Uma jornada pela história sombria e não contada da cidade revela secretos ocultos
Por Emily Alves e Lidiane Lopes
O tour “Pelotas Mal Assombrada” está trazendo à tona uma perspectiva desconhecida da cidade, explorando uma visão gótica e questionadora. Em atividade há um ano, o passeio aborda temas como racismo, desigualdade social, suicídio e outros mistérios que se conectam à história local. Pelotas, como muitas cidades brasileiras, guarda segredos ocultos que poucos conhecem, e esse projeto pretende desvendar alguns deles.
Esta programação foi idealizada pelos professores de História, Lizandra Pinheiro e Nikolas Corrêa. Lizandra, professora e organizadora do projeto, é a principal responsável pela execução de todas as etapas do passeio. Ela cuida da organização antes, durante e após cada realização, sendo a peça central para o funcionamento e continuidade da iniciativa. Nikolas, também professor, é o contador de histórias. Com mais de 10 anos de experiência em pesquisa sobre as lendas e crimes da cidade, ele traz o conteúdo histórico do passeio à vida, conectando os visitantes a um passado muitas vezes esquecido. Desde 2019, Nikolas administra a página @pelotasantiga, na qual compartilha curiosidades e histórias sobre a cidade.
O “Pelotas Mal Assombrada” vem atraindo um público crescente e despertando a curiosidade dos moradores e visitantes. Ao caminhar pelas ruas históricas da cidade, os participantes se deparam com narrativas que discutem não apenas o lado misterioso de Pelotas, mas também questões sociais relevantes. O tour reflete sobre momentos e figuras marcantes da história do município, propondo um olhar crítico sobre seu passado. Pelotas, ao contrário do que muitos pensam, faz parte de um seleto grupo de cidades brasileiras cujas histórias assombradas estão longe de serem esquecidas.
Grupo em frente à Catedral Metropolitana de Pelotas durante o tour histórico Foto: Lizandra Pinheiro
Com um enfoque que vai além do mero entretenimento, o projeto também busca promover uma reflexão sobre os desafios e questões históricas da cidade, convidando os participantes a questionar e debater as camadas mais profundas de sua identidade. A junção de narrativas históricas com um contexto social mais amplo faz do “Pelotas Mal Assombrada” uma experiência diferenciada, tanto para aqueles que buscam uma aventura no desconhecido quanto para os interessados em história e cultura.
O passeio se estabeleceu como uma forma única de explorar Pelotas, sendo uma oportunidade para moradores e turistas conhecerem a cidade sob uma nova perspectiva. Além das histórias, o tour utiliza a arquitetura e o ambiente urbano como parte integrante da experiência, fazendo com que os participantes sintam-se imersos nos cenários onde os eventos relatados ocorreram.
Resgate de histórias do passado é vivenciada ao lado das obras do patrimônio histórico
O passeio inicia na Catedral Metropolitana São Francisco de Paula, onde seus conflitos com a maçonaria e o início da construção religiosa na cidade começam. Mas, além de templos e catedrais, uma lenda urbana de Pelotas fala sobre a maldição de uma princesa cigana que esteve na cidade no final do século XIX. Doente e sem melhora, seu povo teria buscado ajuda médica, mas os profissionais se recusaram a tratá-la por ser cigana. A princesa piorou e morreu, mas, antes de falecer, teria amaldiçoado a cidade com as palavras: “esta cidade de hoje em diante não mais prosperará.” Logo, prosseguimos para as ruas, mais especificamente para a rua General Argolo, onde é abordada a morte do jornalista romântico e gótico do século XIX, Lobo da Costa, que teria sido encontrado sem vida e, até então, esquecido pela sociedade.
As histórias seguem o roteiro, passando pelo antigo cemitério central da cidade, uma pequena saudação à mascote do passeio, a figura de uma gárgula, e, em seguida, para a rua Doutor Cassiano, conhecida como zona de meretrício da região em séculos passados, onde se discute de forma questionadora a posição da mulher na sociedade.
A quinta parada não podia ser diferente, abordando o assassinato brutal da rua Voluntários da Pátria, conhecido como “O assassinato de João dos Reis,” que reflete a situação atual da sociedade. A sexta parada fala sobre a Pompas Fúnebres Moreira Lopes, conhecida por ser a funerária mais antiga do Brasil. Seu prédio exibe uma autêntica arquitetura Art Nouveau encantadora, e sua localização no Centro Histórico adiciona um toque especial, proporcionando uma atmosfera única.
Dando espaço para a sétima parada, podemos dizer que é a mais temida por todos que passam por ela, seja de dia ou de noite: a “praça dos enforcados”, também conhecida como a praça dos suicidas, nos arredores da rua Professor Doutor Araújo. E, por fim, os túneis subterrâneos da antiga cervejaria Ritter, construída em 1880, onde são abordados temas esotéricos que envolvem o movimento filosófico Rosa Cruz do século XVII.
De acordo com Nikolas, a importância cultural que o tour pode proporcionar para quem participa é sair do convencional e mostrar o lado mais irreverente que a cidade possui.
“Quando desenvolvemos o tour, nunca imaginamos chegar onde chegamos. Sem posts patrocinados, sem anúncios pagos, tudo foi feito por divulgação orgânica. Isso é muito bom, indica que estamos no caminho certo e pouco explorado. Nossa ideia sempre foi mostrar uma Pelotas diferente da que estamos acostumados. Nossa cidade tem muita história e muitos problemas mal resolvidos. Então partimos dessa ideia e conseguimos alcançar muitas pessoas,” diz Nikolas.
Sobre o planejamento da produção e apuração das histórias, Nikolas relatou que todo o processo é baseado em estudos e pesquisas sólidas. “Eu estudo a história de Pelotas há mais de 10 anos, e tenho um catálogo muito variado de lendas, crimes e mistérios. Ano passado (2023), quando começamos a estruturar o passeio, queríamos algo coeso e possível de ser feito a pé. Então, listamos os pontos e avaliamos quais eram relevantes para o trajeto como um todo. Acredito que nosso passeio tem um início, meio e fim bem definidos. Ao longo do tour, resgatamos conceitos que já foram desenvolvidos em outros pontos.”
A fascinação pelas histórias permeia o passeio para aqueles que participam pela primeira vez. Pensando nisso, Nikolas também falou sobre o mistério favorito que mais gostou de produzir para o tour. “Gosto bastante dos mistérios sem solução. Acho muito interessante a lenda da Cigana Terena e do Homem do Chapéu Cinzento. Mas meu favorito é o que falamos sobre João dos Reis. Trata-se de um tema ainda muito complicado para nós, um reflexo da sociedade do século XIX que ainda persiste. Um crime com aquela brutalidade é algo aterrorizante até hoje,” conclui Nikolas.
O convite está aberto. Se ficou interessado, o tour é mensal, com vagas abertas divulgadas com antecedência na página do Instagram.
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