O que a onda de calor tem a ver com a antártica? Tudo!
Pesquisadores gaúchos retornaram de uma expedição ao polo sul e explicam os impactos que as mudanças climáticas tem lá e aqui
Pelotas iniciou a semana com uma intensa onda de calor e instabilidade. Na última terça-feira (11), os termômetros chegaram aos 38°C, enquanto a umidade elevada fez a sensação térmica ultrapassar os 48°C. No entanto, o cenário começou a mudar a partir da tarde daquele dia, com uma tempestade que antecipou uma virada brusca no clima. Na quarta-feira (12), a máxima caiu para quase 25°C, marcando um forte contraste com o calor extremo dos dias anteriores.
Além disso, o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) emitiu um alerta de tempestade para a região, válido entre o meio-dia de terça-feira e a manhã de quarta-feira. O aviso previa chuvas de até 50 mm, ventos de 40 a 60 km/h e possibilidade de queda de granizo. O risco de danos severos foi considerado baixo, mas o fenômeno provocou alagamentos em pontos críticos da cidade.
Se antes oscilações bruscas de temperatura e tempestades eram fenômenos esporádicos, agora elas se tornam cada vez mais frequentes. Cientistas alertam que esses extremos podem ser consequências diretas das mudanças climáticas, que afetam não apenas o Rio Grande do Sul, mas todo o planeta.
A climatologista Venisse Schossler destaca que esses eventos extremos estão cada vez mais intensificados pelas mudanças climáticas. “O aumento da temperatura global, que também aumenta a temperatura dos oceanos, acaba fazendo com que essa variabilidade natural do planeta tenha esses processos intensificados, tanto no caso de chuvas concentradas quanto nas ondas de calor, como as que vivemos nesta semana”, explica.
Rio Grande do Sul e a crise climática
Os eventos extremos vividos pelo estado fazem parte de um cenário mais amplo de transformações no clima global. Segundo cientistas da Expedição Internacional de Circum-navegação Costeira Antártica (ICCE), que explorou a região polar recentemente, o aquecimento global tem impactos diretos na América do Sul, e o Rio Grande do Sul é uma das áreas mais vulneráveis a essas mudanças.
Durante a missão, os pesquisadores coletaram evidências alarmantes, como o derretimento acelerado de geleiras, o aumento da acidez dos oceanos e a presença de microplásticos na neve antártica. O professor Jefferson Simões, glaciologista da UFRGS, lembra que a temperatura da água nos oceanos tem subido constantemente, o que altera as correntes marítimas e impacta o clima de regiões distantes, como o Sul do Brasil.
Outro fenômeno que preocupa os cientistas é a intensificação dos “rios voadores”, fluxos de umidade que transportam grandes quantidades de vapor d’água da Amazônia para o Sul do país e para a Antártica. A presença desses rios atmosféricos está diretamente ligada às tempestades que ocorrem na região, podendo explicar o aumento da frequência de eventos extremos. Como destacou o professor Francisco Aquino, da UFRGS, o oceano, a neve e o gelo da Antártica influenciam diretamente o que acontece no Rio Grande do Sul.
Aquino também alerta para o risco da elevação do nível do mar, que já subiu 12 cm entre 1993 e 2022, com um aumento mais acelerado desde 2010. As projeções indicam que esse avanço pode chegar a 1,20 metro até o final do século, o que colocaria em risco diversas cidades litorâneas. Porto Alegre e outras cidades da Planície Costeira podem enfrentar problemas sérios com inundações caso essa previsão se confirme.
Além disso, as águas mais quentes do Atlântico Sul favorecem a proliferação de espécies como as águas-vivas, que têm sido vistas em maior quantidade no litoral gaúcho. Esse é um indicativo de que as correntes oceânicas estão alteradas, impactando a fauna marinha e toda a cadeia ecológica da região.
O impacto do aquecimento global já é realidade
O relatório Global Tipping Points Report, produzido por mais de 200 pesquisadores em 2023, alerta que, caso as emissões de gases de efeito estufa não sejam reduzidas drasticamente, poderemos ultrapassar um ponto de não retorno. O documento prevê impactos sociais severos, como deslocamentos em massa, instabilidade política e colapso financeiro.
Apesar dos inúmeros alertas de cientistas ao longo das últimas décadas, as emissões de gases poluentes continuam aumentando. O ano de 2024 foi o mais quente já registrado na história, e os efeitos desse aquecimento são sentidos de maneira cada vez mais intensa em todo o mundo. No Brasil, o Rio Grande do Sul já experimentou nos últimos anos eventos climáticos extremos que deixaram marcas profundas, como os temporais de setembro e novembro de 2023 e maio de 2024, que causaram enchentes, deslizamentos e destruição em diversas cidades.
Venisse destaca que esses fenômenos estão interligados com as mudanças climáticas globais e os padrões atmosféricos da Antártica. A pesquisadora explica que a oscilação antártica tem estado mais positiva nos últimos 50 anos, o que está diretamente associado ao aumento da temperatura global e ao buraco na camada de ozônio. Esse fenômeno influencia a distribuição das frentes frias e pode tornar eventos extremos ainda mais severos. Quando ela está negativa, permite a entrada de massas de ar frio, favorecendo tempestades.
Se antes a mudança climática parecia uma ameaça distante, agora ela se manifesta no dia a dia da população. O calor sufocante desta última semana, seguido por tempestades e quedas bruscas de temperatura, não são apenas oscilações normais do clima, mas sintomas de um planeta em transformação. Como afirmam os cientistas, o que acontece na Antártica não fica na Antártica e seus efeitos já são sentidos no Sul do Brasil.

Terça-feira (11), 12h, enquanto fazia 38°C em Pelotas, transeuntes se abrigavam do sol. Foto: Bárbara Vencato / Em Pauta