DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARAA FORMAÇÃO INICIAL EM NÍVEL SUPERIOR DE PROFISSIONAIS DO MAGISTÉRIO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR BÁSICA: Por uma política multidimensional, baseada na interdisciplinaridade, na pesquisa, no pensamento crítico-reflexivo e mais próxima das escolas.
No início de dezembro de 2023, o pleno do Conselho Nacional de Educação (CNE) publicou Edital de Chamamento – Consulta Pública acerca de proposta para Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial em Nível Superior de Profissionais do Magistério da Educação Escolar Básica (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados não licenciados e cursos de segunda licenciatura). O Projeto atende, em parte, aos pedidos dos movimentos em defesa da educação realizados por instituições de educação superior, entidades sindicais, movimentos sociais e sociedade civil para revogação da Resolução 02/2019. No entanto, ele não corresponde ao que se esperava de um documento cuja função é oferecer as diretrizes para que as instituições de educação superior possam elaborar seus projetos institucionais de formação. Ao invés disso, há uma proposta que busca a padronização e a centralização curricular, tendo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), como o epicentro da política pública.
O Projeto de Resolução foi tornado público junto com o Edital de Consulta Pública (dezembro de 2023) e estipulou um prazo exíguo para análise, debate e envio de contribuições, indicando a data de 31/01/2024, posteriormente prorrogado para março de 2024. Todavia as contribuições devem ser feitas por e-mail, em um processo autocentrado sem diálogo e espaço de debate para que se elaborem os entendimentos comuns para a formulação de uma diretriz que atenda as reinvindicações das instituições formadoras, das pesquisadoras e pesquisadores, professoras e professores, estudantes, entidades sindicais e associações da área.
A proposta de texto para a resolução possui evidências de equívocos, pois distorce os princípios e concepções do campo da formação de professores constituídos ao longo das últimas três décadas, tais como: a articulação com a educação básica, a pesquisa como princípio formador, a interdisciplinaridade, o pensamento crítico-reflexivo e diálogo com as dinâmicas locais por entender a educação enquanto uma prática sistemática, integrada e democrática. Ao recuperar os princípios da Resolução CNE/CP nº 02/2019 e suprimir partes essenciais da Resolução CNE/CP nº 02/2015, o texto pretende conciliar o inconciliável, pois ambas as resoluções são baseadas em epistemologias de formação distintas.
O texto em tela, para consulta e emendas, propõe que os projetos pedagógicos estejam organizados por núcleos, mantendo a distribuição prevista na Resolução CNE/CP nº 02/2019, em uma lógica restritiva, que fere a autonomia institucional e pedagógica das instituições formadoras, tal como expresso em seu artigo 7º que aponta para a necessidade de um alinhamento da base comum nacional ao Projeto Pedagógico de Curso (PPC), articulado com o Projeto Político Institucional (PPI) e com o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI). Ao invés de motivar que as instituições formulem proposições a partir das próprias especificidades e cotidianos considerando a pluralidade institucional e a diversidades dos saberes em todo o território nacional, busca-se um modelo único de formação. Nesta direção o texto enviado reforça as dicotomias que buscava-se superar, desde a Resolução 02/2002, como a que se refere ao conteúdo, a metodologia, a didática, a prática de ensino, a teoria e a prática.
E mais, a nova Resolução enfraquece o desenvolvimento da autonomia intelectual dos profissionais em formação, pois propõe a superficialidade de currículos com base no aproveitamento de experiências anteriores sem estabelecer parâmetros políticos pedagógicos para a validação dela; há a redução do papel formador do estágio devido à associação entre teorias e práticas pedagógicas; propõe o esvaziamento do pensamento crítico em detrimento de uma concepção de formação como uma “capacitação para dar aula”; esvazia o sentido de curricularização da extensão previsto na Resolução 07/2018; suprime a dimensão da gestão educacional; e valoriza uma ideia de competência para a concorrência, e não para a colaboração.
A presente minuta de resolução, ainda, traz pouquíssimos avanços e apresenta vários problemas, tais como a carência de um detalhamento maior sobre aspectos como educação inclusiva, educação de indígenas, educação bilíngue de surdos, educação ambiental, além de uma generalidade das expressões e da redação do texto, que falha também em não incluir reflexão acerca do negacionismo científico e seus desdobramentos em sala de aula. Há a necessidade de dotar o documento de maior carga crítica, reflexiva e questionadora na formação dos futuros professores, bem como a percepção de que o presente texto apresenta afinidade com as iniciativas privadas predatórias na área da educação, abrindo margem para o jogo de interesses do mercado educacional em detrimento do ensino de qualidade. O documento não está atento às especificidades regionais, tão importantes para o ensino de história, por exemplo.
Diante disso, entende-se que uma Resolução para a formação dos profissionais do magistério na atual conjuntura, precisa visar a um horizonte alinhado ao novo Plano Nacional de Educação (2024-2034). Além disso faz-se mister superar a racionalidade tecnicista presente na Resolução 02/2019, recuperando um princípio multidimensional, crítico-reflexivo, interdisciplinar. De modo que a formação se desvincule da BNCC, buscando fortalecer o vínculo entre educação superior e educação básica, instituições de educação superior e escola conforme estava previsto na Resolução 02/2015.
A elaboração de uma Base Nacional de Formação precisa contemplar as ideias defendidas pelas entidades do campo e os princípios dispostos na Constituição Federal de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação – Lei 9.394/1996-, sem confundir unidade com uniformidade. Neste momento, em que há um forte empenho na reorganização da Educação Brasileira, recuperando-a enquanto um projeto de Estado, precisa-se fazer aquilo que Paulo Freire apregoou no livro “Conscientização”, não devemos apenas consumir ideias [tal como feito na atual proposta de diretriz, em que se aglutinam textos de duas resoluções distintas], mas necessita-se cria-las e recriá-las para que possa caminhar na direção de um “inédito viável” de nosso tempo.
Destaca-se, assim, a necessidade da retomada de amplo debate sobre as políticas de formação junto às instituições de educação superior, entidades sindicais, movimentos sociais e sociedade civil respeitando concretamente os espaços democráticos de discussão.
Reforça-se, portanto, a posição pela revogação imediata da Resolução CNE/CP Nº 02/2019 e retomada da Resolução CNE/CP Nº 02/2015, em adesão ao “Manifesto da Frente Nacional Revoga BNC-Formação Pela retomada da Res. 02/2015”.
29 de fevereiro de 2024
Comissão das Licenciaturas da Universidade Federal de Pelotas