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Línguas africanas no Brasil: você já pensou sobre essas línguas?

Na história do Brasil, sabe-se que o povo de origem africana chegou ao país na condição de pessoas escravizadas. Assim, de acordo com a historiadora Sharyse Amaral (2011), estima-se que entre os séculos XVI e XIX milhares de pessoas do continente africano foram trazidas de forma abrupta e violenta. Os africanos que conseguiram resistir às péssimas condições a que foram submetidos nos navios negreiros trouxeram para a nova terra a cultura do seu lugar de origem, como os costumes, a religião e a língua, foco deste texto.

Antes de tudo, é necessário mencionar que o nosso país não tem apenas o português como o único idioma, pois, de acordo com a linguista Terezinha Maher (2013), temos mais de 200 línguas, entre línguas de imigração, indígenas e as de origem africana, as quais são consideradas línguas plenas ou especiais. É possível encontrar as línguas africanas em rituais de religiões de matriz africana e como demarcação social, conforme dado apontado por Margarida Petter em 2017.

Apesar da ausência dessas línguas nas placas de “Bem-vindo”, em entrada de cidades, assim como em placas indicando comunidades quilombolas ou placas turísticas, por exemplo, é possível ver sua influência em nosso vocabulário. Contamos com palavras influenciadas principalmente pelo banto, grupo etnolinguístico localizado principalmente na África subsaariana, como, por exemplo, abadá, caçula, dengo, tanga, banguela, muvuca, entre outras. Confira mais exemplos no texto de Flora Pereira.

http://www.afreaka.com.br/notas/diversidade-linguistica-africana-e-suas-herancas-na-formacao-portugues-brasil/

Considerando que na época do tráfico negreiro a população escravizada era a maior na sociedade da época e, atualmente, a população afrodescendente no Brasil representa mais de 50%, segundo os últimos dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), convém trazer para a nossa discussão a seguinte questão: Por que esse grande número não foi suficiente, em termos quantitativos, para que tivéssemos maior conhecimento, presença e comunidades de fala com as línguas de origem africana?

É necessário lembrar que os africanos, desde sua chegada ao Brasil, já vieram ocupando posições sociais marginalizadas e subjugadas. Isso explica, em partes, porque o povo preto pouco conseguiu manter viva sua língua materna, especialmente pelo fato de os colonizadores promoverem a mistura de diferentes etnias africanas em uma capitania a fim de evitar uma rebelião. Junto disso, sabe-se que o acesso à educação para essas pessoas era totalmente negado pela sociedade da época.

O caso das línguas africanas revela que há relações de poder nas políticas linguísticas. A população africana escravizada, em virtude da sua posição social marginalizada, não tinha poder na sociedade da época para manter sua língua de origem, mesmo que contabilizasse a maioria da população na época.

Por fim, é preciso levantar que o principal problema em torno das línguas africanas e dos dialetos originários dela é a falta de visibilidade dessas línguas, assim demonstrando certo apagamento de parte da cultura de um povo, o preto. Apesar disso, reconhecemos a sobrevivência dessas línguas em rituais religiosos e como demarcação social como um processo de resistência da cultura afro-brasileira.

Referências
AMARAL, Sharyse Piroupo do. História do negro no Brasil. Brasília: Ministério da Educação. Salvador: Centro de Estudos Afro orientais, 2011.
MAHER, T. M. Ecos de resistência: políticas linguísticas e línguas minoritárias no Brasil. In: NICOLAIDES, C.; SILVA, K. A.; TÍLIO, R; ROCHA, C. H. (Org.) Política e Políticas Linguísticas. Campinas: Pontes, 2013. p. 117-134.
PETTER, Margarida. Línguas Africanas no Brasil. África: Revista do Centro de Estudos Africanos. USP, S. Paulo, n. 27-27, p. 63-89, 2007. 

Autora: Nessana Pereira
Graduação em Letras – Português pela Universidade Federal de Pelotas (2018). Atualmente, é mestranda em Letras pela mesma instituição.

Existe racismo linguístico?

Para responder a esta pergunta, inicialmente, devemos compreender o papel da linguagem como constituidora de sentidos, ou seja, capaz de nomear a tudo e a todos. Para tanto, as relações coloniais serão o ponto de partida. Especificamente, devemos nos remeter ao combate feito pelas comunidades europeias para apagar as línguas dos grupos dos territórios dominados, com base em referenciais ocidentais, europeus, brancos, patriarcais e cristãos.

O apagamento das línguas demonstrava o que poderia ou não ser validado para aqueles espaços. Os saberes e conhecimentos dos grupos dominados eram exterminados e forjava-se, com isso, marcas de dominação e racismo.

Os colonizadores europeus construíram nossas referências de línguas “importantes” e produziram estruturas hierárquicas através das línguas a fim de denominar aqueles que eram considerados outros. Os outros carregavam uma coloração de pele, um cabelo e um falar não europeu. Essas marcas fazem parte de um passado-presente que, a partir da linguagem, nos racializou e materializou as formas que conhecemos como racismo.

A branquitude, ao oprimir, nos impõe o conceito de raça e nos nomeia como negros por não termos as características dessa mesma branquitude. Essa marca linguística que “ganhamos” nos aparta dos demais; somos outros; a linguagem nos fez outros. Vozes de uma branquitude detentora do poder e capaz de nomear. Claro, as línguas são racistas! Não! Elas apenas apresentam as relações de poder construídas por aqueles que delas fazem uso.

Já fomos nomeados demais. Queremos que nossas vozes falem as nossas dores. Queremos que o movimento aconteça de dentro para fora e não o contrário. Com esse desejo e cruzando preconceito racial, social e linguístico, o termo racismo linguístico é criado como uma perspectiva de análise das construções de língua e linguagem daqueles que não compõem o espectro branquitude-poder. O termo dá nome ao livro do professor Gabriel Nascimento, lançado em 2019, Racismo Linguístico: Os subterrâneos da linguagem e do racismo.

https://www.editoraletramento.com.br/produto/racismo-linguistico-os-subterraneos-da-linguagem-e-do-racismo-348

Como nossas práticas estão contribuindo para a problematização desse tipo de racismo? Como nossos privilégios afetam a condição das demais pessoas? Conseguindo responder a essas perguntas ficará fácil saber se existe racismo linguístico.

Referência
NASCIMENTO, Gabriel. Racismo Linguístico: Os subterrâneos da linguagem e do racismo. Belo Horizonte: Letramento, 2019.

Autor: Maicon Farias Vieira
Licenciado em Letras – Português e Espanhol, especialista em Educação em Direitos Humanos, mestre em Educação e doutorando no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Pelotas, além de atuar como professor na rede municipal de educação de Pelotas.

 

Ser coda: você sabe o que isso significa?

As línguas de sinais são línguas naturais utilizadas pelas comunidades surdas. No Brasil, a Libras foi instituída como meio de comunicação legal das comunidades surdas brasileiras através de uma Lei do ano de 2002. Os filhos ouvintes de pais surdos começaram a ser referidos como “codas” por causa da criação da organização internacional CODA (Children of Deaf Adults).

Segundo a linguista e coda Ronice Quadros (2017), codas são crianças ou adultos filhos de pais surdos. Esses sujeitos estão naturalmente expostos a dois mundos diversos: o mundo dos surdos e o mundo dos ouvintes. Os codas compartilham a experiência de crescerem em famílias que utilizam uma língua de herança em casa que é, muitas vezes, diferente daquela utilizada fora do ambiente familiar, na maioria da sociedade. Podemos chamá-los de bilíngues, pois os codas transitam desde muito cedo nesses dois mundos e aprendem as línguas desses dois ambientes linguísticos.

http://www.facebook.com/CodaBrasil/
Coda Brasil

Anualmente, acontece o Encontro nacional de codas, um evento pensado para que estes possam trocar suas experiências, aprender novos conhecimentos e conhecer outros filhos de pais surdos brasileiros. No dia 28 de setembro de 2020, no canal do Facebook da Associação de surdos de Pelotas (ASP), Maitê Maus da Silva compartilhou suas experiências sobre ser coda. Ela nos explica que ser coda é ter orgulho de possuir pais surdos. Maitê comenta que em 2013 aconteceu o primeiro encontro de filhos de pais surdos no Brasil, que é um momento em que os codas se reconhecem entre seus pares que possuem experiências semelhantes. Para participar do Encontro nacional de codas, saber Libras não é uma obrigatoriedade, mas um dos requisitos é ser maior de 18 anos. Ela comenta que ter pais surdos ou mãe ou pai surdos possibilita aprendizagens diferentes que, como tudo na vida, têm o lado bom e o lado ruim.

No dia 9 de outubro, Natasha foi convidada a dar o seu relato sobre ser coda. Ela comenta que considera extremamente importante a participação dos filhos de pais surdos na Associação de surdos, pelo fato de poderem apreender os sinais utilizados na Libras. Muitas vezes, as famílias utilizam sinais provisórios dentro dos seus lares, além de ser importante esse contato com outros surdos, pois a língua de sinais é uma língua viva e os sinais sofrem mudanças. Natasha também menciona que na Associação de surdos há contato com o mundo dos surdos e, neste ambiente, seus pais surdos, ao se encontrarem com seus pares, se sentem felizes. Como coda, Natasha acredita que ela precisa participar do mundo ouvinte e também do mundo surdo, pois é nesse mundo que se encontram seus pais. “É preciso ter empatia e se colocar no lugar dos outros, pois no mundo ouvinte há muitas barreiras e preconceitos para as pessoas surdas”, afirma Natasha. O último ponto citado por ela é a questão das famílias que possuem codas terem suas experiências de vida muito semelhantes, e é nesse espaço social que há a possibilidade de trocas.

Nos seguintes links, é possível assistir na íntegra aos relatos de Maitê e Natasha em língua de sinais e com legendas e áudio em português: relato da Maitêrelato da Natasha. 

Referências
Children of Deaf Adults International Inc. Disponível em: https://www.coda-international.org/. Acesso em 06 nov. 2020.
QUADROS, R. M. Língua de Herança – Língua brasileira de sinais. Porto Alegre: Penso, 2017.

Autora: Karina Ávila Pereira
Doutora em Educação. Professora Adjunta da Área de Libras da Universidade Federal de Pelotas.

 

Devemos temer o Portunhol?

Quando ouvimos falar em portunhol, prontamente surgem alguns pré-conceitos. Podemos lembrar, por exemplo, do estereótipo de brasileiros tentando comicamente falar espanhol. Mas esse termo denomina mais de um fenômeno, segundo explica a linguista Eliana Sturza.

Portunhol pode indicar uma mistura entre português e espanhol que objetiva a interação e a comunicação imediata. É utilizado, por exemplo, por turistas e por vendedores e clientes em trocas comerciais, como uma prática para a compreensão entre usuários de diferentes línguas.

Chama-se também portunhol a forma de falar dos aprendizes que estão em níveis iniciais e que realizam mesclas entre os idiomas. É visto como problema a ser superado, ainda que seja um processo normal. Muito cursos de espanhol, por exemplo, oferecem “soluções” para que se evite cometer esse deslize.

Além disso, portunhol é um dos nomes que recebe a língua falada por muitos habitantes do norte do Uruguai, principalmente aqueles da zona rural e de periferias urbanas. Pode-se considerar uma herança das disputas entre portugueses e espanhóis por esse território. Por ser predominantemente oral e ser utilizado por pessoas com pouco nível de instrução, é caracterizado como variedade inferior ou “mal falar”. Atualmente, tem sido apresentado como marcador de identidade cultural, como afirma a linguista Isabella Mozzillo. Está presente, por exemplo, na produção do escritor Fabian Severo e do músico Chito de Mello.

Existe ainda o Portunhol Selvagem, que é um recurso de escrita literária. Compõe-se do entrelaçamento de outras línguas, além de português e espanhol, como guarani e inglês. Um dos maiores divulgadores dessa expressão é o poeta Douglas Diegues.

Muitas dessas definições são pejorativas e demonstram preconceito pelos modos de falar em que ocorrem misturas de línguas. O portunhol não demonstra incompetência e não precisa ser temido. É recurso comunicativo e artístico. É produto do processo de aprendizagem. É elemento da identidade dos falantes.

A riqueza da diversidade expressa por essa língua de contato pode ser vista no documentário Portuñol, premiado no Festival de Cinema de Gramado e no Festival As Amazonas do Cinema.

Página do Instagram portunol.doc. Divulgação dos prêmios que o documentário Portuñol recebeu no festival As Amazonas do Cinema.

Referências
MOZZILLO, Isabella. Vamos falar sobre o Portunhol. Tessituras, Pelotas, v. 6, n. 1, p. 59-64, jan./jun. 2018.
STURZA, Eliana. Portunhol: língua, história e política. Gragoatá, Niterói, v. 24, n. 48, p. 95-116, jan./abr. 2019.

Autora: Débora Medeiros da Rosa Aires é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Desenvolve pesquisa sobre ideologias linguísticas e ensino/aprendizagem de língua estrangeira. Atua como professora de Língua Espanhola na rede pública de ensino do município de Capão do Leão/RS.

O clássico e o popular… no Egito Antigo!

Observe a placa egípcia na foto. Quando esse objeto foi feito, há exatos 2037 anos atrás, o reino egípcio já existia há mais de 3000 anos. Três mil anos!

Fonte: o autor. Foto tirada no Kunsthistorisches Museum, em Viena, na Áustria. A estela de An-Em-Her foi feita para um alto-sacerdote de Ptah no ano de 217 a.C. O texto foi talhando em baixo-relevo numa peça de calcário.
Fonte: O autor. Foto tirada no Kunsthistorisches Museum, em Viena, na Austria. A estela de An-Em-Her foi feita para um alto-sacerdote de Ptah no ano de 217 a.C. O texto foi talhado em baixo-relevo numa peça de calcário.

A língua egípcia, assim como acontece com todas as línguas do mundo, foi mudando ao longo dos séculos, e é certo que um egípcio que trabalhou na construção da Grande Pirâmide, lá pelo ano 2570 a.C., não conseguiria compreender a pessoa que colocou essa placa aí na parede no ano 217 a.C.

Da mesma forma, um romano da época das lutas no Coliseu não conseguiria se comunicar fluentemente com um falante de português, francês ou espanhol, apesar de essas línguas modernas serem basicamente a mesma língua dos romanos, que foi mudando e se dividindo nos últimos 2000 anos.

A escrita clássica (hieróglifos) da língua egípcia é bastante complexa e era conhecida apenas pela elite. Usava um sistema de ideogramas (um símbolo = um conceito, mas sem informação fonológica), em combinação com sinais determinativos (sem pronúncia, mas com função gramatical) e fonéticos (um símbolo = um som). O sistema chegou a ter mais de 5000 sinais diferentes. A maioria do povo, fora da corte real e dos templos, sempre usou formas alternativas, algumas derivadas ou simplificadas dos hieróglifos, outras completamente paralelas ao sistema oficial.

De volta à placa da foto, abaixo do texto solene em hieróglifos, vemos uma linha e meia de uma escrita cursiva que hoje chamamos de demótico (do grego “dēmotikós”, ‘popular’). O texto maior está na língua e escrita clássica (é como se hoje escrevêssemos um texto importante em latim, como faz a Igreja Católica). Já a pequenina linha na parte de baixo traz um resumo do texto na língua egípcia como era falada em 217 a.C., para os que não sabiam ler na língua escrita clássica.

A escrita demótica entrou em contato com o alfabeto grego (assim como a língua egípcia falada ‘encontrou’ a língua grega antiga) e esse contato deu origem ao copta, a forma mais moderna da língua egípcia. O copta ainda era falado até pouco tempo atrás – hoje ainda existe como língua litúrgica na Igreja Ortodoxa Copta.

 

Autor: Renan C. Ferreira
Graduado em Letras – Licenciatura em Língua Inglesa e Literatura (2010) e Mestre em Letras – Estudos da Linguagem (2018) pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Atualmente desenvolve sua pesquisa de Doutorado sobre Relativismo Linguístico e a Cognição Bilíngue na mesma instituição. Faz parte do grupo de pesquisa Línguas em Contato e atua como professor de língua inglesa há 13 anos.

O Coletivo da Língua Estrangeira (The Foreign Language Collective)

The Foreign Language Collective (em português: O Coletivo da Língua Estrangeira) é uma página do Facebook que compartilha fotos, artigos, vídeos e memes sobre línguas estrangeiras e sua aprendizagem. O site, seguido por mais de 283 mil pessoas, possui um enorme alcance justamente por tratar, com um tom humorístico, de situações com as quais qualquer aprendiz de língua estrangeira se depara frequentemente como o fato de esquecer palavras na língua materna ou na língua estrangeira, a vontade infindável de aprender muitas línguas e a dificuldade que se tem com a fala em língua estrangeira. O website, que geralmente faz postagens em inglês (a língua mais usada na internet segundo o Internet World Stats), é muito diversa, pois seus posts abrangem o aprendiz das mais variadas línguas: árabe, alemão, sueco, francês, português, espanhol chinês etc.

Fonte: The Foreign Language Collective

Mesmo com um tom cômico, o site valoriza a diversidade linguística e também apresenta um posicionamento crítico em vários de seus posts ao problematizar, por exemplo, o prescritivismo, que dita como a língua deve ser usada, e a crença equivocada, mas bastante comum, de que “todo mundo fala inglês”.

Fonte: The Foreign Language Collective

Além da página no Facebook, o coletivo também possui um website que dá dicas de aplicativos, audiolivros, filmes, séries e canais no Youtube para aprender línguas estrangeiras em diferentes níveis.

Os responsáveis pelo The Foreign Language Collective também criaram outra página no Facebook chamada Untranslatable (no português: Intraduzível) com o propósito de criar um dicionário multilíngue de gírias e expressões idiomáticas, seus respectivos significados e frases exemplificando seus usos. Além do mais, através deste site podemos enviar gírias e expressões que conhecemos e pesquisar submissões feitas por outros usuários.

 Fonte: Untranslatable

Finalmente, o The Foreign Language Collective é de extrema relevância, pois além de proporcionar conteúdo cômico para momentos de descanso, torna possível que pessoas do mundo todo compartilhem suas experiências como aprendizes de línguas estrangeiras. Além disso, o coletivo, por meio do Untranslatable, difunde um dicionário multilíngue gratuito construído pelos próprios internautas!

 

Autora: Raphaela Palombo Bica de Freitas
Graduada em Letras- Português e Espanhol pela Universidade Federal de Pelotas (2018). Atualmente é mestranda em Letras pela mesma instituição, professora particular de língua espanhola e bolsista do Idiomas sem Fronteiras.

Língua e descolonização

Os séculos de colonização portuguesa no continente africano – e em Angola de forma específica – deixaram suas marcas: na língua falada, nos costumes, na história, nas memórias, na literatura. Nesse sentido, mesmo com a conquista da tão sonhada independência, é impossível retornar a uma época na qual os africanos ainda não haviam mantido contato com os europeus.

Um desses impactos consiste na questão da língua utilizada no país africano para a comunicação no cotidiano, para a produção de documentos oficiais ou para a escrita de obras literárias. Após a conquista da independência angolana, em 1975, a língua portuguesa – a língua do ex-colonizador, do opressor – foi adotada como idioma oficial do país. Muitos poderiam se questionar sobre as consequências da escolha, da preferência pela língua portuguesa: os idiomas africanos não poderiam ter primazia?

Estudiosos, como Laura Padilha (2002), apontam que o uso da língua portuguesa pelos angolanos não acontece de forma passiva. Dessa forma, o português, anteriormente sinal e evidência do colonizador, da escravidão e da opressão, torna-se uma importante ferramenta de revolução social, a partir da reinvenção e da renovação da língua do silenciador pelo silenciado. Uma vez usada pelos novos falantes de acordo com suas necessidades, a língua do dominador se volta contra a dominação. Faz parte dessa transformação do português a incorporação de palavras, expressões e estruturas sintáticas das línguas africanas – e, dessa forma, a língua europeia vai ganhando contornos angolanos.

As literaturas das ex-colônias portuguesas são chamadas por Pires Laranjeira (2000) de literaturas calibanescas, pois foram obrigadas a deglutir a literatura portuguesa, misturada com a brasileira, afro-americana, africanas etc., para criar algo só seu, para marcar a sua diferença. Assim, tendo em vista a importância da apropriação da língua portuguesa e da sua transformação em um idioma angolanizado para a solidificação da nação, fica claro o papel de destaque da literatura no processo. Como explica Edward Said (2011), o imperialismo se reforçou a partir de um discurso que o tornava algo natural e correto e a literatura em muito contribuiu para a propagação desse discurso. Dessa forma, a literatura igualmente assumiu o papel oposto de marcar a necessidade da independência, do reconhecimento dos povos africanos e da violência perpetrada sobre eles ao longo dos séculos de colonialismo.

Fonte:   Mayombe               Teoria Geral do Esquecimento         Mãe, Materno Mar                    Os transparentes 

 

Referências
LARANJEIRA, Pires (org.). Negritude africana de língua portuguesa: textos de apoio (1947-1963). Coimbra: Angelus Novus, 2000.

PADILHA, Laura Cavalcante. Novos pactos, outras ficções: ensaios sobre literaturas afro-luso-brasileiras. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002.

SAID, Edward. Cultura e imperialismo. São Paulo: Companhia das letras, 2011.

Autora: Luara Pinto Minuzzi
Doutora em Letras pela PUCRS, com a tese “Escrever para tornar a escuridão mais bonita: um estudo sobre a construção simbólica da morte em quatro romances angolanos”. Atua como professora de Literatura e de Língua Portuguesa no Colégio Monteiro Lobato (Porto Alegre).

Funkeiros cults

Nas últimas semanas, a página do Facebook chamada Funkeiros Cults ganhou visibilidade, chamando a atenção dos jovens na rede social. A página combina literatura, em sua maioria clássica, com uma linguagem informal composta por gírias utilizadas nas periferias do nosso país. A página tem como objetivo quebrar o preconceito de que a literatura é consumida somente por uma classe social dominante ou por acadêmicos.

A página Funkeiros Cults passa a mensagem principal do livro apresentado no post em uma frase, utilizando gírias utilizadas nas periferias. Essa forma de se comunicar é motivo de preconceito na sociedade. A linguista Maria Marta Pereira Scherre relata que o preconceito linguístico seria um julgamento desrespeitoso em relação à fala de outra pessoa. Ela ainda afirma que existem algumas variedades linguísticas que sofrem mais preconceitos e que são geralmente associadas a um grupo de pessoas que possuem um menor reconhecimento na sociedade. Mas o que é uma variedade linguística? “Variedade linguística” é o termo utilizado para se referir a formas diferentes de utilizar a língua de um mesmo país. Essas variedades linguísticas resultam da variação de uma língua que ocorre devido a vários fatores, como por exemplo, a faixa etária, a escolaridade, a região, o contexto social e cultural.

De acordo com o linguista da Universidade de São Paulo, Ronald Beline, os grupos compostos por indivíduos que se comunicam de forma semelhante são denominados comunidades de fala. A variedade linguística presente em uma comunidade de fala se caracteriza por um vocabulário específico de um grupo social e é denominada “socioleto”. E é o socioleto do grupo do qual os funkeiros fazem parte que a página Funkeiros Cults usa para fazer as suas publicações. Podemos observar na página uma criatividade linguística do português, que deve ser valorizada como tal, porque todas as formas de comunicações são válidas.

 

REFERÊNCIAS:

ABRAÇADO, Jussara. Entrevista com Maria Marta Pereira Scherre sobre preconceito lingüístico, variação lingüística e ensino. Cadernos de Letras da UFF, n. 36, p. 11-26, 2008.

BATTISTI, Elisa. Redes sociais, identidade e variação linguística. In: FREITAG, Raquel Meister Ko (Organizadora). Metodologia de Coleta e Manipulação de Dados em Sociolinguística. São Paulo: Editora Edgard Blücher, 2014. p. 79-98.

BELINE, Ronald. A variação Lingüística. In: FIORIN, José Luiz. Introdução à Lingüística. São Paulo: Contexto, 2003. p. 121-139.

 

Autor: Thomas de Julio Hopfengartner
Graduando do curso de Licenciatura em Letras – Português e Alemão na Universidade Federal de Pelotas. Faz parte do projeto de extensão: “Ações de Conscientização Linguística” na mesma universidade.

O desafio de registrar uma língua minoritária no caso do documentário “Viver no Brasil falando Hunsrückisch”

O Brasil é um país reconhecido mundialmente pela quantidade e principalmente pela qualidade dos documentários. Seja pela riqueza cultural que pouco foi documentada e tornada acessível para o grande público, seja pela criatividade e experimentação, a lista de documentários que exploram a fundo aspectos específicos e realidades únicas é imensa. Um exemplo é a obra vasta e transformadora de Eduardo Coutinho, cineasta referência no gênero no Brasil e no exterior.

Mas ainda há muito a ser documentado: um exemplo de tema que tem importância periférica nos circuitos de documentários é o registro das centenas de línguas do Brasil. É verdade que as línguas muitas vezes são abordadas, mas raramente tem o papel central em qualquer documentário. Tomemos por exemplo o filme/documentário “Guarani-Kaiowá Ivy Poty – Flores da Terra“, que tem por objetivo registrar a cultura e a resistência desse povo no Mato Grosso do Sul. A língua Kaiowá é registrada, mas o foco recai na cultura da comunidade.

Assim também é o caso dos documentários com presença da língua Hunsrückisch. Desde os documentários dirigidos Rejane Zilles, O Livro de Walachai (2007, 16min.) e Walachai (2009, 85min.), o Hunsrückisch está presente nesse gênero. Também segue nos documentários Heimatland & A História do Kerb (2009, 47min.), direção de Ernoy Luiz Mattiello; Berlim Brasil (2009, 70min.), dirigido por Martina Dreyer e Renata Heinz; também vale citar Land Schaffen (2014, 25min.) e Meio – o que é ser brasileiro? o que é ser alemão? Um filme sobre identidade, memória e imaginário, dirigidos por Clarissa Beckert & Pedro Henrique Risse; também o Glaube, Liebe und Hoffnung – Fé, amor e esperança (2018, 52 min.), direção de Vivian Schäfer; por fim, o documentário Für Immer: Gerações (2018, 46 min.), com direção de Marcelo Collar.

Então, tendo conhecimento dessa variedade de documentários que envolviam indiretamente o Hunsrückisch, Gabriel Schmitt e Ana Winckelmann assumiram a missão de elaborar um documentário sobre essa língua, a partir da seleção de trechos das entrevistas realizadas pelo Inventário do Hunsrückisch como Língua Brasileira de Imigração (IHLBrI), sob coordenação de Cléo V. Altenhofen (UFRGS) e Rosangela Morello (IPOL). O principal objetivo era receber o reconhecimento do IPHAN, financiador do IHLBrI, como língua Brasileira de Imigração, processo que está parado desde 2018.

Uma das premissas do IHLBrI era a elaboração de um material audiovisual que comprovasse a existência dessa língua. Assim, contando sempre com o apoio demais membros da equipe de pesquisa, Gabriel e Ana montaram o roteiro baseado nas seguintes temáticas, que na época lhes pareciam as mais urgentes para dar uma dimensão do que é o Hunsrückisch:

  • Denominações da língua;
  • Variação interna da língua;
  • Experiências de falantes maternos de Hunsrückisch na escola;
  • Espaços culturais onde se usa o Hunsrückisch (igrejas, administração pública, jornais);
  • Contato com outras variedades de alemão no Brasil;
  • Manutenção da língua.

Essas foram as balizas que auxiliaram no processo de seleção dos trechos de entrevista. Ou seja: o roteiro foi elaborado com base nas entrevistas realizadas pelo projeto IHLBrI. Não se foi a campo com um roteiro para o documentário Viver no Brasil falando Hunsrückisch. De maneira geral, ainda há muito a ser documentado no Brasil. E um dos campos que ainda podem ser aprofundados é o das línguas minoritárias.

 

Confira: Lista de excelentes documentários brasileiros que estão disponíveis no Youtube.

 

REFERÊNCIAS:

ALTENHOFEN, Cléo V.; MORELLO, Rosângela; BERGMANN, Gerônimo L.; GODOI, Tamissa G.; HABEL, Jussara M.; KOHL, Sofia F.; PREDIGER, Angélica; SCHMITT, Gabriel; SEIFFERT, Ana Paula; SOUZA, Luana C.; WINCKELMANN, Ana C. Hunsrückisch: inventário de uma língua do Brasil. Florianópolis: Garapuvu, 2018. 248 p.

 

Autor: Gabriel Schmitt
Graduado em Licenciatura Letras e Alemão pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atualmente é aluno do Mestrado Europeu em Lexicografia (EMLex), com pesquisa em dicionários dialetológicos e de línguas minoritárias.

O que é intercompreensão?

Ao pensarmos em Brasil, temos a ideia de que a língua portuguesa é a única falada em todo território nacional. Entretanto, excluímos as realidades imigratórias, indígenas e fronteiriças que moldam nosso país linguisticamente.

Em um minicurso do professor Francisco del Olmo, dois conceitos de comunicação são abordados e estão relacionados às realidades expostas acima. Segundo ele, o cenário onde somente uma língua circula é nomeado comunicação endolíngue (com muitos dialetos). Já situações fronteiriças e turísticas configuram uma comunicação exolíngue, pois existe mais de uma língua em uso. Aplicando esses conceitos em nosso âmbito nacional, constata-se que há uma comunicação exolíngue, visto que há também situações imigratórias, indígenas, fronteiriças e turísticas que demandam o uso de outras línguas.

Dentro dessa comunicação exolíngue, se encontra o cenário da intercompreensão, que segundo Möller e Zeevaert (2015), é um processo motivado pelas relações entre as famílias linguísticas que pode ser ocasionado pelas palavras cognatas, similaridades na estrutura frasal e na ortografia. Línguas derivadas do latim, como por exemplo, português, espanhol, francês, italiano têm maior possibilidade de intercompreensão, dado que fazem parte da mesma família linguística. Dessa forma, um brasileiro que lê ou escuta esses outros idiomas pode compreendê-los mesmo sem ter conhecimentos sobre eles. Além disso, para Francisco del Olmo, a intercompreensão pode ocorrer de forma que nenhum falante precise ceder sua língua para que a comunicação aconteça. Logo, cada falante escolhe sua forma de falar e ambos tentam o processo de intercompreensão. Segundo o professor, esse processo se torna democrático e eficaz. O portunhol falado na fronteira entre Brasil e Uruguai, por exemplo, é fruto do processo da intercompreensão, o qual evidencia a democratização linguística. No vídeo da Coopération Educative France au Brésil, é possível conhecer outras línguas da mesma família linguística do nosso português.

 

 

REFERÊNCIAS: 

MÖLLER, R.; ZEEVAERT, L. Investigating word recognition in intercomprehension: Methods and findings. Linguistics, v. 53, n. 2, p. 314-315, 2015.

MINICURSO – INTERCOMPREENSÃO: Minicurso – Intercompreensão: A chave para as línguas – Aula 1. Vídeo apresentado por Francisco del Olmo. [Curitiba: Parábola Editorial], 2020. Publicado pelo canal Parábola Editorial.

O QUE É INTERCOMPREENSÃO? Vídeo disponibilizado no YouTube pela Coopération Educative France au Brésil.

 

Autora: Larissa Caroline Ferreira
Graduanda de Letras – Português e Alemão e voluntária no Laboratório de Psicolinguística, Línguas Minoritárias e Multilinguismo da Universidade Federal de Pelotas.