A redenção xavante

Por Gabriel Bresque

O futebol é redentor. Em suas páginas, histórias emocionantes são contadas e traçadas com pincéis próprios, que nenhuma outra realidade pode proporcionar. Nos braços nos torcedores, nos gritos de gol e nos momentos que decidem campeonatos, existem histórias desconhecidas por trás. Verdadeiros relatos de famílias, clubes e cidades que se misturam nos campos.

Nesse domingo, o futebol pelotense viveu um de seus mais lindos dias, com a conclusão de uma história fantástica, carregada de outras que a criaram. É um conto de vida, paixão, volta por cima de uma camiseta, uma instituição. Ela tem inicio, meio e fim, e três personagens marcantes. O primeiro deles é Cláudio Milar. Em janeiro de 2009, o Brasil de Pelotas tinha uma das equipes mais fortes do interior do estado. Cotado para ser uma das surpresas do Campeonato Gaúcho e favorito na Série C do Campeonato Brasileiro daquele ano, o clube sofreu o maior baque de sua história.

Foto: Reprodução (http://goo.gl/gBpueq)

Foto: Reprodução (http://goo.gl/gBpueq)

Um acidente com o ônibus que voltava do amistoso preparatório em Santa Cruz do Sul custou a vida de três pessoas, dentre elas o uruguaio Milar, ídolo da torcida, da instituição e candidato a artilheiro daquele ano. O xavante se viu sem grupo para disputar o Gauchão, e apesar da ajuda da dupla Grenal, foi rebaixado para a divisão de acesso do ano seguinte. Quando, no mesmo ano, a redenção pareceu surgir com o confronto contra o América-MG valendo vaga direta na Série B de 2010, um dia chuvoso em Pelotas e um placar sem gols, colocou os pelotenses em queda livre ao pior.

Pelo menos essa era a sensação que se tinha entre 2011 e 2012. Um clube que não conseguia voltar à elite do estado e ia, aos poucos, perdendo seu espaço nas competições nacionais: rebaixado na Série C em 2011, não conseguiu a classificação na D do ano seguinte e parecia que ia terminar o ano sem campeonato nacional no horizonte. Porem, o segundo personagem dessa história apareceu. Depois de uma divisão de acesso horrível, o Brasil contratou o treinador Rogério Zimmerman. Identificado com a torcida, recebeu a incumbência de colocar o grupo de atletas novamente na direção das vitórias. Demorou um pouco, mas conseguiu ainda em 2012. Mesmo sendo derrotado na primeira fase da Série D do Campeonato Brasileiro, a equipe de Zimmerman chegou a decisão da Copa FGF e conseguiu a vaga na Copa do Brasil de 2013.

A divisão de acesso de 2013 representou o início da redenção rubro-negra. Em uma campanha muito consistente, o Brasil foi campeão com sobras. Perdeu o primeiro turno para o São Paulo em Rio Grande nos pênaltis, e foi vencedor do segundo em uma final com sobras sobre o Aimoré. Do grupo de 2012, muitos jogadores continuaram, e alguns chegaram encorpando a equipe. É o caso do lateral esquerdo, Rafael Forster. Criado na base do Inter, Forster chegou ao xavante em 2013 e se tornou um dos principais nomes da conquista da divisão de acesso. Inclusive, fez de pênalti o gol que abriu o caminho para a conquista do segundo turno, contra o Aimoré. O terceiro personagem dessa história criou uma identificação imediata com a torcida. Sério, joga com a cabeça levantada e é responsável pela maioria das bolas paradas do xavante.

No Gauchão de 2014, o Brasil começou a fazer a história que a equipe de 2009 não teve tempo de cumprir. Foi campeão do interior com sobras e, numa semifinal na Arena do Grêmio, quase surpreendeu os grandes da capital. A marca de melhor time do interior que não pode ser confirmada em 2009 chegou com os comandados de Zimmerman.

Mas a história ainda não terminaria para a equipe. O futebol quis que se levassem cinco anos para o Brasil voltar ao lugar em que estava antes do acidente. Depois de uma campanha irretocável na Série D do Campeonato Brasileiro de 2014 e uma classificação com goleada sobre o Operário, era a vez de decidir a vaga diretamente contra o Brasiliense. Na semana passada, em Pelotas, a equipe do Distrito Federal saiu na frente, porém a força da massa xavante a das alterações de Zimmerman empurraram os pelotenses a uma vitória de virada por 2×1, com gols de Cirilo e Fernando Cardoso. Então no domingo, 19 de outubro, no Estádio Boca do Jacaré, o Brasil decidiu seu destino. Com quase 500 pelotenses que viajaram mais de 2,3 mil km até Ceilândia. Quis a história que, mais uma vez, o Brasiliense saísse na frente, dessa vez com um 2×0 que os dava a classificação. Quis também que o artilheiro xavante na temporada, Nena, fizesse o gol que levou a disputa aos pênaltis.

Foto: Kleber Lima/Jornal de Brasília.

Foto: Kleber Lima/Jornal de Brasília.

Em Pelotas, milhares de rádios sintonizaram nas cobranças. O coração xavante gritava, batia, estourava de tensão pelas cobranças. Depois de nove cobranças, ficou para Rafael Forster fazer a decisiva. Em seus pés, o sonho de milhares de pelotenses, apaixonados por seu clube. Mas mais do que isso, Forster carregava naquela batida o peso da história. A chance de concluir um ciclo, de dar redenção ao clube que sofreu a pior tragédia da história do futebol gaúcho. O futebol sempre soube que o lugar do Brasil de Pelotas era na Série C do Campeonato Brasileiro. Por isso, quando o camisa seis correu para a bola, ela estufou a rede do Brasiliense e libertou o grito na garganta dos xavantes. Libertado, também foi seu maior ídolo. Milar agora sabe que o Brasil está onde merece estar.

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