A união da boa estética com o clichê

Por Juliana Santos

Em uma tentativa de conquistar o público de Law and Order (1990), CSI (2000), Dexter (2006) e outras séries de suspense policial, a Rede Globo está apostando em produções do gênero, elaboradas em seus estúdios. Dois anos após João Emanuel Carneiro ter conquistado telespectadores fieis com Avenida Brasil, o canal traz agora, em uma salada de frutas nomeada Dupla Identidade, tudo o que Glória Perez conhece sobre o mundo dos serial killers, em formato de seriado.

Quem acompanhou a evolução de Nina e Carminha no horário nobre de 2012 percebeu que ali havia um produto diferenciado. Porém, como já disse Lavoisier, “nada se cria, tudo se transforma”. A trama foi inspirada na produção americana Revenge (2011) e até conquistou o público que sofre de insônia, quando foi exibida na rede Globo após o término da novela das nove.

Foi em Avenida Brasil que a emissora de Roberto Marinho consagrou uma mudança estética, onde iluminação e tratamento de imagens tentam imitar os 24 frames por segundo do cinema. O formato foi seguido em outras teledramaturgias, como Cordel Encantado (2011) e O Rebu (2014). Tal técnica vem sendo utilizada e aprimorada na nova série de Glória Perez, onde planos criativos compõem para a beleza estética da narrativa. A direção de Fotografia de Gustavo Hadba, junto de Felipe Reinheimer, transporta para a TV aberta, muito além do que conseguiu produzir no premiado longa Entre Nós.

Gagliasso é serial killer Edu. Foto: Reprodução (http://bit.ly/10nldYu)

Gagliasso é serial killer Edu. Foto: Reprodução (http://bit.ly/10nldYu)

A Dupla Identidade das ideias de Glória Perez

Consciente dessa formatação de imagem que seu canal vem trabalhando, Glória Perez estreou, no final de setembro, sua mais nova história. Dupla Identidade aborda o mundo dos serial killers com Bruno Gagliasso interpretando Edu, um homem bondoso que ajuda pessoas que passam por depressão, mas que, nas horas vagas, mata mulheres para alimentar seu ego.

A autora, que já havia enaltecido sua devoção ao seriado Dexter (Showtime, 2006) em sua última novela, hoje põe em prática seu imaginário ideal para um produto voltado ao público do suspense. A vilã de Salve Jorge (2012), interpretada por Claudia Raia, se utilizava de uma seringa para imobilizar suas vítimas, exatamente como o protagonista Dexter agia. Agora, na série em que possui toda liberdade para criação, a autora adota, além de sua referência em Dexter, vários jargões do suspense policial para caracterizar suas personagens, provando de forma errônea que “o menos é mais”.

Elemento que molda a ação dos serial killers reproduzidos nas telas, o souvenir (espécie de lembrança) é sempre extraído da vítima do assassino. Em Dupla Identidade, Edu guarda os últimos gritos de suas vítimas em um gravador de voz. Seria uma ideia original, se ele também não guardasse pedaços de cabelo, fotografias e objetos pessoais. Glória parece agarrar-se ao gênero tentando reproduzir várias ideias, extraídas de lugares diferentes, para compor sua narrativa.

Como qualquer produto audiovisual voltado para a TV, os diálogos precisam ser “mastigados” para que o público, que pode perder atenção por algum motivo na sala de casa, compreenda as cenas. Em Dupla Identidade a problemática foi pensada de forma inadequada, levando em conta que o gênero suspense necessita de alguma ansiedade e apreensão. Explicar detalhadamente o que os detetives estão procurando, o que encontraram e o que vêem, não é uma boa pedida em uma narrativa audiovisual, quiçá em um livro. O espectador necessita juntar por si só as pistas-crime para sentir-se entusiasmado pela narrativa. O suspense que Glória tenta oferecer fica então, apenas na química entre os policiais envolvidos.

Michael C Hall é serial killer Dexter. Foto: Reprodução (http://bit.ly/1vJwr2h)

Michael C Hall é serial killer Dexter. Foto: Reprodução (http://bit.ly/1vJwr2h)

Marcelo Novaes e Luana Piovani interpretam o Delegado Dias e a Detetive Forense Vera. As cenas entre a dupla funcionam muito bem (quando nenhum dos dois está dialogando). A autora extraiu de Dexter a essência da Detetive Debra Morgan, antagonista da história, para incluir na personalidade da personagem de Piovani.

A loira cumpre muito bem o papel de cruzar os braços e esboçar olhar de pensativa enquanto analisa o caso, mas sua interpretação misturada com diálogos repetitivos não se faz acreditar. Quando a atriz introduz certo convencimento de sua personagem para o espectador, o episódio acaba.  Para caracterizar o relevo da personagem de Novaes, Glória parece ter buscado inspiração nos primeiros contos de Allan Poe, onde o detetive tinha grande inimizade com a polícia. O Delegado é misterioso e expõe indiretamente a vontade que o caso seja solucionado pelas suas mãos.

Com uma narrativa bem estruturada esteticamente, a série que Glória Perez se propôs a elaborar merecia melhor atuação e mudança na perspectiva de envolvimento com o público. Na era da interatividade, o que menos o espectador quer é ver muita inspiração para pouca sustentação. O apreciador de sofá e controle remoto quer se relacionar com o conteúdo que assiste, como uma espécie de vício.  Com o seriado de 13 capítulos, a autora só mostrou ter uma “múltipla identidade”.

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