Palavras da diversidade: 4 autores nacionais LGBTQIAP+ para você conhecer

De ficção especulativa e fantasia a romances, histórias com protagonismo LGBTQIAP+ escritas por autores da própria comunidade para colocar na lista de leituras.

Por Victória Silva/Em Pauta

Nesta terça-feira (28), comemora-se o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAP+, que celebra a diversidade de orientações sexuais e identidades de gênero. Em entrevista ao Em Pauta, quatro autores LGBTQIAP+ relatam suas experiências com a escrita profissional, com narrativas que contemplam a comunidade.  

Arthur Malvavisco 

Autor da duologia Senhores de Sombra e Prata, composta pelos volumes Lebre da Madrugada e Príncipe Partido, Malvavisco (@AMalvavisco no Twitter) é graduando em Biologia e escritor de alta fantasia sombria com protagonismo LGBTQIAP+. Seus livros, antes publicados de forma independente na Amazon, em 2020, agora recebem o selo da Editora Corvus.

Autor Arthur Malvavisco/ Foto: Divulgação.

“Eu gostaria de dizer que o Arthur Malvavisco, escritor, é a mesma pessoa que eu sou no dia a dia, mas isso não é exatamente verdade. No meu cotidiano, eu sou bem mais reservado, fechado e prático. Minha formação acadêmica e profissional é técnica e científica, não artística, e eu sou um cara bastante cético para tudo que é fantástico ou sobrenatural”, explica. “Mas, mesmo assim, o escritor está presente a todo momento: quando eu olho no fundo dos olhos de uma cascavel, o escritor se mexe, ou quando o pôr-do-sol pinta o horizonte do cerrado. Então acho que Malvavisco sou eu, mas sem as rédeas da realidade empírica. Sou eu, quando eu me permito sonhar e acreditar e brincar com a lógica que, em outros momentos, me mantém amarrado no cotidiano”.

Homem trans, ele busca romper estereótipos de masculinidade nas suas narrativas fantásticas. “Eu gosto de trabalhar bastante o aspecto especulativo da fantasia na construção de cenários, e também gosto de trabalhar masculinidade: diferentes conceitos de masculinidades, a luta para se estabelecer dentro desses conceitos, heróis e vilões que fujam a papéis tradicionais”. 

Capa de Lebre da Madrugada/ Foto: Divulgação.

Sobre a mensagem que gostaria de passar com os seus livros, Malvavisco confessa que prefere provocar questionamentos. “Acho que eu tenho uma mensagem diferente central para cada livro. No geral, exploro muito o valor da liberdade diante de sistemas opressores, até porque é quase impossível não falar disso nos dias de hoje. Mas na minha primeira duologia (Senhores de Sombra e Prata), eu exploro bastante a duologia entre homem e natureza, especialmente a nossa tendência de querer domar, domesticar e civilizar tudo que não é humano. Eu gosto mais de fazer críticas abertas que passar uma mensagem fechada. Acho que se o leitor terminar o livro com pelo menos um questionamento, meu trabalho foi feito”.

Giulia Santana

Criadora de conteúdo, escritora e jornalista, Giulia Santana (@giuliasntana no Twitter) é autora do romance A Linha de Rumo e do conto Tormenta, ambos com representatividade LGBTQIAP+, comunidade da qual a autora faz parte como mulher bissexual e arromântica. Santana também é autora do blog Quebrei a máquina de escrever, no qual compartilha pensamentos e resenhas de obras. 

Autora Giulia Santana./ Foto: Divulgação.

“Giulia é uma pessoa que só soube começar a entender o mundo quando aprendeu a escrever. Eu vejo a escrita como algo tão natural quanto a respiração: às vezes é mais fácil, às vezes tem impedimentos, mas não é opcional. Eu sei que parece uma romantização da profissão, mas não é: a escrita profissional é um trabalho como qualquer outro e exige muito mais do que somente escrever. Mas mesmo que eu escolhesse outra profissão, eu ainda estaria escrevendo. É o que eu sei fazer”, ela relata. 

Questionada sobre o que mais gosta de escrever, Santana declara: “Estruturalmente, os finais. Eu raramente começo uma história já sabendo o final, gosto de deixar a própria história me contar como ela termina. Ou então, o final é a primeira coisa que eu decido e a expectativa de chegar até ele me deixa animada. De uma forma ou de outra, a sensação de terminar uma história é sem igual”.  

“Já narrativamente, eu gosto dos relacionamentos interpessoais. Como os personagens se relacionam uns com os outros, como eles se comunicam muito além das palavras. É o que eu mais gosto. Existe aquela discussão sobre se o mais importante para uma história é o conflito ou os personagens, eu prefiro os personagens”, completa.

Capa de Tormenta/ Foto: Divulgação

Santana compartilha que espera que a leitura de seus livros atice as emoções dos leitores, que faça as palavras serem sentidas. “Minha meta sempre foi encontrar pelo menos uma pessoa que goste de ler meus livros tanto quanto eu gostei de escrevê-los. Que eu consiga transmitir tudo que senti, seja as partes em que eu chorei ou as que me trouxeram segurança. Eu percebi recentemente que meu estilo é ‘livros tristes com finais felizes’. Quero criar mundos onde a angústia exista, mas que ela não seja o ponto final”. 

Marina Feijóo

“A Marina escritora é uma mistura das outras Marinas (lésbica, canceriana dramática, cientista social) que usa da escrita para expressar tudo aquilo que é difícil de falar em voz alta e aproveita dos personagens para explorar todas as possibilidades de vida que não cabem no mundo real”. É assim que se define Marina Feijóo (@marinafeijoooo no Twitter), autora do conto Sobre Namoradas e Lobos. Ela também assina os livros O Centro de Todo o Caos, Essa Festa Virou um Slasher! e O Pior Pesadelo de um Homem. Todas as suas obras são protagonizadas por pessoas LGBTQIAP+. 

Autora Marina Feijóo/ Foto: Divulgação

“Todas as minhas obras são recheadas de personagens LGBTs e talvez esse seja o fio principal que conecta elas (porque eu passeio entre os gêneros literários). Gosto de trabalhar sexualidade e gênero de diferentes formas, às vezes como foco, às vezes como detalhe, mas é algo que está sempre presente. Outro elemento recorrente são as críticas sociais que vêm muito da minha formação como cientista social. Acho que a arte é um ótimo jeito de cutucar certas feridas da sociedade, questionar padrões, brincar com nossas percepções”, ela explica.

Capa de Sobre Namoradas e Lobos/ Foto: Divulgação

Sobre Namoradas e Lobos é o mais recente livro da autora, lançado neste mês, em 14 de junho, e já conta com 50 avaliações na Amazon. O Centro de Todo o Caos ultrapassa 350 avaliações na mesma plataforma. Diante desses números significativos, sobre o que quer passar com a sua escrita, Feijóo responde: “Emoções, principalmente. Seja a partir de um reconhecimento com a história que fica para além do livro, ou só aquela adrenalina de acompanhar uma jornada se desdobrar diante dos seus olhos. Claro que também tenho muitas mensagens (e críticas, como falei) para passar, mas se fosse só isso, eu continuava na produção acadêmica”.

Feijóo ainda finaliza: “Existem muitas narrativas diferentes das convencionais, que são pensadas e produzidas por uma lógica heteronormativa, sendo produzidas por aí”. 

Mary Abade

Escritora, com livros publicados tanto na Amazon quanto no Wattpad, Mary Abade (@marysabade no Twitter) escreve histórias com representatividade LGBTQIAP+, principalmente com protagonismo sáfico. O conto O 224° dia em terra firme, sua primeira publicação independente na Amazon, já bateu mais de 450 avaliações. Abade também é autora do romance Manual para Garotas, que ficará disponível na plataforma Wattpad até 15/07.

Autora Mary Abade/ Foto: Divulgação

“Uma escritora lésbica do interior. Alguém que escreve desde criança na Internet. Tenho 20 anos, estou no Wattpad desde 2014 e sempre em foco com romances teen ou coisas mais leves. Apesar disso, também possuo um dedo na ficção especulativa — com um conto já publicado”, é como ela se apresenta ao Em Pauta.

Ela também se descreve como uma escritora versátil, que se aventura em outros tipos de narrativa de vez em quando. “Gosto de variar. Tenho uma zona de conforto, mas gosto de procurar todas as coisas diferentes possíveis. Como uma boa criança que assistiu novelas mexicanas e lia comédias românticas, gosto de intercalar uma pitada de drama com comédia tosca. A maioria das minhas protagonistas são garotas negras e isso me faz gostar de equilibrar: gosto de debater situações reais, mas também escrevo histórias leves em que o foco não seja esse”, destaca. 

“No Wattpad, sempre usei uma frase ‘escrevo histórias com mistérios bobos envolvendo garotas sáficas’. Não é algo Agatha Christie [escritora britânica que se destacou nos romances policiais], mas amo por easter eggs nas histórias! Referências ao final, coisas escondidinhas… é minha parte favorita!”, ela completa.

Capa de O 224° dia em terra firme/ Foto: Divulgação

Abade acredita que, hoje, há uma maior visibilidade às histórias sáficas. Como escritora dessa temática, ela busca trazer narrativas que aqueçam o coração. “Penso em pluralidade de histórias, mas confesso que ao escrever sempre finais felizes, quero que tenham a sensação quentinha que deu tudo certo no fim. Agora já tem muitos, mas quando comecei isso não era comum. Não era acessível histórias lésbicas, muito menos com protagonismo racial, tivessem coisas felizes e sem que boa parte das páginas fossem sofrimento. Quero que pessoas como eu consigam se ver e fiquem felizes com uma representatividade que não nos pertenciam”.

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