Sputnik News |’Líder natural’: para analistas, mediar questão de Essequibo fortalece influência regional do Brasil [Charles Pennaforte]
Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas em relações internacionais destacam que imbróglio expõe a posição do Brasil como líder indispensável na América do Sul e contribui para a agenda de Lula de empoderamento regional.
Intermediado pelo governo brasileiro, o encontro entre os presidentes da Venezuela, Nicolás Maduro, e da Guiana, Irfaan Ali, para discutir o imbróglio envolvendo a posse do território de Essequibo colocou o Brasil novamente sob os holofotes por conta de sua atuação como líder regional na América do Sul.
E esse posto de liderança brasileiro é reconhecido por países vizinhos. Prova disso é que a resolução assinada por Maduro e Ali, ao final do encontro, determinou, entre outros pontos, que ambos os lados devem se abster de palavras e ações que resultem em escalada do conflito, e em caso de qualquer incidente envolvendo o conflito, Guiana e Venezuela terão de se comunicar entre si, e acionar a Comunidade do Caribe (Caricom), a Comunidade da América Latina e do Caribe (Celac) e o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, para prevenir novos incidentes.
A Sputnik Brasil conversou com especialistas em relações internacionais para analisar como o encontro reflete a postura do Brasil como líder natural na região e como isso contribui para pautas importantes para o governo atual, como a retomada da integração regional e a busca por um assento permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU).
Brasil como líder natural e indispensável para a região
Charles Pennaforte, professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e coordenador do Laboratório de Geopolítica, Relações Internacionais e Movimentos Antissistêmicos (LabGRIMA), afirma que o Brasil tem um papel fundamental e indispensável em qualquer evento que possa ocorrer na América do Sul.
“O Brasil tem um papel de grande destaque pelo seu tamanho, sua importância. Então é natural que o Brasil exerça a sua influência. E principalmente quando se tem aí a questão da Venezuela, já que o Brasil sempre teve uma postura de discordância em relação às sanções em relação ao governo Maduro. Então vejo como uma grande tarefa no Brasil intermediar essa questão histórica entre Venezuela e Guiana.”
Ele acrescenta que existe um consenso sobre a liderança natural do Brasil no continente sul-americano, entre todos os países da região, não apenas por ser o maior país em extensão territorial, mas por sua economia e capacidade de influência.
“Logicamente, existem períodos de avanços e retrocessos. Sob o governo Bolsonaro, o país abandonou a sua liderança, preferindo se ater a questões menores, e, principalmente, irrelevantes. Mas é um processo natural. O Brasil, pelo seu tamanho, já é visto naturalmente como um ator importante na América Latina e, principalmente, na América do Sul.”
EUA perdem proeminência, enquanto influência do Brasil se fortalece
A resolução assinada por Maduro e Ali colocou o Brasil como um dos atores a serem acionados em caso de escalada de tensão na questão. Questionado se isso reflete uma perde de influência dos Estados Unidos na América do Sul, e na América Latina como um todo, Pennaforte aponta dois fatores a serem levados em conta.
O primeiro é a perda de interesse de Washington na região, especialmente após a eclosão do conflito entre Israel e Hamas no Oriente Médio.
“O foco dos Estados Unidos é o Oriente Médio, a questão do petróleo, o Irã. Então a América Latina fica como um ator nem secundário, mas um ator terciário nesse cenário. Logicamente, tudo que possa gerar uma perda de influência ou qualquer tipo de imprevisto para a política do Departamento de Estado norte-americano é perigoso. Então governos à esquerda, ou à esquerda de uma maneira muito exagerada, como, por exemplo, a Venezuela desde o governo [Hugo] Chávez, isso cria problema, sem dúvida nenhuma, porque os americanos não gostam de governos declaradamente anti-Estados Unidos. Então é natural que eles tentem exercer [influência], mas o fato é que pela falta de interesse geopolítico e pelo próprio momento que o mundo está passando, é inevitável que eles percam a proeminência sobre a América do Sul.”
Somado à perda de proeminência dos EUA na América do Sul, Pennaforte destaca que há uma concordância entre os países sul-americanos de que questões locais do continente devem ser tratadas pelos próprios líderes da região.
“Os Estados Unidos não têm mais, como tinham antigamente, a capacidade de exercer uma influência determinante. O mundo vive um outro cenário, em que não será governado pelo antigo eixo euro-atlântico. Os BRICS estão por aí e outros países também vão participar cada vez mais das decisões dos seus próprios destinos.”
Porém, ele alerta que o estreitamento de laços entre governos sul-americanos com Rússia e China é um ponto nevrálgico para Washignton.
“A aproximação que existe da Venezuela com a Rússia e com a China demanda uma preocupação por serem inimigos geopolíticos de Washington. Então se isso se aprofundar de uma maneira muito intensa, realmente os Estados Unidos vão começar a olhar com uma preocupação bem maior.”
Questão de Essequibo é mais um teste na busca do Brasil pelo assento no CSNU
Para Pennaforte, a mediação do Brasil no encontro entre Maduro e Ali reflete a credibilidade alcançada por Lula no cenário internacional desde os dois primeiros mandatos do presidente, tendência que, segundo o especialista, deve continuar no atual mandato.
“A tendência é que o Brasil, desenvolvendo um protagonismo mais atuante, mais acelerado, vamos dizer assim, é normal que figure como um interlocutor privilegiado na geopolítica e no cenário internacional.”
Na avaliação do especialista, dependendo dos resultados da atuação do governo brasileiro nas questões internacionais, o Brasil pode se qualificar para o sonhado assento no Conselho de Segurança da ONU.
“Sem dúvida nenhuma, se o Brasil atuar de uma maneira sempre efetiva nos principais temas internacionais, na agenda internacional, o país se qualifica como um possível país com assento no Conselho de Segurança. Lembrando que o próprio Conselho de Segurança já não representa a realidade do século XXI, tendo em vista que os próprios membros atestam isso, só que ninguém quer dar o pontapé inicial para desmontar essa estrutura antiga. Então teremos que ter mais eventos geopolíticos importantes para levar a ONU a essa mudança qualitativa.”
Ele destaca que o fato de o próximo encontro entre Maduro e Ali ser marcado para ocorrer no Brasil, nos próximos três meses, com data e cidade a serem definidos, traz a discussão para o país, o que é algo positivo.
“O Brasil como anfitrião dessa proposta é extremamente positivo, apesar de que eu acredito que essa questão da Venezuela é mais um balão de ensaio para a questão das eleições ano que vem na Venezuela, é um aglutinador. Mas do ponto de vista do Brasil, é importante, sim, trazer essa discussão e conseguir resultados logicamente efetivos para que isso não se torne um evento de grandes proporções. Mas o Brasil está acertando, dentro do possível. É claro que uma parte da mídia quer uma atitude rápida, e não é assim, mas o Brasil está no caminho certo.”
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