Rô Mierling: “Diário de uma Escrava”

A escritora gaúcha Rô Mierling  já publicou sete livros Foto: Divulgação

Por Sabrina Borges

 

O livro “Diário de uma Escrava”, de Rô Mierling, foi publicado pela Editora DarkSide Books em 2016. Em uma edição caprichada, como é comum desta casa editorial. A capa é dura, nas cores preto e branco e com detalhes brilhosos que ficam visíveis com a alteração da luz. O corte das páginas tem as cores rosa, azul e roxo, dando um charme a mais na edição. Mesmo com toda essa beleza, é possível observar sinais da história sombria que se desenvolve nas páginas deste livro. Algo escorre das asas da borboleta, pingos de alguma coisa que ainda não sabemos, mas que ficará claro como os fios de cabelo que saem da capa e “decoram” algumas das 224 páginas da história.

 

 

 

“No Brasil, todo ano, 250 mil pessoas desaparecem sem deixar vestígios. Desse total, 40 mil são menores de idade, dos quais um terço são meninas destinadas a fins sexuais. Muitas escapam ou são encontradas, contando histórias terríveis; outras nunca mais são vistas com vida.”

Laura é uma moça de 15 anos, linda, alegre, que frequenta a igreja e começou a namorar recentemente. Ela é virgem, e gosta disso, pois a faz pensar que tem controle do seu corpo. Ultimamente, no entanto, ela tem percebido um sujeito estranho a encarando. Ela notou o homem pela primeira vez a observando da janela do seu quarto, depois teve a impressão de o ver na saída da escola, na praça enquanto estava com as amigas, e até ocupando o último banco da igreja nos domingos. Laura está vivendo uma fase superfeliz, os pais são incríveis, e deram total apoio para o início do namoro com Mauro, e ele a faz suspirar e sorrir o tempo todo. Mal sabe ela que essa felicidade está prestes a ter seu fim.

A jovem é surpreendida pelo homem suspeito antes de chegar na casa do namorado. Ele bate nela, que desmaia e acorda em um carro. Desesperada, ela tenta fugir, mas leva outra pancada e acorda em seu cativeiro, que será seu “lar” por longos anos. Laura é submetida a uma tortura física e psicológica intensa. Frequentemente estuprada e agredida, Laura sobrevive sem alimentação adequada, sem higiene e apenas com luz artificial muito fraca. Ela vive, dia após dia, vendo seu “café da manhã” passando pela portinhola, fazendo suas necessidades no balde grande, e se “limpando” no balde pequeno. Ela vê sua vida passando, sua inocência sendo violada, seus sonhos interrompidos, ela se vê quebrando pouco a pouco.

Essa é uma daquelas leituras que faz o leitor se transportar e vivenciar de mãos dadas com a personagem cada sensação. A leitura traz o peso de histórias reais, de sofrimentos verdadeiros, que não permitem pôr a cabeça no travesseiro e dormir com tranquilidade. É uma leitura fluída, embora seja preciso dar uma pausa em alguns momentos para absorver as informações e lidar com o aperto no peito. Se existe uma palavra para definir este livro, seria: perturbador. É perturbador pensar que uma menina que caça borboletas pode se tornar prisioneira de um “ogro” de uma hora pra outra. É perturbador saber o risco que nós mulheres corremos diariamente, é de tirar o sono pensar que nossas filhas são alvo para esses monstros.

No dia 10 de Setembro, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgou o 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Segundo os dados contidos no relatório, os números de estupros em 2018 são os maiores já registrados. Cerca de 180 estupros acontecem por dia. E mais assustador, 53,8% eram crianças de até 13 anos de idade, ou seja, quatro meninas nesta faixa são estupradas por hora. Segundo este mesmo relatório, o número de desaparecidos no Brasil é de 82.094 pessoas. É ou não é assustador?

Nesta obra, Rô Mierling escreve um alerta para a sociedade, principalmente para as mulheres. A autora descreve várias formas que o estuprador da Laura usou para raptar suas vítimas. É um aviso claro e inegável, qualquer um pode ser um psicopata escondido em vestes de “homem de bem”, “cidadão exemplar”, “homem de família” e “cristão devoto”. A escritora nos deixa, no final do livro, algumas notas, com casos reais de onde retirou informações para compor a história. Ela nos mostra fatores em comum entre todos os casos, como vítimas sendo jovens, raptadas em locais próximos a suas casas, por vezes acompanhados por mulheres e crianças no carro, utilizando redes sociais e chats para seduzir e enganar as vítimas. Não podemos mais ser ingênuos. Precisamos ficar alertas a qualquer sinal. Precisamos estar sempre com um pé atrás. Fique atenta, se cuide e cuide de alguém.

Sobre a Autora

Rô Mierling é gaúcha, escritora, ghost writer e pesquisadora acadêmica. Tem sete livros publicados e já recebeu diversos prêmios com suas crônicas e contos. Depois de ter tido mais de um milhão e meio de leituras na plataforma Wattpad, “Diário de uma escrava” ganhou sua versão em capa dura pela Editora DarkSide Books. Em seu site, a autora informa que “Diário de uma escrava” será adaptado para o cinema nacional. Rô ministra oficinas de escrita criativa e ainda atua junto ao Centro Cultural da Embaixada Brasileira de Buenos Aires. A autora divide seu tempo entre Buenos Aires e Santa Catarina.

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Hip hop em ação: uma entrevista com André Dizéro

Rapper une a música com a realização de oficinas e a pesquisa acadêmica          Foto: DAC Vídeos – FURG

Por Chay Cadaval

O rap surgiu na Jamaica lá pela década de 1960 e foi levado para os Estados Unidos 10 anos depois, em 1970. Chegou ao Brasil na década de 1980, ainda com muita resistência, por ser um gênero musical visto de forma pejorativa, por ser algo da periferia. Grandes nomes marcam esse período em que o rap começava a ganhar forma no Brasil: Thayde, Racionais MCs e Detentos do Rap. Em Rio Grande, a história do rap também tem presença na agenda cultural, apesar de que, em certas vezes, o gênero não é visto com o valor cultural que merece. Batemos um papo com o André Dizéro sobre o movimento hip hop na cidade do Rio Grande. Ele contou um pouco mais sobre seus projetos sociais e sua visão de mundo através da ótica do hip hop.

Arte no Sul – Como começou teu envolvimento com o rap e o movimento hip hop como um todo?

André Dizéro – Eu comecei com o rap lá em 2007 com o grupo Dirth South (D$). A gente iniciou fazendo música, com muita influência do rap americano e alguma coisa nacional. O grupo se inspirou nos caras do Sul dos Estados Unidos, do Texas, que faziam um estilo Dirth South. Tinha uma batida mais próximo do que hoje a galera chama de trap . Mas era um estilo Dirth. Então, começamos a fazer música nesse estilo aqui na cidade. E a gente disponibilizava música na internet, MSN, e em outras plataformas. A galera curtia, começou a baixar demais, a cantar as músicas. E não paramos de produzir.

Depois disso a gente gravou um disco da Dirth South que se chama Dirth Show. O lançamento no Teatro Municipal lotado foi da hora. Desse período da Dirth South, eu comecei a trabalhar também um pouco mais individual. Foi quando entrei na Universidade, no curso de Artes Visuais da FURG, no Bacharelado e depois na Licenciatura. E eu comecei a tornar a parada um pouco diferente, comecei a me envolver mais com o rap de uma forma particular, num formato meu. Continuei trabalhando com a gurizada da Dirth, mas comecei a fazer meus projetos sociais. Entendi o hip hop como ferramenta de inserção, como algo que poderia se tornar em ensino. Passei a fazer oficinas, tudo isso a partir do meu envolvimento com a FURG. Quando eu tive cadeiras de Licenciatura, aprendi a fazer planos de aula, comecei a ter mais uma prática pedagógica. E foi daí que eu trouxe mais o hip hop pra essa área do conhecimento mesmo, do ensino.

Eu me formei no Bacharelado de Artes Visuais em 2014 e em Licenciatura em 2016. Quando terminei a licenciatura, acabei criando um projeto que se chama Hip Hop e Educação. Nele eu faço oficinas de hip hop desde essa época. Neste ano, o projeto completa cinco anos. Esse projeto basicamente leva um pouco do hip hop pra dentro das escolas e espaços de ensino não formal também.

Arte no Sul – Em geral, como se dá a tua relação com a música e com as oficinas?

André Dizéro – Pra resumir, meu envolvimento com o hip hop é a partir da música. Faço minhas músicas, tenho meu trabalho na rua, um EP que se chama “Dizéro à 100”. Tenho alguns videoclipes também no Youtube desse trabalho. Tenho o projeto Hip Hop e Educação e a minha parte de pesquisador. Eu faço Mestrado em Artes Visuais na UFPel, em que eu também acabo pesquisando hip hop. Então, hoje em dia, eu falo que eu sou o cara que rima, o rimador, o educador e o pesquisador. São nessas três áreas que eu acabo caminhando com o hip hop. E uma potencializa a outra, porque, a partir do que eu componho, das minhas músicas, dos clipes que gravo, gero material pras oficinas. Isso acaba gerando conteúdo pra minha pesquisa acadêmica. Então, acaba sendo um ciclo, a parada se retroalimenta. Uma função alimenta a outra. Eu já não consigo separar uma da outra. Faço rap, ele me leva à oficina e a oficina me leva a uma escrita acadêmica, uma pesquisa nessa área.

Eu acredito que essas oficinas são importantes no contexto histórico que a gente vive, principalmente em inserção digital. O hip hop passou a ser totalmente utilizado pelas plataformas, assim como qualquer outra área artística. Mas o hip hop tem uma particularidade porque ele veio da periferia, da favela, então hoje ele precisa se abraçar na tecnologia. Quando eu vou fazer oficinas, eu acho importante e, ao mesmo tempo, eu fico um pouco numa corda bamba. Na hora que eu vou trazer a história da formação do hip hop, como é que ele se desenvolve, como é que ele chega no Brasil, a galera tá muito atrás do cifrão. Tá muito atrás do dinheiro, da produção, do seguidor, [da visibilidade na internet]. E, nessa busca da galera, no mundo acelerado de hoje, acaba que se passa por cima da história. Não se quer saber muito da base da parada, da filosofia. Querem produzir e tentar chegar ao topo. E não tem como desacelerar esse desenvolvimento do hip hop, principalmente quando a gente fala dessa aliança da música com a indústria da internet, não tem como. Então, eu penso que tenho que me renovar pra não me tornar alguém obsoleto, falando de uma coisa ultrapassada. Mas a história serve como base para galera poder produzir, ir atrás dos objetivos.

Arte no Sul – Como tu enxergas a influência que essas oficinas e esse projeto de ensino têm no público que tu consegues alcançar?

André Dizéro – Eu acredito que tem um retorno positivo. Alguns participantes das oficinas acabaram se desenvolvendo bastante e se interessando pela história. Isso enriqueceu o conhecimento que eles têm sobre a cultura. Tem um participante em especial, o Richard Prodigio, um MC do Bairro BGV, que acabou participando comigo nas oficinas no BGV Rolezinhos. Tanto ele quanto o Pedro Henrique. Os dois hoje gravam juntos e têm uma produção legal, estão sempre gravando videoclipes e envolvidos com música. E eles são os caras que foram fruto do projeto. E, pra mim, isso é uma satisfação enorme. Por exemplo, o Richard colou num estúdio bacana de gravação, onde ele tem um auxílio de produção pra gravar. Quando eu pude levar ele no estúdio do 808 Luke, abriu as portas pro projeto. Então, acredito que a oficina tem o seu retorno. Ela é muito importante nesse sentido. Embora a gente tenha que competir com o mundo acelerado, em que a galera acaba deixando um pouco de lado a história, eu acho que esse envolvimento e aprendizado da base, da cultura, acaba resgatando valores. A partir dessas iniciativas, a galera acaba se tornando um pouco mais consciente nas suas produções. Faz com um pouco mais de responsabilidade com o que vai colocar no papel e gravar no miq. A oficina acaba trabalhando pra resgatar os valores.

Arte no Sul – Podes explicar um pouquinho como acontecem essas oficinas e os eventos que tu tens atuado?

André Dizéro – As oficinas acontecem através de convites, muitas escolas acabam me convidando pra fazer as oficinas. Existe uma demanda, um desejo dos alunos e também dos professores de ter o hip hop nas escolas. E aí é interessante, porque o hip hop era visto de forma pejorativa antigamente, agora acaba tendo convites pra ele estar presente nas escolas. E também rola muito de forma contratual. Às vezes o Sesc ou Prefeitura me contratam pra fazer oficina em algum evento ou em algumas escolas. Então, eu faço oficinas das duas formas: a partir de um convite, de forma gratuita, ou através de um contrato.

E existe uma metodologia pra fazer essa oficina. Ela é dividida em três partes. A primeira é a parte histórica. A apresentação da história do hip hop, das referências, de como que o hip hop vem dos Estados Unidos pro Brasil, como que ele chega a Rio Grande. Nesse meio tempo eu apresento referências dos Estados Unidos, do Brasil e, também, da nossa cidade. Eu acho importante falar um pouco dos artistas daqui. Porque eles fazem parte desse movimento hip hop. Então, a primeira parte fica mais na questão histórica, filosófica. Eu contextualizo muito do momento político quando o hip hop nasce, o que estava acontecendo na sociedade, porque que o hip hop foi criado, como ele se desenvolveu.

Na segunda parte, já que na história do hip hop eu passo pelo rap, pelo DJ, pela dança e pelo grafite, eu explico o surgimento desses quatro elementos. E eu acabo mostrando referências, mostro diferentes formas de rap, diferentes subgêneros que existem no rap. A gente constrói rimas, mostrando como se faz no papel mesmo. Então a galera acaba criando versos de uma forma mais criativa, mais poética, no caderno.

Na terceira parte, com esses versos que criam, eles acabam recitando. Então é a parte de quebrar todo gelo, quebrar toda vergonha, e levantar a autoestima. É a busca pela autoestima principalmente. Também é a parte da apresentação. Quando eles fazem uma rima, a gente faz uma roda onde todos acabam recitando em forma de poema. E isso é muito da hora, porque eles acabam desconstruindo toda essa baixa autoestima que acaba tendo nas escolas de periferia. É uma forma de resgatar a importância deles. Quando eu tenho a oportunidade de ser contratado e rolar uma verba, eu levo um DJ. Então, aí, já rolam oficinas de hip hop mais voltadas pra rap. Às vezes, vem um grafiteiro e acaba tendo práticas artísticas com vários elementos.

Arte no Sul – Tens alguma noção em relação a números de escolas ou alunos que tu já alcançaste nesses anos do projeto?

André Dizéro – Em 2019, fazem quatro anos do projeto de oficina. Acredito que entre 400 e 500 alunos já foram atendidos em aproximadamente 20 escolas. E em oficinas no BGV Rolezinhos e em ocasiões no CCMar também. O interessante disso é que eu consegui levar quase todos os artistas do hip hop na cidade. Passaram pelas oficinas todos os DJs da cidade que a gente tem registro, também passaram os grafiteiros e alguns MC’s de Rio Grande.

Eu tive o prazer de realizar alguns eventos na cidade que têm a mesma filosofia tanto do meu trabalho musical quanto do meu trabalho com a cultura hip hop. Em 2017 eu fui premiado pelo Ministério da Cultura. O projeto Hip Hop e Educação foi destacado pela Incubadora Cultura Viva da FURG e pelo Ministério da Cultura. Eu realizei seis meses de residência artística na antiga casa skate arte do Cassino. Lá eu tive a oportunidade de promover um evento que se chama Tarde Cultural, que teve três edições. Também fundei o evento que se chama Rap contra o Frio, que acontece no Teatro Municipal e que esse ano teve sua quarta edição. O evento é pra arrecadar agasalhos. E, ao longo desses três anos do evento, nós conseguimos arrecadar mais de 2000 peças de roupas que foram doadas pra diversas instituições, como Assoran, instituição de albergue, presídio, pra instituição de crianças carentes e, principalmente, pra tribos indígenas. E isso é muito bacana. Nós conseguimos distribuir só no último evento agasalhos pra três tribos indígenas. Também desenvolvi o evento que se chama Rap Sessions, que teve três edições e reunia diversos artistas que estavam produzindo bastante na cidade, mas que não tinham espaço pra tocar.

Arte no Sul – Como tu encaras as realizações em torno do movimento hip hop e o envolvimento da cidade com o rap?

André Dizéro – A nossa história com o hip hop na cidade é muito forte. Ela tem uma história principalmente no BGV, uma história antiga. Muitos grupos da antiga daqui tinham uma conexão muito forte com a galera de São Paulo, de Porto Alegre. Rio Grande sempre esteve no mapa. Depois a gente teve as próximas gerações, a gente tem aqui o Tuty que colou no Lollapalooza, gravou com vários MCs. E Rio Grande sempre esteve um pouco no radar do hip hop. Então, eu acredito que a gente tenha uma raiz muito forte com o hip hop, mas sofremos com o que toda cidade do interior sofre. A gente não consegue se sustentar com a parada. Por exemplo, teve uma época, de 2007 a 2012, que o movimento hip hop estava muito forte na cidade, tinha muito grupo e principalmente público. Hoje em dia existem muitos grupos, mas o público não existe tanto como antes. Os shows eram lotados, a galera consumia muito hip hop daqui. Hoje a galera acaba consumindo muita parada de fora. E o dinheiro dentro do hip hop aqui na cidade acontece da seguinte forma: o MC vai lá e paga pro produtor produzir beat. Ele compra o beat, o produtor recebe. Depois o MC escreve a música e vai pro estúdio gravar. O dono do estúdio recebe. E quando o MC precisa receber, quando ele tem seu trabalho na rua, circulando, ele não tem espaço pra tocar. Todo mundo que trabalha com o MC recebe. O cara que produz, o cara que grava, o cara que faz o flyer, o cara que faz as fotos, o cara que faz o vídeo, o Facebook recebe, o Instagram. Menos o MC. E isso bloqueia o capital de giro. O dinheiro não retorna pro artista e isso fica insustentável. E não tem como a galera sobreviver. É uma roda que não gira. Os caras não contratam, os caras não recebem. O MC não vai ter dinheiro pra uma próxima produção, não consegue ter uma produção mensal, por exemplo. Então, o MC não recebe, não faz show, não se apresenta. O cara lança um material bacana na internet, mas não recebe a oportunidade de poder estar no palco, de ser pago pra isso. Mas isso não é culpa do público. É culpa do mercado da cidade.

Em meio a tudo isso, eu ainda acho que o público dá um retorno legal. A galera ainda prestigia shows, prestigia ações. Por exemplo, o III Rap Contra o Frio, em 2018, teve lotação da casa. E no Teatro, que vem sofrendo há muito tempo com falta de público, a gente conseguiu lotar a casa com uma cultura de rua, em um espaço mais elitizado, mais clássico.

Arte no Sul – Pra ti, qual o poder do rap e como ele pode ajudar na atual conjuntura política do país?

André Dizéro – Eu acho que 2019 é um ano de muita produção. Não só artística, mas também política. O representante que a gente tem no país atualmente é opressor e tem um discurso de ódio. A galera, num primeiro momento, principalmente nas eleições, talvez sentisse aquele frio na barriga, aquele medo de não ter acesso, de não poder ter voz mais e da sua luta desvalorizada. Mas, num segundo momento, após a turbulência, a galera entendeu que é mais uma chance de produção. Eu acho que o rap, principalmente, vai voltar a ser mais político. Ele vai precisar ser assim. Não como Racionais MC’s já foi um dia. Acho que isso não vai voltar a acontecer. Porém acho que a galera vai começar a falar menos bobagens. Não é que o rap tenha perdido seu sentido total, mas eu acho que ele é o reflexo do cenário. Reflexo do período, do contexto. A gente teve políticas que asseguravam que o rap não falasse só sobre a periferia, mas que ele pudesse chegar ao grande centro. Então, se acontecer tudo o que a gente acha que vai acontecer, o rap vai voltar a ser mais político. Ele vai precisar ser assim.

Arte no Sul – Tens alguma indicação de leitura pra quem se interessar pela história e busca entender um pouco mais do hip hop e do rap no Brasil?

André Dizéro – Tem um livro que é do Ricardo Teperman que se chama “As transformações do rap no Brasil”. É um livro bem massa, que te dá uma profundidade bem grande da transformação do rap, até a era Emicida mais ou menos. E aqui, próximo a nós, tem o do Gagui IDV que se chama “Resenha do Rap”. É um livro de entrevistas em que ele troca ideia com MCs ao longo de vários anos.

Arte no Sul – Se tu pudesses usar uma palavra pra representar o movimento hip hop, qual seria?

André Dizéro – Tem um amigo meu que falou uma vez uma frase que representa muito o hip hop. Ela fala que o hip hop não inventou nada, mas ele reinventou tudo. O mundo depois do hip hop é um mundo que existe através da ótica do hip hop. Então, uma palavra pra representar o hip hop: reinvenção.

  • Trap – É  uma vertente do rap que surgiu lá no sul dos Estados Unidos e ganhou mais popularidade a partir de 2007 com o surgimento de grupos como Gucci Mane e hoje está presente no Brasil com artistas como Matuê e Raff Moreira, entre outros. 
  • BGV Rolezinhos é um projeto da Prefeitura Municipal de Rio Grande, em que André Dizéro foi selecionado pra ser oficineiro através de um edital. Tem como objetivo estimular o combate à violência e às drogas, principalmente entre jovens de 13 a 17 anos, no bairro Getúlio Vargas. E também visa resgatar um pouco da identidade do bairro, pra mostrar que é muito mais além do que as notícias negativas.

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Dança promove inclusão social na cidade de Herval

Aluno Vicente, de 4 anos, em apresentação no projeto que estimula expressão artística       Foto: Divulgação

Por Luana de Almeida Medeiros

Em meio a um contexto de discriminação e exclusão de pessoas com deficiência e/ou portadoras de necessidades especiais, também há espaço para aqueles que acreditam na transformação da realidade dessas pessoas através de ações e projetos que promovam a inclusão social. Um exemplo disso é o projeto de dança desenvolvido no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) do município de Herval – RS, em parceria com a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), que visa a inserção dos alunos com deficiência na sociedade por meio da arte.

Para entender melhor como funciona esse projeto, é importante conhecer um pouco sobre a história da idealizadora que está por trás desse trabalho, assim como a contextualização e o surgimento desta proposta.

Amor pela arte

A professora responsável pelo projeto, Ivonete Pereira, tem uma longa história com a arte. Em busca de uma vida melhor, sua mãe deixou a cidade de Herval e foi atrás de novas oportunidades para a sua família. Foi quando decidiu morar no município de Rio Grande. Nessa época, Ivonete ainda era uma criança e, em sua nova escola, vivenciou o primeiro contato com o mundo da arte. Lá, ela teve a oportunidade de aprender um pouco sobre dança, canto e teatro e foi, nesse momento, que descobriu sua aptidão para as artes.

Ao longo dos anos, ela percebeu que gostaria de retribuir, de alguma forma, as oportunidades que havia tido em sua vida, então decidiu que iria dividir seu conhecimento com crianças e adolescentes carentes, e mostrar que é possível transformar vidas através da arte.

No início de sua carreira, como professora de dança, estruturou o seu primeiro grupo artístico com crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, na cidade de Herval. Os recursos para manter o grupo eram escassos na época, mas com a ajuda e as doações da comunidade, o projeto se manteve durante muito tempo. Em 2007, foi convidada para participar do Programa Escola Aberta, no qual se manteve por sete anos. Em seguida, foi chamada para dar aulas de dança na Casa das Oficinas – Projeto CTRL-A (Inclusão e Arte), mantida pela Prefeitura de Herval. Em ambos, ela teve a oportunidade de se qualificar por meio de alguns cursos profissionalizantes oferecidos pelas próprias entidades.

Atualmente, continua atuando no CRAS (antiga Casa das Oficinas), onde desenvolve alguns projetos em parceria com a escola municipal Padre Libório Poersch, com o Lar do Idoso e com a APAE, além de seu projeto voluntário desenvolvido nas escolas do interior. Vale ressaltar que, esses 20 anos de dedicação à arte e às causas sociais renderam para Ivonete duas menções honrosas, a primeira na Câmara Municipal de Herval e a segunda no prêmio Preta G, em Pelotas, pelo seu trabalho de ativismo social.

“Eu queria ter mais condições de ajudar as crianças do que prêmios na parede. Resgatar e incluir essas crianças na sociedade é o meu propósito”

Professora Ivonete Pereira; diretora da Apae Neura Silva; diretora da escola municipal Ernesto Che Guevara, Brígida da Silva e o aluno Vicente Soares

Inclusão Social

O projeto de inclusão social com as crianças e adolescentes da APAE é desenvolvido há mais de cinco anos. Os ensaios são realizados todas as quintas-feiras, das 9h às 11h, no prédio do CRAS e, também, no prédio da APAE. Para obter um melhor resultado, os ensaios são realizados individualmente, respeitando as particularidades e as limitações de cada aluno.

Segundo a professora de dança, o maior objetivo deste projeto é despertar nos alunos as mais variadas sensações, emoções e sentimentos que se possa experimentar através da arte, de forma a aumentar a autoestima desses alunos e promover a integração social.

A diretora da APAE, Neura Lúcia Silva, destaca a importância desse projeto para dar visibilidade às crianças e adolescentes que participam desse trabalho, de modo a despertar a empatia daqueles que não têm muito conhecimento sobre o assunto e motivar o aumento da participação das famílias envolvidas. De acordo com a diretora, “cada um tem um potencial a ser desenvolvido” e o objetivo deste projeto é “fazer a integração dessas crianças e adolescentes na sociedade, como um todo”.

A mãe do aluno Vicente Maciel, de 4 anos, Leane Soares, viu no projeto a oportunidade de seu filho desenvolver, da melhor forma possível, os seus aspectos físicos, cognitivos e emocionais. “Ele melhorou bastante a fala, desenvolveu a dança, a criatividade e convive mais com outras crianças”.

Em dezembro deste ano, o aluno Vicente participará de um concurso de dança na cidade de Bagé, juntamente com a professora responsável pelo projeto. Os alunos também vão ter a oportunidade de divulgar o trabalho desenvolvido em um festival de arte promovido pelas APAEs. A data ainda não foi divulgada.

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Narrativa jornalística entre doses da mesa de bar

Por Lucian Brum

Famoso pela criação do jornalismo gonzo, o autor Hunter S. Thompson publicou “Rum: Diário de um Jornalista Bêbado” em 1998, depois de quase 40 anos com o texto engavetado. Tudo começa com a descrição de um bar. Digo tudo, porque a narrativa circunda entre doses relaxantes e reflexões à mesa do bar do Al. Lugar onde os jornalistas no Daily News usam como sala de reuniões existencial. Manter a consciência regada a rum parece ser o que há de mais propício em San Juan.

Paul Kemp é um jornalista que desembarca em Porto Rico vindo de New York. Um jornalista sempre está à procura de boas histórias, mas os que batem na porta Daily News não querem entender sobre o que irão escrever. Sem generalizar, mas por motivos óbvios, San Juan pode ser chamado de – um lugar ao sol. Ilha composta por praias de areias brancas e águas cristalinas.

Na imaginação universal o Caribe é um feriado. O jornalista Kemp foge da burocracia, da etiqueta e das ruas frias de Manhattan para procurar dar o sentido correto à sua profissão. Ver a história acontecer, interpretá-la e contá-la. Entre esses pormenores é claro: beber, mentir e transar.

Quando se mora num lugar ensolarado, sobra pouco tempo para o sono. Mas quem precisa dormir quando se vive a “sensação de ter o mundo nas mãos”. Essa sensação é mantida principalmente pelo idioma. O inglês proporciona trânsito entre diversos países que possuem imprensa de mesma língua. “Eu poderia ganhar a vida em qualquer lugar do mundo onde há um jornal escrito em inglês”, diz o fotógrafo Bob Sala.

Na epopeia de jornalistas solteiros e com disposição de encarar o acaso, a aventura de ganhar em perder amigos é um script repetitivo. A beleza de uma mulher sempre será motivo do início de guerras. O rum em abundância, um gatilho para a inspiração. Leia Hunter Thompson e se embriague com o romantismo do jornalismo, aquela que alguém disse um dia: a melhor profissão do mundo.

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Museu Gotuzzo conta história do pintor pelotense

Autorretrato de Gotuzzo ao lado de seu avental                     Foto: Danieli Schiavon

Por Danieli Schiavon

Em homenagem à carreira do pintor pelotense Leopoldo Gotuzzo, foi inaugurado na cidade de Pelotas, em 1986, o Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo (MALG). Seu acervo conta com objetos pessoais do pintor, bem como obras que marcam toda a sua trajetória. As peças foram deixadas como testamento em seu nome à Universidade Federal de Pelotas (UFPel). O MALG fica na Praça 7 de Julho, 180, em frente ao Mercado Central de Pelotas, na antiga Escola Eliseu Maciel. Está aberto para visitação gratuita de terça a domingo, das 10h às 19h30, sem fechar ao meio dia. É uma ótima alternativa de passeio cultural durante a semana e aos fins de semana.

Pelotense, nascido em 8 de abril de 1887, Leopoldo Gotuzzo foi um artista consagrado internacionalmente à sua época. Filho de um italiano e uma brasileira, Gotuzzo já apresentava desenvoltura e aptidão para a arte desde pequeno. Ainda no ensino médio começou sua formação artística, quando estudava no Colégio Gonzaga.

Foi sob a orientação de Frederico Trebbi que decidiu viajar para Roma e aprimorar os estudos com o mestre francês Joseph Nöel. Aos 27 anos, morando então em Madri, enviava suas pinturas para o Salão de Belas Artes do Rio de Janeiro. A partir daí, passou a receber reconhecimento, cada vez em mais elevado grau. Leopoldo Gotuzzo desenhou, pintou, participou de exposições e recebeu consideráveis e memoráveis premiações pelo seu talento até os 96 anos, quando faleceu, em 11 de abril de 1983.

Medalha de Ordem ao Mérito das Belas Artes recebida pelo artista em 1977  Foto: Danieli Schiavon

A exposição “Leopoldo Gotuzzo: fragmentos de memória e cotidiano”, assinada pela diretora adjunta do Museu, Mari Lúcie da Silva Loreto, reúne álbuns de fotografia, móveis trazidos da Europa, escrivaninhas, anotações pessoais, cartas, pincéis, cavaletes e aventais de pintura. Esses objetos compõem a exposição da vida de Leopoldo, e, juntamente com seus quadros, provocam uma imersão na vida e história do artista. Revelam aspectos íntimos de seu envolvimento com a arte. De acordo com Mari Lúcie, a mostra possibilita o diálogo entre arte, cotidiano e memória, evidenciando a história de vida do artista.

Sala de exposições “Leopoldo Gotuzzo: fragmentos de memória e cotidiano”             Foto: Danieli Schiavon

Além da Sala do Patrono, o Museu tem um espaço reservado para exposições de obras pertencentes a artistas que têm, em comum, algum momento de sua formação na Universidade Federal de Pelotas. De acordo com o professor José Luiz de Pellegrin, curador da exposição, essas obras “representam, de modo particular, um número expressivo de artistas que desenvolvem suas poéticas na cidade de Pelotas e daqui buscam sua inserção no sistema da arte local, nacional e internacional.”

 

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Ataque midiático à “mais infame gangue de motociclistas”

Grupo de motociclistas estadunidense Hells Angels na foto tirada por Bill Ray no ano de 1965

Por Victor Langmantel

O autor do livro “Hells Angels”, Hunter Thompson, busca através de sua obra, colocar em debate a influência das grandes mídias para a anulação do principal grupo de motociclistas dos Estados Unidos. Demonstra a obsessão dos jornalistas em menosprezar a imagem dos motoqueiros através do sensacionalismo. As mídias impuseram essa perspectiva para assim causar um impacto na população. Thompson busca explicar os verdadeiros motivos por trás da perseguição imposta pelos grandes veículos comunicacionais.

Conhecidos por sua fama de encrenqueiros ao redor do mundo, os motoqueiros geralmente não são bem recebidos nos lugares que vão. Isso foi motivado pela perseguição das empresas jornalísticas aos Hells Angels, tratados como arruaceiros e trogloditas pelos veículos de comunicação. Tal perseguição se deu em meados dos anos 60, quando vieram à tona muitas denúncias, em sua maioria anônimas, acerca dos motoqueiros.

Fundado em 1948, na cidade de San Bernardino, na Califórnia, o grupo de motociclistas Hells Angels coleciona denúncias de crimes ao longo de sua história, entretanto é apenas no fatídico dia 1º de maio, justamente no Dia do Trabalho, que os tais “trogloditas sobre duas rodas” se juntariam para realizar suas aventuras criminosas.

Até os dias de hoje é discutido se tais denúncias não foram, de fato, aumentadas para causar um impacto maior na grande mídia. Após elas serem divulgadas ao público através dos grandes jornais, como é o caso do New York Times, que cravou uma briga constante com a gangue de motociclistas, os Hells Angels praticamente se extinguiram. Os poucos que sobraram tentavam ao máximo esconder qualquer ligação com o infame grupo de motoqueiros. Muitos tiveram que abandonar a vida sobre rodas, outros foram presos por possuírem ligação com o grupo.

Com títulos bastante chamativos, os jornais da época não economizavam na depreciação dos Hells Angels, e assim foi-se criando uma aversão por parte da população estadunidense aos “trogloditas nas suas Harleys”. De acordo com a reportagem que saiu na revista Newsweek em 1965, a respeito da Jornada do Dia do Trabalho, duzentos motociclistas invadiram a cidade de Porterville, sul da Califórnia, fazendo tumultos e arrumando confusões, passando a mão em qualquer mulher que cruzasse o seu caminho. Esse era o “retrato falado” da imprensa acerca de qualquer membro dos Hells Angels, demônios arruaceiros e sanguinários em busca de sua próxima vítima.

O interesse, quase que político, por parte dos veículos midiáticos, desmascara-se no sentido de utilizar o grupo de motociclistas Hells Angels como uma cobaia perfeita para o teste de sensacionalismo desenfreado. Em parte, esse tratamento do assunto pode ter sido bem-sucedido no primeiro momento. Anos após o ocorrido, ainda se questiona o verdadeiro motivo da revista NewsWeek, Times e outros veículos perseguirem o grupo de forma gritante e pouco jornalística. Entretanto o que se torna evidente são os prejuízos causados não só aos Hells Angels, mas a qualquer grupo de motociclistas.

Deve-se levar em consideração que muitas das denúncias feitas contra o infame grupo de motociclistas possuem fundamento. Tem-se em vista que parte dos membros eram sim encrenqueiros. Muitos participavam do grupo, entretanto, por realmente gostar de dirigir suas motos, a sensação de liberdade, o vento batendo na nuca e sem fazer mal algum a ninguém. Por causa do preconceito que se instaurou acerca dos Hells Angels, tiveram que abandonar a vida de motociclista, sem contar as prisões que ocorreram em meados dos anos 60 de membros do grupo por, simplesmente, pertencerem ao grupo, ou possuírem alguma ligação, seja mínima, com os Hells Angels.

O que se pode levar de tudo que foi dito acima, é que se deve ter muito cuidado com o que é dito nos veículos de informação. Os jornalistas devem ser cautelosos com o poder de influência dos veículos em que atuam.

Hunter Thompson busca, através de sua obra, “Hells Angels”, destacar o mesmo poder que o jornalismo exerce na vida da comunidade e como ele pode ser nocivo caso utilizado incorretamente. A gangue de motociclistas que foi utilizada como exemplo é apenas uma de muitas que acabaram por ser prejudicadas de forma extrema, por causa de um interesse político e lucrativo da grande imprensa estadunidense. Não devemos nos esquecer nunca que o papel do jornalista é informar, nunca menosprezar.

Percursor do jornalismo gonzo e autor do livro “Hells Angels”, Hunter Thompson infiltrou-se no grupo

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Nos trilhos da tradição: Conversa com Paola Zanetti Ribeiro

A escritora de Pedro Osório pesquisa história vinculada às tradições gaúchas             Foto: Christian Dias

Por Christian Dias

 

Origem, contos e memórias: O livro “O trem da 21ª RT: conhecendo os vagões da nossa história”, escrito pela jovem Paola Zanetti Ribeiro e lançado neste ano, conta a história da 21ª Região Tradicionalista (21ª RT). Paola, acadêmica do curso de Direito da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), decidiu unir duas de suas paixões: a escrita e a cultura gaúcha. Em seu livro, relata o resultado de uma intensa pesquisa sobre o nosso estado e, principalmente, nossa região. “O trem da 21ª RT” também descreve a influência do meio de transporte em trilhos na moda da década de 1950, no Rio Grande do Sul.

Paola Zanetti Ribeiro é natural de Pedro Osório, Rio Grande do Sul. No ano passado, representou a 21ª Região Tradicionalista como Primeira Prenda. Nasceu em 23 de julho de 1997. Dançarina e participante ativa do Centro de Tradições Gaúchas Fogo de Chão, Paola sempre dedicou sua vida a conhecer as histórias do seu estado. E também de seu município: Pedro Osório, uma simpática cidade de pouco menos de dez mil habitantes. Por muito tempo, o município foi cortado pelos trilhos de trem. Hoje, o prédio da Estação de Pedro Osório sedia a Prefeitura.

 

Obra revela antigas relações das roupas com o uso do transporte ferroviário    Foto: Acervo Pessoal

Arte no Sul – O livro “O trem da 21ª RT: conhecendo os vagões da nossa história” é resultado de uma vida dedicada ao tradicionalismo e às histórias do Estado e, principalmente, da região de Pedro Osório. Como foi o processo de criação da obra?

Paola – Para concorrer na Ciranda Cultural de Prendas, precisei fazer uma pesquisa sobre o uso das vestimentas em diferentes momentos. Na ocasião, decidi focar minha pesquisa na influência do trem no modo de vestir das pessoas na década de 1950, período de apogeu do trem na cidade de Pedro Osório. Durante a pesquisa, percebi que muitas memórias estavam se esvaindo com o tempo e, assim, a história estava se perdendo. Diante disso, passei a constatar também que o legado das entidades da 21ª Região Tradicionalista estava se perdendo, e muitos de nós mal sabíamos a origem do local onde crescemos.

Assim, resolvi realizar um projeto de resgate da história dos Centros de Tradições Gaúchas da região, incentivando que seus integrantes buscassem conhecer o início e a caminhada destes locais até os dias de hoje. O projeto originou o livro “O trem da 21ª RT”, que tem como objetivo registrar a criação e evolução destas entidades até os dias de hoje. Esse trem passou pelas nove cidades da 21ª Região Tradicionalista, e proporcionou momentos de alegria, nostalgia e conhecimento.

Arte no Sul – A cultura do Rio Grande do Sul consegue se manter firme mesmo com o passar dos anos. Qual a influência que os Centros de Tradição Gaúcha (CTG’s) possuem nesse aspecto?

Paola – Os CTG’s são os centros de irradiação da cultura rio-grandense. É através deles que conhecemos nossas origens e aprendemos valores como amizade, lealdade e persistência.

O Movimento Tradicionalista Gaúcho é fundamental nesse aspecto. É através dele que estudamos a cultura e aprofundamos nosso conhecimento e nosso senso crítico sobre o tradicionalismo em geral.

Arte no Sul – Por fim, o livro ainda é muito recente, mas quais foram as primeiras impressões pós lançamento da obra e qual legado fica depois de todo um trabalho de pesquisa e convivência para criação deste livro?

Paola – Através do livro percebi que é necessário resgatarmos nossa história. Com ele, pude conhecer mais a fundo sobre os CTG’s da nossa região tradicionalista. Mas acredito que o maior legado que o livro deixou foi o conhecimento que os leitores e aqueles que realizaram as pesquisas de resgate obtiveram com essa experiência. Foi emocionante ver o orgulho que os participantes do projeto tiveram de sua história.

A escritora foi eleita a Primeira Prenda da 21ª Região Tradicionalista                           Foto: Acervo Pessoal 

A pesquisa continua
Paola prossegue realizando pesquisas sobre o Rio Grande do Sul e dedicado sua vida ao tradicionalismo, hoje é a Primeira Prenda do CTG Fogo de Chão. Com o grupo, busca divulgar as histórias e apresentar, através da dança, as origens e identidades do povo gaúcho. “Que queiramos fazer sempre mais para que nosso legado permaneça junto àqueles que, depois de nós, seguirem os trilhos do trem da vida,” enfatiza a autora.

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Arte do grafite brota nas ruas de Pelotas

As cores e formas artísticas de diversos autores dão mais vida ao contexto urbano e à zona portuária

Por Paulo Lopes Marques

Não é difícil andar pelas ruas de Pelotas e deparar-se com gravuras coloridas emoldurando muros e paredes que, na maioria das vezes, estavam degradados e abandonados. Essa arte de transformar o que antes era sem vida, trazendo cores e formas para as ruas é conhecida como grafite. Seu estilo de arte contemporâneo possibilita a revitalização de locais da cidade abandonados. Também vem ganhando espaço em galerias de arte e museus, sendo incorporado ainda em estabelecimentos comerciais. É facilmente visível no cotidiano de Pelotas e tem como um dos seus principais artistas, Vinicius Moraes, conhecido como Bero. A cidade sedia nos dias 16 e 17 de novembro o evento Meeting of Styles.

Derivado da expressão italiana “graffiti”, essa forma de expressão referia-se inicialmente às inscrições ou desenhos pré-históricos em rochas. Atualmente é uma arte de desenhar, essencialmente em paredes e muros, com a utilização de sprays. Durante a década de 1960, na França, foi usada como forma de contestação política do movimento estudantil e manifestação de liberdade de expressão. Depois, expandiu-se para os Estados Unidos, principalmente em bairros da periferia de Nova Iorque, onde os jovens, principalmente ligados a movimentos hip hop, escreviam e pintavam paredes com spray para passar mensagens à sociedade. No Brasil, os movimentos estudantis, ainda sob a forma de pichação, utilizavam o spray para manifestar contrariedade à opressão militar durante a ditadura. O grafite ganhou força na década de 1990, articulado com movimentos musicais de hip hop e rap, bem como de praticantes do skate.

Esse estilo de arte é uma forma de expressar toda a opressão que a humanidade vive, principalmente os menos favorecidos, refletindo a realidade das ruas. De desvalorizado e marginalizado, passou a ser considerado como expressão social cultural, chegando às galerias de arte contemporânea. Hoje é reconhecido pela maioria das pessoas como uma arte que transforma muros e paredes abandonadas da cidade, transformando em espaços revitalizados mais atraentes e bonitos, ganhando cor e quebrando a monotonia e o acinzentado urbano. O grafite possibilita uma democratização da arte ao trazê-la diretamente ao público, podendo aumentar o interesse por outras obras e levando as pessoas a explorar o mundo da arte.

Os estabelecimentos comerciais estão aderindo ao movimento e compartilhando seu espaço com a arte

Em Pelotas, podem ser identificados diversos espaços onde o grafite é encontrado: muros, tapumes de reformas prediais, na parte interna de canalizações, caixas de telefonia, praças públicas e, cada vez mais, residências e espaços privados. A área das instalações portuárias é o principal local onde as gravuras podem ser encontradas. O grafite transformou essa área da cidade um tanto abandonada em um local com mais vida, ganhando um novo público e um outro olhar sobre o local, numa verdadeira galeria a céu aberto. A Princesa do Sul, além de ser considerada cidade histórica, com sua rica arquitetura e prédios tombados, origem das charqueadas e conhecida nacionalmente pela culinária dos doces, pode, com a arte das ruas em contato com a população, ser reconhecida também como um polo cultural através do grafite, podendo, inclusive, essa manifestação artística ser explorada como potencial turístico.

Uma das principais referências artísticas da cidade é Vinicius Moraes, ou “Bero”, como é simplesmente conhecido. Formado no curso de Artes Visuais da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel), criou várias obras espalhadas pela cidade e considera que, aos poucos, a população está reconhecendo o grafite como forma de expressão artística. O artista foi personagem do documentário “Sprayssionismo” veiculado pela TV Educativa (TVE) em maio de 2016.

O artista pelotense Bero teve o seu trabalho valorizado com a produção do documentário Sprayssionismo (Foto: Divulgação/TVE) 

Evento reunirá vários artistas em novembro

O Meeting of Styles é uma plataforma de intercâmbio entre artistas, que já organizou mais de 250 eventos desde 2002 em 25 países. Em 2019 o calendário do Meeting of Styles passará por 24 cidades ao redor do mundo, sendo que Pelotas receberá o evento nos dias 16 e 17 de novembro, em que cerca de 40 artistas nacionais e internacionais realizarão seus trabalhos na zona do porto da cidade, num grande encontro de diversidade cultural. Na etapa do ano passado, o evento contou ainda com aulas gratuitas de grafite, atrações musicais e food trucks gastronômicos.

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O massacre transformado em arte

Mostra no Campus II da UFPel no início do mês de setembro trouxe obras literárias, pinturas e esculturas

Por João Pedro Macedo

No dia 17 de Setembro, no Campus II da UFPel, ocorreu a quarta edição da exposição de arte e cultura “Lanceiros Negros, sua história através dos tempos!”. O evento, organizado pela cooperativa local Cooperarte, Artes e Ações Integradas, teve como intuito mostrar o lado oculto da Guerra Farroupilha. A expressão artística foi tratada como o principal meio de comunicação para entender este lado da guerra.

Questiona-se se houve um ato de mudança depois da revolta farroupilha. Desta forma, ela não é vista como uma revolução para muitas pessoas, e na exposição não foi diferente. Os lanceiros negros foram escravos que lutaram a favor dos donos das charqueadas gaúchas com a promessa de que iriam ser libertos, porém foram enganados sofrendo um genocídio orquestrado pelo Império e pelos donos das charqueadas. O nome deste evento ficou conhecido como o Massacre dos Porongos e reflete o real significado desta falsa revolução.

A exposição funcionou de uma forma em que ela era constituída por etapas, na perspectiva do sincretismo. Os representantes da Cooperarte e do evento explicaram que cada símbolo, em cada pintura de cultura africana, estava vinculado ao passado e aos atuais momento histórico e situação do país. No início da apresentação, o artista e um dos criadores da Cooperarte, Jonas Fernando Martins Santos, fez uma breve explanação sobre a exposição e falou que o significado dos lanceiros negros é muito maior do que só a Guerra Farroupilha. Com isso, ele quis dizer que os lanceiros negros foram os personagens históricos que lutaram em busca da liberdade e acabaram por serem enganados e sofrerem com essas mazelas de desigualdade até hoje. Jonas exemplificou isso falando sobre o caso dos negros na Guerra de Secessão nos Estados Unidos da América.

Sobre a parte artística do evento, na entrada do auditório, havia diversos tipos de produtos artísticos à venda, como livros, pinturas e esculturas, todas intervenções artísticas feitas por membros da Cooperarte. Nas paredes, foram expostos banners das outras edições da exposição, pinturas que remetiam a símbolos, destacando a cultura africana e ainda desenhos dos orixás, entidades divinas nas religiões de matrizes africanas.

As manifestações artísticas foram propostas como formas de resistência e reflexão sobre processo histórico

Os desenhos dos orixás de Jonas Fernando fizeram parte de uma história muito triste. O artista foi convidado a expor esses desenhos no Shopping Pelotas, porém quando o artista levou seus projetos até lá, foi proibido de expor pela segurança, sob a alegação de que aqueles desenhos eram errados e que não deviam ser expostos. Jonas foi vítima de racismo e intolerância religiosa, e ainda foi proibido de mostrar sua arte para as pessoas no centro comercial.

Perguntado sobre o que significava essa exposição e valorização da arte e cultura negra na atual conjuntura política do país, Jonas respondeu com ênfase que aquilo nada mais era que outra forma de resistência contra um atual Brasil que sempre foi racista e agora tende a ser ainda mais, principalmente Pelotas, cidade historicamente elitista e que tenta apagar sua negritude: “Vendo essa exposição com um monte de produções artísticas de pessoas negras trabalhando em uma cooperativa, é resistência pura, e é por isso que a gente luta.”

O evento além de ter esse dia para exposição também conta com ações em ONG’s e escolas, sempre valorizando a cultura negra e dando espaço e voz para aqueles que precisam ser ouvidos. Foi a primeira vez que a UFPel abriu espaço para este evento, e apesar do número de visitantes não ter sido o esperado, a exposição tocou todos que compareceram e trouxe um momento de reflexão para quem estava lá.

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Apagão mundial e legado dos Beatles

 O personagem Jack Malik  sofre em  um mundo inimaginável sem a memória do grupo de Liverpool

Por Gabriellla Militao Cazarotti

A banda The Beatles foi divisora de águas no cenário mundial desde sua criação nos anos 1960. No romance londrino Yesterday, em cartaz no Cineflix Shopping Pelotas, Jack Malik é um músico malsucedido atingido por um ônibus durante um apagão que atingiu todo o planeta. Jack acorda em um universo paralelo onde os Beatles nunca existiram e apenas ele se lembra das músicas. Nesse mesmo universo, coisas como cigarro e Coca-cola também nunca existiram.

Ele se reúne com os amigos e com sua empresária Ellie, toca a famosa canção Yesterday. Como ninguém reconhece a canção, Jack tem a ideia que mudaria a sua vida: regravar todas as canções dos Beatles como se fossem suas.

Jack passa os próximos dias relembrando o maior número de canções que ele pode e as toca pela cidade até chamar atenção de Gavin, um produtor musical local que o convida a gravar as canções. O sucesso de Jack como letrista é quase imediato, atraindo olhares de grandes produtores musicais e do cantor de pop Ed Sheeran. Ele é convidado para gravar um álbum com as músicas escritas e fazer turnê, porém Jack vive em desconfiança com a fonte das canções. Seu maior medo é de que alguém descubra que sua composição é uma farsa.

Além disso, a história também aborda o romance desencaixado que vivem Jack e sua empresária Ellie (interpretada por Lily James). Ao atingir o estrelato, Ellie decide que não vai mais o empresariar, quebrando a relação de anos que eles mantinham. De coração partido por nunca ter se declarado, ele segue sua jornada artística solitária.

Jack Malik (Himesh Patel) e Ellie (Lily James) vivem história de amor imersos na cultura musical pop

Nem todas as canções dos Beatles são relembradas por Jack, entretanto os clássicos I Wanna Hold Your Hand, Hey Jude, Back in the USSR e Yesterday estão entre os hits do filme, alegrando o gosto do público beatlemaníaco que esperou ver seus ídolos representados nesse longa-metragem. Há também a visita de um personagem inesperado para surpresa do público

Dirigido por Danny Boyle, cineasta e produtor britânico vencedor do Oscar, o filme trata da ética de um personagem em conflito. Em um mundo onde a genialidade dos Beatles não aconteceu e a mensagem de gerações não foi passada, seria antiético reproduzir as músicas como originais de Jack quando os créditos são de Paul McCartney, George Harrison, John Lennon e Ringo Starr?

Confira o trailer!

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