Paisagem linguística na cidade: quais línguas estão ao nosso redor?

Ao andar pelas ruas de uma cidade, muitas vezes encontramos lugares cujos nomes  podem nos fazer pensar: “que língua é essa? Como essa língua veio parar aqui?”. Para responder a essa e a outras perguntas sobre quais línguas aparecem escritas por aí, estudamos paisagem linguística.

A paisagem linguística é uma área de pesquisa que investiga a língua escrita e falada nas ruas, isto é, a que está presente em placas, pôsteres e anúncios publicitários, nas bilheterias de cinemas e teatros. Mas não só: também aparece em nomes de estabelecimentos, nas vitrines de lojas, anunciando, por exemplo, uma liquidação; em cardápios, em sinalizações que nos direcionam de um lugar a outro, em nomes de produtos no mercado. Por meio da paisagem linguística, nós pesquisadores buscamos identificar não só os idiomas usados em um determinado cenário linguístico, como também queremos entender por que se fazem presentes em tal lugar, bem como a relação que mantêm com a história da região e com os grupos que ali vivem.

Mas, afinal, o que isso significa? Vamos pensar, como exemplo, na influência da língua alemã no contexto brasileiro. No comércio, nos deparamos com a maior parte dos nomes de estabelecimentos com origem em diferentes línguas. Vejamos, como exemplo, os restaurantes Buffet Krüger e Fritz Haus no município de Pelotas, no Rio Grande do Sul.

Fonte: Acervo Projeto Normas Linguísticas e Imigração (NOLI)

Boa parte dos nomes de origem alemã no comércio são nomes ou sobrenomes dos proprietários. Quando investigamos esses nomes, alguns sites indicam o significado mais antigo dessa palavra, ou seja, sua etimologia, e ainda oferecem informações geográficas, como por exemplo, de que região o nome vem. Ao analisar o nome do Buffet, Krüger, descobrimos que este era um nome de profissão na idade média, “taberneiro”, e que esse sobrenome é até hoje frequente no nordeste da Alemanha. É comum que sobrenomes alemães tenham relação com profissões que existiam na idade média. 

Já em Fritz Haus, temos a junção do nome Fritz com a palavra Haus, que em alemão significa casa. Fritz se origina de Friedrich e Friedbert e pode indicar afiliação, ou seja, “filho de”, ou também um apelido carinhoso, simbolizado pela forma curta e pela letra “z” no final da palavra. Em português, esse “z” seria equivalente ao sufixo “-inho”. Quanto à origem geográfica de Fritz, esse nome está presente no sudoeste da Alemanha. É possível que os proprietários do comércio queiram conectar aspectos culturais bem conhecidos nessa área (“gastronomia alemã”) ou pessoais ao seus serviços a partir da língua. 

Fonte: Acervo Projeto Normas Linguísticas e Imigração (NOLI)

Então quer dizer que a paisagem linguística pode revelar informações valiosas tanto sobre a língua quanto sobre a identidade de um povo? Sim! Além disso, a língua também pode atrair públicos falantes de línguas variadas, nos mostrando que no Brasil não se fala só o português.

Mas calma que ainda não acabou! Tenho um convite pra você! Que tal caminhar pelas ruas, ou mercados, e procurar por nomes de lugares ou produtos pouco parecidos com a língua portuguesa? Tente relacionar a presença desses nomes com o tipo de comércio ou produto encontrado, a região e o público que ali frequenta. 

Você pode se deparar com uma diversidade de línguas, entre as quais, as línguas indígenas e as africanas presentes na sociedade e que nos conectam à nossa história e à nossa identidade brasileira. Para motivá-los, apresento um outro exemplo: a marca Beijubom é especializada em produtos à base de mandioca.

Fonte: http://www.beijubom.com.br/a-beijubom

A empresa oferece um produto bastante popular, que chama atenção para a origem de uma palavra em tupi. “Beiju” ou “biju” (tupi: mbeîu) é a palavra em tupi para tapioca (tupi: tapi’oka), ou seja, um bolo ou pão feito da farinha de mandioca ou simplesmente a própria farinha. Originariamente, o beiju era um tipo de bolinho feito da massa da mandioca cozido em uma vasilha de barro, segundo os relatos de Hans Staden, alemão que visitou o Brasil no século 16 – como nos explica o pesquisador Eduardo Almeida Navarro. Apesar de algumas modificações, conforme Antônio Cunha, o modo de preparo é utilizado até os dias atuais. Dessa forma, a pesquisa em paisagem linguística nos oferece pistas sobre a comunidade e suas tradições, costumes e formas de resistência na língua. Viu só que interessante?! Vamos pesquisar?

Referências
CUNHA, Antônio G. Dicionário histórico das palavras portuguesas de origem tupi. São Paulo: Companhia Melhoramentos. Brasília: Universidade de Brasília, 1999.
GORTER, Durk; CENOZ; Jasone. A Panorama of Linguistic Landscape Studies. Bristol: Multilingual Matters, 2024.
KROIß, Daniel. Krüger. In: Digitales Familiennamenwörterbuch Deutschlands.
NAVARRO, Eduardo Almeida. Dicionário tupi antigo: a língua indígena clássica do Brasil. São Paulo: Global, 2013.

Autora: Barbara de Lima Sobral. Graduanda em Letras – Português e Alemão pela Universidade Federal de Pelotas.

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