Comissão Europeia aposta no comércio para tentar frear expansão da influência chinesa na região. Chefe da diplomacia do bloco minimiza diferenças em relação à guerra na Ucrânia.
A Comissão Europeia apresentou nesta quarta-feira (07/06) uma estratégia comercial para renovar os laços com a América Latina – uma região que foi marginalizada pelo bloco nos últimos anos. O documento foi divulgado nas vésperas do encontro entre os líderes da União Europeia (UE) e da América Latina e Caribe, previsto para julho. Essa a primeira reunião do tipo desde 2015.
O chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, afirmou que, embora a UE e os 33 países da América Latina e Caribe tenham “uma história comum e valores compartilhados, essa parceria foi subestimada ou, até mesmo, negligenciada”. Ele destacou que as relações comerciais permanecem fortes, mas a cooperação política ficou pelo caminho.
“A América Latina tem seus próprios problemas de fragmentação política”, disse Borrell, apontando para a crise na Venezuela e a “deriva autoritária” na Nicarágua. Segundo o alto representante da UE para a política externa, a União Europeia estava preocupada com migração e Brexit, mas a ascensão da China e a invasão da Ucrânia pela Rússia reajustaram o foco do bloco para a América Latina.
Falando em condição de anonimato antes da divulgação da estratégia, um alto funcionário da UE descreveu a América Latina como “um antigo namorado que você toma como algo certo, mas quando as coisas ficam difíceis, você percebe o quanto essa pessoa é importante”.
Reuniões regulares e acordo comercial
Para ajudar a reascender a chama, o executivo da UE propõe reuniões regulares entre chefes de Estado e governo, além de um “mecanismo de coordenação permanente” entre a União Europeia e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac). Mas uma das prioridades é a conclusão do acordo comercial entre o bloco europeu e o Mercosul, composto por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai.
“A conclusão do acordo entre a UE e o Mercosul é uma prioridade para a União Europeia, pois ele uniria as duas regiões em uma parceria vantajosa para ambas as partes, que criaria oportunidades para um maior crescimento, apoiaria empregos e impulsionaria o desenvolvimento sustentável”, afirma a Comissão Europeia numa proposta enviada aos países membros e ao Parlamento Europeu.
Depois de mais de 20 anos, as negociações para o acordo foram concluídas em 2019, mas o texto ainda não foi ratificado devido a preocupações ambientais. Com a explosão do desmatamento na Amazônia, durante o governo de Jair Bolsonaro, a União Europeia efetivamente ficou de braços cruzados. Mas a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva no ano passado, que também está ansioso para finalizar o acordo, reacendeu as esperanças de que o pacto pudesse ser levado adiante.
O acordo, provavelmente, levaria a um grande aumento das importações de carne bovina da América do Sul para a Europa – o que enfrenta resistência de agricultores franceses e irlandeses, além de grupos ambientais como o Greenpeace. Os países do Mercosul também têm algumas preocupações sobre o pacto.
Com a Espanha, antiga potência colonial em grande parte da América Latina, assumindo a presidência rotativa da UE em julho, os defensores do acordo esperam que a finalização ganhe força. Madri mantém laços estreitos com a região.
Em sua estratégia, a Comissão Europeia também destacou a necessidade de finalizar um acordo com o Chile, México e fazer com que os países membros do bloco ratifiquem os pactos assinados com Colômbia, Peru e Equador.
O impasse sobre a guerra na Ucrânia
Diplomatas europeus expressaram preocupação sobre o que eles consideram um apoio enfadonho à Ucrânia em sua batalha contra a invasora Rússia. Lula irritou a União Europeia com comentários recentes, insinuando que a Rússia e a Ucrânia dividem a responsabilidade pela continuação da guerra porque nenhum dos dois países teria buscado negociar a paz.
Borrell tentou minimizar essas preocupações nesta quarta-feira. “Nesse caso específico da Ucrânia, houve posições sobre as quais discordámos, que foram objeto de qualificação posterior, mas creio que refletem a vontade de contribuir para a procura da paz”.
O alto representante da UE ressaltou a votação histórica dos governos latino-americanos nas Nações Unidas, onde houve uma forte condenação à invasão russa. Sobre o Brasil, Borrell disse que o país “deixou muito claro a rejeição da invasão da Ucrânia”, manifestada por voto na ONU.
Desigualdade deixada de lado
Na avaliação de Hernan Saenz Cortes, da ONG Oxfam, o foco da União Europeia apenas no comércio coloca em risco a abordagem da crescente desigualdade na região. “Nos últimos três anos, o 1% mais rico acumulou 21% da riqueza criada, enquanto 60%, ou seja, seis em cada dez latino-americanos, estão em situação de vulnerabilidade, que atinge principalmente mulheres e a população indígena e negra”.
De acordo com Cortes, em vez de apenas tentar competir com a crescente presença na China em áreas-chave de investimento como lítio, do qual a região produz 60% da oferta global, a União Europeia deveria se questionar em como oferecer algo diferente. As possibilidades para isso incluem o apoio à sociedade civil ou suporte a políticas de dívidas progressivas em fóruns multinacionais, exemplifica o especialista.
“Se a UE realmente deseja aprofundar as relações com a América Latina, o bloco deve colocar as desigualdades no centro dessa agenda”, ressalta Cortes.
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