Professores do CLC se posicionam sobre distribuição da carga horária em atividades de ensino

Os professores do Centro de Letras e Comunicação da UFPEL, reunidos no dia 23 de junho de 2017, analisaram e discutiram a minuta de Resolução que visa, conforme o próprio texto, “Estabelecer normas para distribuição da carga horária mínima e máxima em atividades de ensino para o quadro de docentes”. A seguir seguem algumas notas e comentários que expressam a opinião do corpo docente do CLC/UFPEL:

Inicialmente, é importante considerar que a minuta em questão traz uma série de propostas referentes a vários elementos e não apenas à carga horária, como, por exemplo, resoluções sobre regime de contratação e estágios. Acaba, assim, por unificar o tratamento de matérias diversas e polêmicas, o que, a nosso ver, não é positivo para o debate e para a organização da própria proposta. Nesse sentido, seria importante que ela fosse separada em suas várias temáticas, que pudessem, então, ser discutidas de forma profunda em suas particularidades pelos diversos colegiados e unidades da instituição.

Com relação ao artigo terceiro, que trata da carga horária docente, fazemos as seguintes ressalvas:

Diz o artigo, na minuta proposta: “A carga horária a ser integralizada pelos docentes em atividades de aula deve corresponder ao mínimo de dez (10) horas-aula de cinquenta minutos por semana, o que equivale a oito horas e vinte minutos de trabalho”.

Ora, a carga horária mínima docente já está estipulada pela LDB 96 (Lei 9394/96), que, em seu artigo 57, disciplina:

“Art. 57. Nas instituições públicas de educação superior, o professor ficará obrigado ao mínimo de oito horas semanais de aulas.”

A nosso ver, assim, não cabe à IES criar uma norma inferior em flagrante desacordo com a norma superior. Além disso, lembramos aqui a chamada “Lei da Técnica Legislativa” (Lei Complementar 95/98), que, por força do art. 1º, parágrafo único, que determina sua aplicação, no que couber, “aos decretos e aos demais atos de regulamentação expedidos por órgãos do Poder Executivo”. Esta lei, no art. 7º, IV, prevê:

“o mesmo assunto não poderá ser disciplinado por mais de uma lei, exceto quando a subseqüente se destine a complementar lei considerada básica, vinculando-se a esta por remissão expressa.”

Outro argumento apresentado para a mudança, pela Reitoria, diz respeito a uma discussão sobre hora-relógio e hora-aula, que parece ser o cerne da questão levantada pela Reitoria na discussão. Levantamos ainda que tal discussão já foi feita pelo MEC. Assim, a carga horária mínima docente diferencia hora-aula e hora-relógio. Enquanto esta última deve ser computada aos DISCENTES para a conclusão dos cursos, aos DOCENTES, conta-se a “hora-aula”, conforme parecer do próprio MEC (CNE/CS 261/20061, homologado e publicado no DOU de 25/06/2007). De acordo com o parecer, que busca solucionar as confusões entre hora-aula e hora-relógio:

“(…) em relação às instituições públicas de ensino superior, dispôs o art. 57 que os docentes dessas instituições ficarão obrigados “ao mínimo de oito horas semanais de aulas”.” (grifo nosso)

Há diferenças entre a hora de atividade e a hora de trabalho escolar efetivo. O Conselho do MEC posiciona-se explicitando que a aula não se resume apenas à sala de aula. A hora-aula, objeto do referido parecer, é constituída tradicionalmente por 50 minutos de aula e dez minutos de intervalo, conforme o documento explicita:

“na hora escolar brasileira, tornou-se prática consagrada destinar-se, a cada hora, dez minutos aos chamados “intervalos”. Esse esquema de 50 + 10, em verdade, se enraíza no próprio racionalismo pedagógico, fazendo parte da atividade educativa.” (grifo nosso)

Nesse sentido, o parecer explicita ainda que, no ensino superior, o intervalo faz parte da hora escolar brasileira:

“Manifestações anteriores deste Conselho ressaltaram que os chamados intervalos fazem parte da hora escolar brasileira, o que se enraíza no racionalismo pedagógico, atende a uma orientação de flexibilidade e consagra uma realidade acadêmica.” (grifo nosso)

Portanto, não nos parece fazer qualquer sentido nem a regulamentação da proposta e nem seu argumento central. A nosso ver, no máximo, a IES poderia disciplinar o tempo de hora-aula (visto que há diferenças entre a aula diurna e a noturna) e os intervalos, mas não ir contra regulamentações anteriores e superiores sobre essas práticas.

Além disso, no mesmo artigo, também se colocam flagrantemente contrários à legislação seus parágrafos segundo, terceiro e quarto. No § 2º, a minuta reduz a carga horária de sala de aula às horas dispendidas em disciplinas, quando a própria resolução explicita que as atividades de ensino vão bem além da sala de aula. De modo ainda mais incisivo, o § 3º parece particularmente complicado, na medida em que explicita que “o ensino de graduação tem prioridade” sobre todas as demais atividades. Essa dissociação, com privilégio do ensino da graduação, parece afetar diretamente os critérios previstos em lei. Em seu art. 43, a LDB prevê, no inciso III e VI, o trabalho de pesquisa e de extensão, respectivamente, como fundamentos da instituição de ensino superior, de acordo com o art. 207 da Constituição Federal, que reza:

“Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.” (grifo nosso)

A doutrina indica que este princípio, de modo geral, coloca no mesmo patamar, como atividades-fim da universidade, tanto o ensino, quanto a pesquisa e a extensão. Ferraz (1998), por exemplo, ressalta a obrigatoriedade do cumprimento do art. 207, dizendo que “tão somente para ilustrar, é possível registrar que, no que concerne à autonomia-fim (autonomia didática e científica), devem as universidades observar, dentre outros, os princípios do próprio artigo 207 (indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão)”. Além disso, não podemos

ignorar o fato de que alguns professores comprometem a prioridade do ensino ao se dedicarem exclusivamente a atividades administrativas.

Sendo assim, é inconstitucional, no nosso entendimento, uma IES privilegiar uma única atividade em detrimento das demais, conforme propõe a minuta. Aprofundando este ponto, há o entendimento de que nenhuma das atividades-fim da universidade deveria ser considerada “prioridade”, pois não existe hierarquia entre as três atividades-fim. Repetimos que a minuta, portanto, se mostra contraditória àquilo que prevê a Constituição.

Ademais, o art. 5° ainda reforça o antagonismo com relação ao previsto na legislação quando afirma que a carga horária “em sala de aula não poderá ser superior a 50% do regime de trabalho do docente em 20 horas e a 40% do regime de trabalho do docente em 40 horas”. Ora, pois, no decreto nº 5.773, de 9 de maio de 2006, ficou estabelecido que regime de trabalho docente em tempo integral compreende a prestação de quarenta horas semanais de trabalho na mesma instituição, nele reservado o tempo de pelo menos vinte horas semanais para estudos, pesquisa, trabalhos de extensão, planejamento e avaliação (art. 69, parágrafo único). (grifos nossos). Isso significa que o professor possui o direito de realizar outras atividades relacionadas à docência, não sendo o seu trabalho reduzido à “sala de aula”.

“Parágrafo único. O regime de trabalho docente em tempo integral compreende a prestação de quarenta horas semanais de trabalho na mesma instituição, nele reservado o tempo de pelo menos vinte horas semanais para estudos, pesquisa, trabalhos de extensão, planejamento e avaliação.”

Desse modo, o teto máximo de 40% em sala de aula prevê, portanto, 16h em sala de aula, mais atividades de preparação e correção de atividades, etc., constando de, pelo menos, 32 horas dedicadas ao ensino, ferindo diretamente o preceito. Nesse cômputo, não se prevê, por exemplo, os diferentes perfis de turmas que encontramos na instituição. Um dos pontos importantes que tangem a esses perfis diz respeito à quantidade de alunos por turma. Já é comum encontrarmos turmas com mais de 50 alunos nas salas de aula de Produção Textual, por exemplo, caracterizando um trabalho docente diferenciado com relação a turmas menores.

No que diz respeito ao art. 7º, deve-se considerar, conforme apontado pela Comissão das Licenciaturas (Memo.050/2017/CEC-PRG), que as atividades de orientação de estágio devem ser consideradas em sua especificidade nos Cursos de Licenciatura. Isso se deve ao fato de que o Estágio Supervisionado diz respeito a “aulas na universidade e acompanhamento sistemático aos estagiários nas redes de ensino (também uma exigência das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores)”.

Outro ponto importante concerne ao art. 8º, que isenta o professor da participação nas horas de atividades codificadas como Exercícios. Argumentamos que a participação do professor nessa carga horária deve, sim, ser computada, pois ele é o responsável tanto pela elaboração do exercício quanto por sua correção.

Finalmente, o art. Art. 9º prevê a contabilização de outras atividades como “pesquisa, extensão, administração, capacitação docente, participação em órgãos colegiados e comissões permanentes”. Entretanto, é preciso salientar que a maioria dessas atividades não tem carga horária regulamentada, e que muitos professores participam de comissões e capacitação sem conseguir obter uma carga horária correspondente em sua semana de trabalho, simplesmente constando como trabalho “a mais” ou na jornada “estendida” que corresponde àquela

realizada no tempo de descanso, o que também é inconstitucional, uma vez que a Carta maior prevê, em seu art. 6º, incisos XIII e XV, a jornada de trabalho de 40h semanais e o direito ao descanso, salvo em negociações coletivas de trabalho.

Desse modo, o CLC-UFPEL considera a proposta de minuta encaminhada pelo COCEPE uma afronta às condições de trabalho dos docentes da UFPEL, descaracterizando a universidade pública ao se ter o ensino como atividade-fim principal. A desvalorização do trabalho com pesquisa e extensão poderá acarretar a precarização dos cursos da instituição, indo na mesma direção daquilo que historicamente é praticado nas instituições de ensino superior privadas.

REFERÊNCIAS:

Ferraz, A. A Autonomia Universitária na Constituição de 05.10.1998. Revista do Centro de Estudos da Procuradoria Geral da República. Texto 5. Disponível em: http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/revista/tes5.htm Acesso em 11/07/2017.

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