Arquivo da categoria: Políticas linguísticas

Você também pode ser ativista!

O ativismo linguístico, segundo a pesquisadora Haley de Korne (Universidade de Oslo, Noruega), é um projeto social que busca combater as desigualdades linguísticas e pode abranger muitas pessoas e ações. No livro publicado em 2021, a autora apresenta várias formas de ativismo, relacionadas à defesa, à promoção e à tomada de posição como parte de um projeto político que resiste às desigualdades e cria novos caminhos através da equidade linguística.

Para ser um ativista linguístico, segundo a autora do livro “Language activism” não é necessário ter estudado Letras ou alguma área afim nem trabalhar diretamente com a linguagem. Algumas atividades do ativista, como traduzir, interpretar, criar dicionários, ministrar oficinas, ter conhecimentos de línguas específicas requerem conhecimento técnico; porém, muitas outras requerem habilidades que um especialista em Letras normalmente não possui. Diferentes habilidades são necessárias: manejar softwares, lidar com redes sociais, articular-se politicamente, criar materiais didáticos, saber um pouco de design, editar áudios e vídeos, dirigir carro para ir até as comunidades, coordenar ações, entre muitas outras, dependendo do objetivo da ação.

Cada pessoa pode contribuir com as habilidades que possui. Pessoas que pertencem às comunidades a que o ativismo se destina e até mesmo as que não pertencem podem trabalhar em conjunto, contribuindo para a equidade linguística. Algumas ações requerem diversas pessoas, outras requerem apenas uma. Ou seja, você pode ser ativista!

O que você pode fazer?

  • Compartilhar conhecimento linguístico com familiares, amigos e colegas em qualquer momento oportuno (por exemplo, na mesa de bar, durante refeições, na rua etc.).
  • Posicionar-se diante de qualquer preconceito sobre manifestações linguísticas (por exemplo, linguagem inclusiva, sotaque, dialetos não padrão etc.).
  • Ministrar oficinas e organizar rodas de conversa sobre línguas e linguagem em escolas ou outras instituições.
  • Auxiliar migrantes ou outras minorias linguísticas, como surdos e falantes de línguas minoritárias, em tradução e interpretação.
  • Possibilitar o acesso fácil à informação (por exemplo, editais, leis e normativas) por meio da linguagem simples ou explicações.
  • Disseminar conhecimento linguístico útil para a comunidade em geral nas redes sociais.
  • Não se excluir de pessoas falantes de outras línguas e/ou variedades linguísticas, mas sim tentar se comunicar com elas.
  • Lutar para que uma língua/cultura não seja excluída ou não se sinta excluída da sociedade.
  • Criar recursos audiovisuais e textuais em línguas minoritárias (por exemplo, receitas culinárias, panfletos/folders/cartazes com informações de interesse público e de acesso a serviços públicos, livros de poemas, ditos populares e contos).
  • Valorizar repertórios plurilíngues como um tesouro linguístico.  
  • Documentar línguas, criar dicionários, glossários ou outros materiais. 
  • Preservar materiais escritos como cartas, livros e outros artefatos com escritos em diferentes línguas.
  • Incluir línguas minoritárias em plataformas digitais.
  • Possibilitar que mais línguas além do português possam ser usadas em eventos oficiais e não oficiais, incluindo cartazes, sinalizações e orientações, podendo-se, inclusive, empregar recursos audiovisuais disponíveis por QR-code para línguas sinalizadas e orais. 
  • Criar estruturas como escolas bilíngues e aulas de língua minoritária na universidade. 
  • Formar professores e tradutores de línguas minoritárias. 
  • Criar condições para que falantes possam ler e escrever em língua minoritária. 
  • Envolver falantes de língua minoritária na escola e na universidade. 
  • Promover e legitimar línguas minoritárias e variedades não padrão e lutar para que elas sejam mais bem aceitas na sociedade. 
  • Fazer as línguas minoritárias e outras variedades linguísticas serem mais presentes no cotidiano das cidades por meio da paisagem linguística.
  • Ouvir e divulgar filmes, vídeos e músicas em línguas minoritárias.
  • Incentivar a aprendizagem de línguas de forma geral, o que auxilia em uma postura aberta a outras línguas.

Apresentamos aqui somente algumas ideias que coletamos no livro de Haley de Korne e, a partir dessa leitura, incluímos outras que debatemos no nosso grupo de pesquisa. Caso você tenha outras ideias, sinta-se à vontade para comentar! Encontre a sua causa! Vamos nos unir no ativismo linguístico!

Referência
DE KORNE, Haley. Language activism: imaginaries and strategies of minority language equality. Boston/Berlin: De Gruyter, 2021.

Autores: Bernardo Kolling Limberger, Andrea Cristiane Kahmann, Isabella Mozzillo e Lucas Löff Machado, ativistas, docentes da UFPEL e integrantes do Laboratório de Psicolinguística, Línguas Minoritárias e Multilinguismo – Laplimm.

Só viajar conta? Explorando línguas e culturas na internacionalização

A internacionalização tem, sim, relação com viagens, mas ela vai muito além disso. Trago aqui algumas ações de internacionalização em casa, conceito criado por Jos Beelen e Elspeth Jones em 2015, que são importantes para o processo.

A primeira delas é a tradução de websites. O site de uma universidade, muitas vezes, é a sua vitrine para estrangeiros. Quando ele tem a opção de ao menos uma língua estrangeira, ele capta estrangeiros que podem não saber português. Conhecendo algum projeto de pesquisa, a pessoa pode solicitar mobilidade para cá, ou até ingressar regularmente, principalmente se já souber um pouco de português.

Falando em estrangeiros, eles podem chegar com pouco conhecimento de português, mas precisam cumprir as mesmas tarefas de um estudante brasileiro, ou seja, escrever e apresentar trabalhos e fazer provas em português. É com auxílio dos cursos de português para estrangeiros – outra ação de internacionalização – eles cumprem essas demandas e, além disso, se integram à comunidade local.

E mais: a tradução de textos. Um artigo em português tem um certo impacto, enquanto o mesmo artigo em uma língua estrangeira, principalmente (mas não só!) em inglês, pode ter um impacto maior, chegando a públicos que não falam português. Essa é uma ação disponível em muitas universidades – além de pessoas que buscam a tradução por conta própria.

Finalmente, temos a possibilidade de aulas DE e EM língua estrangeira. Essas são duas ações próximas, mas diferentes. Em uma aula DE língua estrangeira, a pessoa se prepara para ler, escrever, e talvez viajar e se comunicar em outra língua. Uma aula EM outra língua exige que tanto o professor quanto os alunos tenham boas habilidades em determinado idioma, para que o conteúdo normal seja passado e avaliado naquela língua. Isso é uma ação que pode ajudar ainda mais alunos estrangeiros que chegam na instituição e querem participar ativamente das aulas.

Então, essas foram algumas das ações de internacionalização em casa focadas em políticas linguísticas que não necessariamente têm a ver com mobilidade, mas que sim, impactam profundamente o contexto acadêmico para todos os alunos e servidores – e agregados – da instituição. Então, na próxima vez que falarem que internacionalização é só viajar, responda que: NÃO!

 

Referência

BEELEN, Jos.; JONES, Elspeth. Redefining Internationalization at Home. In: CURAJ, Adrian. et al. (Org.) The European Higher Education Area: between critical reflections and future policies. Cham: Springer,  2015. p. 59-72.

Autora: Marília Lima Martins – doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), com mestrado e licenciatura em Letras e bacharelado em Relações Internacionais pela mesma instituição. É professora de inglês e professora de português como língua adicional.

Quais os direitos das pessoas surdas usuárias da Libras no ensino superior?

Muitas pessoas surdas têm receio de fazer uma graduação por pensar que será difícil, pois usam a Língua Brasileira de Sinais – Libras. Não se pode prometer tranquilidade durante os estudos universitários, mas conhecer melhor os seus direitos como falante de uma língua minoritária pode ajudar bastante. Línguas minoritárias são línguas faladas por um grupo específico, menor que a população em geral, mas que tem influência na construção da identidade e da cultura dessas pessoas. Direitos linguísticos são construídos através de Políticas Linguísticas, o que, resumidamente, são decisões tomadas acerca do uso das línguas.

O uso da Libras como língua de comunicação e pela qual se aprende algo novo no ambiente acadêmico é um direito linguístico da Comunidade Surda brasileira, alcançado graças às leis vigentes. A primeira foi a Lei de Acessibilidade, que diz que as pessoas surdas também devem ter acesso à comunicação. Com a Lei de Libras, em 2002, isso deve ser realizado através da Libras, se elas assim desejarem, com professores e outras pessoas envolvidas na aprendizagem.

Na Lei 14.191, documento mais atual sobre a educação de surdos, pode se ler que a universidade precisa dispor de ensino bilíngue, de assistência estudantil e, ainda, estimular a pesquisa e o desenvolvimento de programas especiais. Para além da sala de aula, espera-se que a universidade adeque-se às normativas legais, como à obrigatoriedade de tradução completa de editais e outros documentos oficiais em Libras (Lei 13.146).

Essas são algumas das ações que se alinham a uma Política Linguística buscando dar maior visibilidade para a Libras e apoiar o ensino das pessoas surdas nos diferentes níveis, incluindo o Ensino Superior. Mesmo assim, elas não tornam a faculdade mais fácil. As pesquisadoras Ana Paula Santana e Aline Darde trazem algumas considerações sobre o acesso e a permanência dos universitários surdos, são elas: as barreiras em relação à Língua Portuguesa e a falta de ferramentas e estratégias visuais para o ensino.

A instituição precisa estar atenta às atualizações na legislação, mas sabe-se que muitas regras somente são colocadas em prática e obedecidas quando são reivindicadas pelas pessoas envolvidas. Então, fica a dica!

Referências
BRASIL. Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras, e o art. 18 da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Brasília: Presidência da República, 2005.
BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei brasileira de inclusão da pessoa com deficiência (Estatuto da pessoa com deficiência). Brasília: Presidência da República, 2015.
BRASIL. Lei Nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências. Brasília: Presidência da República, 2000.
BRASIL. Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras e dá outras providências. Brasília: Presidência da República, 2002.  
BRASIL. Lei nº 14.191, de 03 de agosto de 2021. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), para dispor sobre a modalidade de educação bilíngue de surdos. Brasília: Presidência da República, 2021.
DARDE, Aline Olin Goulart, SANTANA, Ana Paula de Oliveira. Letramento de Surdos Universitários no Brasil: o Bilinguismo em Questão. Revista Ibero-americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 16, n. 2, p. 761-782, abr./jun. 2021. 

Autora: Joseane Maciel Viana, graduada em Licenciatura em Letras – Português e Inglês, com Mestrado em Letras, pela Universidade Federal de Pelotas. Atualmente, é aluna do Doutorado em Aquisição, Variação e Ensino, na mesma universidade.

Português brasileiro para estrangeiros

Você sabia que não são só os cidadãos brasileiros que estudam o português brasileiro? Atualmente, muitas pessoas de outros países onde não se fala a nossa língua se interessam em aprender o nosso português. Isso ocorre devido a diversas motivações, as principais são oportunidades de emprego e estudo, migrações e casamentos.

A maioria dos cursos de português para falantes de outras línguas ocorre nas universidades brasileiras. Na cidade de Pelotas/RS, por exemplo, a Universidade Federal de Pelotas, por meio dos programas Idiomas sem Fronteiras e Português para Estrangeiros, oferece cursos gratuitos de português aos estudantes estrangeiros da instituição, bem como à comunidade em geral.

Fonte: UFPel Internacional. Disponível em: https://lh3.googleusercontent.com/p/AF1QipOh_8YrOA1yvcS1c8hacn8gjEW1dZ5JNu1nD4_K=s680-w680-h510

Nos últimos anos, a UFPel vem realizando diversas ações relacionadas ao português como língua adicional (também chamada de língua estrangeira). Essas ações visam promover o respeito e a valorização da diversidade linguística presente na universidade e na cidade de Pelotas. Desse modo, as línguas devem ser respeitadas e valorizadas para possibilitar o acolhimento de toda a sociedade.

A oferta de cursos de português brasileiro para estrangeiros ocorre, sobretudo, para que a língua não seja uma barreira na vida dos estrangeiros que chegam à cidade de Pelotas e precisam aprender a falar português. As professoras Vanessa Damasceno e Helena Selbach (2021) afirmam que o Programa de Português para Estrangeiros da UFPel atende cerca de 40 alunos estrangeiros por semestre, advindos de vários países e com diferentes línguas maternas.

Considerando a grande diversidade linguística presente no Brasil, o professor Marcos Bagno (2015) declara que todas as pessoas são dotadas das mesmas capacidades cognitivas e que todas as línguas são instrumentos perfeitos para dar conta de expressar e construir a experiência humana no mundo. Sendo assim, um gaúcho fala português de maneira diferente de um mineiro; nesse sentido, uma pessoa de outro país que está aprendendo português falará de uma forma distinta. É importante respeitar as culturas e as várias formas de falar de cada um.

Referências
BAGNO, Marcos. Preconceito Linguístico. 56. ed. São Paulo: Parábola, 2020.
DAMASCENO, Vanessa Doumid; SELBACH, Helena Vitalina. O Programa Português para Estrangeiros: panorama de ações e contribuições para a educação de professores de PLA. Entretextos, v. 21, n. 3 Esp., p. 151-162, 2021.
UFPEL – Universidade Federal de Pelotas. Conselho Coordenador do Ensino, da Pesquisa e da Extensão. Resolução n° 01/2020, de 20 de fevereiro de 2020. Institui a política linguística da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Pelotas: Conselho Coordenador do Ensino, da Pesquisa e da Extensão, 2020.

Autor: Lucas Röpke da Silva – Graduado em Letras Português e Espanhol pela Universidade Federal de Pelotas. Atualmente, é aluno do mestrado acadêmico em Letras da UFPel na linha de Aquisição, Variação e Ensino.

Eu uso estrangeirismos. E você?

Fonte: https://pt.slideshare.net/LuanaNobre15/variao-lingusticapptx

O uso de palavras de outros idiomas, isto é, de estrangeirismos no português, é um tópico presente nas redes sociais ou rodas de conversa. Visto como uma ameaça à existência da língua, ou apontado como um tipo de submissão à cultura “estrangeira”, suscita opiniões acaloradas em defesa do idioma nacional. No entanto, o debate, frequentemente, fica no campo das crenças em torno do que é certo e errado na língua, o que acaba validando preconceitos em relação aos falantes.

Para o sociolinguista e professor da Universidade de Brasília, Marcos Bagno, os empréstimos entre as línguas sempre existiram e não são privilégio de um idioma ou outro. O inglês, por exemplo, possui vários termos emprestados do português. Segundo o autor, os estrangeirismos, com o tempo, adaptam-se aos sons, à ortografia e aos sentidos da língua. Quem já não se sentiu jururu (do tupi yuru-ru) e precisou tomar um café (do árabe, qahwa) com açúcar (do sânscrito, sarkara) sob à luz de um abajur (do francês, abat-jour)?

Outro equívoco apontado por Marcos Bagno nas falas de quem se opõe aos estrangeirismos, é concluir que seu uso exclui as pessoas mais simples da comunicação, já que não entenderiam o que é dito. Avaliar os usos que os falantes fazem da língua, levando em conta prestígio social, escolarização e classe econômica não é nada mais do que puro preconceito linguístico, garante o sociolinguista.

Para concluir

A troca entre as línguas é natural: a gente pega emprestado, mas também empresta. Os estrangeirismos resultam dessa troca. Por si só, não ameaçam as línguas e não excluem os falantes da interação com o mundo, muito pelo contrário. Usá-los não faz um povo mais servil ou “colonizado”. As conversas sobre a(s) língua(s) são saudáveis, importantes e necessárias, porém precisam considerar o que dizem as ciências da linguagem para desconstruir crenças e preconceitos.

Referências
BAGNO, Marcos. Cassandra, Fênix e outros mitos. In: FARACO, Carlos Alberto. Estrangeirismos. São Paulo: Parábola, 2001. p. 49-83.

Autora: Andréa Ualt. Licenciada em Letras – Espanhol e Literaturas de Língua Espanhola, mestre em Educação e doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPel. Professora de Espanhol do IFSul-Campus CaVG.

A internacionalização das universidades brasileiras e a importância do ensino de línguas estrangeiras no ambiente acadêmico

Em 2009, os membros da Conferência Mundial sobre Ensino Superior, organizada pela UNESCO, determinaram que um dos objetivos da educação superior no Brasil seria o da busca pela internacionalização das instituições de ensino superior. Mas o que é esse processo? De que forma uma universidade pode se internacionalizar? Qual o objetivo desse empreendimento? Como ele é atingido?

Dentre os propósitos da internacionalização, estão: a busca pela cooperação entre universidades do mundo todo; maior mobilidade acadêmica, enviando estudantes brasileiros a instituições de outros países; e estimular, de forma respeitosa, o contato entre diferentes culturas.

A professora Jane Knight (2008) classifica as razões pelas quais uma universidade se internacionaliza em quatro categorias: sociais/culturais, políticas, econômicas e acadêmicas. Essas motivações, no entanto, tendem a variar de país para país. De acordo com as pesquisadoras Laura Baumvol e Simone Sarmento (2016), em países do hemisfério norte, por exemplo, a principal razão para o processo de internacionalização tende a ser econômica. Instituições de ensino superior da América do Norte e da Europa, na sua maioria privadas, se beneficiam de alunos estrangeiros e das altas mensalidades que eles pagam. Já em países em desenvolvimento, as universidades, ao se internacionalizarem, buscam, sobretudo, parcerias com outras nações, maior mobilidade acadêmica, enviando alunos brasileiros para outros países (algo que se tornou particularmente desafiador em razão dos cortes de verbas mais recentes), além de oportunizar a todos os membros da comunidade acadêmica o contato com outras culturas.

Mas, na prática, como essa internacionalização acontece? Um dos carros-chefes nesse processo são os programas de mobilidade acadêmica, como, por exemplo, o Ciência sem Fronteiras (CsF), cujo objetivo era enviar alunos e pesquisadores do Brasil a instituições de outros países. Além disso, há também políticas de Internacionalização em Casa, cuja finalidade é oferecer a alunos não contemplados por bolsas do CsF o contato com aspectos internacionais e interculturais. Entre essas políticas, está a presença de alunos e professores internacionais em campi brasileiros, estudando/lecionando aqui.

Contudo, segundo os pesquisadores Gabriel Amorin e Kyria Finardi (2017), um dos maiores obstáculos rumo à internacionalização é a barreira linguística. A fim de que esta aconteça com sucesso, são de grande importância programas como o Idiomas sem Fronteiras (IsF) – originalmente Inglês sem Fronteiras (IsF) -, cujo propósito era, no seu princípio, o de ajudar os alunos contemplados pelas bolsas do Ciência sem Fronteiras a obter a proficiência em língua inglesa necessária para participar do programa. Com o passar do tempo, o Inglês sem Fronteiras evoluiu para Idiomas sem Fronteiras, passando a oferecer aulas de outras línguas também. Através de estratégias como essas, o processo de internacionalização acontece de forma democrática, tocando o maior número possível de pessoas.

Fonte: https://isf.mec.gov.br/

Referências

AMORIN, G. B.; FINARDI, K. R. Internacionalização do ensino superior e línguas estrangeiras: evidências de um estudo de caso nos níveis micro, meso e macro.  Avaliação, v. 22, n. 3, p. 614-632, 2017.
BAUMVOL, L. K.; SARMENTO, S. A internacionalização em casa e o uso de inglês como meio de instrução. Florianópolis: Echoes, 2016, p. 65-82.
KNIGHT, J. Higher Education in Turmoil: the Changing World and Internationalization. Rotterdam: Sense Publishers, 2008.

Autor: Leonardo Ribeiro, graduado em Licenciatura em Letras – Português e Inglês pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Atualmente, é aluno do mestrado em Aquisição, Variação e Ensino, com pesquisas em multilinguismo e translinguagem.

Por que as pessoas insistem em falar outras línguas além do português?

Fonte: https://www.istockphoto.com/br/ilustra%C3%A7%C3%B5es/language-barrier

A resposta para a pergunta feita no título é bastante simples: porque falar a língua materna é um direito de todos. Estão erradas as pessoas que defendem o ideal de que no Brasil se deve apenas falar português. Ao analisarmos os dados em relação aos idiomas usados no País (SIMONS; FENNIG, 2020), verificamos a existência de 218 línguas utilizadas pela população. No entanto, a maior parte dessas não recebe a devida importância por serem línguas minoritárias.

Línguas minoritárias são aquelas faladas por pequenos grupos de pessoas, em um ambiente no qual a língua nacional é diferente. Esses idiomas servem como meio de comunicação em diversas comunidades (NARDI, 2004). É o caso das línguas de origem indígena, africana, alemã, italiana. Mesmo não tendo destaque, é fundamental que elas sejam protegidas da extinção.

Existem algumas iniciativas governamentais que buscam chamar a atenção para o valor dessas línguas como, por exemplo, as ações do Colegiado da Diversidade Linguística do Rio Grande do Sul (2018). O governo do Rio Grande do Sul considera a diversidade linguística como um patrimônio cultural, que reflete a história e a cultura dos povos que as falam. Também, entende que o conhecimento proveniente do domínio de um idioma auxilia os falantes nas possibilidades de mobilidade e acesso a culturas diversas – a cultura da sua comunidade e a cultura nacional. Compreende, ainda, que seu uso pode aumentar a potencialidade econômica e científica de seus falantes. Todas essas razões favorecem a manutenção das línguas minoritárias.

Fonte: https://www.ufrgs.br/projalma/documento-sobre-a-diversidade-linguistica/

Falantes e não falantes de línguas minoritárias devem exigir o desenvolvimento de planos destinados à garantia de existência desses idiomas. Estudos recentemente desenvolvidos enumeram uma série de estratégias de proteção às línguas minoritárias (HORST; KRUG; FORNARA, 2017). Espaços como o ambiente escolar, a comunidade e as famílias são os mais importantes para a conscientização de que essas línguas devem ser preservadas. Muito pode ser feito a partir de atividades de promoção dos idiomas, sendo alguns exemplos: oficinas, seminários, apresentações teatrais e musicais, desenvolvimento das habilidades escritas e orais, incentivo do uso das línguas em rádios locais, em momentos recreativos e na convivência familiar.

Em síntese, é preciso entender que falar uma língua minoritária não se trata de “insistir”, mas de exercer um direito.

Referências
SIMONS, G.; FENNIG, C. Ethnologue: Languages of the World. Dallas: SIL International, 2017. Disponível em: https://www.ethnologue.com/country/BR. Acesso em: 09 set. 2020.
NARDI, J. Línguas minoritárias e memórias. Resgate: Revista Interdisciplinar de Cultura, v. 12, n. 1, p. 117–134, 2004.
COLEGIADO DA DIVERSIDADE LINGUÍSTICA DO RIO GRANDE DO SUL. Diversidade linguística do RS: inventariar, reconhecer, salvaguardar, promover. Conselho Estadual de Cultura do RS. Documento. Porto Alegre, 2018.
HORST, C.; KRUG, M.; FORNARA, A. E. Estratégias de manutenção e revitalização linguística no Oeste Catarinense. Organon, v. 32, n. 62, p. 1–16, 2017.

Autora: Aline Behling Duarte
Possui graduação em Letras – Português/Inglês e respectivas Literaturas, na Universidade Federal de Pelotas (2012). Mestra em Letras pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Pelotas, na área de concentração – Estudos da Linguagem (2018). Atualmente é integrante do Laboratório de Psicolinguística, Línguas Minoritárias e Multilinguismo (LAPLIMM) e doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Pelotas, na linha de pesquisa Aquisição, variação e ensino.

 

 

Língua: ponte ou barreira? O caso dos imigrantes senegaleses

Você já imaginou ter de deixar de falar a sua língua para ser aceito e compreendido em outro país?

Essa é a situação pela qual muitas pessoas que decidem mudar de país passam. Vários são os fatores para a mudança, alguns buscam condições financeiras melhores; outros buscam refúgio e paz. No Brasil, essa é a realidade de milhares de imigrantes senegaleses. De acordo com dados do Comitê Nacional para Refugiados (Conare), desde 2002, houve 8.555 solicitações de reconhecimento da condição de refugiado por parte dos senegaleses, sendo que poucos foram deferidos. Há 5.995 pedidos de cidadãos do Senegal na fila.

https://www.researchgate.net/figure/Figura-1-Rota-dos-imigrantes-senegaleses-em-direcao-ao-Rio-Grande-do-Sul_fig4_312088597

Essa é a principal rota da presença e da cultura senegalesa. O percurso se inicia no Equador, depois seguem para o Paraguai, Argentina e finalmente Rio Grande, onde vivem mais de 200 senegaleses, mudando a cara do município, por conta da sua cor, costumes e sonoridade linguística.

Na ânsia de uma vida melhor, deixam família, trabalho, amigos e também a língua do cotidiano, a língua materna, a língua de herança. Isso mesmo, língua de herança, ou seja, aquela que os imigrantes deixam de falar quando habitam outros países. No Senegal, o idioma oficial é o francês, o qual é falado por uma minoria, o país é multilíngue, tendo mais de 30 línguas.  Grande parte da população utiliza o Wolof para a comunicação, inclusive, aqui, no Brasil.

Como e por que preservar a língua de herança é uma questão relacionada com o desejo de manter ou não o vínculo com a representação sócio-econômica-histórica de um país.

Jornal Agora (2015)

Com a finalidade de conseguirem se manter e enviarem recursos para sua família, os imigrantes se inserem na sociedade na medida em que vendem suas mercadorias, assim, aprendem o novo idioma, deixando a sua língua de herança para os momentos de lazer com seus compatriotas. Muitos desses ocorrem nos encontros religiosos, os senegaleses são muçulmanos e mantém o costume de orar.

Jornal Agora (2015)

Cinco anos se passaram da chegada dos primeiros senegaleses na cidade e há ainda muito a fazer no que se refere à inserção destes na comunidade, bem como aos seus direitos como cidadãos. Alguns já trouxeram suas famílias, seus filhos serão bilíngues e irão conviver com as diferentes culturas, permeadas pela língua que, primeiramente, vista como barreira, torna-se ponte.

Referências
FLORES, Cristina. Bilinguismo Infantil. Um legado valioso do fenômeno migratório.  Diacrítica: Revista do centro de estudos Humanísticos, v. 31, n. 3, p. 237-520, 2017.
JORNAL AGORA. Um pedaço do Senegal em Rio Grande. Rio Grande. Julho de 2015. Disponível em: https://pt.calameo.com/books/000337975ebe556b9efdf. Acesso em: 23 de set. 2020.
MOZZILLO, Isabella. Algumas considerações sobre o bilinguismo infantil. Veredas, v. 19, n. 1, 0. 147-157, 2015.  
PEREIRA, Vilmar; LEMOS, Luciane Oliveira. Senegaleses em Rio Grande. Diálogo Intercultural no além mar, v. 4, p. 1-18, 2018. 

Autora: Rita de Nóbrega
Possui Graduação em Letras-Português (2005), pela FURG, e Mestrado em Linguística Aplicada (2014), pela UCPel. Atualmente, é doutoranda do  Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPel. Possui experiência docente na Rede Municipal de Ensino e Ensino Superior.

Língua e descolonização

Os séculos de colonização portuguesa no continente africano – e em Angola de forma específica – deixaram suas marcas: na língua falada, nos costumes, na história, nas memórias, na literatura. Nesse sentido, mesmo com a conquista da tão sonhada independência, é impossível retornar a uma época na qual os africanos ainda não haviam mantido contato com os europeus.

Um desses impactos consiste na questão da língua utilizada no país africano para a comunicação no cotidiano, para a produção de documentos oficiais ou para a escrita de obras literárias. Após a conquista da independência angolana, em 1975, a língua portuguesa – a língua do ex-colonizador, do opressor – foi adotada como idioma oficial do país. Muitos poderiam se questionar sobre as consequências da escolha, da preferência pela língua portuguesa: os idiomas africanos não poderiam ter primazia?

Estudiosos, como Laura Padilha (2002), apontam que o uso da língua portuguesa pelos angolanos não acontece de forma passiva. Dessa forma, o português, anteriormente sinal e evidência do colonizador, da escravidão e da opressão, torna-se uma importante ferramenta de revolução social, a partir da reinvenção e da renovação da língua do silenciador pelo silenciado. Uma vez usada pelos novos falantes de acordo com suas necessidades, a língua do dominador se volta contra a dominação. Faz parte dessa transformação do português a incorporação de palavras, expressões e estruturas sintáticas das línguas africanas – e, dessa forma, a língua europeia vai ganhando contornos angolanos.

As literaturas das ex-colônias portuguesas são chamadas por Pires Laranjeira (2000) de literaturas calibanescas, pois foram obrigadas a deglutir a literatura portuguesa, misturada com a brasileira, afro-americana, africanas etc., para criar algo só seu, para marcar a sua diferença. Assim, tendo em vista a importância da apropriação da língua portuguesa e da sua transformação em um idioma angolanizado para a solidificação da nação, fica claro o papel de destaque da literatura no processo. Como explica Edward Said (2011), o imperialismo se reforçou a partir de um discurso que o tornava algo natural e correto e a literatura em muito contribuiu para a propagação desse discurso. Dessa forma, a literatura igualmente assumiu o papel oposto de marcar a necessidade da independência, do reconhecimento dos povos africanos e da violência perpetrada sobre eles ao longo dos séculos de colonialismo.

Fonte:   Mayombe               Teoria Geral do Esquecimento         Mãe, Materno Mar                    Os transparentes 

 

Referências
LARANJEIRA, Pires (org.). Negritude africana de língua portuguesa: textos de apoio (1947-1963). Coimbra: Angelus Novus, 2000.

PADILHA, Laura Cavalcante. Novos pactos, outras ficções: ensaios sobre literaturas afro-luso-brasileiras. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002.

SAID, Edward. Cultura e imperialismo. São Paulo: Companhia das letras, 2011.

Autora: Luara Pinto Minuzzi
Doutora em Letras pela PUCRS, com a tese “Escrever para tornar a escuridão mais bonita: um estudo sobre a construção simbólica da morte em quatro romances angolanos”. Atua como professora de Literatura e de Língua Portuguesa no Colégio Monteiro Lobato (Porto Alegre).

O que são políticas linguísticas?

Políticas linguísticas se referem, conforme Calvet (2008), a decisões sobre as relações da sociedade e das pessoas com as línguas. As políticas linguísticas têm relação, basicamente, com decisões em âmbito mundial, nacional, estadual, municipal ou familiar sobre o uso da(s) língua(s). Para quem quer ler mais, as revistas acadêmicas da Abralin, Revel, Working Papers in Linguística, Língua e Instrumentos Linguísticos e Cadernos de Letras têm edições especiais sobre o tema.

No Brasil, há um importante instituto que se dedica às políticas linguísticas, o IPOL –  Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística. Segundo o site do instituto, ele “é uma instituição sem fins lucrativos, de caráter cultural e educacional, fundada em 1999, com sede em Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, que representa os interesses da sociedade civil”. Recomendamos seguir o site do IPOL, também no Facebook. A missão do IPOL é desenvolver projetos de apoio às comunidades de falantes de línguas e variedades linguísticas minoritárias do Brasil e do Mercosul, no sentido de manutenção e promoção da diversidade linguística.

Um exemplo de ação de política linguística é na cooficialização de línguas em municípios brasileiros. Segundo o IPOL, várias línguas já foram cooficializadas no Brasil, conforme o quadro abaixo, e podem ser usadas em contextos oficiais em cada um dos municípios. Essas leis são, segundo Altenhofen (2013), um método de salvaguarda, mas são necessárias ações concretas para que cada uma das línguas esteja em um patamar semelhante ao status do português.

Fonte: Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística

 

 

REFERÊNCIAS:

ALTENHOFEN, C. V. Bases para uma política linguística das línguas minoritárias no Brasil. In: NICOLAIDES, C. et al. (Eds.). Política e Políticas Linguísticas. Campinas: Pontes Editores, 2013a. p. 93–116.

CALVET, L.-J. As políticas linguísticas. Tradução: ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.