Desde o início dos conflitos internos no Sudão, que em 2011 deram origem ao Sudão do Sul, as relações com os Emirados Árabes Unidos (EAU) têm sido marcadas por tensões recorrentes. Recentemente, a repercussão de um relatório interno da ONU indicando envolvimento direto dos EAU no apoio às Forças de Apoio Rápido (FAR), grupo paramilitar sudanês, reacendeu o foco internacional sobre o papel dos atores externos na escalada da violência sudanesa (THE GUARDIAN, 2025). Segundo o documento, os EAU teriam fornecido armamentos e apoio logístico às FAR, agravando o conflito, sobretudo na já devastada região de Darfur.
O governo sudanês buscou responsabilizar os Emirados Árabes na Corte Internacional de Justiça sob a alegação de cumplicidade em atos de genocídio. A ação, contudo, foi rejeitada por insuficiência de provas que estabelecessem o nexo entre Abu Dhabi e seu envolvimento com os crimes cometidos pelas FAR. A situação tornou-se ainda mais delicada com a descoberta de armas de fabricação chinesa nos arsenais das FAR, supostamente fornecidas pelos EAU; embora não haja, até o momento, acusações diretas contra Pequim (AL JAZEERA, 2025; REUTERS, 2025).
Em resposta ao agravamento das tensões, o Sudão anunciou oficialmente o rompimento de relações diplomáticas com Abu Dhabi — um gesto que, embora simbólico, pode representar uma faísca nas disputas no Chifre da África (AFRICA FEEDS, 2025). Para os EAU, o escândalo ameaça sua imagem cultivada de mediador regional e ator construtivo, além de intensificar o escrutínio internacional sobre sua política externa assertiva em contextos africanos. A vinculação ao fornecimento de armas em zonas de conflito, especialmente com a presença de armas chinesas, pode gerar atritos não apenas com países africanos, mas também em fóruns multilaterais e com os Estados Unidos (TÜRKIYE TODAY, 2025).
Para o Sudão, a ruptura pode sinalizar uma tentativa de reafirmação de soberania frente à sua crise interna. No entanto, ela também implica riscos significativos ao país, que fragiliza sua imagem em meio a sua dependência por ajuda financeira e humanitária internacional; possivelmente provocando o distanciamento de aliados próximos dos EAU. Com isso, o isolamento diplomático de Cartum tende a se aprofundar, dificultando o acesso a investimentos externos, num cenário regional já marcado por rivalidades e instabilidade.
Referências
AL JAZEERA. ICJ dismisses Sudan’s genocide case alleging UAE backing of RSF rebels. 5 maio 2025. Disponível em: https://www.aljazeera.com/news/2025/5/5/icj-dismisses-sudans-genocide-case-alleging-uae-backing-of-rsf-rebels. Acesso em: 8 maio 2025.
AFRICA FEEDS. Sudan cuts ties with UAE as tension escalates. 7 maio 2025. Disponível em: https://africafeeds.com/2025/05/07/sudan-cuts-ties-with-uae-as-tension-escalates. Acesso em: 8 maio 2025.
REUTERS. World Court dismisses Sudan’s genocide case against UAE over alleged Darfur. 5 maio 2025. Disponível em: https://www.reuters.com/world/africa/world-court-dismisses-sudans-genocide-case-against-uae-over-alleged-darfur-2025-05-05. Acesso em: 8 maio 2025.
THE GUARDIAN. Leaked UN experts’ report raises fresh concerns over UAE’s role in Sudan war. 14 abr. 2025. Disponível em: https://www.theguardian.com/global-development/2025/apr/14/leaked-un-experts-report-raises-fresh-concerns-over-uaes-role-in-sudan-war. Acesso em: 8 maio 2025.
TÜRKIYE TODAY. Chinese weapons traced to UAE found in Sudan paramilitary arsenal. 2025. Disponível em: https://www.turkiyetoday.com/africa/chinese-weapons-traced-to-uae-found-in-sudan-paramilitary-arsenal-3201166. Acesso em: 8 maio 2025.
* Giancarlo Gouveia é pesquisador do LabGRIMA.