Horroroso, mas nem tanto: o olhar de Rafael Sica para a urbanidade

Com traço expressivo e humor mordaz, quadrinista pelotense lança guia ilustrado de uma cidade fictícia que espelha a realidade        

 Por Larissa Duarte           

 

Capa do livro que será lançado nesta sexta-feira em Pelotas     Imagens: Divulgação

 

Em março deste ano, o quadrinista pelotense Rafael Sica lançou nacionalmente sua nova obra: “Estive em Horroroso e lembrei de você”, publicada pelo selo Quadrinhos na Cia. Um livro que mais parece um guia turístico de um lugar inexistente, ou pior, de um lugar que existe demais. Com seu traço inconfundível e um humor afiado, Sica nos leva a passear por Horroroso, uma cidade fictícia, melancólica, cínica e, por vezes, assustadoramente familiar.

Após realizar o lançamento do livro em São Paulo, Rafael Sica agora se prepara para trazer Horroroso de volta para casa. O lançamento em Pelotas acontece no dia 16 de maio, sexta-feira, das 17h30 às 20h, na Livraria Vanguarda (Rua Gonçalves Chaves, 374 – bairro Centro), com entrada gratuita. Já no dia 17 de maio, o autor ministra a aula aberta “Escola Horrorense de Desenho: Oficina de desenho horroroso”, das 10h às 12h, também na livraria. Para participar, basta que os interessados levem o seu material de desenho.

Onde fica Horroroso?

A cidade, criada a partir da imaginação do artista, surge sem mapas, sem registros, sem história oficial. “Era como se o município de Horroroso fosse um destino evitado”, diz Sica. “Um dia percebi que estava andando por Horroroso. Passei a voltar lá frequentemente para registrar o que acontecia por ali”.

Com cerca de cem desenhos, o livro assume a forma de cartões-postais, uma escolha que pode parecer curiosa à primeira vista, mas que logo se revela estratégica. Ao brincar com a estética turística, Sica cria uma crítica ao discurso de exaltação que geralmente acompanha esses materiais.

O ilustrador e quadrinista reconhece que há uma intenção de motivar questionamentos. Diz que isso é “principalmente uma provocação sobre o que é exatamente um lugar turístico”. Nota que há uma discrepância entre as imagens que são criadas para vender uma ideia de turismo e, por outro lado, o que realmente acontece nos destinos. Há que se pensar sobre o que é vendável e o que é escondido em cada município.

Além dessa crítica visual e simbólica, “Estive em Horroroso e lembrei de você” também provoca o leitor por meio do silêncio e do absurdo. Não há falas e nem diálogos, e isso é proposital. “Acredito que o silêncio, ou mais especificamente a falta de balões, deixa o quadrinho mais sugestivo e aberto a interpretações”, explica Rafael. “É como se a linguagem fosse de alguma forma subvertida. O absurdo é uma questão de olhar para a realidade. Poderia dizer que é apenas a realidade se manifestando, que não há muita intenção de inventar coisas. A própria realidade já manifesta o absurdo”, diz.

Trecho do livro   

 

A obra levou cerca de três anos para ser construída. Um processo gradual, quase como se o autor tivesse sido engolido pelo universo que criou. A busca por Horroroso não teve regras fixas: podia começar com uma fotografia, um lugar visitado, uma conversa ou até uma pessoa observada na rua. Para Sica, o estilo próprio do desenho nasce do erro e das limitações, e estar em paz com isso é parte essencial do seu fazer artístico.

E se Horroroso é um reflexo da realidade, talvez todos nós sejamos seus habitantes. Nos rostos deformados, nos prédios decadentes, na paisagem sem horizonte, Sica desenha uma cidade que parece sempre estar prestes a ruir — ou que já ruiu, mas finge seguir em pé. A provocação está feita. Cabe ao leitor decidir se envia, ou não, um cartão-postal de volta.

 

Trecho do livro  

 

Quem é Rafael Sica?

 

O quadrinista e ilustrador pelotense é conhecido por seus livros e exposições

 

Rafael Sica nasceu na cidade de Pelotas, em 1979. Publicou “Ordinário” (Companhia das Letras, 2011, com nova edição em 2023), “Tobogã” (Narval, 2013), “Novela” (BebelBooks, 2014), “FIM – Fácil e Ilustrado Manifesto” (Beleléu, 2014) e “Meu mundo versus Marta”, com o escritor Paulo Scott (Companhia das Letras, 2021). A exposição individual “O Ordinário Rafael Sica” percorreu as unidades da Caixa Cultural de Fortaleza, Rio de Janeiro e Curitiba durante o ano de 2018. É autor também de “Fachadas” (2017), “Triste” (2019), ambos editados pela Lote 42, “Brasil” (Caderno Listrado, 2020), “Ninguém dormia” (ÔZé, 2022) e “A Última Enciclopédia” (Caderno Listrado, 2023).

Serviço


Livro: “Estive em Horroroso e lembrei de você”

Autor: Rafael Sica

Selo: Quadrinhos na Cia

Páginas: 128

Lançamento em Pelotas: Dia 16 de maio, sexta-feira, na Livraria Vanguarda.

 

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Zudizilla: O poeta pelotense do rap brasileiro

Com toques do jazz, soul e boom bap, músico combina rimas, referências filosóficas e histórias da cultura negra e das periferias    

Por João Miguel Rico Donini     

 

Autenticidade e sofisticação combinam muito bem na música de Zudizilla    Fotos: Divulgação

 

Nos últimos anos, o rap brasileiro tem se expandido e diversificado, trazendo novos nomes que desafiam padrões e exploram sonoridades únicas. Entre esses artistas, o pelotense Zudizilla se destaca como uma das vozes mais autênticas e sofisticadas da cena. Com influências do jazz, soul e boom bap, o rapper combina rimas afiadas, referências filosóficas e narrativas que exaltam a cultura negra e as experiências periféricas. No final de semana passado, ele se apresentou no festival internacional de música alternativa Lollapalooza, em São Paulo. 

 

Zulu: Quarta Parede, Vol.3

 

Natural de Pelotas, Zudizilla deu seus primeiros passos na música através do hip-hop, vendo nele um canal para expressar ideias e resistir. Zudi, ou Zulu, iniciou sua jornada no Banca CNR, grupo de rap local. Sob a tutela de Guido CNR, ele começou a se sobressair, projetando seu nome no cenário independente, graças ao talento com as palavras e à forma única de criar histórias densas e tocantes. Com o passar do tempo, firmou um estilo único, bebendo da fonte de ícones do rap do Brasil e do mundo, sem deixar de lado o jazz e o blues.

 

Guido CNR foi parceiro de Zudizilla no  grupo de rap Banca CNR

 

A musicalidade de Zudizilla é marcada por batidas sofisticadas e uma abordagem poética única. Seu álbum “Zulu Vol. 1: De Onde Eu Possa Alcançar o Céu Sem Deixar o Chão” é um dos mais elogiados da sua carreira, trazendo reflexões sobre identidade, ancestralidade e superação. Suas letras abordam temas como a valorização da cultura negra, racismo estrutural e a luta diária da população periférica.

 

Zudizilla faz um rap diferenciado com elementos do jazz e do soul      Foto: Caio Henrique/Divulgação

 

Suas canções, carregadas de sensibilidade, ora abordam questões sociais, ora revelam seus sentimentos, gerando grande identificação. Ademais, a influência do jazz e do soul em seu som singulariza sua obra no rap, inspirando aqueles que almejam trilhar caminhos distintos do mainstream.

 

Zudizilla em um dos seus shows na cidade de Pelotas

 

Mais do que um rapper, Zudizilla se destaca como um intelectual de nossos tempos, que emprega sua arte como um meio de suscitar debates e amplificar as preocupações cruciais da nossa comunidade. Sua influência na cena musical personifica o poder da cultura hip-hop como um motor de mudança social e um ato de oposição. Um dos pontos altos de sua trajetória foi a sua recente atuação no Lollapalooza de 2025, com apresentação no sábado, dia 29 de março. Ao se apresentar em um dos maiores eventos globais de música alternativa, Zudizilla reiterou a relevância do rap feito no Brasil e das histórias das comunidades marginalizadas no contexto dominante. Sua performance vigorosa e repleta de mensagens impactantes solidificou ainda mais sua importância artística, comprovando que sua música rompe fronteiras e ressoa com uma variedade de pessoas. O evento significou não só uma validação de seu talento, mas também um avanço crucial para o reforço do rap brasileiro em grandes festivais de nível internacional.

 

Zudizilla se apresentou  no festival Lollapalooza no dia 29 de março, em São Paulo

 

Sempre trilhando um caminho de inovação, Zudizilla não para de criar e descobrir caminhos inéditos no universo do rap. Seus próximos trabalhos devem manter o nível elevado, com a mesma intensidade e autenticidade que definem sua jornada. Se depender do dom e do esforço do rapper, os fãs podem aguardar letras marcantes e melodias cativantes no futuro.

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Jornada pela cultura germânica

Trajes históricos e danças fazem parte do resgate das origens da imigração realizado pelo Grupo Bauernkreis de Canguçu    

Por Chaiane Römer e Amanda Leitzke      

 

Grupo Bauernkreins cultiva as tradições e atrai jovens para o estudo das bases culturais      Fotos:  Divulgação

 

O Bauernkreis, grupo de danças folclóricas de Canguçu, foi fundado em 7 de julho de 2022. A ideia, que surgiu numa conversa de amigos, hoje conta com um grupo de 72 integrantes que buscam preservar as tradições culturais germânicas por meio de danças e trajes históricos, oferecendo aos jovens um espaço para a prática cultural fora do horário escolar.

A cultura germânica, com sua rica história de tradições e costumes, encontra no Grupo Bauernkreis uma expressão autêntica de preservação e celebração. Através de seus trajes, o grupo transmite a profundidade da tradição folclórica que carrega consigo. Cada peça do vestuário utilizada nas apresentações do grupo não é apenas um adereço, mas uma representação viva da herança cultural, cuidadosamente selecionada e confeccionada para manter a autenticidade dos costumes.

A história dos trajes começa junto à fundação do grupo, em julho de 2022. Giales Rai, instrutor e coordenador, conta que o Bauernkreis nasceu em sua casa. “O grupo nasceu na sala da minha casa quando um casal de amigos e eu estávamos conversando, e eu lancei a ideia de começarmos um grupo de danças em Canguçu. Perguntei: ‘Vocês dançariam juntos?’ Eles prontamente aceitaram o convite e, hoje, continuam fazendo parte do grupo”, afirma. Ele conta que a ideia surgiu justamente da necessidade de ter um espaço, uma entidade no município, onde os jovens e as crianças, após o período escolar, pudessem participar, fomentando assim as raízes e a cultura.

O grupo iniciou com 20 integrantes, apenas com a categoria adulta. Hoje, o grupo possui três categorias e 72 participantes. Giales conta que, além de ter triplicado o tamanho do grupo em número nesses quase três anos, também foram muitas as conquistas alcançadas, a começar pela formação de mais duas categorias.

Falando sobre os trajes, ele destaca que são um resgate histórico. Há vestimentas para todas as categorias. A categoria adulta está prestes a estrear um novo traje histórico. Há ainda um para a juvenil e outro para a categoria infantojuvenil, que começou neste ano e será estreada com um traje histórico também. “Isso, no âmbito do folclore, significa muito, porque, geralmente, quando se começa um grupo, faz-se um Trachtenmodel (ou traje de moda), que é um traje de festa mais comum. Mas nós começamos todas as categorias com um traje histórico. Isso reflete o trabalho do grupo e mostra também a nossa preocupação com a autenticidade e com a propriedade ao fazer folclore, buscando sempre ser o mais fiel possível ao que era utilizado pelos nossos antepassados, ainda na terra natal, na Pomerânia, na Alemanha”, destaca o instrutor.

No Bauernkreis, cada detalhe de cada traje tem um significado, e cada peça é uma conexão direta com as tradições passadas e os costumes do município. Giales conta que a categoria adulta hoje possui um traje austríaco, intitulado Kaltenleutgebene-Festracht, que provém da região de uma pequena cidade chamada Kaltenleutgebene, situada aos pés das montanhas da Floresta de Viena, na Áustria. É uma cidade de veraneio, bem pequena, e esse é um traje festivo. Ele era utilizado para ir à igreja, para festas de kërbi e para eventos solenes também. Portanto, não é um traje de trabalho.

 “Se compararmos com os trajes pomeranos, a grande maioria dos trajes pomeranos são trajes de trabalho. Mas nós optamos por fazer um traje austríaco devido à estética do traje e à sua forte ligação com a religião. Isso nos aproxima, pois, no município de Canguçu, nós, pomeranos, também somos muito religiosos. Então, essas pequenas características e semelhanças nos motivaram a escolher tais trajes para o grupo de danças”, reitera.

 

A categoria adulta do Bauernkreins vem usando um traje  que provém de uma pequena cidade austríaca nas montanhas

 

O traje juvenil Elstele Tracht, originário do Vale de Eutz, na Floresta Negra, Alemanha, foi escolhido tanto por sua estética quanto pela semelhança de cores com a categoria adulta do Bauernkreis. Além de sua relevância histórica e cultural, o traje ainda é usado na região de origem. A mais recente conquista do grupo foi o chapéu de veludo branco, adornado com flores vermelhas e fitas pretas de cetim, remetendo ao tradicional bolo Floresta Negra. Finalmente, a categoria infanto-juvenil estreará também um traje novo no dia 5 de abril: o Bayerische Tracht, proveniente da região da Baviera, na Alemanha. Esse traje é mais simples, mas também tem grande significado histórico. A apresentação com a nova vestimenta será no 3º Encontro de Grupos de Danças Folclóricas na Sede Campeira do CTG Sinuelo, a partir das 18h30min.

No dia 5 de abril, será estreado também um novo traje histórico da categoria adulta, que foi adquirido por cerca de 85 mil reais. O traje foi confeccionado por um alfaiate folclórico da região da Serra Gaúcha, mais precisamente da cidade de Imigrante. Ele é um traje mais sóbrio e formal, predominando as cores escuras. Os rapazes usam um sobretudo preto, colete verde-escuro brocado com botões em grupos de três, calça de veludo preto, uma gola alta com uma fita grossa amarrada formando um laço vistoso, chapéu grande e chamativo, meias azuis e botas pretas de couro de cano alto até o joelho.

O novo traje feminino é composto por um vestido verde-escuro, com galão detalhado na barra da saia. O avental é um verde mais claro, que harmoniza com o vestido. O decote do vestido é em forma de U, e há um xale bordado com flores vermelhas e uma gola separada, presa com pedrarias e muitas rendas. Acompanhando o traje, há uma pequena touca preta com fitas e um laço preso abaixo do pescoço.

O que se destaca em todos esses trajes é a importância da autenticidade. Ao contrário de muitos grupos folclóricos que começam com trajes modernos e depois tentam adaptá-los para modelos históricos, o Bauernkreis optou por iniciar suas atividades com trajes que carregam toda a tradição germânica.

O Grupo Bauernkreis, que nasceu de uma conversa na casa de Giales Rai, tornou-se uma ponte de referência cultural no município. As duas últimas festas de aniversário da cidade, realizadas junto ao Festcap (Festival da Cultura Alemã e Pomerana), foram organizadas pela Prefeitura de Canguçu e pelo grupo, consolidando ainda mais sua importância na preservação da cultura local.

 

A categoria Juvenil  e as demais do Grupo Bauernkreis participam do 3º Encontro de Grupos de Danças Folclóricas dia 5 de abril

 

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Artistas mães podem se inscrever para residência artística no com bolsa de R$ 7 mil

Projeto Ressoar abre edital para três artistas visuais gaúchas ou residentes no Rio Grande do Sul, com inscrições até 27 de abril

 

    Artistas selecionadas no Projeto Ressoar viverão imersão artística em comunidades tradicionais do Rio Grande do Sul           Foto: Alumiar Casa de Arte

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O coletivo e casa de arte Alumiar, em parceria com a Secretaria da Cultura do Rio Grande do Sul, lança o Programa de Residência Artística Ressoar – 1ª edição: artistas mães. A iniciativa busca selecionar três artistas mães para uma imersão artística de seis dias em territórios tradicionais gaúchos. Cada selecionada receberá uma bolsa de incentivo de R$ 7 mil para desenvolver pesquisas no âmbito das artes visuais e contemporâneas, em diálogo com o território, seu meio ambiente e os conhecimentos tradicionais

Podem se inscrever artistas mães nascidas no Rio Grande do Sul ou que residem há pelo menos dois anos no Estado. O edital reserva uma vaga para uma artista negra, uma para uma artista indígena e uma de livre concorrência. A seleção será feita por meio da análise de portfólio e carta de interesse.

Vivências e aprendizado em territórios tradicionais

A residência ocorrerá de 28 de julho a 3 de agosto, no Recanto Carahá, em São Lourenço do Sul. Durante o período, as artistas visitarão três comunidades tradicionais: a aldeia Mbyá Guarani Tekoá Tavaí e a família Gonçalves da Pecuária Garupa, ambas em Cristal; e o ponto de memória Quilombo Maria Lina, em São Lourenço do Sul. O objetivo é fomentar trocas entre as artistas e os contextos culturais locais, ampliando suas pesquisas e práticas artísticas.

A proponente do projeto, Ana Flor, destaca que a experiência visa valorizar saberes populares e descentralizar a produção artística. “É uma formação não acadêmica, trazendo assim uma perspectiva de que o saber popular é valioso, pode e deve enriquecer as nossas perspectivas de mundo. E isso impacta no trabalho de quem está fazendo uma produção artística: a nossa produção não pode ser desconectada com a realidade do mundo que a gente vive e das questões que são caras a serem debatidas nesse sentido”, afirma.

Ana Flor explica que a ideia para a realização da Residência Ressoar é coletiva e surgiu quando ela e o companheiro, Fábio Abbud – ambos pais, artistas visuais e produtores culturais – receberam uma Bolsa de Mobilidade Artística da Fundação Nacional de Artes (Funarte) em 2023. Na oportunidade, o casal precisou se deslocar até Santa Fé, na Argentina, para realização das atividades que integravam a Bolsa de Mobilidade. Nesta ocasião, afirma que vieram à tona reflexões sobre os lugares que ocupa (ou não) uma artista mãe no campo da arte.

 

Vivências de Ana Flor e Fábio Abbud como pais e artistas visuais contribuíram para  a ideia da Residência

 

Processo formativo e inscrição

A residência contará com a formação “Desfloración: do corpo poético ao corpo em resistência”, ministrada pela artista Catiuscia Dotto. Ao longo da imersão, as participantes serão acompanhadas pela curadora Ana Flor e realizarão uma roda de conversa ao final do processo.

As inscrições são gratuitas e podem ser feitas até o dia 27 de abril no portal Mapa da Cultura. Neste mesmo link, está disponível o edital completo com todas as informações sobre a seleção.

Ao final do período, as residentes realizarão uma roda de conversa com artistas locais e farão um relatório das atividades desenvolvidas, cuja divulgação ocorrerá virtualmente nas redes sociais Instagram  e Facebook e no site do Alumiar. O objetivo, com a roda de conversa, é estimular visões, modos de fazer e de pensar a arte entre artistas locais e artistas que estão vindo de outras localidades.

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Conhecimento e história no coração de Canguçu

Entre livros e relíquias: Biblioteca e Museu celebram o saber do passado, presente e futuro da cidade   

Por Chaiane Römer e Amanda Leitzke   

 

Casa da Cultura Marlene Barbosa Coelho abriga as duas instituições                  Foto: Chaiane Romer

 

A Casa da Cultura Marlene Coelho, localizada no centro de Canguçu, é um espaço onde o passado e o futuro se encontram. Construído no século XIX, durante o período Imperial em estilo neoclássico, foi originalmente a residência da família Piegas, onde ocorreram memoráveis saraus e comemorações, como o casamento dos filhos da família. Em 12 de dezembro de 1901, os herdeiros venderam o palacete para a municipalidade de Canguçu. Desde então, o edifício testemunhou momentos históricos marcantes e hoje abriga a Biblioteca Municipal Clóvis Rocha Moreira e o Museu Municipal Capitão Henrique José Barbosa.

 

Biblioteca homenageia radialista e conta com cerca de 13 mil livros       Foto: Reprodução Prefeitura de Canguçu

 

A Biblioteca Municipal Clóvis Rocha Moreira possui um acervo de quase 13 mil livros, incluindo títulos técnicos, profissionais e literários, além de exemplares históricos e uma seção dedicada a autores canguçuenses. A biblioteca homenageia, de acordo com a Lei nº 3323, Clóvis Rocha Moreira, um nome fundamental para a cultura e comunicação local. Apaixonado pelo rádio, Moreira foi um dos responsáveis pela fundação da Rádio Liberdade AM e contribuiu para a produção das primeiras novelas radiofônicas de Canguçu. Além disso, destacou-se como compositor e escritor, deixando um legado importante para a literatura e a música da cidade.

Segundo a biblioteconomista Carina Pires, “mais do que um espaço de leitura, a biblioteca desempenha um papel essencial na inclusão digital, oferecendo computadores de acesso público de forma gratuita e promovendo projetos de mediação e contação de histórias que incentivam a leitura e democratizam o conhecimento”. Os frequentadores mais assíduos são idosos do interior do município, além de estudantes, pesquisadores e escritores que buscam informação e inspiração.

 

Museu abriga cerca de 12 mil peças que ajudam a contar a história       Foto: Reprodução Prefeitura de Canguçu

 

O Museu Municipal Capitão Henrique José Barbosa, fundado oficialmente em 1983, tem raízes ainda mais antigas, remontando a 1972, quando a professora e animadora cultural Marlene Coelho iniciou a coleta e preservação de objetos históricos da cidade. Seu nome homenageia o Capitão Henrique José Barbosa, que lutou nas guerras do Uruguai e do Paraguai, onde veio a falecer.

O museu abriga aproximadamente 12 mil peças que ajudam a contar a história de Canguçu e região. Entre os destaques do acervo estão uma unha de megatério, preguiça gigante que viveu há cerca de 20 mil anos, um piano de cauda do século XIX, peças indígenas, algemas utilizadas durante o período da escravidão, cartas da Guerra do Paraguai e o poncho do folclorista Barbosa Lessa.

A professora de história Miriam Zuleica Reyes Barbosa destaca que “o museu não apenas preserva objetos históricos, mas também funciona como um guardião da memória coletiva do município, permitindo que as novas gerações tenham contato direto com o passado através das visitas guiadas e exposições”.

A integração entre a biblioteca e o museu torna a Casa de Cultura um verdadeiro centro de referência histórica e cultural. Um exemplo disso é a exposição comemorativa aos 120 anos do nascimento de Érico Verissimo, que, neste ano de 2025, relembra sua obra “O Tempo e o Vento”. A iniciativa busca criar um diálogo entre literatura e história ao expor não apenas os livros do autor, mas também artefatos do museu que remetem às descrições presentes na obra.

A história da Casa de Cultura Marlene Coelho reforça sua importância para Canguçu. Nomeado em homenagem à professora Marlene Coelho, responsável pela idealização do Museu Municipal, o local é um marco da preservação cultural na cidade. Tombado pelo Patrimônio Histórico Municipal, foi ali que, em 1939, aconteceu a cerimônia de elevação do município à categoria de cidade. O local também recebeu figuras políticas marcantes, como o interventor federal Oswaldo Cordeiro de Farias e os governadores Leonel Brizola e Ildo Meneghetti. Durante anos, o Salão de Honra foi palco das posses de prefeitos e vice-prefeitos, bem como de despedidas fúnebres de governantes locais.

Além de sua relevância histórica, o edifício se destaca pela sua arquitetura imponente. Sua fachada eclética do final do século XIX apresenta acesso central com uma porta de duas folhas e um vitral superior. A escada principal é de legítimo mármore italiano, e o prédio possui 21 janelas com postigos internos e arestas arredondadas simetricamente à fachada frontal. O porão, provido de gateiras com grades, provavelmente servia para armazenar mantimentos e abrigar pessoas que foram escravizadas. No interior, o Salão Nobre exibe um magnífico entalhe no forro e mantém móveis originais da casa, preservando a elegância do período imperial.

O prédio é de grande importância para a cidade, pois além de testemunhar a antiguidade do município, ou seja, o 22º a ser criado no Estado do Rio Grande do Sul, no ano de 1857, vem resistindo ao tempo e às investidas da modernidade, guardando o seu aspecto original. Em 1982, quando a prefeitura foi transferida para outro edifício, o palacete passou a abrigar a biblioteca e o museu, consolidando-se como espaço de preservação e difusão cultural. Hoje, o prédio continua resistindo ao tempo e à modernização, mantendo-se como um ponto de encontro entre gerações, onde memórias do passado são guardadas e compartilhadas para iluminar o futuro.

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Minissérie “Adolescência” conquista público com temas difíceis de tratar

Tendo apenas quatro episódios, a produção acompanha a investigação de um crime no interior da Inglaterra, em que o principal suspeito é um jovem de apenas 13 anos        

Por Carolina Soares      

 

O primeiro capítulo estreou dia 13 de março no streaming                               Foto: Divulgação

 

A narrativa da minissérie “Adolescência” se desdobra a partir de diferentes perspectivas e é filmada em planos sequência, nos quais cada episódio foi realizado em uma única tomada contínua, sem cortes. Com apenas quatro capítulos, a história se passa no interior da Inglaterra, tendo como protagonista Jamie, um jovem de 13 anos, suspeito de um crime. A produção mescla em seu elenco veteranos e novatos, com Stephen Graham, Christina Tremarco e Owen Cooper interpretando a família principal. Como coajuvantes, estão Erin Dohery, Amelie Pease, Faye Marsey e Ashley Walters. A minissérie pode ser vista no serviço de streaming Netflix.

Sem entregar vilões ou heróis, o enredo destaca de forma intensa a complexidade do universo adolescente nos dias de hoje. Mostra como a falta de diálogo, o isolamento emocional e as pressões sociais podem levar a comportamentos extremos, principalmente associados com o excesso da internet.

Outro ponto importante retratado pela minissérie é o impacto das dinâmicas familiares silenciosas para os jovens. Com uma abordagem sensível e provocativa, “Adolescência” se apresenta como um convite à reflexão sobre o papel da família, da escola e da sociedade na formação dos adolescentes.

 

Owen Cooper, como Jamie Miller, vive as tensões provocadas pelas redes sociais                    Foto: Divulgação

 

Nessa trama, encontramos termos fortemente presentes em fóruns da internet e que, até então, eram desconhecidos para muitas pessoas, mas ganharam força ultimamente. O termo “Incel” trazido pela obra é uma abreviação de “involuntary celibate” ou “celibatário involuntário”. Na internet, os chamados “incels” costumam se reunir em fóruns on-line para compartilhar frustrações e experiências pessoais, expressando um sentimento de exclusão tanto sexual quanto social. Essa comunidade tem ganhado espaço, muitas vezes chamada de “machosfera”, caracterizando-se por crenças violentas e visões machistas.

Na série, o universo dos “incels” é explorado quando trata sobre a relação de Jamie (personagem principal) com a internet. Outro ponto abordado é a chamada “regra do 80/20”, uma crença popular entre esses grupos de que 80% das mulheres se sentem atraídas por apenas 20% dos homens, afirmando que os homens “incel” não têm mais nada a perder com as mulheres.

Em um mundo hiperconectado, o comportamento de uma geração que cresceu junto com a ascensão da internet está sujeito ao risco de impulsividade e comportamentos extremos em busca da aceitação social.

A série “Adolescência” provoca um impacto profundo ao expor questões delicadas presentes em muitas famílias, ao mesmo tempo em que leva a reflexões essenciais sobre os desafios enfrentados pelos jovens na atualidade. A obra convida a questionar: Estamos realmente atentos aos adolescentes ao nosso redor? Oferecemos o suporte necessário diante do bullying nas redes sociais? Até que ponto a educação na internet pode ser considerada uma forma saudável de sociabilidade? Sem dúvida, essas questões ganham destaque nas discussões que surgem após o sucesso da série.

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Trabalho exemplar do documentarista Eduardo Coutinho em “Jogo de Cena”

Longa-metragem oferece uma experiência estimulante ao questionar a busca pela verdade no cinema      

Por Murilo Schurt Alves       

 

Gravado no Teatro Glauce Rocha, ambiente cria espaço intimista entre documentarista e documentado

 

Um anúncio de jornal onde se lê, com letras garrafais, a palavra “convite”. Logo abaixo, um pedido: “se você é uma mulher com mais de 18 anos, moradora do Rio de Janeiro, tem histórias para contar e quer participar de um teste para um filme documentário, procure-nos”. Neste contexto, em um cenário minimalista, no palco do teatro carioca Glauce Rocha, “Jogo de Cena” (2007 – disponível na Netflix) nos convida a ouvir mulheres que falam de maternidade, da relação com seus pais e maridos, e demais histórias que envolvem o universo feminino. Contudo, não é só isso.

E se essas histórias íntimas, contadas de maneira tão visceral, não fossem, na verdade, completamente reais? E se os depoimentos não pertencessem, de fato, a quem os apresenta? Ao convidar atrizes, conhecidas e desconhecidas do grande público, para interpretar as histórias reais relatadas por mulheres anônimas, o diretor Eduardo Coutinho questiona os limites da verdade e nos convida para discutir a linha tênue que separa o documentário da ficção. Aqui, o próprio gênero cinematográfico ao qual Coutinho dedicou a sua carreira é colocado em debate.

O documentário revela sua proposta aos poucos. Inicialmente, parece seguir uma estrutura linear de conversas: a primeira convidada fala sobre o seu sonho de ser atriz desde a infância; a segunda, sobre um relacionamento que não deu certo. No entanto, essa segunda conversa é cortada abruptamente. A atriz Andréa Beltrão repete a última frase pronunciada pela convidada anterior e continua a sua história, interpretando-a com os mesmos trejeitos. Depoimento real e sua recriação ficcional começam a se intercalar, despertando a suspeita de que algumas histórias não são, de fato, experiências vividas por seus narradores.

Não para por aí, Coutinho vai além. A próxima personagem se identifica como babá e divide, de forma autêntica, um encontro casual que resultou no nascimento de sua filha. A construção da cena leva o espectador a acreditar que se trata de mais uma mulher anônima. Entretanto, ao final de seu depoimento, a personagem desvia o olhar do diretor e sentencia diretamente para a câmara: “Foi isso que ela disse”. Em outro momento, duas outras personagens surgem apenas uma vez, sem que suas falas sejam interpretadas por outra mulher. Uma delas declara, desde o início, ser atriz, contando uma história aparentemente pessoal. Quem fala a verdade? Quem está encenando? Será que precisamos diferenciá-las? Nesta altura do campeonato, o importante são as histórias e não a quem elas pertencem.

 

       Coutinho convida atrizes consagradas, a exemplo de Fernanda Torres,  para interpretar relatos de mulheres desconhecidas             (Fotos: Matizar Filmes / Divulgação)

 

Além disso, a montagem alterna as histórias com momentos quando as atrizes consagradas discutem sobre a própria capacidade interpretativa. Em um dos trechos mais marcantes, a atriz Fernanda Torres expressa sua dificuldade em atuar por meio dos gestos e expressões da própria personagem, tornando-se impossível distinguir quando ela sai do papel e quando permanece nele. Ainda neste momento com Torres, a atriz desabafa para o diretor: “Parece que eu estou mentindo para você. […] Quando a origem é a ficção, é muito mais fácil”.

Afinal, o que é realidade e o que é ficção? Ao longo do documentário, enquadramentos tornam visíveis parte da estrutura de produção: fios soltos pelo chão, spots de luz, aparelhos de filmagem e a presença da equipe técnica. Diante de uma câmera ligada, na frente de outras pessoas, estas mulheres, inclusive as anônimas, não assumem um papel? E nos dias de hoje, quando publicamos fotos e posicionamentos nas redes sociais, não estamos construindo uma persona? Em “Jogo de Cena” — e na vida real —, não há uma verdade absoluta, mas sim suas representações.

Cabe destacar que Coutinho adotou um modo de documentar no qual o diálogo se tornou parte central da narrativa, principalmente a partir do final do século passado. O diretor se distanciou da impessoalidade e buscou, na oportunidade do encontro e da conversa olho no olho, a transformação da pessoa em personagem. Obras como “Santo forte” (1999) e “Edifício Master” (2002) já demonstravam que a força do relato podia ser mais envolvente do que a busca pela verdade objetiva ou factual. Em “Jogo de Cena”, isso se potencializa com as atrizes em tela. Na relação dialética entre realidade e interpretação, Coutinho nos deixa apenas com as dúvidas — que, convenhamos, são muito mais interessantes do que as certezas.

Ficha técnica

Direção: Eduardo Coutinho

Produção: Raquel Freire Zanfrandi, Bia Almeida

Roteiro: Eduardo Coutinho

Fotografia: Jacques Cheuiche

Montagem: Jordana Berg

Direção de arte: Rosa Verçosa

Elenco: Marília Pêra, Andréa Beltrão, Fernanda Torres, Aleta Gomes Vieira, Claudiléa Cerqueira de Lemos, Débora Almeida, Gisele Alves Moura, Jeckie Brown, Lana Guelero, Maria de Fátima Barbosa, Marina D’Elia, Mary Sheila, Sarita Houli Brumer

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Animação independente “Flow” faz história no Oscar

O filme da Letônia comprova que criatividade e inovação estão presentes no cinema internacional mesmo com recursos limitados               

Por Lorenzo Goulart Bonone          

 

História: Um gato que vive na floresta vê o seu lar ser  tomado por uma enchente rapidamente

 

Quem acompanhou as premiações de cinema da temporada 2024/2025 viu um gatinho preto virar um fenômeno global. Dirigido por Gints Zilbalodis, “Flow” conquistou 54 prêmios em 70 indicações, incluindo Melhor Animação nos principais eventos como o Oscar, Globo de Ouro, Festivais de Veneza e Cannes e o Globo de Ouro. Neste caminho, desbancou os estúdios Pixar (com “DIvertidamente 2”) e Dreamworks (com o ótimo “Robô Selvagem”). O longa-metragem contou com uma equipe de apenas 20 pessoas, utilizou o software gratuito Blender  e um orçamento de apenas U$3,7 milhões (conquistado com apoio de políticas do governo da Letônia). A título de comparação, “Divertidamente 2” e “Robo Selvagem” contaram com orçamento de US$ 200 milhões e U$78 milhões, respectivamente.

No país de origem, a equipe do filme foi recebida com festa, e as estatuetas estão em exposição no Museu Nacional de Arte Letã, e o diretor divulgou diversas animações comemorando o feito. Em Riga, capital da Letônia, foi erguida uma estátua do protagonista.

A história do personagem principal é a de um gatinho preto que vive na floresta e vê o seu lar ser rapidamente tomado por uma enchente. Na tentativa de sobrevivência, ele se encontra em um barco que une a uma capivara, um cachorro labrador (inspirado no cão do diretor), um lêmure e um secretário (espécie de ave de rapina). O filme narra os perigos, convivências e adaptações do grupo com a sua nova realidade.

Narrativamente, a obra cativa o público com cenas fofas que imitam características de gatos, como a curiosidade, brincadeiras com reflexos ou as famosas bolas de pelo, ao menos tempo que cria uma forte relação de sobrevivência entre animais que seriam inimigos naturais. Mesmo sem falas, o filme capta diálogos nas expressões, atitudes e sons dos animais, seja nos conflitos, momentos de calmaria ou aprendizados. As situações de risco encaradas pelo gatinho são o ponto de maior tensão no roteiro, deixando o espectador tenso.

 

“Flow” estreou nos cinemas brasileiros no dia 20 de fevereiro     Imagens: Divulgação/Prime Video

 

Aqui cabe destacar o trabalho fantástico do engenheiro de som Gurwal Coïc-Gallas. que por diversas horas gravou animais reais para encaixar no longa de duas horas. Um dos desafios foi o som da capivara, que acabou sendo substituída por um camelo filhote. Nas redes sociais, Coïc-Gallas compartilhou a captação das “vozes” de sua gatinha Miut, que serviu de base para o protagonista.

Além da óbvia mensagem sobre um futuro em que não conseguimos combater as mudanças climáticas, o filme traz mensagens interpretativas ao maior estilo David Lynch e Hayao Miyazaki. As mensagens dependem de cada espectador, mas é possível buscar no roteiro entender o que Zilbalodis quis transmitir. Mesmo que a narrativa seja feita pelo drama dos animais tentando sobreviver, a presença de uma baleia na enchente da floresta pode indicar que nem sempre o que é negativo para alguém, não pode ser positivo para o outro. A subida e descida da água também pode indicar que todas as adversidades são passageiras.

“Flow” está em exibição nos cinemas do Brasil, e ainda não tem previsão para estreia digital.

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Projeto de extensão incentiva a leitura de obras literárias escritas por mulheres

Aberto para a comunidade, o Clube de Leitura Ler Mulheres visa promover a literatura feminina e retoma suas atividades no mês de março         

Por Maria Eduarda Lopes         

 

                     As reuniões ocorrem todos as quintas-feiras de cada mês e são espaços para leituras e discussões sobre livros                   Foto: Arquivo Pessoal

 

No mês de março, marcado pelo Dia Internacional das Mulheres e pela luta feminista, o Clube de Leitura Ler Mulheres retorna com suas atividades no dia 27, próxima quinta-feira, das 18h às 19h30, no Otroporto (Rua Benjamin Constant, 701, bairro Centro, em Pelotas). O Clube é um projeto de extensão desenvolvido pelo Centro de Letras e Comunicação (CLC) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), que visa incentivar a leitura de obras literárias escritas por mulheres. Sendo uma atividade gratuita e aberta ao público, as reuniões ocorrem todos as quintas-feiras de cada mês e se tornam espaços para leituras e discussões sobre livros, além de fomentar a visibilidade acerca da relevância da escrita feminina.

O único custo de investimento para participar é a aquisição do livro e a locomoção até o local de reunião. O público-alvo do clube busca englobar o público geral, não havendo nenhum tipo de limitação de idade para a participação. A escolha dos livros, baseada no conceito de bibliodiversidade, inclui autoras de diferentes nacionalidades e épocas, e obras de diversas editoras.

O projeto surgiu há quase dois anos através da motivação de existir um clube de leitura dentro de uma universidade pública, conforme relatado pela coordenadora do Centro de Letras e Comunicação da UFPel, Vanessa Damasceno. “Surge de uma motivação pessoal minha, enquanto mulher, enquanto pessoa, enquanto professora, que sempre tive os livros como companheiros desde a minha adolescência, antes de me tornar professora e formadora de professores”, disse Vanessa.

Entre os principais objetivos do clube, a coordenadora lista o equilíbrio na representatividade das mulheres na sociedade, pois historicamente as mulheres tiveram menos oportunidades para se dedicar à literatura, foram menos publicadas, divulgadas e premiadas. Um dado que comprova essa realidade é que das 117 edições do Prêmio Nobel de Literatura, que existe desde 1901, apenas 18 mulheres foram laureadas, nenhuma delas sendo brasileira.

“É para escutarmos a visão das mulheres sobre temáticas que muitas vezes foram e ainda são escritas por homens, para saber o que pensa e como se exprime metade da população mundial. E se estamos em busca de mais mulheres em todos os espaços, na política, no institucional e nas profissões, para termos equilíbrio, é necessário que a gente leia mulheres”, completa a coordenadora.

Além da importância de trazer visibilidade para a equidade de gênero na literatura, o projeto também fomenta a cultura na comunidade local. A participante e chefe do núcleo administrativo do Centro de Letras e Comunicação da UFPel, Carla Machado, conta um pouco sobre a sua experiência: “Eu sempre gostei de ler literatura. No entanto, buscava uma orientação sobre o que ler que realmente me interessasse. E quando vi essa proposta de ler livros escritos por mulheres, logo pensei que deveria ser bom. Mas ao entrar para o clube, bem no início do projeto, no início de 2023, me surpreendi positivamente. Foi uma das melhores escolhas que fiz nos últimos tempos”, reflete Carla.

Uma das obras que marcou a participante foi o livro “Solitária”, da escritora e jornalista brasileira Eliana Alves Cruz. O livro conta a história de duas mulheres negras, Mabel e Eunice, mãe e filha, que moram em um condomínio de luxo no qual trabalham. Entretanto, Eunice acaba se tornando testemunha-chave de um crime chocante ocorrido na casa dos patrões.

Retornando em março, o Clube de Leitura Ler Mulheres é um importante projeto construído e desenvolvido dentro da universidade pública para impactar positivamente a comunidade pelotense, trazendo uma iniciativa importante para a sociedade atual ao valorizar e reconhecer não só a literatura feminina, mas também as mulheres que edificam o campo literário.

Para o ano de 2025, o clube vai contar com a seguinte curadoria de livros:

Março: “A maior mentira do mundo” de Luciana Gerbovic

Abril: “Essa coisa viva” de Maria Esther Maciel

Maio: “João Maria Matilde” de Marcela Dantés

Junho: “Controle” de Natalia Borges Polesso

Julho: “Cartas para a mãe” de Teresa Cárdenas

Agosto: “Virgínia mordida” de Jeovanna Vieira

Setembro: “Dias de se fazer silêncio” de Camila Maccari

Outubro: “O céu para os bastardos” de Lila Guerra

Novembro: “Um exu em Nova York” de Cidinha da Silva

Dezembro: “A analfabeta” de Ágota Kristof

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Ir ao cinema na era do streaming

Entrevista de gerente de marketing do CineArt destaca as diferenças que permanecem ao ver os filmes na tela grande       

Por Enrique Carvalho       

 

O hábito de frequentar as salas de cinema tem seu sentido renovado na era digital

 

Atualmente, na era do streaming, a cultura cinematográfica mudou muito, mas a experiência completa de ver um filme continua sendo a ida a uma sala de exibição. A gerente de marketing do CineArt de Pelotas, Gabriela Isquierdo, fala sobre as estratégias que estão sendo criadas e como é o relacionamento do público local com este cinema, que atualmente conta com quatro salas.

A arte do cinema, nascida em 1896 com o clip “A Chegada do Trem na Estação” dos irmãos Lumière, passou por transformações ao longo dos séculos. Desde ser considerada, principalmente pelas elites do começo do século XX, uma simulação menos prestigiosa do teatro e ser relegada para a classe trabalhadora mais desprivilegiada, até ser consolidada como uma linguagem artística base de uma indústria que em 2024 teve seu recorde de 30 bilhões de dólares de faturamento conforme informa o site americano Deadline.

Nos anos pós-pandêmicos, contudo, há uma instabilidade em relação à frequência de espectadores indo às salas de cinema. Os números de ingressos vendidos foram de mais de 11 bilhões em 2019 para menos de 2,5 bilhões em 2020. A queda expressiva dá-se por conta do lockdown global, mas mesmo após a normalização da situação sanitária, o cinema não tem performado a mesmo ritmo de escalada que estava tendo desde 2004. Pode-se claramente ver esse desempenho no gráfico ao lado retirado do site The Numbers.

Ao contrário das telonas, os serviços de streaming, como a Netflix, nunca pararam de ter seus números de assinantes subindo a cada ano, chegando a mais 300 milhões em 2024, como vemos no gráfico de assinantes ao lado retirado do site Statista.

 

 

Para entendermos mais sobre o cenário local do cinema, conversamos com Gabriela Isquierdo, gerente de marketing do CineArt, cinema já consolidado da cidade de Pelotas. Aberto em 2001, o CineArt tem ao longo do tempo modernizando-se e ampliando seu espaço para acomodar mais telespectadores. Em 2004, teve sua primeira ampliação para três salas. Em 2014, mudou o sistema de exibição para ter suas salas cem por cento digitais. Já, em 2018, é ampliado novamente para ter quatro salas.

Arte no Sul – Qual é a estratégia do cinema para atrair o público?

Gabriela Isquierdo – Aqui no CineArt, nós trabalhamos com bastante promoções, temos o valor bastante acessível. Além disso, nós buscamos ter uma rede-social bem ativa e promovemos bastantes anúncios; eu acredito que a gente precise instigar as pessoas a ir ao cinema. Antigamente, para saber as programações dos filmes, as pessoas deveriam sair de casa e ir na frente do cinema saber os horários. As salas, hoje em dia, com as redes-sociais, podem estimular que as pessoas acessem isso de uma maneira muito mais fácil. Precisamos trabalhar um bom marketing, não apenas em torno do que já é feito pelas distribuidoras, Disney e  Warner, por exemplo.

Arte no Sul – De que maneira o cinema pode oferecer uma experiência única e imersiva que supere a experiência de assistir a um filme em casa?

Gabriela Isquierdo – Pra mim, pessoalmente, assistir a um filme no cinema é uma experiência totalmente diferente de ver um filme em casa. Você não terá uma tela gigante como tem no cinema, não terá o som do cinema, é uma outra experiência. Até a pipoca que tu comes. É uma experiência muito diferente de você ver um filme em casa.

 

O CineArt está localizado no Centro da cidade de Pelotas   Foto: Divulgação 

 

Arte no Sul – Como a sua equipe lida com as mudanças nos hábitos de consumo de entretenimento e como elas impactam a programação e marketing do cinema?

Gabriela Isquierdo – A gente [equipe do CineArt] comenta muito sobre a diferença de você pedir uma comida em casa e você ir em um restaurante. Quando você está indo ao cinema, você não está indo só assistir a um filme, as pessoas colocam muito isso na cabeça. Mas, não, quando você está indo no cinema, está indo fazer uma programação. Tu estás saindo de casa, tu estás indo ver outras pessoas. Tem gente que vai no cinema sozinho, mas está numa sala junto de outras pessoas. É uma experiência de você rir em conjunto, ficar com medo em conjunto. É diferente de você assistir ao filme em casa.

Arte no Sul – Quais são as principais vantagens que o cinema oferece em relação às plataformas de streaming e como elas são comunicadas ao público?

Gabriela Isquierdo – Uma das principais diferenças, e tomara que ainda siga bastante tempo assim, é que as estreias a gente ainda confere só no cinema. Então, primeiro a estreia é lançada no cinema. Isso é a principal diferença, além de todos os fatores já citados.

Arte no Sul – Como a sua equipe trabalha para criar uma comunidade em torno do cinema, com eventos especiais, exibições temáticas ou parcerias com influenciadores locais?

Gabriela Isquierdo – Desde que assumimos a administração do cinema em 2014, não sei se você sabe, mas o CineArt é uma empresa local, desde então tivemos uma rede-social bem ativa, desde o tempo do Facebook, com um engajamento altíssimo. Hoje, até temos um engajamento legal no Instagram, mas no Facebook era bem forte. E também temos clientes bem engajados, eles conhecem a gente, quem são os donos do cinema.

As pessoas que realmente vão no cinema são bem assíduas, nos conhecemos pelo nome. Isso é a construção de uma comunidade, muito mais que uma rede-social ou chamar um influencer.

Sobre eventos, um dos mais legais que fazemos é o Doação de Cinema, quando trocamos cartazes do cinema por alimentos. Já tivemos três edições e logo teremos a quarta. As pessoas nos procuravam para pegar os cartazes dos filmes e pensamos por que não juntar tudo isso e fazer uma doação em um dia só, tudo em troca de um alimento?

 

Laços através do cinema

O ato de ir ao cinema não é apenas meramente um entretenimento, mas sim uma construção de um evento coletivo. Podemos avaliá-lo como a criação de laços dentre uma comunidade. A própria UFPel tem o Cine Ufpel, projeto que visa promover o acesso à cultura por meio de obras do audiovisual, em especial os filmes brasileiros e latino-americanos. Localizado na rua Lobo da Costa, 447, no centro de Pelotas, promove sessões nas quintas e sextas-feiras. Para acompanhar a programação, pode-se acessar o Instagram do Cine UFPel e acompanhar as divulgações de horários. 

 Os filmes, como podemos ver com a repercussão de “Ainda Estou Aqui”, mantém a memória viva de um recorte temporal de nossa história. Acompanhar o cinema é estudar o passado e aprender com ele, é buscar novas perspectivas de vida ou encarar realidades fantásticas que cativam o espírito. Assistir a um filme pode ser um ato de resistência, de amor, de medo, de coragem. Isso acarreta diversos propósitos e fazer esse ato em comunidade, indo ao local, enriquece ainda mais o senso de pertencer a um grupo social, uma comunidade, um país.

Com a ascensão dos streamings, assistir a uma obra audiovisual torna-se uma ação cada dia mais insipida em relação à experiência comunitária que poderia ser. Isso pode fazer parte de um movimento de atomização da sociedade, no qual o indivíduo se distancia dos outros com cada vez mais frequência e perde-se o senso de pertencer a um universo mais amplo e compartilhado com seus semelhantes. Ir ao cinema é manter parte de uma cultura viva.

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