No Brasil, não se fala só português!

Você já ouviu alguém dizer que é um milagre vivermos em um país tão grande e, mesmo assim, todos falarmos a mesma língua? Essa noção fortalece o mito de que o Brasil é um país monolíngue, onde só uma língua – a portuguesa – é falada. 

Em nosso país, temos uma vasta diversidade linguística. Segundo o professor e pesquisador Cléo Altenhofen (2013), existem cerca de 270 línguas faladas no território brasileiro: 219 línguas indígenas e 51 de imigração, como o pomerano, o italiano, o japonês, entre outras. Portanto, podemos afirmar que vivemos em um país plurilíngue – isto é, um lugar no qual várias línguas e culturas estão em contato. 

Fonte: Arquivo pessoal de Bruno Oliveira

Ao longo da história, essa diversidade nem sempre foi reconhecida e legitimada tanto pelas instituições governamentais quanto pela população em geral. Além disso, de acordo com a professora e pesquisadora Isabella Mozzillo (2008), a ideia de que o português é a única língua do Brasil faz com que as outras línguas sofram repressão. Sendo assim, precisamos refletir sobre a importância de reconhecer e valorizar todas as línguas, a fim de minimizar os danos sociais e culturais sofridos por essas comunidades linguísticas. 

É a partir da mudança de nossas atitudes que poderemos pensar em formas adequadas de reconhecer e promover a pluralidade linguística e cultural dos brasileiros. Não basta somente falarmos sobre as palavras de origens indígenas em um dia específico (por exemplo, no dia 19 de abril); também não é suficiente a valorização das culturas de imigrantes e suas respectivas línguas exclusivamente em festivais de tradições. Torna-se necessário levar, frequentemente, essas pautas para as escolas, universidades, assembleias e mídias digitais. 

Entretanto, não devemos apenas “dar voz” para as diversas comunidades de fala; o principal é “dar ouvidos” e incentivar o plurilinguismo para que o nosso país seja um espaço que entenda a sua história e suas riquezas linguística e cultural. Para os pesquisadores Angela Baalbaki e Thiago Andrade (2016), é importante a criação de políticas para legalizar e legitimar línguas de grupos minoritários, para que suas histórias também façam parte do que pensamos enquanto “Brasil”. 

Por fim, após a leitura, lhe pergunto: é só português?

Referências
ALTENHOFEN, C. V. Bases para uma política linguística das línguas minoritárias no Brasil, 2013. In: NICOLAIDES, C.; SILVA, K. A.; TILIO, R.; ROCHA, C. H. (Org.). Política e Políticas Linguísticas. Editora Pontes, 2013. p. 93-113.
ALTENHOFEN, C. V. Política lingüística, mitos e concepções lingüísticas em áreas bilíngües de imigrantes (alemães) no Sul do Brasil. Revista internacional de lingüística iberoamericana, n. 1, v. 3, p. 83-93, 2004.
BAALBAKI, A. C. F.; ANDRADE, T. S. Plurilinguismo em cena: processos de institucionalização e de legitimação de línguas indígenas. Revista de Estudos do Discurso, Imagem e Som – Policromias, v. 1, n. 1, p. 1-19, 2016.
OLIVEIRA, G, M. Brasileiro fala português: Monolinguismo e Preconceito Linguístico. In: SILVA, F. L.; MOURA, H. M. M. (orgs.). O direito à fala: a questão do preconceito linguístico. Florianópolis: Insular, 2002.
MOZZILLO, I. O mito da pureza linguística confrontado pelo conceito de code-switching. In: GT – Plurilinguismo e Contato Linguístico. Anais do CELSUL. 2008.

Autor: Bruno Oliveira, graduado em Licenciatura em Letras – Português e Inglês pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Atualmente, é aluno do mestrado em Aquisição, Variação e Ensino, na mesma universidade.

Diferentes estilos de leitura de textos em língua estrangeira

O que você entende como estilos de leitura em língua estrangeira? Pode deixar que eu te ajudo com isso. Como explicado pelo professor Gerard Westhoff, existem vários estilos de leitura que podemos fazer de um texto, cada uma com um objetivo diferente. Um bom exemplo são a leitura de um livro de ficção científica, um texto em um livro didático e uma receita de bolo. Nós não lemos esses três textos do mesmo jeito, correto? É porque temos objetivos diferentes com cada um deles. Vamos ver quais são os estilos de leitura agora?

Leitura global: é a leitura que fazemos quando queremos apenas saber algo rapidamente, ter uma ideia do que o texto se trata. Um exemplo de quando fazemos uso da leitura global é quando folheamos uma revista no consultório do dentista. Sobrevoamos com os olhos também quando lemos pela primeira vez os textos de uma língua nova, assim conseguimos captar mais rapidamente o conteúdo escrito.

Leitura seletiva: é o típico tipo de leitura que fazemos quando, por exemplo, estamos trabalhando com exercícios escolares. Estamos lendo o texto, mas não focamos em tudo o que está escrito, mas procuramos a resposta para alguma pergunta. Um exemplo de situação onde utilizamos a leitura seletiva é no ENEM.  O objetivo da leitura seletiva é buscar informações específicas quando estamos aprendendo algo novo.

Leitura detalhada: Como já diz no nome, a leitura detalhada é quando lemos o texto inteiro prestando atenção em cada detalhe. Lemos o texto de forma profunda. Usamos também a leitura detalhada quando estamos aprendendo alguma língua nova e precisamos entender bem um conteúdo gramatical.

Nós utilizamos os estilos de leitura diariamente, em situações diversas, sem nos darmos conta: quando vamos ao supermercado, quando lemos um documento antes de assiná-lo; acompanhando as legendas da nossa série preferida, concentrados no texto de uma prova. Portanto, aprender sobre as diferentes formas que lemos, prestando atenção no que queremos quando estamos diante de um texto, nos torna leitores muito mais eficientes.     

Referências
WESTHOFF, G. Fertigkeit lesen. Fernstudieneinheit 17. 7. ed. Langenscheidt/Goethe Institut. München, 2005. p. 100-108.

Autor: Yago Badaró Santino Ribeiro. Graduando em Letras – Português-Alemão pela UFPel.

Não, o português não atrapalha!

Vocês, professores de línguas, pais ou até mesmo estudantes, já se confrontaram ou disseminaram a ideia de que se deve excluir o português das aulas durante a aprendizagem de uma língua estrangeira? Isso é um mito, algo parecido a uma fake news, bastante difundido socialmente.

Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Flag_of_Portuguese_Language.svg

De acordo com a pesquisadora Heloísa Augusta Brito de Mello (2005), há uma forte tendência por parte dos professores de línguas estrangeiras em excluir da sala de aula a(s) língua(s) materna(s) do estudante, com o argumento de que, para o pleno desenvolvimento da sua performance na língua-alvo, é preciso que não haja interferências. Segundo esses professores, as interferências são negativas, uma vez que podem retardar a aprendizagem, além de serem vistas como uma incompetência desse falante/aprendiz em uma outra língua. 

No entanto, como aponta outro estudo de Heloísa Mello (2009), a língua materna pode servir de apoio em determinadas funções, principalmente para o professor, que pode fornecer instruções para a realização de atividades, traduzir palavras ou expressões para esclarecer alguma dúvida, ensinar vocabulário ou estrutura linguística da língua nova, oferecendo suporte ao aluno para o entendimento e incorporação desses itens linguísticos; ensinar teoria para realizar uma reflexão sobre determinados usos da língua-alvo e solicitar explicações ou esclarecimentos para uma melhor compreensão daquilo que está sendo discutido e trabalhado.

Não há razões para excluir a(s) língua(s) materna(s) dos alunos, em particular o português,  durante o processo de ensino e aprendizagem, devido à importância da alternância entre línguas para determinados propósitos comunicativos. Nesse sentido, é necessário  desconstruir crenças e práticas pedagógicas pautadas na ideia de que o português atrapalha o processo de ensinar e aprender outras línguas.

Referências
MELLO, Heloísa. A. B. de. Examinando a relação L1-L2 na pedagogia de ensino de ESL. Revista Brasileira de Lingüística Aplicada. v. 5, n. 1, p. 161-184, 2005.
MELLO, Heloísa. A.B. de. Funções da alternância de línguas na sala de aula de inglês como segunda língua. Linguagem & Ensino, Pelotas, v. 12, n. 1, p. 135-164, 2009.

Autor: Gabriel Zardo. Graduado em Licenciatura em Letras – Português e mestrando no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).

 

Preconceito linguístico e suas manifestações – não devemos proibir formas de falar

O preconceito linguístico é todo juízo de valor negativo a formas de falar e escrever, ou seja, a diferentes variedades linguísticas, com base em crenças sem fundamento científico acerca das línguas e de seus usuários. Porém, você deve ter se perguntando: mas o que são variedades linguísticas? São variações da língua como os sotaques, os dialetos, os regionalismos, as gírias, isto é, as diferenças observadas na fala e na escrita das outras pessoas.

Dessa forma, o preconceito linguístico nada mais é do que o julgamento sobre o modo como o outro fala, influenciado por características culturais, regionais, históricas, de etnia ou de gênero. Esses julgamentos, normalmente, se dirigem às variantes mais informais e ligadas às classes sociais menos favorecidas, em que, na maioria das vezes, as pessoas têm menos acesso à educação formal. 

Algumas manifestações do preconceito linguístico presentes em nosso dia a dia (e que muitas vezes nem percebemos que fazemos) são:

– Interromper as pessoas para corrigir como elas falam;
– Chamar alguém de “burro” por falar diferente;
– Debochar de quem usa gírias;
– Debochar de sotaques regionais;
– Dizer que não conversa com quem fala “errado”;
– Dizer que alguém faltou às aulas de português e que por isso fala “errado”;
– Dizer que quem falar “errado” é preguiçoso porque “hoje em dia tem internet”;
– Falar que os ouvidos doem quando ouve alguém falando “errado”;
– Rir de quem fala “pranta”, “bicicreta” e “chicrete”;
– Dizer que “pra mim fazer” e “eu vou ir” não existem;
– Falar que as pessoas precisam aprender o português antes de aprenderem inglês;
– Acreditar que é necessário escrever “certo” nas redes sociais e criticar as pessoas que não fazem isso;
– Criticar e debochar de quem usa linguagem inclusiva (como, por exemplo, “amigxs” e “todes”);
– Criticar alguém que fala uma língua minoritária. 

A primeira coisa que devemos fazer para combater o preconceito linguístico é ter uma mudança de atitude. Segundo o sociolinguista Marcos Bagno (2020), cada um de nós precisa elevar o grau da própria autoestima linguística e recusar os velhos argumentos que visam menosprezar o saber linguístico individual de cada um. Precisamos nos impor como falantes competentes da nossa língua materna e parar de acreditar que “o brasileiro não sabe português” ou que “o português é muito difícil”. Temos que acionar o nosso senso crítico e filtrar as informações realmente úteis, deixando de lado as afirmações preconceituosas e intolerantes. 

Fonte: https://contramao.una.br/wp-content/uploads/2021/05/Um-pais.jpg

É importante lembrar que, do ponto de vista científico, não existe “erro” de português, pois todo falante nativo de uma língua é plenamente competente nela e consegue diferenciar intuitivamente se uma forma linguística obedece ou não às regras de funcionamento do idioma. O que existe, na verdade, são diferenças de usos em relação ao que é proposto pela gramática normativa, aquela ensinada nas escolas. Essas diferenças nos permitem dizer “tinha uma pedra no caminho” ou “havia uma pedra no caminho”, “vou ir na casa do João” ou “irei na casa do João”, sem que uma seja considerada melhor do que a outra. Cada contexto pedirá uma linguagem mais ou menos formal.

Por último, é preciso entender que toda língua muda e varia. Segundo o pesquisador Marcos Bagno (2020), o que hoje é visto como “certo” um dia já foi considerado como “erro” e, o que hoje é considerado como “errado” pode vir a ser perfeitamente aceito como “certo”. A nossa língua prossegue em sua transformação e, nós devemos buscar entender as diferenças linguísticas, respeitando a identidade de todos os falantes. Como afirma Marcos Bagno (2020), “nós somos a língua que falamos” e, ela molda como vemos o mundo e nosso modo de ver o mundo molda a língua que falamos.

Referências
BAGNO, Marcos. Não é errado falar assim! Em defesa do português brasileiro. São Paulo: Parábola, 2009.
BAGNO, Marcos. Preconceito Linguístico. 56. ed. São Paulo: Parábola, 2020.

Autor: Julia Diogo, graduada em Letras Português e Literaturas de Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). Atualmente, é mestranda em Letras, na linha de Aquisição, Variação e Ensino, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).

Eu uso estrangeirismos. E você?

Fonte: https://pt.slideshare.net/LuanaNobre15/variao-lingusticapptx

O uso de palavras de outros idiomas, isto é, de estrangeirismos no português, é um tópico presente nas redes sociais ou rodas de conversa. Visto como uma ameaça à existência da língua, ou apontado como um tipo de submissão à cultura “estrangeira”, suscita opiniões acaloradas em defesa do idioma nacional. No entanto, o debate, frequentemente, fica no campo das crenças em torno do que é certo e errado na língua, o que acaba validando preconceitos em relação aos falantes.

Para o sociolinguista e professor da Universidade de Brasília, Marcos Bagno, os empréstimos entre as línguas sempre existiram e não são privilégio de um idioma ou outro. O inglês, por exemplo, possui vários termos emprestados do português. Segundo o autor, os estrangeirismos, com o tempo, adaptam-se aos sons, à ortografia e aos sentidos da língua. Quem já não se sentiu jururu (do tupi yuru-ru) e precisou tomar um café (do árabe, qahwa) com açúcar (do sânscrito, sarkara) sob à luz de um abajur (do francês, abat-jour)?

Outro equívoco apontado por Marcos Bagno nas falas de quem se opõe aos estrangeirismos, é concluir que seu uso exclui as pessoas mais simples da comunicação, já que não entenderiam o que é dito. Avaliar os usos que os falantes fazem da língua, levando em conta prestígio social, escolarização e classe econômica não é nada mais do que puro preconceito linguístico, garante o sociolinguista.

Para concluir

A troca entre as línguas é natural: a gente pega emprestado, mas também empresta. Os estrangeirismos resultam dessa troca. Por si só, não ameaçam as línguas e não excluem os falantes da interação com o mundo, muito pelo contrário. Usá-los não faz um povo mais servil ou “colonizado”. As conversas sobre a(s) língua(s) são saudáveis, importantes e necessárias, porém precisam considerar o que dizem as ciências da linguagem para desconstruir crenças e preconceitos.

Referências
BAGNO, Marcos. Cassandra, Fênix e outros mitos. In: FARACO, Carlos Alberto. Estrangeirismos. São Paulo: Parábola, 2001. p. 49-83.

Autora: Andréa Ualt. Licenciada em Letras – Espanhol e Literaturas de Língua Espanhola, mestre em Educação e doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPel. Professora de Espanhol do IFSul-Campus CaVG.

Você não precisa se preocupar em falar como um nativo!

Uma das metas mais comuns entre pessoas que começam a estudar uma língua estrangeira é, um dia, serem capazes de falarem como um falante nativo do idioma que estão aprendendo. De fato, muitos alunos acreditam que só podem se considerar fluentes quando não tiverem mais nenhum traço de sotaque das suas línguas maternas. Mas será que isso – perder o sotaque e falar uma língua estrangeira que nem um nativo – é mesmo possível? Para responder essa pergunta, devemos primeiro entender o que significa aprender uma língua estrangeira.

De acordo com a teoria do professor e pesquisador Larry Selinker (1972), todos nós possuímos uma estrutura linguística latente no cérebro. Conforme temos contato com uma língua, essa estrutura se atualiza, assumindo as formas da língua à qual estamos expostos. Em outras palavras, essa estrutura latente é um dispositivo que, quando ativado, permite que aprendamos outros idiomas. E, quando nos expressamos em outra língua, o que produzimos não é idêntico ao que um nativo produziria, mas sim algo intermediário, situado entre a língua materna e a estrangeira: uma interlíngua.

Podemos enxergar a interlíngua como um continuum com duas extremidades: numa delas, temos a língua materna do aluno; na outra, o falante nativo da língua que o aluno está aprendendo. O aluno, por sua vez, se encontra entre esses dois pontos. Conforme vai estudando as regras e formas da língua estrangeira, ele vai se afastando cada vez mais do ponto inicial e se aproximando do ponto final. Todos aqueles que estiverem em algum ponto desse continuum são considerados bilíngues.

Segundo a professora Isabella Mozzillo (2003), na interlíngua, existem elementos da língua materna do aluno, de quaisquer outras línguas que esse aluno conheça e da língua-alvo. Em outras palavras, a interlíngua é um produto do contato de todas as línguas do sujeito. Novamente de acordo com Larry Selinker (1972), todo falante de uma interlíngua passa por alguns processos, dentre os quais temos: as transferências linguísticas, a supergeneralização e a fossilização.

Transferências linguísticas: quando o sujeito utiliza uma regra que existe na sua língua materna, mas não na língua estrangeira. Exemplo: J’ai acheté un voiture. No exemplo , um aprendiz brasileiro de francês fala “un voiture” porque, em português, fala-se “um carro”. Contudo, em francês, voiture (carro) é um substantivo feminino, e, por isso, a forma correta seria “une voiture”.

Supergeneralização: quando o sujeito aprende uma regra da língua estrangeira e a emprega mesmo quando não é necessária. Exemplo: I goed to the beach yesterday. Nesse exemplo, um aprendiz de inglês, após aprender que deve-se acrescentar um -ed ao final de verbos regulares para conjugá-los no passado, aplica essa regra ao verbo “go”, cuja forma no passado é “went”.

Fossilização: quando o sujeito conserva na sua interlíngua formas de pronúncia ou construção de frases que vêm da sua língua materna e que não consegue deixar de utilizar, independentemente da quantidade de instrução que receba.

O fato é que a imensa maioria daqueles que decidem estudar uma língua estrangeira falarão uma interlíngua. Esse fato, contudo, não deve ser motivo para decepção. Se você fala uma interlíngua, isso significa, antes de mais nada, que você é uma pessoa bilíngue (ou multilíngue). Significa que há um esforço, da sua parte, para entender e se fazer entender pelo outro. A meta de falar da mesma forma que um falante nativo, além de ser irreal, pode, por vezes, levar à frustração. Conservar o sotaque da sua língua materna deve ser motivo não de vergonha, mas de orgulho.

Referências
MOZZILLO, Isabella. A interlíngua construída em ambiente autônomo de aprendizado de línguas estrangeiras. In: NICOLAIDES, Cristine et al. O desenvolvimento da autonomia no ambiente de aprendizagem de línguas estrangeiras. 2003. p.  247-273.
SELINKER, Larry. Interlanguage. IRAL. Boston, MA, v. 10, n. 3, 1972, p. 209-231.

Autor: Leonardo Ribeiro, graduado em Licenciatura em Letras – Português e Inglês pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Atualmente, é aluno do mestrado em Aquisição, Variação e Ensino, com pesquisas em multilinguismo e translinguagem.

Cognatos, cognates, Kognaten, cognados, cognats

Em algumas situações, quando estamos lendo algum texto em uma língua estrangeira, reconhecemos palavras com certas semelhanças com outras línguas. As palavras “emoção”, em português, “Emotion”, em alemão, e “emotion”, em inglês, são alguns exemplos de palavras cognatas entre diferentes línguas.

Os cognatos são definidos como palavras de línguas diferentes que apresentam semelhanças por terem algum vínculo em relação à origem. O pesquisador alemão Ronald Möller (2011) descreve que essa relação é analisada com base no processo evolutivo das línguas, para que comparações possam ser realizadas. 

Os pesquisadores Rena Helms-Park e Vedran Dronjić (2012) afirmam que a relação de significados entre as palavras pode ser direta, por terem a mesma origem, ou indireta, no caso dos empréstimos. Essas palavras semelhantes de línguas diferentes com sentidos diferentes são definidas como falsos cognatos. Por exemplo, Trikot em alemão se refere à camisa de time de futebol. Porém, quando lemos essa palavra ou ouvimos uma transmissão de futebol da TV alemã, possivelmente, o primeiro sentido em que pensamos é numa roupa de lã pesada.

Para fins de pesquisa, busca-se compreender a relação de palavras cognatas, para assim, desvendar os possíveis vínculos entre duas línguas na mente e suas transformações ao longo do tempo.

Referências
MÖLLER, Robert. Wann sind Kognaten erkennbar? Ähnlichkeit und synchrone Transparenz von Kognatenbeziehungen in der germanischen Interkomprehension. Linguistik online, v. 46, n. 2, p. 79–101, 2011. http://dx.doi.org/10.13092/lo.46.373
HELMS-PARK, Rena; DRONJIC, Vedran. Cognates. In: The Encyclopedia of Applied Linguistics. Oxford, UK: Blackwell Publishing, 2012. p. 1–7. https://doi.org/10.1002/9781405198431.wbeal0143

 

Autor: Lisandro Miritz Völz. Graduando em Letras Português e Alemão pela Universidade Federal de Pelotas e  integrante do Laboratório de Psicolinguística, Línguas Minoritárias e Multilinguismo.

Mostre-me como você fala, que eu direi quem é você! É sério?

Com certeza, você já se pegou fazendo comentários sobre como os atendentes de telemarketing usam a língua portuguesa ou como falam os seus vizinhos. Além disso, deve ter opiniões sobre os sotaques do feirante da banca das verduras e do vendedor ambulante, de quem você quer comprar a linda rede nordestina para colocar na varanda. Entretanto, você já parou para pensar por que faz, ou melhor, por que fazemos isso? Por que reagimos e “julgamos” a pronúncia, o sotaque, as formas como as pessoas falam?

Fonte: Arquivo pessoal de Andrea Ualt

Para a pesquisadora brasileira Raquel Freitag, isso se deve a nossa consciência sociolinguística, isto é, a um conjunto de crenças, sentimentos, conhecimento e experiências com a(s) língua(s), que levamos nas nossas memórias. Essa consciência nos faz reagir, avaliar, classificar e entender modos de falar diferentes dos usados por nós, toda vez que os ouvimos.

Algumas das reações que temos sobre a(s) língua(s) não são conscientes: escutamos um determinado sotaque e automaticamente projetamos nossos sentimentos em relação a ele. Outras reações são mais reflexivas, falamos sobre elas: quando como opinamos sobre a “a língua ideal para conseguir um bom emprego”; ou “o melhor português do Brasil”, por exemplo.

Entretanto, a pesquisadora da Universidade de Ohio, Anna Babel, assegura que essas percepções (sejam elas mais ou menos conscientes) sobre modos de falar, sotaques e pronúncias das pessoas estão fortemente ligados a forma como as classificamos, levando em consideração requisitos que não são linguísticos, tais como raça, classe social, escolarização ou mesmo o lugar onde vivem. Para a autora, projetamos nossos preconceitos sociais na língua. Assim sendo, qualquer julgamento que façamos sobre a existência de uma “língua certa” ou um jeito bonito de falar, com certeza não corresponde à realidade dos fatos.

Nesse sentido, a consciência sociolinguística dos falantes é como um tesouro linguístico que, quando decifrado, revela uma série de informações importantes para os linguistas: os modos que entendemos as línguas e as pessoas; quais conhecimentos, crenças e sentimentos as comunidades compartilham sobre os falares uns dos outros; os preconceitos que algumas línguas e dialetos sofrem. A consciência sociolinguística torna possível entender a diferença linguística e cultural não como um problema que precisa ser resolvido ou eliminado, mas como um direito e recurso que melhora nossas relações com as outras pessoas e com o lugar em que vivemos.

Referências
FREITAG, Raquel M. K. O desenvolvimento da consciência sociolinguística e o sucesso no desempenho em leitura. ALFA: Revista de Linguística, São Paulo, v. 65, p. 1-27, 2021.

Vídeo
Como classificamos falantes duma língua?
TED Ideas Worth spreading, 2020, 10min47s. Disponível em: www.ted.com/anna_babel. Acesso em: 23 de agosto de 2022, 14h44min.

Autora: Andréa Ualt
Licenciada em Letras – Espanhol e Literaturas de Língua Espanhola, mestre em Educação e doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPel. Professora de Espanhol do IFSul-Campus CaVG.

Você já ouviu falar em translinguagem?

Tudo começou em 1994, quando o pesquisador Cen Williams criou o termo trawsieithu para denominar um modelo de educação bilíngue, comum no País de Gales desde os anos 1980. O objetivo desse estilo de aula era expor os alunos a material em língua inglesa – livros, vídeos, imagens – e estimulá-los a produzir algo – um texto, uma apresentação oral, uma discussão – em língua galesa. Isso quer dizer que a trawsieithu reunia a língua materna dos alunos e a língua que eles estavam aprendendo em uma mesma lição. A grande finalidade desse método era desenvolver o bilinguismo dos alunos, que é a habilidade de gerenciar duas ou mais línguas, segundo as pesquisadoras Isabella Mozzillo e Karen Spinassé (2021).

Com o passar do tempo, o termo trawsieithu foi traduzido para o inglês como translanguaging (em português: translinguagem). Além disso, o termo, além de ganhar um novo nome, ganhou também um novo significado. A professora Ofelia García (2017) se tornou um nome importante neste assunto ao chamar de translinguagem os usos da linguagem que falantes bilíngues empregam no dia-a-dia e de que formas utilizam as suas línguas para se comunicarem em diferentes situações. Segundo a autora, bilíngues não possuem duas línguas separadas dentro do cérebro. Não! O que eles realmente possuem é um único repertório linguístico, composto por elementos – sons, palavras, expressões etc. – de todas as línguas que conhecem. Dependendo da situação na qual se encontram, essas pessoas utilizarão somente elementos da língua X (pois podem estar conversando com alguém que fale somente essa língua); e haverá situações em que essas pessoas poderão utilizar elementos tanto da língua X quanto da língua Y, caso estejam frente a frente com outro bilíngue que conheça as mesmas línguas que elas.

Fonte: https://www.kinderaerztliche-praxis.de/a/gelebte-mehrsprachigkeit-mit-translanguaging-1813177

A professora García, em parceria com a pesquisadora Sara Vogel (2017), explica que o prefixo trans (da palavra “translinguagem”) serve também para designar determinados usos da linguagem que não podem ser classificados nem como uma língua nem outra. São nesses casos que os indivíduos “translinguam” – isto é, empregam formas linguísticas que reúnem elementos de mais de uma língua (trollar, crushzinho etc).

Isso ocorre porque, de acordo com a pesquisadora Tatyana Kleyn (2019), termos como “inglês”, “chinês” e “espanhol” servem para estabelecer uma diferença entre povos e nações, mas não possuem nenhuma função a nível mental. Isso significa que o único lugar onde as línguas estão separadas é nos mapas mundiais. Dentro do cérebro, as línguas estão reunidas e entrelaçadas, e é justamente por isso que usos translíngues da linguagem são tão comuns entre sujeitos que falam duas ou mais línguas.

Referências
LEWIS, Gwyn; JONES, Bryn; BAKER, Colin. Translanguaging: Origins and development from school to street and beyond. Educational Research and Evaluation: An International Journal on Theory and Practice, v. 18, n. 7, p. 641–654, 2012.
KLEYN, Tatyana; GARCÍA, Ofelia. Translanguaging as an Act of Transformation: Restructuring Teaching and Learning for Emergent Bilingual Studentes. In: OLIVEIRA, Luciana. (org.) The Handbook of TESOL in K-12. John Wiley & Sons Ltd., 2019. p. 69-82.
MOZZILLO, Isabella; PUPP SPINASSÉ, Karen. Políticas linguísticas familiares em contexto de línguas minoritáriasLinguagem & Ensino, Pelotas, v. 23, n. 4, p. 1297-1316, 2020.
VOGEL, Sara; GARCIA, Ofelia. Translanguaging. Oxford Research Encyclopedia of Education, USA, p. 1-19, 2017.

Autor: Leonardo Ribeiro, graduado em Licenciatura em Letras – Português e Inglês pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Atualmente, é aluno do mestrado em Aquisição, Variação e Ensino, com pesquisas em multilinguismo e translinguagem.

 

Estratégias de aprendizagem de língua estrangeira: o que são e para que servem?

O que você considera uma estratégia de aprendizagem? Como explicam os pesquisadores Sandra Ballweg e outros, estratégias são métodos utilizados para conseguir atingir um objetivo ou uma meta, como aprender uma nova língua, por exemplo. Tais estratégias podem variar de pessoa para pessoa, pois o processo de internalizar as informações é um processo individual em que se consideram as características dos aprendizes: se são mais reservados e observadores, mais ou menos comunicativos, entre outras. O intuito de usar estratégias é tornar a aprendizagem mais efetiva dentro e fora da sala de aula.

Para que o aprendiz consiga escolher a melhor estratégia, é necessário que ele conheça diferentes estratégias. Ele pode escolher entre estratégias diretas e indiretas. Essas categorias foram criadas pela pesquisadora Rebecca Oxford. As estratégias diretas possibilitam armazenar informações que representam o que aprendeu e lembrou. Alguns exemplos são:

  • Praticar: quanto maior for a frequência, melhor poderão ser os resultados alcançados. É bom que a prática tenha intervalos de tempo (por exemplo, um dia), pois isso facilita a memorização.
  • Reler, falar e repetir o que se escuta: quanto mais exercitar estes três pontos, com mais facilidade poderá conseguir os resultados das próximas vezes.
  • Refazer exercícios, variando a modalidade (oral e escrita, por exemplo).
  • Associar as palavras da língua estrangeira com palavras cognatas da língua materna ou de outras línguas
  • Memorizar, por exemplo, formando frases para utilizar um novo vocabulário.

Já as estratégias indiretas abrangem planejamento emocional e comunicativo. Alguns exemplos são:

  • Organizar a aprendizagem por meio de metas, planejamento e avaliação.
  • Motivar-se para encontrar novas formas de aprender.
  • Interagir com outros aprendizes para apoiar-se e adquirir conhecimento.

As estratégias de aprendizagem existem para auxiliar o aprendiz a aprender da maneira mais eficiente possível. O aprendiz precisa ter conhecimento das estratégias existentes para conseguir procurar a que melhor combine com seu modo de aprender.

Referências
BALLWEG, Sandra et al. Wie lernt man die Fremdsprache Deutsch? Buch mit DVD (DLL 2 – Deutsch lehren lernen: Fort- und Weiterbildung weltweit). München: Klett-Langenscheidt/Goethe Institut, 2013.
OXFORD, Rebecca L. Language learning strategies: what every teacher should know. Boston: Heinle & Heinle, 1990.

Autor: Yago Badaró Santino Ribeiro. Graduando em Letras – Português-Alemão pela UFPel.