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O desafio de registrar uma língua minoritária no caso do documentário “Viver no Brasil falando Hunsrückisch”

O Brasil é um país reconhecido mundialmente pela quantidade e principalmente pela qualidade dos documentários. Seja pela riqueza cultural que pouco foi documentada e tornada acessível para o grande público, seja pela criatividade e experimentação, a lista de documentários que exploram a fundo aspectos específicos e realidades únicas é imensa. Um exemplo é a obra vasta e transformadora de Eduardo Coutinho, cineasta referência no gênero no Brasil e no exterior.

Mas ainda há muito a ser documentado: um exemplo de tema que tem importância periférica nos circuitos de documentários é o registro das centenas de línguas do Brasil. É verdade que as línguas muitas vezes são abordadas, mas raramente tem o papel central em qualquer documentário. Tomemos por exemplo o filme/documentário “Guarani-Kaiowá Ivy Poty – Flores da Terra“, que tem por objetivo registrar a cultura e a resistência desse povo no Mato Grosso do Sul. A língua Kaiowá é registrada, mas o foco recai na cultura da comunidade.

Assim também é o caso dos documentários com presença da língua Hunsrückisch. Desde os documentários dirigidos Rejane Zilles, O Livro de Walachai (2007, 16min.) e Walachai (2009, 85min.), o Hunsrückisch está presente nesse gênero. Também segue nos documentários Heimatland & A História do Kerb (2009, 47min.), direção de Ernoy Luiz Mattiello; Berlim Brasil (2009, 70min.), dirigido por Martina Dreyer e Renata Heinz; também vale citar Land Schaffen (2014, 25min.) e Meio – o que é ser brasileiro? o que é ser alemão? Um filme sobre identidade, memória e imaginário, dirigidos por Clarissa Beckert & Pedro Henrique Risse; também o Glaube, Liebe und Hoffnung – Fé, amor e esperança (2018, 52 min.), direção de Vivian Schäfer; por fim, o documentário Für Immer: Gerações (2018, 46 min.), com direção de Marcelo Collar.

Então, tendo conhecimento dessa variedade de documentários que envolviam indiretamente o Hunsrückisch, Gabriel Schmitt e Ana Winckelmann assumiram a missão de elaborar um documentário sobre essa língua, a partir da seleção de trechos das entrevistas realizadas pelo Inventário do Hunsrückisch como Língua Brasileira de Imigração (IHLBrI), sob coordenação de Cléo V. Altenhofen (UFRGS) e Rosangela Morello (IPOL). O principal objetivo era receber o reconhecimento do IPHAN, financiador do IHLBrI, como língua Brasileira de Imigração, processo que está parado desde 2018.

Uma das premissas do IHLBrI era a elaboração de um material audiovisual que comprovasse a existência dessa língua. Assim, contando sempre com o apoio demais membros da equipe de pesquisa, Gabriel e Ana montaram o roteiro baseado nas seguintes temáticas, que na época lhes pareciam as mais urgentes para dar uma dimensão do que é o Hunsrückisch:

  • Denominações da língua;
  • Variação interna da língua;
  • Experiências de falantes maternos de Hunsrückisch na escola;
  • Espaços culturais onde se usa o Hunsrückisch (igrejas, administração pública, jornais);
  • Contato com outras variedades de alemão no Brasil;
  • Manutenção da língua.

Essas foram as balizas que auxiliaram no processo de seleção dos trechos de entrevista. Ou seja: o roteiro foi elaborado com base nas entrevistas realizadas pelo projeto IHLBrI. Não se foi a campo com um roteiro para o documentário Viver no Brasil falando Hunsrückisch. De maneira geral, ainda há muito a ser documentado no Brasil. E um dos campos que ainda podem ser aprofundados é o das línguas minoritárias.

 

Confira: Lista de excelentes documentários brasileiros que estão disponíveis no Youtube.

 

REFERÊNCIAS:

ALTENHOFEN, Cléo V.; MORELLO, Rosângela; BERGMANN, Gerônimo L.; GODOI, Tamissa G.; HABEL, Jussara M.; KOHL, Sofia F.; PREDIGER, Angélica; SCHMITT, Gabriel; SEIFFERT, Ana Paula; SOUZA, Luana C.; WINCKELMANN, Ana C. Hunsrückisch: inventário de uma língua do Brasil. Florianópolis: Garapuvu, 2018. 248 p.

 

Autor: Gabriel Schmitt
Graduado em Licenciatura Letras e Alemão pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atualmente é aluno do Mestrado Europeu em Lexicografia (EMLex), com pesquisa em dicionários dialetológicos e de línguas minoritárias.

Pomerano: uma língua brasileira

A língua pomerana teve origem na Pomerânia, uma região que se localizava entre os atuais territórios da Alemanha e da Polônia. Segundo Manske (2015, p. 17), devido a sua localização estratégica, com saída para o Mar Báltico, a Pomerânia foi alvo de inúmeras disputas territoriais. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, a maior parte do território da Pomerânia foi anexada à Polônia, e a língua pomerana passou a ser considerada como uma língua moribunda na Europa. Por isso, muitas famílias deixaram de falar o pomerano e de ensinar aos seus filhos, fato que contribuiu para a sua quase extinção na Europa.

No século XIX, motivados por guerras, fome, pestes, crises no campo e desemprego, pomeranos migraram para o Brasil e outros países. Atualmente, os descendentes de pomeranos se distribuem pelos seguintes estados brasileiros: Espírito Santo, Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul, Rondônia e Minas Gerais. Estima-se que há, em todo o Brasil, cerca de 300 mil pomeranos (TRESSMANN, 1998). Você já imaginou se sentir em outro país mesmo estando no Brasil? Em algumas cidades do Brasil, como na região da nossa universidade, o pomerano é falado por boa parte dos habitantes.

A língua pomerana possui o status de língua alóctone (não dialeto!), isto é, língua não originária do Brasil. No entanto, hoje, há uma forte corrente para a língua pomerana ganhar status de língua brasileira, autóctone, porque praticamente não é mais falada na Europa. Segundo Rodrigues (2008), o pomerano sempre foi uma língua oral, não tinha regras de escrita (língua ágrafa). Com o intuito de normatizar a escrita do pomerano, Tressmann (2006) desenvolveu o Dicionário Enciclopédico Pomerano (2006), que possui 16.000 verbetes e 560 páginas. A língua pomerana apresenta particularidades distintas do português e do alemão, tais como a escrita, fala, pronúncia, estrutura das palavras e possui vários cognatos e semelhanças com o inglês e o alemão-padrão (por exemplo, Bauk, book e Buch ou Sonn, sun e Sonne, respectivamente).

Fonte: Hammes (2014, p. 209)

 

REFERÊNCIAS:

HAMMES, E. L. A imigração alemã para São Lourenço do Sul – Da formação da sua Colônia aos primeiros anos após seu Sesquicentenário. São Leopoldo: Studio Zeus, 2014.

MANSKE, C. M. R. Pomeranos no Espírito Santo: história de fé, educação e identidade. Vila Velha, ES: Gráfica e Editora GSA, 2015.

RODRIGUES, A. F. A narrativa de Thomas Davatz: relato de memória e documento histórico, sentimentos e ressentimentos na História (1850-1888). 2008. 116 f. Monografia (Graduação em História) – Instituto de História, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, Minas Gerais, 2008.

TRESSMANN, I. Bilingüismo no Brasil: O caso da Comunidade Pomerana de Laranja da Terra. Associação de Estudos da Linguagem (ASSEL-Rio). Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Rio de Janeiro,1998.

TRESSMANN, I. Dicionário Enciclopédico Pomerano-Português. Santa Maria de Jetibá, Espírito Santo, 2006.

 

Autora: Daniele Ebel
Falante de pomerano e graduanda do curso de Licenciatura em Letras Português e Alemão na Universidade Federal de Pelotas.