Com ou sem preposição? A variação na regência dos verbos “assistir” e “implicar”

“Assisto o filme” ou “assisto ao filme”? “Chuvas torrenciais implicam em inundações” ou “chuvas torrenciais implicam inundações”? Você já deve ter se deparado com essas duas formas linguísticas de expressar a mesma coisa referentes a cada verbo ou deve ter se perguntado qual delas é a forma correta de se falar ou escrever, certo? O certo mesmo é que ambas as formas existem e são legítimas para cada verbo. 

Os manuais de gramática normativa do português, como o de Evanildo Bechara (2005) e o de Celso Cunha e Lindley Cintra (2001), direcionam suas pesquisas para organizar a língua por meio de regras categóricas, incluindo regras de regência verbal. Para esses manuais, o verbo assistir, quando empregado no sentido de ver, é transitivo indireto, sendo necessária a presença da preposição diante do complemento desse verbo; dessa forma, do ponto de vista gramatical, seria “assisto ao filme”. Com relação ao verbo implicar, no sentido de ter consequência/resultar, funciona como um verbo transitivo direto, ou seja, sem preposição alguma diante de seu complemento; assim, sob esse ponto de vista, “chuvas torrenciais implicam inundações”. 

Mas o que se pode constatar diante disso é uma certa desobediência por parte dos falantes com relação à regência desses verbos. É cada vez mais frequente encontrarmos casos nos quais eles não fazem uso da preposição a quando o verbo assistir é utilizado, bem como fazem uso da preposição em quando utilizam o verbo implicar. E por que isso ocorre? Segundo os professores e pesquisadores Mariangela Rios de Oliveira e Sebastião Josué Votre (2009), essas novas formas linguísticas surgem das experiências dos usuários com a língua, ou seja, da forma como eles veem e interpretam o mundo, que, no caso dos verbos em questão, provocam a evolução dessas estruturas linguísticas.

Para o princípio da iconicidade, um dos fenômenos da teoria do funcionalismo norte-americano, as formas linguísticas tendem a ser motivadas pela função semântica, ou seja, do significado. Conforme Maria Luiza Braga (1996), no tocante à regência verbal, existe uma pressão entre a forma linguística (preposição) e seu conteúdo semântico (o que significa). Dessa forma, o verbo assistir, ele estabelece uma proximidade semântica com o verbo ver, transitivo direto; e, por conta disso, os falantes interpretam a regência do verbo ver no verbo assistir, tornando esse verbo transitivo direto. No caso do verbo implicar, preconizado como transitivo direto, passa, no uso, a indireto, devido à aproximação com os valores semânticos de “ter consequência em“, “resultar em“, fazendo com que os falantes reinterpretem o valor semântico do verbo resultar para o verbo implicar, tornando-o esse verbo transitivo indireto também, com o uso da preposição. 

Essas motivações linguísticas estão ligadas a propósitos comunicativos ancorados na relação entre os falantes; portanto, tanto “chuvas torrenciais implicam em inundações e assisto o filme” como “chuvas torrenciais implicam inundações e assisto ao filme” existem e são formas legítimas de variação da língua de expressar a mesma coisa.

Referências
BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005.
BRAGA, Maria Luiza. Processos de redução: o caso das orações de gerúndio. In: KOCH, I.G.V. (Org.). Gramática do Português falado. Volume VI: Desenvolvimentos. Campinas/São Paulo: Editora da Unicamp/Fapesp, p. 231-51, 1996.
CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova gramática do português contemporâneo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
OLIVEIRA, Mariangela Rios de; VOTRE, Sebastião Josué. A trajetória das concepções de discurso e de gramática na perspectiva funcionalista. Matraga – Revista do Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ, v. 16, n. 24, p. 97-114, 2009.

Autor: Gabriel Zardo. Graduado em Licenciatura em Letras – Português e Mestre no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), na linha de Aquisição, Variação e Ensino.

Comments

comments