Nani, Joah, Yin e Joy (de baixo para cima) da terceira geração do Black Cats Foto: Divulgação
Por Lisandra Miranda
O Black Cats é um grupo de dança que foca suas performances em coreografias de K-pop, gênero musical originado na Coreia do Sul, e realiza apresentações em eventos de dança nos municípios de Pelotas e Rio Grande. O grupo é composto por quatro integrantes, sendo elas Thaynara de Oliveira (22), Joice Soares (23), Alânis Oliveira (16) e Joana Alves (18), as quais se apresentam, respectivamente, com os nomes artísticos de Yin, Joy, Nani e Joah.
O grupo iniciou em 2017 e partiu da iniciativa da integrante Yin, na época formanda do Curso de Dança Licenciatura da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Ela teve a ideia de dar aulas de coreografias de K-pop, que se encaixam no estilo de dança urbana. Segundo Thaynara de Oliveira, a ideia era trabalhar o conceito e a técnica das danças urbanas com a apresentação de K-pop nos eventos. Na cultura coreana, há quase uma obsessão com a técnica. “Eu queria trazer um pouco dessa ideia para os eventos, porque via as pessoas dançando muitas vezes sem técnica, se machucando”, diz a dançarina.
Nesses três anos, o grupo passou por diversas mudanças, sendo a atual formação dele chamada pelas integrantes de terceira geração. Na primeira geração do grupo, Yin era a professora de aproximadamente sete meninas, e, nesse mesmo período, o grupo se vinculou ao Laboratório de Estudos Coreográficos (Coreolab) da UFPel, laço que acabou somente em 2018 com a mudança da coordenação do laboratório. A segunda geração foi marcada pela entrada da atual integrante Joy, que também no período era estudante do Curso de Dança Licenciatura da UFPEL, e colega de Yin.
A terceira geração surgiu quando Thaynara, já formada em dança, foi contratada pela Cia de Dança Sandro Vieira, localizada no município de Rio Grande, para dar aulas com coreografias de K-pop. As atuais integrantes Nani e Joah acabaram fazendo as aulas para aprender mais sobre esse gênero, e mesmo com o fim das aulas na academia de dança, elas continuaram a ensaiar com Joice e Thaynara e formaram essa nova geração.
As duas integrantes mais novas relataram o motivo de terem escolhido fazer as aulas. Joana Alves diz que já gostava havia muito tempo da dança e resolveu estudar a técnica com aulas experimentais. Alânis Oliveira relata: “Eu estava meio mal, gostava de K-pop e a minha amiga fazia aula, falou para mim que é muito bom. Eu pensei em fazer algo para me distrair. Não gostava de me apresentar, tinha pânico de palco, mas eu gostei depois da primeira vez que dancei com o pessoal, aí já me soltei mais.”
Yin, Nani, Joah e Joice finalizando a coreografia da música Boy With Luv do Bangtan Boys (BTS)
Para ensaiar as quatro meninas organizam seu tempo a partir de suas rotinas de professoras de danças, no caso de Thaynara e Joice, e de estudantes do Ensino Médio, como Alânis e Joana. Outro empecilho para organização dos ensaios é a separação das meninas, pois Joice nasceu e mora em Pelotas, enquanto as outras três nasceram e moram em Rio Grande.
Dessa forma, a principal rotina de ensaio é das integrantes de Rio Grande, as quais fazem aulas nas sextas-feiras de manhã com Yin, e, quando possível, ensaiam em outros dias durante a semana. Joy, como professora de dança, afirma: “Quando dá, eu vou e a gente passa uma tarde inteira ensaiando só para ver os lugares. Como eu já estou acostumada, então eu já pego as coreografias e passo com elas só os lugares para não se confundir.”
Essa rotina muda quando o grupo Black Cats está perto de uma apresentação. Nessas situações, Thaynara ressalta que as quatro precisam ensaiar as performances juntas. “A gente marca mais dias e a Joice vem e dorme lá em casa”. Durante o período de existência do grupo e em suas três gerações, as integrantes participaram de eventos, como o AnimeBomb, em Pelotas e Rio Grande, e na 13ª amostra do Dia internacional da Dança de 2019, sendo nesta ocasião o único grupo que dançou K-pop.
A existência do grupo Black Cats tem importância para cultivar o K-pop, como um gênero musical e artístico, na região Sul do país. A presença de duas profissionais da dança no grupo também é essencial, pois o aprendizado acaba envolvendo o crescimento de Yin e Joy como professoras nesse ramo, e de Nani e Joana como futuras dançarinas. De acordo com Joy, o principal objetivo das professoras é auxiliar as colegas ao máximo, na parte de expressão corporal, prestando atenção, por exemplo, com o olhar para a frente e a postura. “Quando a gente está ensaiando a gente cuida para ver se elas estão fazendo certinho o passo, não precisa ser cem por cento, mas a gente tem que ter esse cuidado,” descreve.
A história do K-pop: Da Coreia do Sul ao Mundo
Ao conhecer o Black Cats, a questão que fica é “O que é o K-pop?”, que essas dançarinas dispõem seu tempo diário a ensaiar para apresentaram aqui na região Sul do Brasil. Em síntese, o K-pop é um gênero musical que surgiu na Coreia do Sul e mistura coreografias impecáveis com vocais diversificados, porém o surgimento do K-pop vai além disso e entra profundamente nos problemas da sociedade coreana, que antecederam seu início.
Devido à dominação do Japão sobre a Coreia em 1910, que durou até o final da Segunda Guerra Mundial, o país ficou em pleno descaso. Nesse período, a Coreia foi dividida entre Estados Unidos e União Soviética, sendo responsáveis pela divisão do país em Coreia do Norte e Coreia do Sul, que firmou uma instabilidade política e de segurança nacional até os dias atuais.
A partir desse contexto histórico, a Coreia do Sul enfrentou diversas instabilidades, principalmente econômicas. Dessa forma, o marco histórico do K-pop é o ano de 1992, com a apresentação do grupo Seo Taiji and Boys. A performance chocou os telespectadores coreanos, pois estavam acostumados com canções nacionalistas ou com valores sociais. Essas músicas tradicionais eram consideradas saudáveis aos ouvintes, situação imposta pelo ditador Park Chung-Hee (1963-1979) com o controle da cultura no país, inclusive dos programas transmitidos na televisão.
Seo Taiji and Boys estreou com apresentação de um trio de meninos, que dançam e cantavam a músicas com batidas de musicas hip-hop e eletrônica. Até mesmo com um estilo de moda extremamente ocidental para a época dos anos 1990, e coreografias com uma técnica impecável. Isso representou uma mudança não somente na indústria cultural sul-coreana, como também em uma transformação da Coreia do Sul como um todo, que estava se apropriando dos gêneros de outros países, principalmente ocidentais, para construção de estilos musicais próprios. A música do álbum Seo Taiji and Boys IV fala sobre meninos que fugiam de casa.
O grupo Seo Taiji and Boys acabou em 1996, quatro anos após seu lançamento, e incentivou o pensamento coreano de comercializar a música, como uma mercadoria cultural. Fato, que foi reforçado em 1997, ano que a Ásia sofreu uma devastadora crise econômica, tornando a indústria do K-pop o novo produto de exportação do país. Foi definida no mesmo ano a lei em que o governo prometera dedicar 1% de seu orçamento à cultura. Esse acontecimento impulsionou o surgimento das empresas S.M. Entertaiment, JYP Entertaiment, e YG Entertaiment. Essas três companhias formaram a base e a fórmula que gerenciam a indústria do K-pop atualmente, com grupos afiados nas coreografias e nos vocais impecáveis. Desenvolveram a estratégia para venda e divulgação de suas músicas com o uso de frases em inglês e títulos também na mesma língua para disseminar mais esse gênero musical para o mundo. E, atualmente, na Coreia do Sul, existem diversas empresas focadas somente na produção de grupos de K-pop.
Da Coreia para o Sul do Brasil
Nesse contexto, da indústria cultural do K-pop, cada uma das integrantes do Black Cats possuiu uma história do seu primeiro contato com esse gênero, porém, a similaridade de estarem em contato com alguém que possuía uma relação com algum aspecto da cultura asiática, até mesmo a cultura japonesa. A integrante Joana Alves contou que começou assistindo desenhos japoneses com o irmão, e como gostava mais de novela acabou encontrando os K-dramas, novelas produzidas na Coreia do Sul. Chegou de forma espontânea ao K-pop, pois queria saber “se existia dança na Coreia”, “na cultura deles”, e achou.
A integrante Alânis Oliveira falou que seus amigos já escutavam, mas ela ficava relutante. Admite que não gostava nem um pouco inicialmente, mas acabou mudando de opinião por influência das amizades. Assim como Joah e Nani, Thaynara de Oliveira conheceu o K-pop através de sua prima, a qual teve o primeiro contato com a cultura japonesa e depois a coreana.
A integrante Joice Soares conta que sua relação começou com as coreografias de K-pop, sendo incentivada pela colega de profissão Thaynara, que mostrava, na universidade e nas aulas do Coreolab, os movimentos do gênero como um estilo de dança urbana. Ela recorda: “Nas apresentações com o grupo das Black Cats, eu fui me descobrindo no meio do K-pop, e procurando por coisas que eu achava terem a ver comigo dentro do K-pop.”
A história de um idol na indústria do K-pop
No meio musical do K-pop a carreira de um cantor desse gênero segue um padrão sistemático, sendo o percussor desse método o fundador da S.M. Entertaiment, Lee Soo-Man. O primeiro passo para entrar em uma empresa de entretenimento é realizar audições, em que sua voz, dança e atuação podem ser testadas, ou através de recrutamento por olheiros, como no futebol brasileiro.
Ao entrarem em uma empresa, vão para o segundo passo, se tornam trainees, sendo esse um termo em inglês para definir uma pessoa que está em treinamento. O estágio é por tempo indeterminado até a sua estreia e se baseia no aprendizado diário de aulas como dança, canto, atuação, línguas estrangeiras, entre outras. Esses trainees são jovens que frequentam a escola de ensino fundamental ou médio, e não há uma idade mínima para participarem das audições de seleção.
O terceiro passo de um artista do K-pop é sua estreia, com um grupo ou como solista, sendo esse o momento que se tornará um idol, termo em inglês que em tradução livre significa “ídolo”. Porém, sua estreia dependerá da empresa, que possui o foco de formar grupos perfeitos. Esse sistema de fabricação de grupos não foi algo inventado pelos coreanos para o K-pop, mas apropriado de empresas, como a estadunidense Motown, que lançou os grupos The Supremes e The Jackson Five.
Esses grupos fabricados possuem membros com papeis específicos neles. Um trainee ao ser convocado a um grupo é para ter uma função necessária e singular nele. Também, o grupo como um todo tem a missão de conquistar sua base de fãs, que trará retorno financeiro à empresa, aumentará a popularidade deles e contribui para a divulgação. Outra característica do K-pop é que cada base de fãs de um grupo possui um nome específico para si.
Um dos melhores exemplos atuais de grupo do K-pop é o grupo Bangtan Boys, mundialmente conhecidos, como BTS. O grupo possui sete membros, sendo eles Kim Nam-Joon, Kim Seok-Jin, Min Yoon-Gi, Jung Ho-Seok, Park Ji-Min, Kim Tae-Hyung e Jeon Jung-Kook. Conhecidos, respectivamente, no meio artístico, como RM, Jin, Suga, J-Hope, Jimin, V e Jungkook.
O BTS não se apega sempre às mesmas especificidades de cada uma das posições no grupo, mas procura manter algum tipo de organização. Inicialmente a função de cada membro era RM, líder e rapper principal; Jin, visual e vocalista de apoio; Suga, rapper líder; J-Hope, dançarino e rapper guia; Jimin, vocalista líder e dançarino; V, face e vocalista guia; Jungkook, mais novo do grupo e vocalista principal. É uma forma de organização no K-pop para a divisão das partes da música e da coreografia. Além disso, o grupo possui sua fã base denominada Army, termo em inglês que significa exército.
O grupo BTS e seu exército de fãs conquistaram o mundo da música e mostraram em uma escala muito maior o K-pop e sua indústria cultural atualmente. Nesse contexto, as integrantes Yin, Joy, Nani e Joah, além de fãs do K-pop no geral, também se encaixam como parte da fã base do BTS, sendo algo importante na vida delas.
Como parte desse exército, elas se unem para levar o K-pop pelos municípios de Pelotas e Rio Grande, como também o grupo Bangtan Boys, e suas mensagens na forma da letra de suas músicas. Como as músicas do álbum Love Yourself, as letras geralmente trazem uma mensagem de amar a si mesmo, independente das opiniões normativas.
PRIMEIRA PÁGINA
COMENTÁRIOS
Você precisa fazer login para comentar.