A rebeldia continua! Ou pelo menos deveria

Por Sarah Oliveira /Em Pauta

Um novo ano letivo começa no famoso Elite Way School e agora com uma nova turma de alunos dispostos a seguir o caminho para o estrelato.

Rebelde na versão da série da Netflix

A nova adaptação de “Rebelde” estreou na Netflix nos primeiros dias de 2022, mas desde o início da divulgação da série inúmeras perguntas vieram à mente sobre como seria o mais novo reboot desse clássico adolescente.

Reboot. A palavra tão temida por fãs de diversas obras, hoje também se torna motivo de expectativa acerca desse novo olhar sobre algo já existente. A nostalgia nos deixa ansiosos e preocupados quando uma produção que assistimos quando éramos mais novos volta à vida quando já estamos mais velhos. O medo de seu filme favorito virar uma piada, a decepção ao saber o atual rumo que seus personagens favoritos tomaram na nova temporada daquela sua série conforto décadas após o seu fim original e assim por diante. Todos esses sentimentos se misturam quando lemos as palavras “reboot” e “remake”. Pelo menos foi o que aconteceu comigo quando soube que a Netflix estava produzindo a sua própria versão de “Rebelde”.

A clássica novela teen latina, criada e escrita por Cris Morena, encanta o mundo desde a sua estréia nas televisões argentinas em 2002 com “Rebelde Way”, porém o fenômeno só chegou aos jovens brasileiros através da transmissão do remake mexicano “Rebelde” (2004), em 2005 pelo SBT e tanto a novela quanto a banda foram um sucesso entre crianças e adolescentes de todo o país. E com o anúncio de uma nova geração de rebeldes vindo por aí, foi impossível não pensar sobre como isso viria de encontro com a geração anterior e ela veio de uma forma surpreendente: a série seria uma continuação da novela mexicana dos anos 2000 e com a volta de algumas personagens conhecidas, porém, a trama ainda era um mistério – até mesmo nos trailers.

Quando a obra estreou na plataforma, encontramos um novo Elite Way School – ou como agora é chamado “EWS” – com instalações modernas, ensino acadêmico modificado e com um enorme painel homenageando os seis alunos mais famosos de toda a história da instituição, os integrantes da banda RBD: Roberta Pardo, Mia Colucci, Lupita Fernández, Diego Bustamante, Miguel Arango e Giovanni Mendez.

No capítulo piloto somos introduzidos aos novos estudantes e protagonistas: Jana Cohen (Azul Guaita), uma cantora adolescente mega famosa nas redes e filha de Pilar Gandía, ex-aluna do colégio e filha do ex-diretor. O argentino Luka Colucci (Franco Masini), primo da célebre patricinha Mia. Sebastian (Alejandro Puente) veterano no colégio e filho da prefeita da Cidade do México. Andi (Lizeth Selene) chega ao “EWS” depois de uma intervenção familiar devido a suas encrencas do colégio anterior. Dixon (Jeronimo Cantillo) é colombiano e vai para o colégio em busca de realizar o seu sonho em ser um rapper famoso por suas rimas.

A doce M.J. (Andrea Chaparro) vai para o Elite Way inspirada por sua banda favorita e também para poder aprimorar o seu talento com os programas oferecidos na escola. A brasileira Emilia (Giovanna Grigio), também é veterana e a aluna mais popular do colégio. E o misterioso Esteban (Sergio Mayer Mori) está lá para saber mais sobre os Colucci e o envolvimento deles no desaparecimento de sua mãe – enredo bastante similar ao de Miguel (Alfonso Herrera), que estava em busca dos Colucci para poder vingar a morte de seu pai.

Com histórias e personalidades distintas, o novo elenco traz não somente o seu talento musical em canções originais e regravações do RBD para a tela, mas também a diversidade com personagens racializados e membros da comunidade LGBTQIA +, algo inexistente na primeira versão, tanto no elenco protagonista quanto no elenco secundário.

Elencos de Rebelde e Rebelde Way

Além de todos os dramas adolescentes possíveis, os estudantes vão com tudo durante o ano letivo para saber quem irá se destacar no Programa de Excelência Musical e no maior evento do ano, a Batalha das Bandas, mas esse não será o maior de seus problemas – ou pelo menos foi isso que as prévias da série deram a entender com a volta da famosa e perigosa Seita.

A Seita era um grupo mascarado formado por estudantes do Elite Way que acreditavam que os alunos bolsistas – e todos aqueles que não se encaixavam nos conceitos de superioridade – não mereciam estar na instituição por não serem do mesmo nível social que os demais e a partir disso passavam a perseguir e a torturar estes adolescentes a um ponto tão extremo que nunca um bolsista conseguiu chegar até o último ano de formação e se graduar. Em “Rebelde”, os estudantes da turma do terceiro ano encontraram provas concretas da existência da Seita – que até então era incerta e tratada pelos superiores do colégio como uma piada ou boato dos mais jovens – e dessa maneira conseguiram a expulsão imediata de todos aqueles que participavam dos atos, encerrando a atuação de anos da entidade dentro do colégio.

Grupo de vilões mascarados A Seita

Porém, nesta adaptação, a Seita não passa de um grupo de adolescentes comandados por Sebas, filho de grandes políticos do país, para sabotar aqueles concorrentes que ele considera uma ameaça na Batalha das Bandas, tornando um dos maiores conflitos do “EWS” em um brinquedo nas mãos de um filhinho de papai que não aceita o fato de existirem pessoas tão ou mais talentosas que ele. Essa de fato foi uma das coisas que mais me decepcionou. A jamais pensada volta da Seita – uma instituição tão cruel que nos mostra como desde a juventude os ideais sociais impostos pelos mais velhos nos cerca e nos influencia de ambas as maneiras – reduzida a uma mera ferramenta de um rapaz inseguro e mimado, fez parecer que todo o esforço e os momentos de tensão enfrentados pelos estudantes de 2004 – que vão desde agressão física à tentativa de assassinato -, foi a toa.

Além disso, uma das únicas coisas que eu esperava desse reboot era que eles mantivessem a continuidade já deixada de bandeja pela novela desde o seu primeiro final na edição argentina em 2003 e seguida pelos mexicanos em 2006: o Elite Way School se tornando um colégio público. Mas esta foi mais uma decepção.

Como “Rebelde (Netflix)” seria uma continuação, o natural seria eles serem coerentes com o encerramento já estabelecido pela versão anterior, certo? Porém não foi bem assim, já que no tempo presente o “EWS” continua sendo uma instituição privada – e cara – frequentada por adolescentes metidos e elitistas, filhos dos ricos e influentes da elite mexicana e de toda América Latina, visto que agora o colégio também se tornou um local de renome internacional.

A série de 2022 ignora completamente um fato tão significativo para a história original – que representa o esforço e o espírito verdadeiramente rebelde da juventude capaz de mudar o ambiente que está inserido e aqueles à sua volta dispostos a tal feito -, fazendo a reformulação da escola abolindo todo o seu sistema conservador de ensino privado e se tornando acessível para todos aqueles que gostariam de ingressar, ser o maior exemplo disso.

A trama também se perde no seu próprio enredo autoral apresentando diversos sub-plots e deixando-os sem resolução ou com uma resolução rápida e desleixada para poder cumprir os seus 40 minutos e 8 episódios de duração. Também, seus protagonistas não escapam do roteiro sem mãos firmes, fazendo a maioria perder a sua essência e carisma conforme a narrativa avança tornando-os chatos, previsíveis e iguais a quaisquer outros personagens adolescentes de qualquer outra produção juvenil. Além de decidir trocar um de seus únicos traços de originalidade: o nome da nova banda – que no início se chamava “Sin Nombre” (Sem Nome) e no final do último episódio se tornou “Rebelde”, palavra que derivou a sigla RBD.

 Rebelde Netflix em ação no palco

Apesar de tudo isso, “Rebelde (Netflix)” tem os seus pontos bons como o inesperado romance entre a adorável M.J. e o fora dos padrões Dixon, a relação conturbada porém interessante entre a patricinha Emília e a ousada Andi, a atitude batida, mas atraente de vilãozinho adolescente de Sebas e a personalidade irritantemente atraente de Luka. A adaptação também trouxe uma atualização necessária para uma história que neste ano cumpre 20 anos, principalmente na questão representativa: trouxe um elenco diverso em nacionalidade e cultura, aborda com seriedade temas que antigamente eram tratados como alívio cômico – como por exemplo a gordofobia sofrida por Celina Ferrer, que hoje é a diretora da escola – e também uma versão menos sexualizada dos icônicos uniformes vermelhos.

Por fim, minha experiência com este reboot de uma das novelas que mais me marcou a vida foi exatamente da maneira que eu achei que seria: decepcionante e entediante. Porém, no fim das contas, serviu para algo bom: finalmente decidi buscar a versão original da novela (Rebelde Way) e assistir-lá do início até o fim – mesmo já sabendo todos os seus enredos e desfechos -, mas que ao menos entregaria o entretenimento e a verdadeira alma rebelde dos jovens do Elite Way School que eu buscava.

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