[EXPERT OPINIONS] Medidas de combate à Covid-19 em África BY Laurindo Tchinhama

Desde a declaração da pandemia da Covid-19 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2020, o continente africano é um dos menos afetados. Comumente o continente é visto como a caixa de pandora dos problemas do mundo, porém os países africanos, até o momento, têm se mostrado eficientes e unidos nas suas políticas contra a propagação do vírus.

Os países têm mobilizado e alertado a população sobre as medidas preventivas contra a pandemia, realizando a troca de experiência com cientistas e especialistas dos países mais afetados de modo a acompanhar a evolução e estudos sobre o vírus. Ademais, o histórico de doenças como o Ebola, HIV, Malária dentre outras, serviram de lições para que o continente estivesse preparado para responder a eventuais surtos de doenças.

Desde o início da pandemia até os dias atuais, a África registrou um total de 3,6 milhões de casos e 96.000 mortes, segundo os dados do Centro de Controle de Doenças da África (CDC ÁFRICA, 2021). O CDC África observa que a África do Sul é atualmente o país que registra o maior número de casos, mais de 1, 4 milhão e 45 mil mortes, em grande parte devido às novas variantes do vírus descobertas em janeiro de 2021. No entanto, apesar da alta nos casos no continente, destaca-se que, em 2019, que os países africanos realizaram a revisão da Avaliação Externa Conjunta (JEE, em inglês) sobre o Regulamento Sanitário Internacional (IHR, em inglês) que auxiliou na preparação das instituições públicas de saúde para melhor controle e redução do número de casos (IHEKWEAZU; AGOGO, 2020).

Assim como nos demais continentes, o CDC África é a instituição responsável pelas políticas públicas de saúde dos países africanos e está espalhado nas cinco regiões do continente: Central, Oriental, Norte, Sul e Ocidental. Essa distribuição evidencia a capacidade organizacional do continente para responder a possíveis surtos de doenças, como também ilustra o papel desempenhado pela União Africana (UA) em prol da saúde.

Além da contribuição dos Estados membros, o CDC África tem parceria com Organizações Internacionais não Governamentais (OIG´s) filantrópicas. Por exemplo, a Fundação Rockefeller, a Fundação Melinda e Bill Gate, a Africa Public Health Foundation, Foundation for Innovative New Diagnostics (FIND), dentre outras auxiliam na compra de equipamentos, insumos, investimento em pesquisa, na troca de experiências e muito mais ações (CDC África, 2021). Assim sendo, o financiamento desses parceiros permite o CDC África fornecer treinamento e capacitação aos especialistas africanos na área da saúde pública. Ademais, a instituição também tem a responsabilidade de velar pela coordenação, a qualidade das infra estruturas das instituições de saúde pública dos países, vigilância, diagnóstico e  respostas emergenciais (AFRICA MEDICAL SUPPLIES PLATFORM, 2021).

Nesse sentido, o CDC África adotou algumas medidas e programas para enfrentar a Covid-19. Dentre as medidas estão o Partnership to Accelerate COVID-19 Testing (PACT) cujo objetivo é mobilizar e preparar os especialistas para acelerar a realização de testes, identificar os casos, realizar a quarentena, tratar os casos detectados e fornece suporte de forma rápida abrangendo as zonas comunitárias mais atingidas (CDC África, 2021).  

A UA lançou a plataforma digital Trusted Travel, resultado de uma ação conjunta com o CDC África. O Trusted Travel pretende controlar a certificação de teste da Covid-19 para viajantes, ou seja, monitorar as entradas e saídas dos viajantes aos países africanos. O viajante deve mostrar a certificação do teste na plataforma de forma online para apresentação nos setores de migração e assim evitar o contato físico. Por outo ado, é importante ressaltar que o teste pode apresentar falso negativo, devido a estar no início da contaminação ou a pessoa pode ser contaminada no próprio voo, ou seja, apesar do avanço, essa solução está longe de ser 100% eficaz. Dessa forma, os países africanos conseguem reabrir suas fronteiras e manter as suas economias ativas. 

Outra iniciativa lançada pela UA é a África Medical Supplies Platform (AMSP). Trata-se também de uma plataforma online com banco de dados que disponibiliza informações sobre fornecedores e fabricantes de insumos para Covid-19, desde materiais de Equipamento de Proteção Individual (EPI), kits de testagens às vacinas. A plataforma é alimentada por empresas e instituições africanas parceiras do CDC África, dentre elas estão o Banco Africano de Exportação e Importação (Afreximbank) e pela Comissão Econômica das Nações Unidas para a África (ECA, em inglês) (CDC ÁFRICA, 2021). 

Por último, destaca-se a parceria profícua entre o CDC África, a OMS e demais parceiros. Foi criada uma rede de laboratórios com objetivo de realizar o sequenciamento do genoma da SARS-CoV-2 causadora da Covid-19 (CDC ÁFRICA, 2021). Com doze laboratórios espalhados pelo continente, a parceria conseguiu identificar até o momento 10 linhagens do genoma da SARS-CoV-2 circulando na África. A eficácia da rede conta com equipamentos, reagentes e apoio técnico de forma contínua.

O grande desafio que se avizinha é o acesso à vacina. A busca pela vacina, assim como ocorrido com a compra de máscaras no início da pandemia, tem revelado o comportamento egocêntrico das nações mais desenvolvidas. O monopólio na compra das vacinas por parte dos países mais desenvolvidos tem deixado poucas opções aos Estados africanos e levantado questionamento acerca do multilateralismo diante do nacionalismo da vacina. 

Fica claro que o multilateralismo deu lugar ao nacionalismo das vacinas na saúde global, tornando-se assim um obstáculo de combate à Covid-19, como observa Daoudi (2020, p. 5) que a corrida pela vacina “[…] deixará alguns à margem, sem fôlego, incapazes de competir com as capacidades americanas, europeias, chinesas e russas […] é caracterizada por uma busca feroz por direitos prioritários”. Entretanto, se for depender desse cenário de disputa desenfreada, pode-se cogitar que os Estados africanos serão os últimos da fila na compra de vacinas fabricadas pelas farmacêuticas europeias e americanas. 

Vale enfatizar que alguns países africanos como a ilhas Seychelles, Ruanda, Cabo Verde, África do Sul e Tunísia começaram a vacinar com as doses da farmacêutica Pfizer (WHO, 2021). Ademais, a África deve contar com a vacina COVAX resultado da iniciativa liderada pela OMS e da Gavi the Vaccine Alliance e The Coalition for Epidemic Preparedness Innovations (CEPI) (WHO, 2021). Porém, é imperioso salientar que a UA garantiu a compra de 270 milhões de doses para o continente, conforme o especialista da UA Strive Masiyiwa de que “Estes são tempos históricos. Pela primeira vez na história, a África garantiu o acesso a milhões de doses de vacina no meio de uma pandemia, como a maioria dos países ocidentais”. Ainda, iniciativas público-privadas como da empresa de telefonia MTN, com a doação de 25 milhões de dólares, revelam como o continente africano pretende mudar a sua imagem diante do mundo. Todavia, o caminho ainda é longo e demanda força tarefa das instituições e Estados africanos.   

Percebe-se, por um lado, que esses esforços demonstram o quão unidos estão os Estados africanos e têm aprendido ao longo dos anos a empreender iniciativas coletivas diante da desigualdade e anarquia dominante no sistema internacional quando se trata da garantia de sobrevivência dos povos africanos. Por outro, fica claro que os Estados não são os únicos atores do sistema internacional, logo, a interdependência e o multilateralismo ainda são predominantes nas Relações Internacionais.

 

Referências bibliográficas

IHEKWEAZU, C.; AGOGO, E. Africa ’ s response to COVID-19. BMC Medicine, , p. 18–20, 2020.

AFRICA MEDICAL SUPPLIES PLATFORM. ABOUT US. Africa Medical Supplies Platform. 17 Feb. 2021. Disponível em: https://amsp.africa/about-us/. Acesso: 17/02/2021.

CDC Africa. Statement on the Efficacy of the AstraZeneca COVID-19 Vaccine (ChAdOx1 nCoV-19) against the SARS-CoV-2 Variants. Disponível em: https://africacdc.org/news-item/statement-on-the-efficacy-of-the-astrazeneca-covid-19-vaccine-chadox1-ncov-19-against-the-sars-cov-2-variants/. Acesso: 12/02/2021. 

______ Disponível em: https://africacdc.org/news-item/the-rockefeller-foundation-announces-grant-to-expand-access-to-covid-19-testing-and-tracing-in-africa/. Acesso: 12/02/2021. 

______ Africa CDC, FIND partner to build capacity for COVID-19 rapid diagnostic tests in Africa. Disponível em: https://africacdc.org/news-item/africa-cdc-find-partner-to-build-capacity-for-covid-19-rapid-diagnostic-tests-in-africa/. Acesso: 12/02/2021.

______ AMSP opens COVID-19 vaccines pre-orders for 55 African Union Member States. Disponível em: https://africacdc.org/news-item/amsp-opens-covid-19-vaccines-pre-orders-for-55-african-union-member-states/. Acesso: 17/02/2021.

______ COVID-19 genome sequencing laboratory network launches in Africa. Disponível em: COVID-19 genome sequencing laboratory network launches in Africa – Africa CDC. Acesso: 17/02/2021.

DAOUDI, Salma. Vaccine nationalism in the context of Covid-19: An obstacle to the containment of the pandemic. International Journal of Public Health. V. 80, nº 2. 2020, p. 97-105.

WHO, A. COVAX expects to start sending millions of COVID-19 vaccines to Africa in February | WHO | Regional Office for Africa. 17 Feb. 2021. Disponível em: https://www.afro.who.int/news/covax-expects-start-sending-millions-covid-19-vaccines-africa-february. Acesso: 17/02/2021.

Laurindo Tchinhama é Doutorando em Relações Internacionais pelo PPGRI San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC -SP).

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