A Barbie da Greta é (quase) feminista

Dirigido por Greta Gerwig, diretora de Adoráveis Mulheres e Lady Bird, Barbie traz um novo aspecto para boneca, talvez mais humano e amadurecido, mas com certeza longe do feminismo atual

Por Maria Clara Morais Sousa / Em Pauta

Um dos filmes mais esperados do ano chegou aos cinemas no último dia 20, o longa conta a história da Barbie Estereotipada (Margot robbie) e como ela vive uma vida perfeita na Barbieland junto com outras Barbies que possuem empregos diversos, como presidente, advogada, jornalista, física, escritora, etc. Os Kens estão na base da pirâmide com trabalhos como “praia”, mostrando como esse mundo é o oposto do nosso.

Com uma cena inspirada em 2001: Uma Odisséia do Espaço, conhecemos a história da Barbie que trouxe uma novidade: uma boneca com a qual as meninas podiam brincar e sonhar em ser. Já que anteriormente as bonecas eram apenas bebês e meninas podiam ser apenas mães. Assim, as Barbies pensam que solucionaram todos os problemas do mundo e não existe mais desigualdade de gênero.

Greta se inspira em 2001: Uma Odisseia no Espaço para mostrar criação da Barbie. Foto: Omelete

Tudo muda quando a Barbie começa a ter pensamentos suicidas, celulite e pé chato. Assim, ela visita a Barbie Estranha e descobre que precisa ir ao mundo real para achar quem está brincando com ela. Ao chegar no nosso mundo, ela percebe que a nova geração não gosta dela e que as bonecas não solucionaram todos os problemas femininos, na verdade homens mandam no mundo (e na Mattel).

Existe um exemplo claro de como a Barbie falhou com o feminismo: Gloria, interpretada por America Ferrera, voltou a brincar com a boneca de sua filha Sasha (Ariana Greenblatt) ao se sentir sozinha em um fábrica dominado por homens.

Inspirada pelo artificialismo proposital, a estética do filme é brilhante, podemos ver rosas por toda parte, das roupas às casas de boneca. A geladeira e piscina mostram aspectos de adesivos colados assim como os brinquedos na vida real e o guarda roupa da boneca é como as roupas são vendidas separadamente pela fabricante (Mattel).

Armário da Barbie faz referência a roupas vendidas separadamente da boneca. Foto: Omelete

Fora as referências imagéticas, temos também Barbies que foram descontinuadas (como Midge, Allan, a Barbie com câmera, Skipper mais velha, entre outras), além de outras bonecas que marcaram a história da Barbie (a primeira Barbie negra, a primeira boneca, a Barbie jornalista, etc). Outra referência clara de filmes é a Matrix, substituindo pílulas por sapatos.

Cena do filme faz referência a Matrix. Foto: Folha UOL

 A atuação dispensa comentários, nunca achei que ia odiar o Ryan Gosling por levar o patriarcado para a Barbieland. Indo de inocente e perdido para cheio de confiança falsa e machista, o Ken (Ryan) representa muito bem como os homens de hoje em dia apenas seguem o que é falado e não realmente pensam no que querem para sua vida, seguindo os valores do que seria a “masculinidade”.

Fora da binaridade de Barbies e Kens temos o Allan (Michael Cera), um boneco que seria o amigo do Ken mas foi descontinuado. A obra brinca bem com o conceito de queer (uma pessoa fora da cisheteronormatividade) tanto que ele aparece primeiramente na cena que apresentam os Kens, mas fica do lado das Barbies para restaurar a paz na Barbieland.

Quando Gloria e sua filha tentam voltar ao mundo real, Allan tenta ir junto numa tentativa de fugir da mentalidade fechada e binária da Barbieland. Ao final, todos tem seus problemas solucionados, mas Allan continua esquecido e excluído, como uma metáfora para como a sociedade vê a comunidade LGBTQIAPN+.

Allan, personagem que está fora da binaridade Ken e Barbie. Foto: UOL

O filme utiliza muito bem a comédia para tecer críticas necessárias à nossa sociedade usando sátiras inclusive contra a própria Mattel. E aborda maravilhosamente o tema de amadurecimento feminino.

Quando Barbie chora dizendo não ser o bastante (incluindo não ser bonita o bastante) ela traz a dicotomia do que é crescer brincando de bonecas acreditando que o mundo é cheio de possibilidades e realmente cresce percebendo que a injustiça e o preconceito podem te tirar várias dessas possibilidades.

Barbie chora ao não se sentir perfeita. Foto: Reprodução/Twitter

O discurso de Gloria sobre o que é ser mulher traz consigo muito poder, mulheres se identificam e homens percebem como se opera o patriarcado. Em si, o roteiro se constrói muito bem para demonstrar como a desigualdade de gênero funciona e machuca mulheres, mesmo as mais perfeitas como a Barbie.

Com um marketing pesado e trailers misteriosos, Greta conseguiu a atenção dos mais variados públicos para passar uma mensagem, uma mensagem muito básica. Quem conhece a diretora pode ter se decepcionado com o quão liberal seu feminismo apareceu e quem esperava apenas um conto de fadas saiu chocado com a realidade do mundo fantasioso de Barbie, ou seja, nem um, nem outro saiu 100% convencido que essa é a obra do século.

Enorme ela é, isso não se pode negar, afinal qualquer progresso, ainda é progresso, mas por quanto tempo ainda temos que falar do básico? A diversidade é ótima e fico feliz em saber que a presidente da Barbieland é negra e a médica é uma mulher trans, mas fora do mundo fantasioso de Barbie como a boneca opera no feminismo?

Barbie presidente. Foto: Rolling Stone

A Mattel continua sendo uma empresa reacionista que demora anos para trazer o básico, A obra é completamente mainstream, mesmo ainda sendo uma ótica diferente. O efeito Barbiecore é sempre bem aceito, falar sobre feminilidade sem uma óptica negativa é ótimo, mas não é inovador, nem revolucionário.

Não me entenda mal, o filme é muito bom, roteiro fenomenal e arte, não consigo nem achar palavras para descrever. Mas fora da ótica capitalista que moveu esse marketing, será que a Greta realmente apostou na inovação? Talvez para a Barbie o mundo real seja realmente chocante, mas para quem está fora das telas nunca foi e nunca será.

No final, me pergunto quantos filmes a mais teremos que fazer para que algo realmente vá para frente. Se arte é para se passar uma mensagem, a de Greta está claro: Barbie é uma feminista! Só não espera que ela mude alguma coisa para as mulheres reais, ela está muito ocupada se descobrindo.

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