Covid 19 – embasamento para a tomada de decisão
SOBRE O MOMENTO, A LÓGICA E O BOM SENSO: “apenas uma flor, capitão”
COVID 19 – 28 mar 2020, sábado, 08h42
O meu argumento é CONTINUEM EM CASA. Este não é um texto científico. Até porque a ciência médica também tem os seus limites. E um deles é o senhor tempo. Nenhum cientista viveu até 2030 para analisar as estatísticas sobre as pessoas contaminadas, comparar com as não contaminadas, aplicar os testes e estabelecer as generalizações que tanto precisamos hoje. Tão pouco invocarei o bom senso, porque precisamos tomar decisões sérias e rápidas. Porque precisamos correr, mas precisamos correr para o lado certo. E o bom senso pode nos enganar neste tipo de cenário.
“Em momentos críticos, o homem vê exatamente o que deseja ver.” Sr. Spock, o vulcaniano, uma mistura de lógica e empatia, do seriado Jornada nas Estrelas, um dos poucos programas na televisão em Uruguaiana na década de setenta. A ciência médica tem nos ensinado uma dura lição há décadas: a premência de fazer algo, de tomar uma atitude, de usar o bom senso, nem sempre é o melhor a ser feito. Apesar dos franceses, há mais de trezentos anos, terem sido os pioneiros no uso da matemática para apoiar a tomada de decisão médica, lembrem-se das ventosas e das sanguessugas para tratamento de pneumonia, ainda na década de 80, durante minha faculdade, o referencial para a tomada de decisões era a fisiopatologia, ou seja, o bom senso. E fazia sentido, porque era o que tínhamos de melhor. Nesta década, a medicina mudou. A forma de decidir mudou. Vejam por que mudou. Até então, se o doente vinha ao consultório e apresentasse muitos batimentos prematuros do coração, um tipo de palpitação, o médico deveria lhe receitar um antiarrítmico embasado no bom senso, pois os antiarrítmicos pareciam proteger os doentes com infarto agudo do miocárdio e com as mesmas palpitações. Pois vamos, então, aos números: foi iniciado um estudo justamente para ver se os doentes ambulatoriais com palpitações estariam realmente se beneficiando dessa intervenção. O estudo precisou ser interrompido logo no início, porque o grupo que tomava o antiarrítmico estava morrendo mais do que o grupo de tomava um comprimido “de farinha”, de placebo. Aqui nasce, para a medicina, uma outra forma de pensar. A chamada medicina embasada em evidências, em provas, as “evidences” do inglês. E essa é a primeira lição que a ciência médica pode nos ensinar nesse momento crítico. O bom senso pode iluminar, mas nem sempre ilumina o lado certo.
Mas se o bom senso não é suficiente e se a ciência não chegará a tempo, que vamos fazer? Outra verdade para o nosso momento é que a ciência não tem a resposta definitiva para tudo. E nem nunca terá. Até porque, para ser científico, o conhecimento precisa ser passível de ser refutado, segundo Karl Popper, o filósofo da ciência moderna. Se não puder ser refutado, deixa de ser ciência e passa a ser dogma religioso. E aqui é que precisamos “chamar pela mãe”, a mãe de todas as ciências: a Filosofia. A sociedade brasileira está em xeque. Por um lado, o coronavírus que mata pessoas no mundo inteiro, por outro lado a questão econômica ameaçada pela única saída lógica nesse momento: o isolamento social. Nós gaúchos sabemos que, apesar do susto, chimarrão não mancha. Se tiver paciência e não esfregar, o desastre seca e a mancha sai com um soprão. Filosoficamente, esse é o momento de definirmos quais são os nossos verdadeiros valores. Vejam se faz sentido aplausos para os profissionais da saúde que estão saindo dos seus lares para morrer por um sistema que não coloca o ser humano em primeiro lugar. Não há coerência nisso. Mas, então, vamos todos nós morrer de fome? É claro que não! Primeiro, todo mundo para dentro de casa. Saímos da situação de xeque. Segundo, usamos a nossa razão, a nossa inteligência, análises de custo benefício, para decidirmos quem sai, como sai e quando sai. A economia depende da nossa inteligência. Vejam quantas sociedades completamente destruídas se reergueram e nem demorou tanto assim. Vejam o Japão, vejam a Europa, vejam nossa vizinha São Lourenço do Sul depois do “tsunami”. Não percam as esperanças. Nós podemos! Mas precisamos continuar vivos.
E, para aqueles que consideram a razão pura incompatível com o afeto, resgatei outra frase do vulcaniano:
“Uma pessoa pode começar remodelando a paisagem com apenas uma flor, Capitão.”
Samir Schneid, professor de clínica médica