Cúpula Rússia-África e suas motivações diplomáticas por Giancarlo Gouveia

Nos dias 27 e 28 de Julho de 2023, na cidade de São Petersburgo, o governo russo foi o anfitrião da segunda “Cúpula Rússia-África” com o intuito de fortalecer suas relações diplomáticas com diversos países africanos, contando com a participação de 49 deles (dos 54 reconhecidos pela ONU).

Esse movimento se vê crucial para a inserção russa no cenário internacional, e obviamente, também, em relação ao continente africano.

Em vista da condição atual das relações, com sanções econômicas extensas, acusações formais e informais e até um crescimento da OTAN na Europa Oriental, como forma de fortalecer os ideais “hostis” à Moscou, dada a história do bloco militar. Nesse sentido, em busca de aliados confiáveis no âmbito internacional, a Rússia se volta às nações africanas, com algumas delas já tendo um histórico de proximidade com o país no período da Guerra-fria. Além da busca pelo apoio internacional, com essa aproximação, que foi bem recebida, há também a garantia dos interesses russos na região, que vem ganhando força no cenário global.

Inevitavelmente, é necessário estabelecer um paralelo nesse movimento com os efeitos da Guerra Russo-Ucraniana. Além da “exclusão” de relações amigáveis por parte de diversos países ocidentais com a Rússia, que já foi abordada anteriormente, há o caso da “reparação” de efeitos negativos que a guerra causou no continente africano.

Sob esse prisma, após o início do conflito em 2022, a produção e exportação de grãos, como trigo e cevada, vindos de países que escoavam sua produção pelo Mar Negro (majoritariamente Rússia e Ucrânia) foi profundamente afetada, causando escassez e aumento dos preços no mercado internacional. Assim, afetando de maneira forte as nações africanas que dependem da importação desses produtos, e se encontraram, nesse acontecimento, em uma situação de vulnerabilidade, já que países mais ricos e próximos das zonas de cultivo tinham mais facilidade para arcar com a variação dos preços e menos problemas com a logística de exportação.

Visto isso, o governo anunciou em meio a outras medidas que vão ser abordadas posteriormente, o fortalecimento da exportação de grãos às nações africanas, incluindo a doações para seis países, tendo em mente o cenário desagradável que elas se encontraram. Assim, fomentando o crescimento de uma aproximação africana com a Rússia, e, também, garantindo o escoamento da produção russa, que foi afetada pelas sanções que a foram impostas. Além disso, garantindo o uso pleno dos portos conquistados nos territórios que faziam parte da Ucrânia, mas que atualmente estão sob controle russo, ação que casa com a saída de Moscou do Acordo de Grãos do Mar Negro; motivada pela vontade russa de uso exclusívo das águas do Mar Negro para o escoamento da produção dessas commodities.

Ainda, um dos principais acontecimentos da cúpula foi o perdão de $23 bilhões em dívidas. Nisso, é possível abordar as motivações russas por trás desse ato que por muitos pode ser visto como benevolente, mas que beneficia Moscou em um nível superior ao aproveitamento da ação por parte das nações africanas. Tomando em conta esse cenário, segundo o cientista político russo Dmitry Evstafiev, em entrevista à Sputnik, esse abono de dívidas africanas com a Rússia é algo puramente simbólico para às nações africanas, já que em seus panoramas econômicos o pagamento dessas dívidas, algumas dessas sendo existentes desde quando Moscou era capital da União Soviética, era inexistente.

Então, o que teria motivado esse ato por parte do governo russo? Pode-se encontrar como resposta, nesse viés, a criação de um cenário mais propício para o investimento internacional em infraestrutura russa nos países africanos; já que continuar a investir em países devedores seria algo mal-visto internacionalmente e evitado pelos países que têm dívidas. Assim, fortalecendo, ainda mais, o perfil de investidora internacional, atrelado à Rússia, que pode ser exemplificada pela fala de Evstafiev “[this action is the] purchasing of an entry ticket into Africa in a new global state, of sorts”.

Por fim, visando um olhar mais global da política externa russa que vem sendo construída estão os discursos anti-imperialismo que foram clamados de ambos os lados. Tendo, inclusive, Putin manifestando intenções de colaborar com a construção de um mundo multipolar, como reportado pela Al-Jazeera. Isso, em meio a declarações de Putin levando em conta o crescente protagonismo africano no cenário internacional: “new centre of power. Its political and economic role is growing exponentially. Everyone will have to take this reality into account”. Sob o exposto, torna-se evidente a intenção de Moscou de se propor como uma ator alternativo às potências imperialistas ocidentais.

REFERÊNCIAS

Al Jazeera. “Putin Promises Grains, Debt Write-off as Russia Seeks Africa Allies.” Russia-Ukraine war News | Al Jazeera, July 28, 2023. https://www.aljazeera.com/news/2023/7/28/putin-promises-grains-debt-write-off-as-russia-seeks-africa-allies. 

“The Russia–Africa Summit · Economic Forum: 2023.” The Russia–Africa Summit · Economic Forum | 2023, 2023. https://summitafrica.ru/en/. 

“What Was the Black Sea Grain Deal and Why Did It Collapse?” The Guardian, July 20, 2023. https://www.theguardian.com/world/2023/jul/20/what-was-the-black-sea-grain-deal-and-why-did-it-collapse. 

Sputnik International. “Russia Wrote off $23 Billion in Debt to African Nations.” Sputnik International, July 28, 2023. https://sputnikglobe.com/20230728/russia-to-provide-some-90mln-to-african-countries-in-debt-relief—putin-1112211979.html. 

Dergalin, Andrei. “Why Forgiving African Debts Could Be ‘Positive’ Payoff for Russia.” Sputnik International, July 28, 2023. https://sputnikglobe.com/20230728/why-forgiving-african-debts-could-be-positive-payoff-for-russia-1112228049.html.

Giancarlo Gouveia é acadêmico do curso de Relações Internacionais e membro do LabGRIMA/GeoMercosul.

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