, R.; ROCHA, C. H. (Org.). Política e Políticas Linguísticas. Editora Pontes, 2013. p. 93-113.
ALTENHOFEN, C. V. Política lingüística, mitos e concepções lingüísticas em áreas bilíngües de imigrantes (alemães) no Sul do Brasil. Revista internacional de lingüística iberoamericana, n. 1, v. 3, p. 83-93, 2004.
BAALBAKI, A. C. F.; ANDRADE, T. S. Plurilinguismo em cena: processos de institucionalização e de legitimação de línguas indígenas. Revista de Estudos do Discurso, Imagem e Som – Policromias, v. 1, n. 1, p. 1-19, 2016.
OLIVEIRA, G, M. Brasileiro fala português: Monolinguismo e Preconceito Linguístico. In: SILVA, F. L.; MOURA, H. M. M. (orgs.). O direito à fala: a questão do preconceito linguístico. Florianópolis: Insular, 2002.
MOZZILLO, I. O mito da pureza linguística confrontado pelo conceito de code-switching. In: GT – Plurilinguismo e Contato Linguístico. Anais do CELSUL. 2008.

Autor: Bruno Oliveira, graduado em Licenciatura em Letras – Português e Inglês pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Atualmente, é aluno do mestrado em Aquisição, Variação e Ensino, na mesma universidade.

Diferentes estilos de leitura de textos em língua estrangeira

O que você entende como estilos de leitura em língua estrangeira? Pode deixar que eu te ajudo com isso. Como explicado pelo professor Gerard Westhoff, existem vários estilos de leitura que podemos fazer de um texto, cada uma com um objetivo diferente. Um bom exemplo são a leitura de um livro de ficção científica, um texto em um livro didático e uma receita de bolo. Nós não lemos esses três textos do mesmo jeito, correto? É porque temos objetivos diferentes com cada um deles. Vamos ver quais são os estilos de leitura agora?

Leitura global: é a leitura que fazemos quando queremos apenas saber algo rapidamente, ter uma ideia do que o texto se trata. Um exemplo de quando fazemos uso da leitura global é quando folheamos uma revista no consultório do dentista. Sobrevoamos com os olhos também quando lemos pela primeira vez os textos de uma língua nova, assim conseguimos captar mais rapidamente o conteúdo escrito.

Leitura seletiva: é o típico tipo de leitura que fazemos quando, por exemplo, estamos trabalhando com exercícios escolares. Estamos lendo o texto, mas não focamos em tudo o que está escrito, mas procuramos a resposta para alguma pergunta. Um exemplo de situação onde utilizamos a leitura seletiva é no ENEM.  O objetivo da leitura seletiva é buscar informações específicas quando estamos aprendendo algo novo.

Leitura detalhada: Como já diz no nome, a leitura detalhada é quando lemos o texto inteiro prestando atenção em cada detalhe. Lemos o texto de forma profunda. Usamos também a leitura detalhada quando estamos aprendendo alguma língua nova e precisamos entender bem um conteúdo gramatical.

Nós utilizamos os estilos de leitura diariamente, em situações diversas, sem nos darmos conta: quando vamos ao supermercado, quando lemos um documento antes de assiná-lo; acompanhando as legendas da nossa série preferida, concentrados no texto de uma prova. Portanto, aprender sobre as diferentes formas que lemos, prestando atenção no que queremos quando estamos diante de um texto, nos torna leitores muito mais eficientes.     

Referências
WESTHOFF, G. Fertigkeit lesen. Fernstudieneinheit 17. 7. ed. Langenscheidt/Goethe Institut. München, 2005. p. 100-108.

Autor: Yago Badaró Santino Ribeiro. Graduando em Letras – Português-Alemão pela UFPel.

Não, o português não atrapalha!

Vocês, professores de línguas, pais ou até mesmo estudantes, já se confrontaram ou disseminaram a ideia de que se deve excluir o português das aulas durante a aprendizagem de uma língua estrangeira? Isso é um mito, algo parecido a uma fake news, bastante difundido socialmente.

Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Flag_of_Portuguese_Language.svg

De acordo com a pesquisadora Heloísa Augusta Brito de Mello (2005), há uma forte tendência por parte dos professores de línguas estrangeiras em excluir da sala de aula a(s) língua(s) materna(s) do estudante, com o argumento de que, para o pleno desenvolvimento da sua performance na língua-alvo, é preciso que não haja interferências. Segundo esses professores, as interferências são negativas, uma vez que podem retardar a aprendizagem, além de serem vistas como uma incompetência desse falante/aprendiz em uma outra língua. 

No entanto, como aponta outro estudo de Heloísa Mello (2009), a língua materna pode servir de apoio em determinadas funções, principalmente para o professor, que pode fornecer instruções para a realização de atividades, traduzir palavras ou expressões para esclarecer alguma dúvida, ensinar vocabulário ou estrutura linguística da língua nova, oferecendo suporte ao aluno para o entendimento e incorporação desses itens linguísticos; ensinar teoria para realizar uma reflexão sobre determinados usos da língua-alvo e solicitar explicações ou esclarecimentos para uma melhor compreensão daquilo que está sendo discutido e trabalhado.

Não há razões para excluir a(s) língua(s) materna(s) dos alunos, em particular o português,  durante o processo de ensino e aprendizagem, devido à importância da alternância entre línguas para determinados propósitos comunicativos. Nesse sentido, é necessário  desconstruir crenças e práticas pedagógicas pautadas na ideia de que o português atrapalha o processo de ensinar e aprender outras línguas.

Referências
MELLO, Heloísa. A. B. de. Examinando a relação L1-L2 na pedagogia de ensino de ESL. Revista Brasileira de Lingüística Aplicada. v. 5, n. 1, p. 161-184, 2005.
MELLO, Heloísa. A.B. de. Funções da alternância de línguas na sala de aula de inglês como segunda língua. Linguagem & Ensino, Pelotas, v. 12, n. 1, p. 135-164, 2009.

Autor: Gabriel Zardo. Graduado em Licenciatura em Letras – Português e mestrando no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).

 

Preconceito linguístico e suas manifestações – não devemos proibir formas de falar

O preconceito linguístico é todo juízo de valor negativo a formas de falar e escrever, ou seja, a diferentes variedades linguísticas, com base em crenças sem fundamento científico acerca das línguas e de seus usuários. Porém, você deve ter se perguntando: mas o que são variedades linguísticas? São variações da língua como os sotaques, os dialetos, os regionalismos, as gírias, isto é, as diferenças observadas na fala e na escrita das outras pessoas.

Dessa forma, o preconceito linguístico nada mais é do que o julgamento sobre o modo como o outro fala, influenciado por características culturais, regionais, históricas, de etnia ou de gênero. Esses julgamentos, normalmente, se dirigem às variantes mais informais e ligadas às classes sociais menos favorecidas, em que, na maioria das vezes, as pessoas têm menos acesso à educação formal. 

Algumas manifestações do preconceito linguístico presentes em nosso dia a dia (e que muitas vezes nem percebemos que fazemos) são:

– Interromper as pessoas para corrigir como elas falam;
– Chamar alguém de “burro” por falar diferente;
– Debochar de quem usa gírias;
– Debochar de sotaques regionais;
– Dizer que não conversa com quem fala “errado”;
– Dizer que alguém faltou às aulas de português e que por isso fala “errado”;
– Dizer que quem falar “errado” é preguiçoso porque “hoje em dia tem internet”;
– Falar que os ouvidos doem quando ouve alguém falando “errado”;
– Rir de quem fala “pranta”, “bicicreta” e “chicrete”;
– Dizer que “pra mim fazer” e “eu vou ir” não existem;
– Falar que as pessoas precisam aprender o português antes de aprenderem inglês;
– Acreditar que é necessário escrever “certo” nas redes sociais e criticar as pessoas que não fazem isso;
– Criticar e debochar de quem usa linguagem inclusiva (como, por exemplo, “amigxs” e “todes”);
– Criticar alguém que fala uma língua minoritária. 

A primeira coisa que devemos fazer para combater o preconceito linguístico é ter uma mudança de atitude. Segundo o sociolinguista Marcos Bagno (2020), cada um de nós precisa elevar o grau da própria autoestima linguística e recusar os velhos argumentos que visam menosprezar o saber linguístico individual de cada um. Precisamos nos impor como falantes competentes da nossa língua materna e parar de acreditar que “o brasileiro não sabe português” ou que “o português é muito difícil”. Temos que acionar o nosso senso crítico e filtrar as informações realmente úteis, deixando de lado as afirmações preconceituosas e intolerantes. 

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É importante lembrar que, do ponto de vista científico, não existe “erro” de português, pois todo falante nativo de uma língua é plenamente competente nela e consegue diferenciar intuitivamente se uma forma linguística obedece ou não às regras de funcionamento do idioma. O que existe, na verdade, são diferenças de usos em relação ao que é proposto pela gramática normativa, aquela ensinada nas escolas. Essas diferenças nos permitem dizer “tinha uma pedra no caminho” ou “havia uma pedra no caminho”, “vou ir na casa do João” ou “irei na casa do João”, sem que uma seja considerada melhor do que a outra. Cada contexto pedirá uma linguagem mais ou menos formal.

Por último, é preciso entender que toda língua muda e varia. Segundo o pesquisador Marcos Bagno (2020), o que hoje é visto como “certo” um dia já foi considerado como “erro” e, o que hoje é considerado como “errado” pode vir a ser perfeitamente aceito como “certo”. A nossa língua prossegue em sua transformação e, nós devemos buscar entender as diferenças linguísticas, respeitando a identidade de todos os falantes. Como afirma Marcos Bagno (2020), “nós somos a língua que falamos” e, ela molda como vemos o mundo e nosso modo de ver o mundo molda a língua que falamos.

Referências
BAGNO, Marcos. Não é errado falar assim! Em defesa do português brasileiro. São Paulo: Parábola, 2009.
BAGNO, Marcos. Preconceito Linguístico. 56. ed. São Paulo: Parábola, 2020.

Autor: Julia Diogo, graduada em Letras Português e Literaturas de Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). Atualmente, é mestranda em Letras, na linha de Aquisição, Variação e Ensino, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).