Paisagens de Lastro

Rogério Marques 

Na sua raiz etimológica a palavra lastro designa certa quantidade de um sólido, e que entre outras coisas, se refere ao peso que pode pode ser colocado nos porões de navios e embarcações para manter o equilíbrio ou mesmo designa os sacos de areia dispensados na subida de um balão. Nos trabalhos de Rogério Marques, artista nascido e criado na cidade portuária de Rio Grande, a palavra lastro se refere ao contexto das navegações e funciona como um conceito abrangente que perpassa toda a sua produção. 

Se a água, no caso dos navios, é o que normalmente se usa para tal função, no passado pedras, azulejos, materiais de construção diversos e mesmo chafarizes de ferro serviam de lastro. Muitos animais como certos crustáceos e polvos que não existiam na costa brasileira, vieram na água de lastro de navios europeus. 

Mas para além dessa ideia mais básica de equilíbrio, existe uma condição de transposição cultural, no caso dos chafarizes que são instalados em diversas cidades brasileiras, ou mesmo de uma transposição da natureza, no caso dos animais que não existiam por aqui, vindos de outros ecossistemas para se instalar nas águas da costa brasileira. 

Essa idéia de transposição e apropriação cultural é o mais evidente nas Paisagens de Lastro do artista. Em quase todas as imagens dessa exposição, entre xilogravuras, desenhos com sangue e bordados, vamos encontrar referências diversas: o Cristo na cruz de Grunevald, o Minotauro, Prometeu, a Anunciação, São Sebastião flechado ou as mãos que seguram instrumentos cirúrgicos retiradas de antigos manuais de medicina. 

Ao mesmo tempo a imagem do próprio artista que se transfigura em São Sebastião e Prometeu, que está no colo do Minotauro quando criança ou segurando na mão do mesmo quando adolescente, ou sofrendo os procedimentos cirúrgicos diversos. Auto-retratos? Não necessariamente mas também. Pois a questão aqui é a de uma apropriação de sentidos anteriores, dados de antemão, provenientes do contexto da arte, da mitologia, do contexto religioso ou de antigos manuais de medicina que são atualizados e posicionados na contemporaneidade. 

Para além de certa agressividade que se expressa nos procedimentos, como a goiva que corta a madeira nas xilogravuras e a agulha que perfura papel e tecido nos bordados, ou do uso de materiais como o sangue nas paisagens com dourado; nas imagens a perturbação do corpo do artista suicidado pendurado em uma árvore, flechado, de mãos dadas com o Minotauro ou aberto nos procedimentos cirúrgicos. Ao mesmo tempo um certo lirismo que se expressa na linha de cobre minuciosamente trabalhada nos bordados para não romper o papel, o uso de sangue nas paisagens junto ao dourado ou o refinado desenho nas xilogravuras que tem quase toda a madeira retirada. 

Ainda, outras informações que não são necessariamente públicas, mas que acentuam os sentidos nos trabalhos, como a madeira usada para a realização das xilogravuras, provenientes de partes da cama sobre a qual o artista dormiu e sonhou quando criança e na adolescência! 

O significado de tudo isso?!….uma miríade de referências e procedimentos e materiais e imagens que dentro da cabeça de cada um vão gerar o lastro necessário para os mais variados percursos de sentido e admiração.

Texto e Curadoria Daniel Acosta

 

Visitação: 04 a 15 de novembro de 2019

Vernissage e conversa com o artista:
07 de novembro às 18h30

 

Coordenação Galeria:

 Prof Dra. Kelly Wendt Prof Dr. Clóvis Martins Costa 

Equipe de Montagem:

 Dara Blois, Daniel Higa, Guilherme Fuentes, 

Jessica Porciúncula, Nathalie Carvalho e Renan Soares