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Três mitos acerca do bilinguismo infantil

De atrasos aflitivos à grande inteligência: afinal, o que se pode afirmar sobre ser uma criança bilíngue?

Falar mais de um idioma em casa causará atrasos no desenvolvimento do meu filho? Devo perguntar ao meu filho se ele quer falar a minha língua? Será que dominar mais de uma língua sempre é sinal de muito esforço, dedicação ou ainda superdotação? Vamos ver alguns mitos que inquietam famílias e até profissionais da educação.

1. A criança que fala duas línguas demora mais a falar e fala pior que as outras
Essa ideia de “atraso” da criança bilíngue está ligada ao fato de que ela precisa processar uma quantidade maior de informações do que aquela que só tem contato com uma língua. Entretanto, não costuma durar mais do que alguns meses, já que as crianças são capazes, desde bem pequenas, de reconhecer e separar os ambientes e as pessoas com quem usar uma ou outra língua.

2. Deve-se sempre consultar os filhos sobre se querem ou não aprender a língua da gente
Os pais que creem nessa perspectiva, em geral, são os que falam uma língua diferente do que a maioria das pessoas em determinado local. Porém, nem em contextos onde só há uma língua, essa “consulta” sugerida seria plausível; é usar e ponto! Cabe apenas aos pais a decisão de usar a língua da família, como o pomerano, o japonês, o kaingang, com os filhos, dando-lhes a possibilidade de manter as tradições ligadas a esses idiomas.

3. Falar mais de uma língua desde a infância é sinal de ser inteligente
Adquirir duas ou mais línguas quando se é criança não requer nenhum esforço adicional. Basta a família usar regularmente um dos idiomas e exigir que os pequenos respondam nele, como uma ordem qualquer. “Tira o dedo da tomada! Desce do sofá! Fala (inserir aqui a língua) comigo!”. E, claro, lembrar que a língua faz parte de quem somos, pois é a partir dela que construímos nossos afetos e interagimos socialmente. Então, quando os pais decidem qual língua falar com a criança, não se recomenda trocar mais tarde.

Texto de referência:
MOZZILLO, I. Algumas considerações sobre o bilinguismo infantil. Veredas on-line, v. 19, n. 1, p. 147-157, 2015.

Autor: Vinicius Borges de Almeida
Graduado em Letras – Português e Francês pela Universidade Federal de Pelotas (2018). Atualmente, é mestrando em Letras pela mesma instituição e integrante do Grupo de Pesquisa Línguas em Contato. Atua como professor de francês em curso livre há dois anos.

 

 

Afinal, o que é esse tal de bilinguismo?

Bilinguismo. O termo ainda não é muito popular no Brasil. No entanto, circula cada vez mais forte e frequente em discussões importantes sobre a educação bilíngue de surdos e de indígenas, além de estar na base das iniciativas que buscam revitalizar as línguas herdadas dos imigrantes, como o pomerano e o talian. De acordo com o francês François Grosjean, professor emérito da Universidade de Neuchâtel, metade da população mundial é bilíngue.

Afinal, o que significa bilinguismo? A definição é polêmica. Os dicionários, como o Michaelis, o definem como a qualidade “daquele que fala dois idiomas”. As pessoas comuns também. Porém, não só elas. No início do século passado, pesquisadores definiram bilíngues como indivíduos com domínio perfeito em dois ou mais idiomas. No entanto, as pesquisas mais recentes são unânimes em afirmar: bilinguismo não é exatamente isso.

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Bilíngues, ser ou não ser, eis a questão

O que podem ter em comum:
a) a criança que têm pais que falam duas línguas em casa e as aprendeu simultaneamente antes dos três anos de idade?
b) o adolescente brasileiro que participa de jogos virtuais em uma comunidade em que o inglês é a língua de comunicação?
c) o estudante que lê e escreve em espanhol, mas só fala frases básicas?
d) a criança que entende Kaingang, ou pomerano, usado pelos avós, mas não o fala?

Segundo a definição de bilinguismo de François Grosjean, todas as pessoas dos exemplos acima podem ser consideradas bilíngues. De que maneira? O pesquisador baseia seu conceito de bilinguismo na ideia de uso das línguas. Dessa forma, para o linguista, bilíngues são pessoas que usam as duas línguas que adquiriram/aprenderam em situações do seu dia a dia, alternando-as conforme suas necessidades e finalidades específicas: para conversar com os pais na língua materna deles; ler um artigo; participar de um jogo virtual; escutar uma história dos avós que falam uma língua minoritária, por exemplo. Portanto, bilíngues se valem, em menor ou maior grau, do conhecimento linguístico que possuem e das habilidades comunicativas que dominam (ler, ouvir, falar e escrever) nas duas ou mais línguas que fazem parte da sua vida, tanto para interagir com o outro quanto para experimentar o mundo que os cercam.

Referências
Bilinguismo. In: Michaelis, Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 2020. Disponível em: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/bilinguismo/ Acesso em: 27 set. 2020.
FLORES, C. Bilinguismo infantil. Um legado valioso do fenómeno migratório. Diacrítica, v. 31, n. 3, p. 237-250, 2017.
GROSJEAN, F. Bilinguismo Individual. Trad. por Heloísa Augusta Brito de Mello e Dilys Karen Rees. Revista UFG, v. 10, n. 5, p. 163-176, 2017.
LICO, A. L.C. Ensino do português como língua de herança: prática e fundamentos. Revista SIPLE, v. 1, n. 2, p. 22-33, 2011.
LIRA, C. O português como língua de herança em Munique: práticas de desafios. Fólio – Revista de Letras, [S.l.], v. 10, n. 1, 2018.
MEGALE, A. H. Bilinguismo e educação bilíngue – discutindo conceitos. Revista Virtual de Estudos da Linguagem – ReVEL, v. 3, n. 5, p. 01-13, 2005.
MOZZILLO, I. Algumas considerações sobre o bilinguismo infantil. Veredas (on-line), v. 19, n. 1, p. 147-157, 2015.
SOUZA, A. Motherhood in migration: A focus on family language planning. Women’s Studies International Forum, v. 52, p. 92 – 98, 2015.

Autora: Andréa Ualt Fonseca
Licenciada em Letras – Espanhol e Literaturas de Língua Espanhola, mestre em Educação e doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPel. Professora de Espanhol do IFSul-Campus CaVG.